Acessibilidade / Reportar erro

Contribuição da análise eletrofisiológica e anatômica do circuito atípico da taquicardia atrioventricular nodal

Resumos

OBJETIVOS: Analisar a condução retrógrada durante os episódios de ritmo juncional ectópico acelerado (JET) e avaliar a existência da relação entre a presença de um bloqueio retrógrado e o risco de desenvolvimento de bloqueio atrioventricular (BAV) durante os procedimentos de ablação por radiofreqüência de pacientes portadores de taquicardia atrioventricular nodal (TAVN). MÉTODOS: Foram 145 pacientes portadores de TAVN, de ambos os sexos, com 16 a 84 anos submetidos à ablação com cateter de radiofreqüência na região póstero-septal do átrio direito. Critérios avaliados: localização anatômica e comportamento eletrofisiológico da condução retrógrada durante TAVN (definindo a taquicardia como típica ou atípica) e monitorização da condução retrógrada durante o JET para eventos de risco para BAV. RESULTADOS: Dos 145 pacientes estudados, 132 (91%) preencheram critérios eletrofisiológicos e anatômicos da forma típica da TAVN e 13 (9%), da atípica. Durante a ablação, 5,3% do grupo das típicas e 30,8% das atípicas apresentaram eventos de risco para BAV. Complicações após ablação foram um episódio de BAV total e outro de BAV de primeiro grau nas típicas e um de BAV de primeiro grau nas atípicas. Os três episódios foram precedidos de eventos de risco que resultaram em uma injúria nodal após procedimento. CONCLUSÃO: Portadores de TAVN atípica apresentaram porcentualmente mais eventos preditores de risco para BAV do que os da típica (p = 0,021), sendo fundamental a observação criteriosa da condução retrógrada durante o JET, afim de se evitar permanente da condução nodal, como o BAVT, após o procedimento ablativo.

Arritmia; taquicardia atrioventricular nodal; bloqueio atrioventricular; ablação


OBJECTIVES: To analyze retrograde conduction during junctional ectopic tachycardia (JET) episodes and investigate the existence of a relationship between the presence of a retrograde block and the risk of atrioventricular block (AVB) development during radiofrequency ablation procedures in patients with nodal atrioventricular tachycardia (NAVT). METHODS: 145 male and female patients aged 16-84 years, with NAVT who had undergone radiofrequency catheter ablation in the posteroseptal region of the right atrium were studied. Evaluation criteria were anatomical location and electrophysiological behavior of retrograde conduction during NAVT, in order to understand the nodal reentrant circuit (classifying the tachycardia as typical or atypical), and monitoring of retrograde conduction during JET episodes for risk-predicting AVB events. RESULTS: Of the 145 patients studied, 132 (91%) met electrophysiological and anatomical criteria of the typical form of NAVT, and 13 (9%) of atypical form. During the ablation, 5.3% with the typical form and 30.8% of the atypical form presented risk events for AVB. After the ablation, complications were a total AVB episode in one patient and a first-degree AVB episode in another in the typical group, and one first-degree AVB in the atypical group. All three episodes were preceded by risk events and resulted in permanent nodal injury. CONCLUSION: Patients with atypical NAVT presented higher percentages of risk events for atrioventricular block than did patients with the typical form (p=0.021).A careful observation of retrograde conduction during JET episodes is vital in order to avoid permanent damage in AV nodal conduction, such as TAVB, after the ablation procedure.

Arrhythmia; nodal atrioventricular tachycardia; ablation


ARTIGO ORIGINAL

Contribuição da análise eletrofisiológica e anatômica do circuito atípico da taquicardia atrioventricular nodal

Maila Seifert Macedo Silva; Roberto Luiz M. da Silva Sá; Márcio Luiz A. Fagundes; Fernando E. S. Cruz Filho; Leonardo B. Arantes; Silvia Boghossian; Adriana Monteiro C. David de Almeida; Rafael Lopes Fagundes; Luiz José Romeo Filho

Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras, Universidade Federal Fluminense e Ritmolab - Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência: Maila Seifert Macedo Silva Rua das Laranjeiras, 374 22240-006 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: mailasilva@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar a condução retrógrada durante os episódios de ritmo juncional ectópico acelerado (JET) e avaliar a existência da relação entre a presença de um bloqueio retrógrado e o risco de desenvolvimento de bloqueio atrioventricular (BAV) durante os procedimentos de ablação por radiofreqüência de pacientes portadores de taquicardia atrioventricular nodal (TAVN).

MÉTODOS: Foram 145 pacientes portadores de TAVN, de ambos os sexos, com 16 a 84 anos submetidos à ablação com cateter de radiofreqüência na região póstero-septal do átrio direito. Critérios avaliados: localização anatômica e comportamento eletrofisiológico da condução retrógrada durante TAVN (definindo a taquicardia como típica ou atípica) e monitorização da condução retrógrada durante o JET para eventos de risco para BAV.

RESULTADOS: Dos 145 pacientes estudados, 132 (91%) preencheram critérios eletrofisiológicos e anatômicos da forma típica da TAVN e 13 (9%), da atípica. Durante a ablação, 5,3% do grupo das típicas e 30,8% das atípicas apresentaram eventos de risco para BAV. Complicações após ablação foram um episódio de BAV total e outro de BAV de primeiro grau nas típicas e um de BAV de primeiro grau nas atípicas. Os três episódios foram precedidos de eventos de risco que resultaram em uma injúria nodal após procedimento.

CONCLUSÃO: Portadores de TAVN atípica apresentaram porcentualmente mais eventos preditores de risco para BAV do que os da típica (p = 0,021), sendo fundamental a observação criteriosa da condução retrógrada durante o JET, afim de se evitar permanente da condução nodal, como o BAVT, após o procedimento ablativo.

Palavras-chave: Arritmia, taquicardia atrioventricular nodal, bloqueio atrioventricular, ablação.

Introdução

As taquicardias paroxísticas supraventriculares (TPSV) representam um distúrbio da ativação elétrica cardíaca relativamente comum, com incidência na população geral, na ausência de cardiopatia estrutural, de 0,5%1. Dentro desse grupo, a taquicardia atrioventricular nodal (TAVN) é responsável por cerca de 60% dos casos de TPSV1. Existe um predomínio no sexo feminino sobre o masculino, com uma relação de 3:12.

Caracteristicamente, a TAVN ocorre em surtos paroxísticos, em geral sustentados e marcadamente a partir da segunda década de vida3. Na grande maioria das vezes, produz sintomas desconfortáveis que podem exigir uma intervenção médica, em vigência do surto sustentado e/ou para prevenção secundária, com o objetivo de evitar recorrências de novos episódios4.

Estudos prévios2-5 demonstraram que pacientes com TAVN apresentam, classicamente, duas vias de condução anatômica e funcionalmente distintas. Há atualmente comprovação eletrofisiológica de que a dupla via nodal é freqüentemente constituída de um circuito que engloba uma via de condução lenta e período refratário curto (nomenclatura antiga via "alfa") e outra de condução rápida e período refratário longo (nomenclatura antiga via "beta"), as quais determinam o substrato para o mecanismo reentrante5. Na TAVN típica, a condução anterógrada se dá pela via lenta, e a retrógrada, pela via rápida com o registro da ativação atrial retrógrada mais precoce durante estudo eletrofisiológico (EEF) na região anterior do ânulo tricuspídeo (altura do feixe de His). São consideradas atípicas todas as demais TAVN que apresentem quaisquer variações do circuito eletrofisiológico e/ou anatômico durante a taquicardia.

A definição eletrofisiológica clássica de dupla via nodal representa um aumento abrupto da condução nodal AV de pelo menos 50 ms entre o intervalo do potencial atrial e hissiano (AH), com bloqueio anterógrado na condução da via rápida e condução seletiva através da via lenta, em resposta a um decréscimo de 10 ms durante estimulação atrial ou ventricular; esse fenômeno é conhecido como "JUMP"1-5.

Nas últimas décadas, portanto, os critérios eletrocardiográficos e eletrofisiológicos das diversas formas de TPSV foram mais bem elucidados, permitindo a otimização das técnicas terapêuticas que incluíram o tratamento curativo cirúrgico inicialmente6, e através de cateter de ablação por radiofreqüência posteriormente1-5. Especificamente, na TAVN, a ablação na região póstero-septal do átrio direito tornou-se a abordagem de eleição7. Esse procedimento tem demonstrado um alto índice de sucesso2, considerando-se as localizações estabelecidas de ambas as vias7, principalmente na TAVN típica. Entretanto, as formas atípicas podem apresentar características eletrofisiológicas diferenciadas e vias de localizações incomuns, dificultando, com isso, a determinação do local anatômico alvo para a realização de ablação através do cateter de radiofreqüência (RF), quer seja essa via de condução anterógrada quer seja retrógrada.

Durante a aplicação de energia de RF é comum o surgimento de um ritmo automático juncional ectópico acelerado (JET), sendo sua ocorrência relacionada ao sucesso do procedimento2,3,5. O surgimento de um bloqueio da condução retrógrada para os átrios durante o JET tem sido relacionado com lesão concomitante da via rápida e risco iminente de bloqueio atrioventricular total (BAVT) após o procedimento3,5,8.

O objetivo do presente estudo foi, primeiro, classificar a TAVN de acordo com o comportamento eletrofisiológico das vias anterógrada e retrógrada e identificar com precisão a localização anatômica da via retrógrada (por meio da análise do sítio de condução retrógrada mais precoce durante taquicardia nodal), e, depois, observar cautelosamente a condução retrógrada durante os episódios de JET durante procedimento ablativo, com a finalidade de avaliar a existência da relação entre a presença de um bloqueio retrógrado e o risco de desenvolvimento de bloqueio atrioventricular durante os procedimentos de ablação com cateter de radiofreqüência em portadores de TAVN.

Métodos

Os pacientes que foram selecionados apresentavam história de taquicardia sintomática e freqüente, com início e término súbitos, com ou sem documentação eletrocardiográfica de TPSV. O eletrocardiograma de base em ritmo sinusal apresentava intervalo P-R normal ou ligeiramente encurtado e ausência de via anômala manifesta. Foram selecionados 145 pacientes entre 1999 e julho de 2005, de ambos os sexos, com idade entre 16 e 84 anos.

Durante o estudo eletrofisiológico (EEF), os cateteres de estudo eletrofisiológico foram posicionados no átrio direito, na junção AV (para registro do eletrograma do feixe de His), no interior do seio coronariano e no ápice do ventrículo direito. O protocolo durante o EEF incluiu estimulação artificial (através de um polígrafo de eletrofisiologia de marca EMS) do átrio e ventrículo direitos, ambos com um ciclo básico de 8 a 10 estímulos, seguidos de um extra-estímulo com acoplamento progressivamente mais curto (com decrementos de 10 ms) até ser alcançado o período refratário efetivo do local estimulado ou indução de uma TAVN. Foram utilizados até dois ou três ciclos básicos de até três extra-estímulos para indução de uma TAVN. A estimulação atrial programada foi realizada sendo determinados: o tempo de condução sino-atrial, o tempo de recuperação do nó sinusal, o ponto de Wenckebach e os períodos refratários do átrio e do nó AV, além de presença ou não de dissociação longitudinal ou "JUMP" antes da indução da taquicardia.

A estimulação atrial com protocolo de extra-estímulos decrementais de 10 ms foi realizada com observação concomitante da condução nodal (intervalo AH) até a indução de TAVN (com ou sem "JUMP" precedendo a taquicardia). Em todos os pacientes, foi possível a indução da TAVN com a técnica de extra-estímulos. Entretanto, foi necessária a infusão prévia de isoproterenol (1 a 4 mcg/min) em alguns pacientes portadores da forma típica (32 pacientes = 24,24% das típicas) para indução de taquicardia.

O diagnóstico de TAVN foi estabelecido por meio de critérios eletrofisiológicos previamente estabelecidos por Josephson9, excluindo pacientes em que a taquicardia era mediada por uma via anômala (A - pré-excitação ventricular durante estimulação atrial; B - prolongamento do intervalo VA durante a taquicardia com o desenvolvimento concomitante de bloqueio de ramo; C - avanço na ativação atrial durante estimulação ventricular no momento da refratariedade do His; D - eliminação da taquicardia com a liberação da radiofreqüência em local diferente da região septal baixa do átrio direito), incluindo aqueles em que os critérios preenchiam todos os requisitos para uma TAVN (A - exclusão da participação de uma via anômala; B - indução de taquicardia com QRS estreito por meio da técnica de extra-estímulos atriais ou estimulação atrial rápida; C - dissociação do átrio do circuito da taquicardia durante estimulação no átrio direito (AD), seio coronariano (SC) ou His (H); D - a ablação da via lenta previne a reindução da taquicardia; E - o "JUMP" não foi considerado necessário para o diagnóstico).

A taquicardia era classificada em típica ou atípica, de acordo com as propriedades eletrofisiológicas de velocidade de condução das vias anterógrada e retrógrada e da localização anatômica da via retrógrada, por meio da análise do registro do eletrograma intracavitário (tabs. 1, 2, 3), sendo típica a TAVN "lenta-rápida" com o registro da ativação atrial retrógrada mais precoce na região anterior (próxima ao feixe de His). Todas as demais TAVN foram consideradas atípicas.

A ablação era realizada em ritmo sinusal na região póstero-septal do átrio direito e sem o registro do potencial do His no cateter de ablação. O critério eletrofisiológico incluiu a obtenção de um potencial atrial pequeno e um ventricular amplo, de relação 1:45,7,9, isto é, no nível do anel tricuspídeo (na região póstero-septal do AD), próximo ao orifício do seio coronariano, bem como uma relação do eletrograma A / V < 0,52,5,9,10.

O JET ocorreu em 100% dos pacientes (do grupo das típicas e atípicas) durante a emissão de RF, com o número de batimentos ectópicos variando entre 1 até 30 batimentos. Foram considerados eventos preditores de risco para BAV durante o JET: prolongamento do intervalo PR ( PR), bloqueio ventrículo-atrial (BVA), ou dissociação atrioventricular (DAV).

Conforme a literatura2,5, quando surgem eventos de "dissociação isorrítmica" durante o JET (fenômeno em que a freqüência sinusal é muito similar à freqüência da ectopia juncional, tornando difícil a avaliação da integridade da condução ventrículo-atrial), a RF deve ser prontamente interrompida, sendo o critério para avaliar a integridade da condução nodal a observação de quaisquer prolongamentos do intervalo PR mediante a estimulação atrial em freqüência superior à do ritmo juncional (JET) durante o procedimento ablativo.

Em nosso trabalho, contudo, não foram evidenciados eventos de dissociação isorrítmica, mas, durante o procedimento ablativo, algumas vezes os batimentos do JET intercalavamse com batimentos de captura sinusal (podendo, portanto, nesses batimentos, ser possível a análise do intervalo PR) e, caso ocorresse quaisquer prolongamento do intervalo PR ( PR) em batimentos de captura sinusal durante RF, essa era prontamente interrompida, pois o PR também é considerado evento preditor de risco para injúria nodal2,5. Portanto, neste trabalho não foi necessário que nenhum paciente fosse submetido a estimulação atrial durante a ablação (pois não existiram eventos de dissociação isorrítmica).

Todos os pacientes estudados assinaram previamente um termo de consentimento para a realização do estudo eletrofisiológico. Os agentes antiarrítmicos foram suspensos antes da realização do estudo por um período equivalente a cinco meias-vidas. Os pacientes foram levados ao laboratório de eletrofisiologia em jejum (de cerca de 12 horas) e a sedação foi realizada por intermédio de um médico anestesiologista.

Um cateter 7F ("french") decapolar ou quadripolar foi introduzido no seio coronariano por via jugular interna direita, para registro dos seus potenciais. Três cateteres foram introduzidos por via femoral direita: 1) um cateter 7F quadripolar, posicionado no anel tricuspídeo para registro do eletrograma do feixe de His; 2) um cateter 7F quadripolar para registro do potencial de átrio direito alto e estimulação atrial, ou eventualmente para realizar estimulação ventricular; 3) um cateter de ablação 8F de marca EPT com controle de temperatura e eletrodo distal de 5 mm utilizado para mapeamento do local alvo e para ablação com radiofreqüência.

Após identificação do local alvo, foi liberada a energia de radiofreqüência (RF), com controle de temperatura em 65ºC, por um período de 60 segundos. Durante a aplicação de RF, os episódios de JET foram observados com cautela, com o objetivo de analisar a integridade da condução VA. Durante tais episódios, a presença de bloqueio VA ou de um ou mais batimentos dissociados implicava automaticamente a interrupção imediata do fornecimento da RF.

Após a aplicação de RF, nova estimulação atrial e ventricular era realizada para avaliar o sucesso do procedimento. Foram considerados procedimentos bem-sucedidos a não-indução de nova taquicardia e a ausência de ecos atriais. A presença de salto de onda (JUMP), mas sem eco atrial, foi considerada êxito ablativo.

É importante também destacar, em relação ao cateter posicionado no interior do SC, que a região que corresponde ao óstio do seio coronariano (onde se localizam os eletrodos proximais do cateter) é considerada proximal (SCpx) e aquela a mais de 2 centímetros do interior do óstio é considerada de localização distal (SCd) ou excêntrica.

Resultados

Foram analisados, no total, 145 pacientes portadores de TAVN, e desses, 132 (91%) preencheram critérios eletrofisiológicos da forma típica (lenta-rápida com o registro da ativação retrógrada mais precoce na região anterior do septo atrial direito, próximo ao feixe de His), e 13 (9%) da forma atípica (demais TAVN ou TAVN com circuitos que diferem do circuito bem definido das formas típicas) (tabs. 1, 2, 3 e 4). Observou-se, portanto, neste estudo, uma grande diferença entre o número de pacientes entre as formas típica e atípica. Conforme observado em estudos prévios9,11-15, a TAVN atípica é de caráter pouco freqüente, e mesmo à luz dos conhecimentos da eletrofisiologia moderna, variados e/ou múltiplos circuitos das formas atípicas permanecem ainda pouco elucidados (diferentemente do que ocorre em uma taquicardia típica, em que o circuito dessa já se encontra bem estabelecido1,2,5).

Todos os pacientes, após o diagnóstico eletrofisiológico da TAVN (típica ou atípica), foram submetidos a ablação com cateter de radiofreqüência na região póstero-septal do átrio direito. Durante o JET, caso fosse detectado algum evento preditor de risco (aumento do intervalo PR, bloqueio VA e/ou dissociação AV), a radiofreqüência era imediatamente interrompida. A monitorizarão da condução VA durante o JET foi realizada por meio dos sinais obtidos pelos cateteres posicionados no seio coronariano e no átrio direito alto.

Dos 132 pacientes do grupo das típicas submetidos a ablação, sete pacientes evoluíram com eventos preditores de risco (5,3%) durante esse procedimento, sendo um paciente com bloqueio ventrículo-atrial (V-A), e seis pacientes com bloqueio V-A seguidos subseqüentemente de dissociação atrioventricular (A-V) (fig. 2 e tabs. 6 e 7).



Entre o grupo das atípicas (13 pacientes), quatro pacientes (30,8%) apresentaram eventos preditores de risco durante a radiofreqüência, que foram respectivamente: o prolongamento do intervalo P-R, o bloqueio V-A, o bloqueio V-A (ou V sem A) seguido de dissociação A-V e o prolongamento do intervalo P-R seguido de dissociação AV, sendo, nesses casos, interrompida imediatamente a radiofreqüência (tabs. 4, 5, 6 e 7).

As atípicas foram classificadas em oito subtipos diferentes, dentro desses ocorreram quatro eventos de risco em quatro pacientes diferentes (num total de 13 pacientes que foram submetidos a ablação) (tabs. 4, 6 e 7).

Durante o JET, em caso de surgimento de eventos preditores de risco, a RF era rapidamente interrompida, com a finalidade de se impedir uma lesão permanente da condução AV.

No grupo das atípicas, após a interrupção da RF, a condução AV que se encontrava dissociada recuperou gradativamente o seu enlace, mas em um caso (LI med) um paciente permaneceu com bloqueio atrioventricular de primeiro grau, ao passo que no grupo das típicas um paciente permaneceu com bloqueio atrioventricular de primeiro grau e outro com BAV total (portanto, ambos os grupos – típicas e atípicas – apresentaram injúria permanente sobre a condução nodal AV) (figs. 1, 2, 3 e 4, e tabs. 7 e 8).



Conforme a tabela 8, as complicações permanentes nas típicas foram, respectivamente, um episódio de BAVT e um episódio BAV de primeiro grau. Nas atípicas houve um episódio de BAV de primeiro grau como conseqüência definitiva da injúria nodal após a ablação.

Durante o seguimento de até seis meses, os pacientes permaneceram assintomáticos (sem novas recorrências de TAVN) e não apresentaram complicações tardias inerentes ao procedimento ablativo, tais como bloqueios atrioventriculares tardios1-5.

Discussão

O BAV de terceiro grau ou total (BAVT) é considerado a maior complicação associada à ablação de uma TAVN1,2,5,10. A incidência dessa complicação é considerada baixa, de incidência menor que 1% em estudos publicados1,5,16-18. Portanto, para impedir que haja complicações como o BAVT durante o procedimento ablativo, é de grande importância a observação cuidadosa da integridade da condução ventrículo atrial (VA) ou do prolongamento do intervalo PR8,10,19,20 durante o JET. Sabe-se que o bloqueio AV, tanto o transitório quanto o permanente, raramente acontece quando a condução VA se demonstra intacta durante todo o período em que ocorre o JET. E a perda da condução VA (bloqueio VA) durante o JET tem sido sugerida como de risco iminente para BAVT durante um procedimento ablativo8. Portanto, a radiofreqüência deve ser imediatamente descontinuada2,5,10,21 se eventualmente ocorrer um bloqueio VA, pelo fato de já ser sabido que o valor preditivo positivo do bloqueio VA durante o JET para a ocorrência de BAVT é de aproximadamente 20%8,10. Ressaltamos também que a condução VA durante o JET ocorre mesmo em pacientes que não possuem condução VA retrógrada quando da estimulação ventricular programada prévia à ablação2,5,10, o que reforça ainda mais a importância do abortamento da emissão de radiofreqüência precoce caso haja bloqueio VA.

Na última década, a ablação seletiva na região póstero-septal do átrio direito (AD) tornou-se a abordagem de eleição7. Esse procedimento tem demonstrado um alto índice de sucesso2, considerando-se as localizações estabelecidas das vias anterógrada e retrógrada de uma TAVN típica. Entretanto, nas formas atípicas, incluindo os circuitos de múltiplas vias, podem apresentar no mapeamento realizado durante estudo eletrofisiológico, características eletrofisiológicas diferenciadas e vias de localizações incomuns, dificultando, com isso, a determinação do local anatômico alvo para a realização da ablação. De fato, as vias de comportamento atípico determinam um risco adicional na ocorrência de bloqueio atrioventricular5,10,11,13 (fig. 1).

Estudos realizados com as formas atípicas também sugeriram abordar com mais cautela a ablação dessas11,14,22. Em alguns desses estudos, pacientes portadores da forma atípica apresentaram uma incidência maior de algum grau de lesão nodal após a emissão da RF (por meio de análise do prolongamento do intervalo AH, aumento do período refratário do nó AV ou do ponto de Wenckebach) decorrente da ablação com cateter de RF na região póstero-septal do AD11,14,15. De todo modo, em qualquer TAVN (típica ou atípica), a presença de eventos preditores de risco durante o JET é considerada marcador importante para bloqueio AV permanente3,8,9,11,12,14, muito mais do que para BAVT transitório.

O nosso objetivo neste estudo foi tentar caracterizar as variantes anatômicas e o comportamento eletrofisiológico das formas atípicas da TAVN (pois são aspectos ainda pouco esclarecidos pela literatura especializada), além de correlacioná-las com os eventos preditores de risco para BAV durante a ablação com cateter de radiofreqüência.

Quanto à localização anatômica da via retrógrada nas formas atípicas neste trabalho, a condução atrial retrógrada mais precoce foi observada mais anteriormente (próximo ao His) em dois pacientes, na região média (SCpx = His) em três pacientes, no seio coronariano proximal em seis pacientes e no seio coronariano distal (SCd) em dois pacientes (tabs. 4, 6 e 7).

O comportamento eletrofisiológico das vias anterógrada e retrógrada nas formas atípicas foi múltiplo (tabs. 4, 6 e 7).

Com base nos dados apresentados, pode-se constatar que os eventos preditores de risco ocorreram em ambas as formas de TAVN (atípicas com 30,8% contra 5,3% de eventos preditores de risco nas típicas), com um número porcentualmente mais elevado nas atípicas, havendo significância estatística (p = 0,021) (tab. 5). Analisando a localização anatômica da via retrógrada das atípicas em que ocorreram eventos de risco (com os respectivos circuitos: LI md, LL post, RL md e LI post), pode-se constatar que a localização dessa era média ou posterior, portanto mais próxima da região alvo do cateter de ablação na região póstero-septal do AD, o que por sua vez pode ter contribuído para o surgimento de eventos preditores de risco de injúria nodal, inclusive lesão permanente da condução nodal AV, através do bloqueio AV definitivo de primeiro grau em um paciente (portador da forma atípica LI med).

Apesar de os eventos preditores de risco terem sido porcentualmente mais observados nas atípicas (com p = 0,021), também houve injúria permanente da condução nodal após emissão de RF dentro da formas típicas que foram precedidas por esses eventos de risco, que foram, respectivamente, um com bloqueio AV de primeiro grau e outro com um BAVT definitivo (ambos foram precedidos de bloqueio VA durante o JET) (tabs. 4, 5 e 6).

Por meio da análise desses dados, podemos concluir que em ambas as TAVN, eventos preditores de risco podem causar injúria nodal permanente.

Apesar de terem ocorrido porcentualmente mais eventos preditores de risco nas atípicas, mais pacientes portadores da forma típica (dois contra apenas um das atípicas) apresentaram lesão permanente da condução nodal AV, o que pode ter decorrido de alguns fatores, como: a grande diferença de número entre pacientes portadores das típicas versus atípicas (132 versus 13, respectivamente), o risco inadvertido de BAVT apesar da rápida interrupção da emissão da RF em caso de bloqueio VA durante o JET (conforme Hintringer e cols.8), e, ao mesmo tempo, o fato de que os pacientes que apresentaram eventos preditores de risco durante o JET tiveram a emissão de RF rapidamente interrompida, podendo, na grande maioria desses casos, ter evitado uma lesão nodal permanente, como o BAVT em muitos pacientes.

A maior limitação deste estudo foi a grande diferença numérica entre os pacientes portadores de TAVN típica e os portadores das atípicas (132 versus 13, respectivamente), decorrente, provavelmente, da menor freqüência das atípicas entre o total das TAVN, fenômeno esse já observado em estudos prévios3,10,11,19,22,23. Apesar dessa grande diferença numérica entre ambas as variantes típica e atípica, houve significância estatística (p = 0,021) durante a emissão de RF e ritmo juncional acelerado de mais eventos preditores de risco nos portadores das formas atípicas, em especial aquelas com VA retrógrado durante TAVN mais precoce na região média e posterior do septo, próximo à posição alvo do cateter de ablação. Nenhuma das atípicas que apresentaram durante a taquicardia o VA retrógrado mais precoce na região anterior do septo ou no sítio distal do cateter posicionado no interior do seio coronariano (30.7% das atípicas) apresentou eventos preditores de risco (tabs. 4, 5, 6 e 7).

Conclusão

As formas atípicas representaram 9% de incidência das taquicardias atrioventriculares reentrantes nodais estudadas. As possibilidades de variações anatômicas e eletrofisiológicas dentro das formas atípicas de taquicardia atrioventricular reentrante nodal são múltiplas. As vias retrógradas de posição média e posterior apresentaram maior número de eventos preditores de risco para bloqueio atrioventricular. A caracterização do tipo anatômico permite uma abordagem mais criteriosa no sentido de prevenir complicações.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 22/01/06; revisado recebido em 09/03/06; aceito em 11/04/06.

  • 1. Jackman WM, Beckman KJ, MCClelland JH. Treatment of supraventricular tachycardia due to AV nodal reentry by radiofrequency catheter ablation of slow pathway conduction. N Engl J Med 1992; 327: 313-18.
  • 2. Atié J, Maciel W, Andréa E, Pierobon MA. Taquicardia Atrioventricular Nodal. In: Cruz F, Maia IG, editors. Eletrofisiologia Clínica e Intervencionista das Arritmias Cardíacas. Rio de Janeiro: editora Revinter;1997; Chapter 10, 122-131.
  • 3. Otomo K, Wang Z, Lazzara R, Jackman WM. Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia: Electrophysiological Characteristics of Four Forms and Implications for the reentrant Circuit. In: Cardiac Electrophysiology: From Cell to Bedside. Philadelphia, Pa: W.B. Saunders, Comp; 2000.
  • 4. Barker, PS, Wilson, FN, Johnston, FD. The mechanism of auricular paroxysmal tachycardia. Am Heart J 1945; 26: 435.
  • 5. Strickberger SA, Morady F. Catheter Ablation of Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia. In Zipes D, Jalife J, editors. Cardiac Electrophysiology From Cell to Bedside. Fourth Edition. Philadelphia: WB Saunders. 2004; Chapter 116, 1069-1077.
  • 6. Reyes W, Milstein S, Dunnigan A, Benditt, DG, Kriet J, Pineda E. Indications for Modification of Coexisting Dual Atrioventricular Node Pathways in Patients Undergoing Surgical Ablation of Acessory Atrioventricular Connections. J Am Coll Cardiol 1991; 17: 1561-7.
  • 7. Mitrani RD, Klein LS, Hackett FK, Zipes DP, Miles WM. Radiofrequency Ablation for Node Reentrant Tachycardia: Comparison Between Fast (Anterior) and Slow (Posterior) Pathway Ablation. J Am Coll Cardiol 1993; 21: 432-41.
  • 8. Hintringer F, Hartikainen J, Davies DW, Heald SC, Gill JS, Ward DE, Rowland E. Prediction of atrioventricular block during radiofrequency ablation of the slow pathway of the atrioventricular node. Circulation 1995; 92: 3490-6.
  • 9. Josephson ME. Supraventricular Tachycardias. In: Josephson ME, editor. Clinical Cardiac Electrophysiology Techniques and Interpretations. Third edition. Lippincott Williams and Wilkins. 2000; Chapter 9; page 181-274.
  • 10. Arruda MS, Nakagawa H, Lazzara R, Jackman WM. Ablação Via Cateter nas Taquicardias Supraventriculares por Dupla Via Nodal Atrioventricular: Novos Conceitos Sobre o Circuito de Reentrada, Mapeamento e Ablação da Via Lenta. In Cruz F, Maia IG, editors. Eletrofisiologia Clínica e Intervencionista das Arritmias Cardíacas. Rio de Janeiro: editora Revinter;1997, Chapter 27: 381-390.
  • 11. Engelstein ED, Stein KM, Markowitz SM, Lerman BB. Posterior fast atrioventricular node pathways: implications for radiofrequency catheter ablation of atrioventricular node reentrant tachycardia. J Am Coll Cardiol 1996; 27: 1098-105.
  • 12. Marriott, HJL, Conover MB, Narrow QRS. Paroxysmal Supraventricular Tachycardia em: Advanced Concepts in Arrhytmhias. Third edition. United States of America: editora Mosby; 1998, Chapter 12; page 153-177.
  • 13. Hwang C, Martin DJ, Goodman JS. Atypical atrioventricular node reciprocating tachycardia masquerading as tachycardia using a left-sided acessory pathway. J Am Coll Cardiol 1997; 30: 218-25.
  • 14. Kuo CT, Luqman N, Lin KH, Cheng NJ, Hsu TS, Lee YS. Atrioventricular nodal reentry tachycardia with multiple AH jumps: electrophysiological characteristics and radiofrequency ablation. PACE 2003; 26: 1849-55.
  • 15. Yamabe H, Shimasaki Y, Honda O, Kimura Y, Hokamura Y. Demonstration of the Exact Anatomic Tachycardia Circuit in the Fast-Slow Form of Atrioventricular Nodal Reentrant Tachycardia. Circulation 2001; 104: 1268-73.
  • 16. Jazayeri MH, Hempe SL, Sra JS. Selective transcatheter ablation of the fast and slow pathways using radiofrequency energy in patients with AV nodal re-entrant tachycardia. Circulation 1992, 85: 1318-28.
  • 17. Kalbfleisch SJ, Strickberger SA, Williamson B. Randomized comparison of anatomic and electrogram mapping approaches ablation of the slow pathway of atrioventricular node reentrant tachycardia. J Am Coll Cardiol 1994; 23: 716-723.
  • 18. Haissaguerre M, Gaita F, Fisher B. Elimination of AV nodal reentrant tachycardia using discrete slow potentials to guide application of radiofrequency energy. Circulation 1992; 85: 2162-75.
  • 19. Jentzer JH, Goyal R, Williamson BD. Analysis of junctional ectopy during radiofrequency ablation of the slow pathway in patients with atrioventricular nodal reentrant tachycardia. Circulation 1994; 90: 2820-6.
  • 20. Thakur RK, Klein GJ, Yee R, Stites HW. Junctional tachycardia is a useful marker during radiofrequency ablation for atrioventricular node reentrant tachycardia. J Am Coll Cardiol 1993; 22: 1706-9.
  • 21. Haisaguerre M, Warin JF, Lemetayer P. Closed-chest ablation of retrograde conduction in patients with atrioventricular nodal reentrant tachycardia. N Engl J Med 1989; 320: 426-33.
  • 22. Sorbera C, Cohen M, Woolf P. Atrioventricular nodal reentry tachycardia: slow pathway ablation using the transseptal approach. Pacing Clin Electrophysiol 2000; 23: 1343-9.
  • 23. Yeh SJ, Wang CC, Wen MS. Radiofrequency ablation therapy in atypical or multiple atrioventricular node reentry tachycardias. Am Heart J 1994; 128: 742-58.
  • Correspondência:

    Maila Seifert Macedo Silva
    Rua das Laranjeiras, 374
    22240-006 - Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      11 Abr 2006
    • Revisado
      09 Mar 2006
    • Recebido
      22 Jan 2006
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br