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Leucotomia pré-frontal a Egas Moniz: Técnica. Resultados imediatos e tardios em 100 casos

Resumos

O A., neurocirurgião do Hospital de Juqueri (S. Paulo), para divulgar as vantagens terapêuticas da leucotomia frontal segundo a técnica de Egas Moniz e os pequenos riscos desta intervenção no que diz respeito à vida do doente e a complicações secundárias, relata os resultados obtidos nas primeiras 100 doentes operadas naquele hospital. Apesar de não ter havido seleção dos doentes quanto ao estado geral e quanto à idade da doença mental, só tendo sido operadas pacientes nas quais todos os outros recursos terapêuticos tinham falhado, houve 24% de remissões completas ou de melhoras muito nítidas. O A. pensa que esta percentagem aumentará quando forem operadas doentes com menor tempo de doença e nas quais o nível mental e cultural permita uma utilização mais ampla da reeducação psíquica pós-operatória.


In order to divulgate the therapeutic advantages of frontal leucotomy according to the technique of Egaz Moniz, especially concerning life risks and secondary complications, the results obtained on the first 100 women patients so treated in the Hospital de Juqueri (São Paulo), are here presented. No selection of cases was made with reference to general conditions and duration of mental disease. Furthermore, the operation was performed only on? patients in which all other treatments had failed. In spite of these factors, complete remission or definite improvement was observed in 24% of the cases. The authors belives that a selection of patients wold increase the percentage of good results.


Cirurgião do Hospital do Juqueri

RESUMO

O A., neurocirurgião do Hospital de Juqueri (S. Paulo), para divulgar as vantagens terapêuticas da leucotomia frontal segundo a técnica de Egas Moniz e os pequenos riscos desta intervenção no que diz respeito à vida do doente e a complicações secundárias, relata os resultados obtidos nas primeiras 100 doentes operadas naquele hospital. Apesar de não ter havido seleção dos doentes quanto ao estado geral e quanto à idade da doença mental, só tendo sido operadas pacientes nas quais todos os outros recursos terapêuticos tinham falhado, houve 24% de remissões completas ou de melhoras muito nítidas. O A. pensa que esta percentagem aumentará quando forem operadas doentes com menor tempo de doença e nas quais o nível mental e cultural permita uma utilização mais ampla da reeducação psíquica pós-operatória.

SUMMARY

In order to divulgate the therapeutic advantages of frontal leucotomy according to the technique of Egaz Moniz, especially concerning life risks and secondary complications, the results obtained on the first 100 women patients so treated in the Hospital de Juqueri (São Paulo), are here presented. No selection of cases was made with reference to general conditions and duration of mental disease. Furthermore, the operation was performed only on? patients in which all other treatments had failed. In spite of these factors, complete remission or definite improvement was observed in 24% of the cases. The authors belives that a selection of patients wold increase the percentage of good results.

É nossa intenção, visando divulgar as vantagens terapêuticas da leocotomia a Egas Moniz, trazer alguns esclarecimentos sobre a simplicidade e inocuidade da intervenção, assim como relatar os resultados obtidos nos primeiros 100 doentes que no Hospital de Juqueri foram submetidos a essa terapêutica1 1 . Agradecemos aos que nos enviaram doentes para esta intervenção, Drs. Edgard Pinto Cesar, Dary M. Uchôa, Eduardo Guedes, Nilo Trindade e Silva, José Bottiglieri, Dra. Rachel Mendes, e principalmente ao Dr. Mario Yahn, sem dúvida alguma, um dos maiores entusiastas da psicocirurgia ente nós, a quem devemos constante estímulo. Lembraremos que foi o Dr. Aloysio Mattos Pimenta 3 o iniciador da leucotomia cerebral entre nós, tendo realizado as primeiras operações em 1936. .

Para que a descrição da técnica da leucotomia se torne mais clara, daremos as bases anátomo-fisiológicas deste processo terapêutico, conforme conceitos de Egas Moniz2 2. Moniz, E. - Tentatives opératoires dans le traitement de certaines psychoses. Masson e Cia. Paris, 1936. que vamos transcrever, quase integralmente. Considera este autor a vida psíquica como dependente de todo o organismo, reconhecendo sua centralização no cérebro e individualizando, neste último, zonas mais relacionadas com o psiquismo, tendo o lobo frontal como dominante. Decorrem as manifestações psíquicas da atividade de grupos celulares, reunidos entre si por numerosas conexões. Para certas psicoses, como as do tipo psicofuncional de Bumke, diz Egas Moniz: "as perturbações mentais estão em relação com a formação de grupamentos celuloconectivos, que se tornam mais ou menos fixos" (loc. cit.2 2. Moniz, E. - Tentatives opératoires dans le traitement de certaines psychoses. Masson e Cia. Paris, 1936. , pág. 45). E mais adiante: "Os corpos celulares permanecem normais, seus cilindro-eixos não apresentam alterações anatômicas; mas, suas múltiplas ligações, muito variáveis nas pessoas normais, poderão provocar arranjos mais ou menos fixos, que estarão em relação com as idéias persistentes e os delírios de certos estados psíquicos mórbidos. Estes arranjos celuloconectivos deixarão de ser variáveis; terão grande preponderância sobre os outros; serão mais constantes; serão excitáveis, ao menor estímulo". É por este mecanismo que se pôde explicar a persistência das idéias e delírios melancólicos, hipocondríacos e paranóicos. "Os indivíduos normais podem ter as mesmas idéias, mas elas não se fixam. Os grupamentos com os quais elas estão em relação mudam facilmente sob a ação de outras ligações e atividades celulares" (loc. cit.2 2. Moniz, E. - Tentatives opératoires dans le traitement de certaines psychoses. Masson e Cia. Paris, 1936. pág. 46). Na mesma ordem de idéias prossegue o autor português: "As conexões de grupos celulares, que produzem na vida psíquica anormal perturbações mórbidas mais ou menos permanentes, dominando toda à atividade mental, devem ter uma certa extensão e uma grande fixidez de arranjos anatômicos. Destruindo-se estes arranjos, libertar-se-á o doente de uma atividade mental mórbida, permitindo-se que entrem em ação outros grupamentos celulo-associativos" (loc. cit.2 2. Moniz, E. - Tentatives opératoires dans le traitement de certaines psychoses. Masson e Cia. Paris, 1936. pág. 47).

Estes são os princípios das tentativas operatórias do grande mestre de Lisboa. A leucotomia visa atingir as fibras de conexões da porção anterior dos lobos frontais, tendo como objetivo interromper os arranjos celuloconectivos estabelecidos nos cérebros dos alienados. Para obter este resultado, é peciso atingir o centro oval, na altura do lobo frontal e destruir uma parte limitada deste centro, lugar por onde passam as fibras de conexão das células da córtex. Esta destruição poderá ser feita por um líquido que ataca o tecido nervoso (álcool absoluto) ou cirurgicamente, pelo leucótomo.

TÉCNICA

O aparelho que usamos, idêntico ao idealizado por Egas Moniz, é constituído de uma cânula de metal de 11 cms. de comprimento, por 2 mm. de diâmetro, dentro do qual se adapta outra peça móvel. Em uma das extremidades há uma fenda longitudinal, de 1 cm. de comprimento, que dará passagem a uma alça de fio de aço com meio centímetro de raio. Com movimentos adequados esta alça é exteriorizada ou recolhida (fig. 1).


Na véspera da intervenção administramos 0,20 centigrs. de Luminal e, na manhã da operação, mais 0,10 centigrs. Nos agitados temos usado Scophedal como anestésico de base, com bons resultados. Sistematicamente, pesquisamos o tempo de sangria e coagulação. A cabeça do doente é raspada somente o necessário para garantir a assepsia em torno do ponto da trepanação. Em geral, não levamos em grande conta o estado de nutrição do doente. As mulheres são operadas, preferencialmente, no período intermenstrual.

Determinamos os pontos da incisão com a ajuda de um cordel e uma régua e 09 assinalamos com mercúrio-cromo. Estão localizados na região frontal a 3 cms. de cada lado da linha mediana, sobre outra linha perpendicular frontoccipital que passe a 3 cms. adiante do trago (fig. 2).


O doente é posto na mesa cirúrgica em decúbito dorsal Assepsia iodo-álcool ou álcool picrado a 2%. Anestesia local por infiltração: novocaína a 1%, 5 cc de cada lado. Incisão do couro cabeludo e periósteo. Com afastador auto-estável são separados os bordos da incisão; o periósteo é descolado com rugina. Trepanação com o aparelho de De Martel. Há pequena hemorragia óssea, que dura 2 a 5 minutos. Exposição e abertura da dura-meninge. Saída de líquor. Incisão da pia-meninge evitando os vasos. Introdução do leucótomo com a alça recolhida até a marca 3 ou 4. Abre-se a alça e faz-se com que ela dê uma volta completa. Retira-se o aparelho com a alça fechada. Repete-se a mesma manobra com inclinação diversa, 2, 3, 4 ou 5 vezes, conforme o número de cortes desejados (fig. 3). Nos primeiros casos, fazíamos um ou dois cortes. Presentemente fazemos, sistematicamente, 5 de cada lado: dois externos, inferior e superior; dois internos, inferior e superior; um mediam). Nas retiradas do leucótomo, verifica-se a presença da substância branca na ranhura da alça. Antes da sutura do couro cabeludo, que fazemos com 2 ou 3 pontos de fio de algodão, colocamos na abertura do crânio o pó do osso para facilitar a hemostasia. Os pensos e pontos são retirados ao fim do oitavo dia.

RESULTADOS IMEDIATOS

O doente volta para a enfermaria, locomovendo-se bem, imediatamente após a operação. Recebe, à tarde, alimentação leve. No dia seguinte não há dieta, somente repouso. Os distúrbios gerais e neurológicos, imediatamente, pela intervenção são de pouca monta e passageiros. Notamos hipertermia (38° em média), grandes edemas palpebrais, raramente vômitos e cefaléia, perturbações esfinctéricas. Dentre os sinais psíquicos, a apatia e perda de iniciativa são os que mais chamam a atenção.

Quanto ao risco operatório, a trepanação é inofensiva. Até o presente, operamos cerca de 160 doentes sem qualquer acidente mortal. Por outro lado, a cicatrização é perfeita. Reoperamos, realizando a lobotomia, mais de 20 doentes que não tinham sido influenciados pela leucotomia (a primeira intervenção tinha sido executada há mais de 5 meses) e encontramos a primitiva abertura completamente fechada, obrigando-nos a usar novamente o trépano. Este fato (reconstituição da tábua óssea), já havíamos observado quando, em outras ocasiões, tentamos fazer a alcoolização do centro oval nos mesmos doentes.

O exame de líquor, realizado pelo Dr. J. Batista dos Reis em vários doentes leucotomizados, revelou somente a presença de pequena quantidade de sangue, demonstrando que, apesar das mutilações múltiplas no interior do lobo frontal, as alterações liquóricais são mínimas. Em nenhum caso houve complicações ou infecções secundárias.

RESULTADOS TARDIOS

A intervenção poderá suprimir o sofrimento íntimo dos ansiosos e melancólicos, diminuir a agitação psicomotora, diminuir certos complexos psíquicos, contribuindo, pois, para diminuir o número de doentes crônicos nos hospitais psiquiátricos. É fácil compreender que, sob o ponto de vista econômico, este método é mais vantajoso que qualquer outro tratamento, tanto pelo baixo custo da intervenção como pela rapidez com que surgem alguns dos resultados terapêuticos.

Os resultados que apresentamos neste trabalho referem-se aos primeiros 100 casos operados no Hospital de Juqueri (quadro 1) sendo todos referentes a mulheres. Os dados foram retirados do relatório do Ur. Mário Yahn, correspondente ao ano de 1943. Destas 100 doentes cujo controle psiquiátrico foi feito pelo Dr. Mario Yahn, 34 foram operadas pelo Dr. Aloísio Mattos Pimenta, sendo as primeiras, em 1936. Em 1943, operamos 65. O único caso de morte da estatística não foi operado por nós, nem pelo Dr. Aloísio Mattos Pimenta; a morte foi devida a forte hemorragia acidental ao nível do lobo frontal. Os restantes 95 casos do total dos 160 que operamos até agora, não são incluídos aqui, por ser ainda pequeno o período de observação post-operatório.


COMENTÁRIOS

Se considerarmos as 100 doentes operadas, o resultado obtido até agora, 24% de influenciadas, com remissão ou melhora, pode ser considerado bom. É preciso recordar que se tratava de doentes, na sua maioria, em estado de cronicidade e que já tinham sido consideradas, todas, como incuráveis em virtude dos resultados negativos dos tratamentos pelo eletrochoque, cardiazol ou insulina. Além disso, muitas de nossas doentes eram de nível mental baixo e cultural nulo, o que tornava dificílima uma reeducação, elemento indispensável na psicocirurgia. Acresce ainda que a enfermagem de que podíamos dispor era bastante deficiente nesse setor de reeducação; pensamos que, para o futuro, essa falha será sanada. No entanto, mesmo com o péssimo material humano que tivemos em mãos e com as deficiências de enfermagem especializada, tivemos alguns resultados particularmente satisfatórios, resultados esses que nos fazem prever uma muito maior utilização da leucotomia. Se bem que lentamente, este processo terapêutico ganha novos adeptos entre os neuropsiquiatras, sendo de prever que venha a ser considerado método de rotina para o tratamento de doentes crônicos.

Terminaremos esta breve e sucinta exposição, feita mais para fins de divulgação, com o relato de uma das nossas últimas observações, na qual se evidenciam bem os efeitos benéficos da terapêutica proposta por Egas Moniz; esta doente, por ter sido operada muito recentemente, não está incluída no quadro acima:

Trata-se de Maria Piedade R., com 24 anos de idade, branca, brasileira, solteira. Internada em 22 de maio de 1943. Início da moléstia há 4 anos. Diagnóstico: Síndrome esquizofrênica, forma hebefrênica. Foi observada pelo Dr. Paulo Ferreira de Barros que formulou prognóstico reservado e iniciou a terapêutica pelo eletrochoque, sendo submetida a 20 crises. Revista em 30 de agosto de 1943 pelo Dr. Mario Yahn, foi verificado que a moléstia não fora influenciada pelo tratamento. Diante disto foi proposta a insulinoterapia, sendo submetida a 40 comas. A doente foi revista novamente pelo Dr. Mario Yahn, em 5 de novembro de 1943, depois do tratamento pela insulina, sendo considerada como não influenciada. Foi indicada, então, a leucotomia, como última tentativa terapêutica. Operamo-la em 3 de dezembro de 1943, fazendo 5 cortes em cada lobo pré-frontal. Nenhum acidente operatório. Pós-operatório normal. Revista em 16 de dezembro de 1943 pelo Dr. Caetano Trapé, que verificou estar inalterado o estado mental. Somente em princípios de janeiro de 1944 começaram a aparecer as primeiras melhoras, que se foram acentuando dia a dia. Em 23 de março foi considerada em remissão completa, pelo Dr. Mario Yahn. Deixou o Hospital em 11 de abril de 1944, demonstrando reconhecimento pelo que lhe foi feito, estando com ótima modulação afetiva, com pleno conhecimento do estado mórbido pregresso.

Rua Cônego Eugênio Leite, 720 - São Paulo.

  • 2. Moniz, E. - Tentatives opératoires dans le traitement de certaines psychoses. Masson e Cia. Paris, 1936.
  • 3. Mattos Pimenta, A. - Leucotomia cerebral. Arq. Assist. Psicop. São Paulo, 1: 259, 1936.
  • Leucotomia pré-frontal a Egas Moniz. Técnica. Resultados imediatos e tardios em 100 casos

    Antonio Carlos Barretto
  • 1
    . Agradecemos aos que nos enviaram doentes para esta intervenção, Drs. Edgard Pinto Cesar, Dary M. Uchôa, Eduardo Guedes, Nilo Trindade e Silva, José Bottiglieri, Dra. Rachel Mendes, e principalmente ao Dr. Mario Yahn, sem dúvida alguma, um dos maiores entusiastas da psicocirurgia ente nós, a quem devemos constante estímulo. Lembraremos que foi o Dr. Aloysio Mattos Pimenta
    3 3 . Mattos Pimenta, A. - Leucotomia cerebral. Arq. Assist. Psicop. São Paulo, 1: 259, 1936. o iniciador da leucotomia cerebral entre nós, tendo realizado as primeiras operações em 1936.
  • 2.
    Moniz, E. - Tentatives opératoires dans le traitement de certaines psychoses. Masson e Cia. Paris, 1936.
  • 3
    . Mattos Pimenta, A. - Leucotomia cerebral. Arq. Assist. Psicop. São Paulo,
    1: 259, 1936.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1944
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