Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação crítica do pH dos sabonetes infantis Como citar este artigo: Mendes BR, Shimabukuro DM, Uber M, Abagge KT. Critical assessment of the pH of children's soap. J Pediatr (Rio J). 2016;92:290–5.

Resumo

Objetivos:

Avaliar o pH dos sabonetes infantis, antibacterianos e sindets (syntetic detergents) habitualmente usados em crianças, bem como verificar se há no rótulo desses produtos informação sobre seu pH.

Métodos:

Estudo observacional, analítico, transversal e quantitativo, que incluiu 90 sabonetes nas apresentações em barra e líquida, 67 infantis (grupo 1), 17 antibacterianos (grupo 2) e 6 sindets (grupo 3). Procedeu-se à mensuração do pH das amostras após diluição a 1%. Além da estatística descritiva, foram usados os testes de qui-quadrado Persons/Yates e t de Student, com nível de significância mínimo de 5%. Para a estatística inferencial, foram usados os testes de Wilcoxon-Mann-Whitney, exato de Fisher e Kruskal-Wallis.

Resultados:

O pH variou consideravelmente entre as formas líquida e em barra, com pHs menores (de 4,4 a 7,9) nos líquidos (p < 0,05). Os sindets mostraram pHs próximos ao ideal (levemente ácidos) e os antibacterianos apresentaram os maiores pHs (até 11,34) (p < 0.05). Apenas dois dos sabonetes analisados apresentavam no rótulo a indicação do pH.

Conclusões:

A observação do pH dos sabonetes infantis pelos médicos e usuários é importante, haja vista a grande variabilidade de valores de pH encontrados. Além disso, os sabonetes líquidos, e especialmente os sindets, são os mais recomendados para uso em recém-nascidos e lactentes com pele sensível, de forma a garantir a eficácia da barreira cutânea.

Palavras-chave
Concentração de íons de hidrogênio; Sabões; Detergentes; Antibacterianos; Cuidado da criança

Abstract

Objective:

To evaluate the pH value of children's antibacterial soaps and syndets used in children's baths and verify whether there is information regarding pH on the product label.

Methods:

Quantitative, cross-sectional, analytical observational study that included ninety soap samples, both in bar and liquid presentations, as follows: 67 children's soap (group 1), 17 antibacterial soaps (group 2), and 6 syndets (group 3). Each sample had its pH measured after 1% dilution. In addition to descriptive statistics, the Pearson-Yates chi-squared test and Student's t-tests were applied, considering the minimal significance level of 5%. The Wilcoxon-Mann-Whitney test, Fisher's exact test, and the Kruskal-Wallis test were used for inferential statistics.

Results:

The pH levels varied considerably between liquid and bar presentations, with lower levels (4.4-7.9) found for the liquids (p < 0.05). Syndets showed pH levels close to the ideal (slightly acid) and the antibacterial soaps showed the highest pH levels (up to 11.34) (p < 0.05). Only two of the soaps included in the study had information about their pH levels on the product packaging.

Conclusions:

Knowledge of the pH of children's soap by doctors and users is important, considering the great pH variability found in this study. Moreover, liquid soaps, and especially syndets, are the most recommended for the sensitive skin of neonates and infants, in order to guarantee skin barrier efficacy.

Keywords
Hydrogen-ion concentration; Soaps; Detergents; Anti-bacterial agents; Childcare

Introdução

A pele do recém-nascido (RN) exerce funções indispensáveis ao seu desenvolvimento: promove proteção por barreira,11 Telofski LS, Morello AP, Correa MC, Stamatas GN. The infant skin barrier: can we preserve, protect, and enhance the barrier?. Dermatol Res Pract. 2012;2012:1-18. auxilia a termorregulação, a troca gasosa, a manutenção da hidratação e contribui com a imunidade inata.22 Elias PM. The skin barrier as an innate immune element. Semin Immunopathol. 2007;29:3-14. Além disso, seu pH levemente ácido fornece uma proteção adicional contra patógenos.11 Telofski LS, Morello AP, Correa MC, Stamatas GN. The infant skin barrier: can we preserve, protect, and enhance the barrier?. Dermatol Res Pract. 2012;2012:1-18. A ruptura dessa barreira natural permite que microrganismos oportunistas afetem o RN com disseminação na corrente sanguínea, principalmente em prematuros, devido à imaturidade do sistema imunológico.33 Romanelli RM, Anchieta LM, Mourão MV, Campos FA, Loyola FC, Mourão PH, et al. Risk factors and lethality of laboratory-confirmed bloodstream infection caused by non-skin contaminant pathogens in neonates. J Pediatr (Rio J). 2013;89:189-96. Estudos indicam que a pele do lactente continua a se desenvolver por até 12 meses após o nascimento44 Stamatas GN, Nikolovski J, Mack MC, Kollias N. Infant skin physiology and development during the first years of life: a review of recent findings based on in vivo studies. Int J Cosmet Sci. 2011;33:17-24.,55 Nikolovski J, Stamatas GN, Kollias N, Wiegand BC. Barrier function and water-holding and transport properties of infant stratum corneum are different from adult and continue to develop through the first year of life. J Investig Dermatol. 2008;128:1728-36. e difere da pele do adulto em vários aspectos, como composição, estrutura, função e suscetibilidade a infecções.44 Stamatas GN, Nikolovski J, Mack MC, Kollias N. Infant skin physiology and development during the first years of life: a review of recent findings based on in vivo studies. Int J Cosmet Sci. 2011;33:17-24.,66 Chiou YB, Blume-Peytavi U. Stratumcorneum maturation. A review of neonatal skin function. Skin Pharmacol Physiol. 2004;17:57-66.,77 Stamatas GN, Nikolovski J, Luedtke MA, Kollias N, Wiegand BC. Infant skin microstructure assessed in vivo differs from adult skin in organization and at the cellular level. Pediatr Dermatol. 2010;27:125-31.

O potencial hidrogeniônico (pH) ligeiramente ácido da pele é um importante fator de proteção contra microrganismos - é essencial para a maturação da barreira epidérmica e para os processos de reparação.88 Fluhr JW, Darlenski R, Taleb A, Hacherm JP, Baudouin C, Msika P, et al. Functional skin adaptation in infancy - almost complete but not fully competent. Exp Dermatol. 2010;19:483-92. Em adultos e adolescentes, o pH da pele é menor do que 5 (pH < 5). Já na pele mais fina, especialmente em prematuros, o pH tende ao neutro, resulta em significativa perda da defesa contra a proliferação microbiana e também maior perda transepidérmica de água.99 Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10. Ao nascimento, o RN a termo tem um pH cutâneo que varia de 6,3 a 7,5.1010 Yosipovitch G, Duque MI, Patel TS, Ishiuji Y, Guzman-Sanchez DA, Dawn AG, et al. Skin barrier structure and function and their relationship to pruritus in end-stage renal disease. Nephrol Dial Transplant. 2007;22:3268-72.,1111 Lund C, Kuller J, Lane A, Lott JW, Raines DA. Neonatal skin care: the scientific basis for practice. Neonatal Netw. 1999;18:15-27. Dentro das duas primeiras semanas de vida, o pH cai para aproximadamente 5.1111 Lund C, Kuller J, Lane A, Lott JW, Raines DA. Neonatal skin care: the scientific basis for practice. Neonatal Netw. 1999;18:15-27. Entre a segunda e quarta semana de vida o pH torna-se gradativamente ácido, varia entre 4,2 a 5,9, depende da área do corpo, prevalecem valores maiores nas axilas, na região genital e na interdigital.1212 Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703.

O banho é um momento de descontração e de interação mãe e filho, além de indispensável para a manutenção da higiene e saúde da pele.1313 Carvalho VO. Banho: cuidados a partir dos 30 dias. In: Johnson J, editor. Atualidades Médicas: Cuidados com a Pele Infantil, vol. 4. 2013. p. 2-7. O banho mantém a pele livre de substâncias irritantes (saliva, secreções nasais, urina, fezes e enzimas fecais), pó e germes.11 Telofski LS, Morello AP, Correa MC, Stamatas GN. The infant skin barrier: can we preserve, protect, and enhance the barrier?. Dermatol Res Pract. 2012;2012:1-18. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é recomendado que o primeiro banho seja dado seis horas após o parto.99 Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10. Sugeriu-se que o banho apenas com água fosse o método menos nocivo de limpeza do RN, foi adotado nos protocolos nacionais de cuidados pós-natais em muitos países, dentre eles a Inglaterra.99 Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10. Entretanto, a capacidade de tamponamento da água tem sido questionada, já que ela pode aumentar o pH da pele de 5,5 para 7,5. Além disso, o emprego isolado de água foi identificado como um agente de limpeza inefetivo, já que não remove substâncias oleosas como fezes e sebo.1414 Lavender T, Bedwell C, O’Brien E, Cork MJ, Turner M, Hart A. Infant skin-cleansing product versus water: a pilot randomized, assessor-blinded controlled trial. BMC Pediatr. 2011;11:35.,1515 Blume-Peytavi U, Clork MJ, Faergemann J, Szczapa J, Vanaclocha F, Gelmetti C. Bathing and cleansing in newborns from day 1 to first year of life: recommendations from a European round table meeting. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2009;23:751-9. Os protocolos americanos recomendam o uso de água potável morna, com a opção de associar um produto de limpeza suave que apresente pH fisiologicamente adequado (5,5 a 7).1414 Lavender T, Bedwell C, O’Brien E, Cork MJ, Turner M, Hart A. Infant skin-cleansing product versus water: a pilot randomized, assessor-blinded controlled trial. BMC Pediatr. 2011;11:35.

Acredita-se que o emprego repetido dos agentes de limpeza pode alterar o pH da superfície da pele em longo prazo.1212 Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703. Os sabonetes tradicionais têm pH alcalino, que pode destruir a camada lipídica da pele,99 Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10. elevar o pH da pele acima de 8 e levar a ressecamento e irritação. 1212 Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703.,1414 Lavender T, Bedwell C, O’Brien E, Cork MJ, Turner M, Hart A. Infant skin-cleansing product versus water: a pilot randomized, assessor-blinded controlled trial. BMC Pediatr. 2011;11:35.,1616 Afsar FS. Skin care for preterm and term neonates. Clin Exp Dermatol. 2009;34:855-8.

17 Gfatter R, Hackl P, Braun F. Effects of soap and detergents on skin surface pH, stratum corneum hydration and fat content in infants. Dermatology. 1997;195:258-62.

18 Darmstadt GL, Dinulos JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin N Am. 2000;47:757-82.
-1919 Ananthapadmanabhan KP, Moore DJ, Subramanyan K, Misra M, Meyer F. Cleansing without compromise: the impact of cleansers on the skin barrier and the technology of mild cleansing. Dermatol Ther. 2004;17:16-25. Um pH de 7,5 é capaz de aumentar a atividade das proteases cutâneas e inibir a síntese da lamela lipídica e levar a um colapso da barreira cutânea.1414 Lavender T, Bedwell C, O’Brien E, Cork MJ, Turner M, Hart A. Infant skin-cleansing product versus water: a pilot randomized, assessor-blinded controlled trial. BMC Pediatr. 2011;11:35.

Os sindets são formulados a partir de tensoativos sintéticos que têm bom efeito detergente, pH neutro ou ligeiramente ácido e provocam menos irritação.99 Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10. Estudos demonstram que o banho com esse tipo de sabonete é comparável ao banho somente com água ou até superior a ele.2020 Blume-Peytavi U, Hauser M, Stamatas GN, Pathirana D, Bartels NG. Skin care practices for newborns and infants: review of the clinical evidence for best practices. Pediatr Dermatol. 2012;29:1-14.

Um bom produto de limpeza para os RN deve ter pH próximo de 5,5 e algum tampão com capacidade para manter o pH próximo a isso.1414 Lavender T, Bedwell C, O’Brien E, Cork MJ, Turner M, Hart A. Infant skin-cleansing product versus water: a pilot randomized, assessor-blinded controlled trial. BMC Pediatr. 2011;11:35. As indústrias de cosméticos colocam no mercado uma grande variedade desses produtos e classificam-nos como "suaves". No entanto, não existe um critério internacional para estabelecer suavidade em agentes de limpeza e geralmente vários produtos destinados à peles sensíveis apresentam efeitos irritativos significantes.2121 Corazza M, Lauriola MM, Bianchi A, Zappaterra M, Virgili A. Irritant and sensitizing potential of eight surfactants commonly used in skin cleansers: an evaluation of 105 patients. Dermatitis. 2010;21:262-8.

Assim, o principal objetivo deste estudo foi avaliar o pH dos sabonetes infantis, antibacterianos e sindets habitualmente usados no banho de crianças e bebês, a fim de verificar se esse é ligeiramente ácido e, portanto, condizente com a manutenção do manto lipídico e da função de barreira. E, secundariamente, verificar se há nos rótulos desses produtos informação acerca do seu pH.

Material e métodos

Estudo observacional, analítico, transversal e quantitativo. Foram obtidos produtos de todas as marcas de sabonetes (líquidos ou em barra) infantis, antibacterianos e sindets encontrados nos postos de venda (supermercados, farmácias e lojas de cosméticos) situados em um raio de 7 km do Hospital de Clínicas, na região central de Curitiba. Essas amostras foram adquiridas com verba das próprias pesquisadoras, de modo a evitar qualquer conflito de interesse. Foram analisados 90 sabonetes (62 em barra e 28 líquidos), divididos em três categorias, 67 infantis, 17 antibacterianos e 6 sindets. Esses grupos foram ainda subdivididos em 5 categorias por faixas de pH: menor do que 5; entre 5 e 5,9; entre 6 e 6,9; entre 7 e 7,9; e acima de 8.

O pH de todos os sabonetes foi medido com pHmetro® (Hanna Instruments, modelo H19321, Texas, EUA) em uma diluição a 1% em água destilada (pH = 9,1). Foi feita uma comparação entre as diluições de 1% e 10% e verificou-se que os valores do pH se mantiveram os mesmos. Dessa forma, devido à maior facilidade de uso de volumes menores, optou-se pela diluição a 1%.

Os dados foram armazenados em planilha do Microsoft Excel® e avaliados no programa R®, versão 3.0.2 (Microsoft®, Washington, EUA). As medidas de resumo usadas na estatística descritiva foram média, desvio padrão, mediana, valores mínimo e máximo e frequências, na dependência do tipo da variável estudada. Aplicou-se o teste qui-quadrado de Persons/Yates e o t de Student considerando o nível de significância de 5%. Os testes usados para a estatística inferencial (comparação entre os dados) foram o de Wilcoxon-Mann-Whitney, exato de Fisher e o de Kruskal-Wallis.

O trabalho foi dispensado da aprovação pelo comitê de ética por não envolver seres humanos, apenas a análise bioquímica dos sabonetes. Parecer no 064.2012.

Resultados

O pH dos sabonetes variou de 4,4 a 11,5, com uma mediana de 10,7. Dois (2,2%) tinham pH menor do que 5, oito (8,8%) entre 5 e 5,9, nove (10%) entre 6 e 6,9, dez (11,1%) entre 7 e 7,9 e 61 (67,7%) maior do que 8.

No grupo de sabonetes infantis, 47 eram em barra e 20 eram líquidos (tabela 1). Apenas um dos sabonetes em barra teve pH abaixo de oito (2,2%). Já entre os líquidos, um (5%) apresentou pH< 5,0; três (15%) entre 5,0-5,9; nove (45%) entre 6,0-6,9 e sete (35%) entre 7,0-7,9.

Tabela 1
Sabonetes de acordo com o grupo, a apresentação e seus respectivos potenciais hidrogeniônicos (pH)

No grupo de sabonetes antibacterianos, 14 eram em barra e três em apresentação líquida (tabela 1). Todos os sabonetes em barra (100%) apresentaram pH> 8,0; já entre os líquidos, um (33,3%) apresentou pH < 5,0; um (33,3%) entre 5,0-5,9 e um (33,3%) > 8,0. Apenas dois sabonetes antibacterianos na forma líquida apresentaram pH próximo do fisiológico.

No grupo de sindets, dois eram em barra e quatro eram líquidos (tabela 1). Dentre os em barra, um (50%) apresentou pH entre 5-5,9 e um (50%) > 8,0; e entre os líquidos três (75%) apresentaram pH entre 5-5,9 e um (25%) entre 7-7,9.

Quando comparados os valores de pH entre os sabonetes líquidos e em barra, pelo teste exato de Fischer, houve diferença estatisticamente significativa (p < 0,0001), os líquidos apresentaram valores menores de pH (fig. 1).

Quando divididos os sabonetes por categoria, infantil, antibacteriano e sindets, também foram encontrados valores diferentes de pH entre eles pelo teste de Kruskal-Wallis (p = 0.0017).

Figura 1
Variação do potencial hidrogeniônico (pH) conforme a apresentação dos sabonetes (líquido e barra) n = 90.

Usou-se o teste de comparações múltiplas (exato de Fischer), o qual demonstrou que existe diferença estatisticamente significativa do pH (p = 0,0032) entre os grupos infantil e sindets e entre os grupos antibacteriano e sindets (p = 0,0002). Os sindets apresentaram pH significativamente menor quando comparados com os demais (p < 0,05) (fig. 2).

Figura 2
Variação do potencial hidrogeniônico (pH) conforme o grupo dos sabonetes (infantil, antibacteriano ou sindets) n = 90.

Apenas dois dos sabonetes analisados apresentavam no rótulo a indicação do pH.

Discussão

As alterações do pH da pele provocadas pelo uso de diferentes tipos de sabonetes já são conhecidas.11 Telofski LS, Morello AP, Correa MC, Stamatas GN. The infant skin barrier: can we preserve, protect, and enhance the barrier?. Dermatol Res Pract. 2012;2012:1-18.,77 Stamatas GN, Nikolovski J, Luedtke MA, Kollias N, Wiegand BC. Infant skin microstructure assessed in vivo differs from adult skin in organization and at the cellular level. Pediatr Dermatol. 2010;27:125-31.,99 Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10.,1212 Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703.,1313 Carvalho VO. Banho: cuidados a partir dos 30 dias. In: Johnson J, editor. Atualidades Médicas: Cuidados com a Pele Infantil, vol. 4. 2013. p. 2-7. Também é conhecido que o pH da pele é ligeiramente ácido e que pHs muito alcalinos podem danificar o manto ácido que atua como uma barreira antibacteriana, bem como desestruturar as lamelas da epiderme, favorecer o ressecamento pela maior perda transepidérmica de água e permitir a entrada de potenciais irritantes e alérgenos.77 Stamatas GN, Nikolovski J, Luedtke MA, Kollias N, Wiegand BC. Infant skin microstructure assessed in vivo differs from adult skin in organization and at the cellular level. Pediatr Dermatol. 2010;27:125-31.,99 Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10.,1212 Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703.,1313 Carvalho VO. Banho: cuidados a partir dos 30 dias. In: Johnson J, editor. Atualidades Médicas: Cuidados com a Pele Infantil, vol. 4. 2013. p. 2-7. Isso ocorre porque o sabonete em contato com a água sofre uma reação de hidrólise, libera o álcali contido nesses produtos e eleva o pH da pele para 10 a 11.1212 Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703. Com base nos resultados apresentados, observa-se que os sabonetes na forma líquida são os mais indicados para o uso diário, principalmente em crianças e lactentes, cuja pele é mais sensível e delicada.

Tal qual demonstrado em nosso estudo, Volchtchuk et al.,1212 Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703. em trabalho feito na mesma instituição, já haviam demonstrado diferenças importantes de pH entre as formas líquidas e em barra de sabonetes, porém o estudo avaliou sabonetes tanto de uso adulto quanto infantil. As apresentações em barra apresentavam pH acima de 6, a maioria entre 9 e 10. E dentre as apresentações líquidas, a maioria demonstrou pH entre 6 e 6,9.1111 Lund C, Kuller J, Lane A, Lott JW, Raines DA. Neonatal skin care: the scientific basis for practice. Neonatal Netw. 1999;18:15-27.

Os sindets na forma líquida têm o pH mais próximo ao fisiológico (aproximadamente 5), são recomendados especialmente para os portadores de doenças que alteram a barreira cutânea (como a dermatite atópica e a ictiose), ou ainda para as crianças com pele sensível. Nesses indivíduos, o uso de sabonetes com pH elevado piora a xerose, pode gerar soluções de continuidade na pele, que servem de porta para os patógenos. A ação dos sindets se dá de duas maneiras: a primeira é reduz a interação entre os agentes tensoativos e as proteínas e lipídeos da pele; e a segunda restaura lipídeos e umectantes perdidos durante as lavagens.1919 Ananthapadmanabhan KP, Moore DJ, Subramanyan K, Misra M, Meyer F. Cleansing without compromise: the impact of cleansers on the skin barrier and the technology of mild cleansing. Dermatol Ther. 2004;17:16-25. Assim, a pele não resseca e permanece hidratada.

Os sabonetes antibacterianos em barra apresentaram os maiores valores de pH de todos os avaliados. Isso demonstra que esses produtos podem ser agressivos para a pele da criança e que não deveriam ser usados de maneira rotineira, mas apenas em situações específicas e por curtos períodos, bem como em localizações restritas, e não no corpo todo, preferencialmente na forma líquida.

Verificou-se que os rótulos dos sabonetes adquiridos, à exceção de um, não apresentavam informações relacionadas ao pH do produto. Esse dado também foi referido no estudo de Tarun et al.2222 Tarun J, Susan J, Suria J, Susan VJ, Criton S. Evaluation of pH of bathing soaps and shampoos for skin and hair care. Indian J Dermatol. 2014;59:442-444. Observamos que mesmo os que continham expressões como "pH neutro", "pH balanceado" ou "dermatologicamente testado" apresentavam pH acima da faixa esperada. Dessa forma, concluímos que vários desses produtos trazem informações que podem confundir o consumidor, uma vez que não são de conhecimento geral as particularidades da leve acidez do extrato córneo e da sua importância para a manutenção da função de barreira da pele. Apenas uma marca (Eucerin barra e líquido, Eucerin®, EUA) continha a especificação do pH na embalagem, o que traz grande dificuldade para a escolha ou indicação desses produtos pela população leiga e pelos profissionais da saúde.

A maioria dos sabonetes analisados é produzida e vendida no Brasil. Apesar de alguns deles representarem marcas de renome internacional, não podemos afirmar que sua composição química e, consequentemente, seu pH sejam o mesmo em todo o mundo. No entanto, por termos escolhido marcas de produtos que estão também disponíveis em outros países, em estabelecimentos de fácil acesso e popularidade, e, ainda, por termos adquirido a maior quantidade de marcas possível, acreditamos que nossos resultados podem ser extrapolados para outras cidades do Brasil e de outras regiões do mundo, devem ser corroborados por estudos nesses locais.

Este trabalho salienta a inadequação do pH de diversos produtos infantis livremente disponíveis em postos de venda. Pediatras, pais e cuidadores devem estar atentos às características dos produtos usados na faixa etária pediátrica, alguns podem até, causar danos à pele de crianças e recém-nascidos.

Com base nisso, seria importante que os órgãos de vigilância que normatizam a liberação de produtos para uso infantil estabelecessem critérios mais rígidos para a sua venda, bem como para as informações que deveriam constar em suas embalagens, entre elas o pH do produto.

  • Como citar este artigo: Mendes BR, Shimabukuro DM, Uber M, Abagge KT. Critical assessment of the pH of children's soap. J Pediatr (Rio J). 2016;92:290–5.

References

  • 1
    Telofski LS, Morello AP, Correa MC, Stamatas GN. The infant skin barrier: can we preserve, protect, and enhance the barrier?. Dermatol Res Pract. 2012;2012:1-18.
  • 2
    Elias PM. The skin barrier as an innate immune element. Semin Immunopathol. 2007;29:3-14.
  • 3
    Romanelli RM, Anchieta LM, Mourão MV, Campos FA, Loyola FC, Mourão PH, et al. Risk factors and lethality of laboratory-confirmed bloodstream infection caused by non-skin contaminant pathogens in neonates. J Pediatr (Rio J). 2013;89:189-96.
  • 4
    Stamatas GN, Nikolovski J, Mack MC, Kollias N. Infant skin physiology and development during the first years of life: a review of recent findings based on in vivo studies. Int J Cosmet Sci. 2011;33:17-24.
  • 5
    Nikolovski J, Stamatas GN, Kollias N, Wiegand BC. Barrier function and water-holding and transport properties of infant stratum corneum are different from adult and continue to develop through the first year of life. J Investig Dermatol. 2008;128:1728-36.
  • 6
    Chiou YB, Blume-Peytavi U. Stratumcorneum maturation. A review of neonatal skin function. Skin Pharmacol Physiol. 2004;17:57-66.
  • 7
    Stamatas GN, Nikolovski J, Luedtke MA, Kollias N, Wiegand BC. Infant skin microstructure assessed in vivo differs from adult skin in organization and at the cellular level. Pediatr Dermatol. 2010;27:125-31.
  • 8
    Fluhr JW, Darlenski R, Taleb A, Hacherm JP, Baudouin C, Msika P, et al. Functional skin adaptation in infancy - almost complete but not fully competent. Exp Dermatol. 2010;19:483-92.
  • 9
    Fernandes JD, Machado MC, Oliveira ZN. Children and newborn skin care and prevention. An Bras Dermatol. 2011;86:102-10.
  • 10
    Yosipovitch G, Duque MI, Patel TS, Ishiuji Y, Guzman-Sanchez DA, Dawn AG, et al. Skin barrier structure and function and their relationship to pruritus in end-stage renal disease. Nephrol Dial Transplant. 2007;22:3268-72.
  • 11
    Lund C, Kuller J, Lane A, Lott JW, Raines DA. Neonatal skin care: the scientific basis for practice. Neonatal Netw. 1999;18:15-27.
  • 12
    Volochtchuk OM, Fadel AP, Almeida T, Fujita EM, Auada MP, Marinoni LP. Variations in the pH of soaps and indications for its use in normal and diseased skin. An Bras Dermatol. 2000;75:697-703.
  • 13
    Carvalho VO. Banho: cuidados a partir dos 30 dias. In: Johnson J, editor. Atualidades Médicas: Cuidados com a Pele Infantil, vol. 4. 2013. p. 2-7.
  • 14
    Lavender T, Bedwell C, O’Brien E, Cork MJ, Turner M, Hart A. Infant skin-cleansing product versus water: a pilot randomized, assessor-blinded controlled trial. BMC Pediatr. 2011;11:35.
  • 15
    Blume-Peytavi U, Clork MJ, Faergemann J, Szczapa J, Vanaclocha F, Gelmetti C. Bathing and cleansing in newborns from day 1 to first year of life: recommendations from a European round table meeting. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2009;23:751-9.
  • 16
    Afsar FS. Skin care for preterm and term neonates. Clin Exp Dermatol. 2009;34:855-8.
  • 17
    Gfatter R, Hackl P, Braun F. Effects of soap and detergents on skin surface pH, stratum corneum hydration and fat content in infants. Dermatology. 1997;195:258-62.
  • 18
    Darmstadt GL, Dinulos JG. Neonatal skin care. Pediatr Clin N Am. 2000;47:757-82.
  • 19
    Ananthapadmanabhan KP, Moore DJ, Subramanyan K, Misra M, Meyer F. Cleansing without compromise: the impact of cleansers on the skin barrier and the technology of mild cleansing. Dermatol Ther. 2004;17:16-25.
  • 20
    Blume-Peytavi U, Hauser M, Stamatas GN, Pathirana D, Bartels NG. Skin care practices for newborns and infants: review of the clinical evidence for best practices. Pediatr Dermatol. 2012;29:1-14.
  • 21
    Corazza M, Lauriola MM, Bianchi A, Zappaterra M, Virgili A. Irritant and sensitizing potential of eight surfactants commonly used in skin cleansers: an evaluation of 105 patients. Dermatitis. 2010;21:262-8.
  • 22
    Tarun J, Susan J, Suria J, Susan VJ, Criton S. Evaluation of pH of bathing soaps and shampoos for skin and hair care. Indian J Dermatol. 2014;59:442-444.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2015
  • Aceito
    5 Ago 2015
Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: jped@jped.com.br