Acessibilidade / Reportar erro

“A igreja sou eu, é você, somos nós”: notas sobre a desinstitucionalização evangélica no Brasil a partir da observação da Comunidade Caminho da Graça 1 1 Esta pesquisa contou com o apoio do CNPq e da CAPES.

“The Church is me, it’s you, it’s us”: notes about evangelical deinstitutionalization in Brazil from the observation of the Caminho da Graça Community

Resumos

Resumo: Ao contrário do que previa a tese clássica da secularização, a religiosidade não combaliu. Na realidade, o que temos observado na contemporaneidade poderia ser definido como um caso de reconfiguração religiosa de características próprias. Dentre as mais diversas e significativas mudanças no cenário religioso brasileiro dos últimos anos, destaca-se a desinstitucionalização, incluindo a evangélica. Os evangélicos sem-igreja, termo usado para designar os que se encontram nesse processo, estão inseridos numa variável crescente. O presente artigo busca ponderar a respeito desses novos sujeitos religiosos, bem como estudar a relação entre o seu crescimento vinculado aos aspectos próprios do recente período histórico da modernidade radicalizada nele reverberados. Para tanto, toma a comunidade Caminho da Graça, liderada por Caio Fábio D’Araújo Filho, como principal caso de campo.

Palavras-chave:
sem-igreja ; desinstitucionalização; evangélicos; modernidade radicalizada


Abstract: In a contrary way to the classic thesis of secularization, religiosity did not falter. In fact, all that we have observed in contemporaneity could be defined as a case of religious reconfiguration of its own characteristics. Among the most diverse and significant changes in the Brazilian religious scene of the last few years, the deinstitutionalization, including the evangelical one, stands out. The unchurched evangelicals, a term used to describe those in this process, are embedded in a growing variable. This paper seeks to ponder about these new religious subjects, as well as to study the relationship between their growth linked to the own aspects of modernity radicalized in it reverberated. To do so, the research takes the Caminho da Graça community, led by Caio Fábio D’Araújo Filho, as the main field case.

Keywords:
unchurched ; deinstitutionalization; evangelicals; radicalized modernity


Introdução

O presente artigo fundamenta-se na discussão acerca das mudanças observadas no cenário religioso brasileiro no contexto denominado modernidade, em sua fase e forma conhecida como modernidade radicalizada - também chamada de modernidade reflexiva, modernidade líquida, hipermodernidade, segunda modernidade. Num recorte mais específico, versa sobre a desinstitucionalização de evangélicos no Brasil como caso de reconfiguração religiosa nesse período.

Inegavelmente, ao contrário do que previam alguns defensores da tese clássica da secularização, tais como Peter Berger em sua primeira fase de escritos (Berger 2004BERGER, Peter. (2004), O dossel sagrado: Elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus Editora.), Steve Bruce (1966BRUCE, Steve. (1966), Religion in the Modern World. Oxford: Oxford University Press., 2011BRUCE, Steve. (2011), Secularization: In defence of an unfashionable theory. Oxford: Oxford University Press .), Bryan Wilson (1966WILSON, Bryan. (1966), Religion in Secular Society. London: Watts.), entre outros, a religiosidade não combaliu. A verdade é que, fundamentados na clássica tese da secularização, muitos cientistas sociais acreditavam que, com a modernidade e o avanço da ciência e da técnica, a dimensão religiosa haveria de ser totalmente suprimida e superada, não sendo exagero dizer extirpada e renegada. O projeto da modernidade não só previa o fim do religioso como postulava que, uma vez moderno, o homem racional fundamentaria suas ações de modo a descaracterizar todo resquício de experiência religiosa possível. Em outras palavras, seria destino da humanidade “[…] viver numa época indiferente a Deus e aos profetas” (Weber 2010WEBER, Max. (2010), Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix.:48), em um contexto em que a crença na aniquilação da experiência religiosa era real para muitos.

As instituições e as diversas áreas que conformavam as sociedades ditas modernas aos poucos foram se autonomizando do religioso, caminhando à laicidade e à secularização. Assim, a relação da modernidade com a religião era caracterizada cada vez mais pelo conflito entre a percepção religiosa de mundo, carregada de símbolos e liturgias sacras, com as múltiplas esferas sociais, regidas por normas e princípios seculares, também chamadas de esferas profanas (Weber 1979WEBER, Max. (1979), Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar.). Entretanto, ainda que em meio a todo esse processo e contrariando diversas expectativas, a religião não se extinguiu. Observava-se, na realidade, não o seu desaparecimento, mas a “progressiva e relativa perda de pertinência do religioso” (Bobineau & Tank-Storper 2011BOBINEAU, Olivier; TANK-STORPER, Sébastien. (2011), Sociologia das Religiões. São Paulo: Edições Loyola.:51). De fato, o que se vê e se percebe hodiernamente é que, apesar de os comportamentos e atitudes, e mesmo as instituições sociais, serem pincelados progressivamente por normas seculares, a permanência do religioso é incontestável. Retorno do sagrado, como escreveram alguns2 2 Como, por exemplo, Peter Berger em The desecularization of the world: resurgent religion and world politics (1999). ? Certo que não; como ponderara Renato Ortiz, “em termos lógicos não há pois necessidade de imaginarmos o ‘retorno’ de algo que nunca expirou” (Ortiz 2001ORTIZ, Renato. (2001), “Anotações sobre religião e globalização”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , vol. 16, nº 47: 59-74. :62). É exatamente sobre essa questão que Hervieu-Léger (2008HERVIEU-LÉGER, Danièle. (2008), O peregrino e o convertido. Petrópolis: Editora Vozes .) discorre ao apontar que as sociedades modernas são marcadas por um paradoxo no campo religioso. A modernidade, ao mesmo tempo que seculariza a religião, tirando seu prestígio e o status de controladora das coisas mundanas - perfil dos séculos anteriores ao seu “aparecimento” -, criara determinadas vias de acesso para que essa mesma religião recriasse novas formas de religiosidade. A religião, nesse sentido, não morreu na modernidade, mas em novas formas de organização respira ares de reconfiguração, dada sua capacidade de se “transformar e se deslocar” (Sanchis 2001SANCHIS, Pierre. (2001), “Desencanto e formas contemporâneas do religioso”. Revista Ciências Sociais e Religião, vol. 3, nº 3: 27-43.).

Sabe-se então, de acordo com Antônio Flávio Pierucci (2004PIERUCCI, Antônio Flávio. (2004), “‘Bye bye, Brasil’: o declínio das religiões tradicionais no Censo 2000”. Estudos Avançados, vol. 18, nº 52: 17-28.), que, na mesma proporção em que esse processo de reconfiguração caminha, aspectos da modernidade radicalizada3 3 Chamado de modernidade radicalizada, modernidade tardia ou alta modernidade, o período da segunda modernidade diferencia-se da primeira modernidade, clássica, de meados do século XVIII, especialmente pela radicalização das próprias idiossincrasias modernas. O período iniciado a partir das décadas finais do século XX, que alguns chamaram de pós-modernidade (Lyotard 1998), definir-se-ia não pelo desaparecimento dos projetos da modernidade, mas pela sua intensificação e surgimento de novas características que lhe fossem próprias. Anthony Giddens, por exemplo, discorre sobre três eixos de mudança da primeira para a segunda modernidade: 1) a separação do tempo e do espaço em novas recombinações; 2) o desencaixe dos sistemas sociais; e 3) a ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais (Giddens 1991). Vários teóricos da modernidade discorrem sobre a ressignificação do projeto moderno na contemporaneidade, a partir dos quais a segunda modernidade é pensada com base em suas especificidades teóricas, como nos conceitos Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman (2001); Hipermodernidade, de Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles (2004); Segunda Modernidade ou Sociedade do Risco, de Ulrich Beck (2011) etc. , como a questão da individualização inaudita, passam a marcar, nesse jogo de tensão, o modus operandi religioso. Deparamo-nos com nossa unidade de análise específica: os sem-igreja 4 4 A categoria dos sem-igreja, como se deve constatar, não é proposta inédita deste trabalho, sendo bem anterior à pesquisa aqui relatada. Em artigo de 2007, por exemplo, Denise dos Santos Rodrigues usa o termo para se referir àqueles que, em seus dados, separavam a “adesão a uma instituição religiosa da crença em um deus ou força superior e distinguiam espiritualidade e religiosidade de religião, dizendo-se em busca de religiosidade ou espiritualidade, lançando críticas às instituições religiosas” (Rodrigues 2007:44-45). Não obstante, embora perpasse diversas confissões e sujeitos religiosos - inclusive aqueles abarcados na nebulosa categoria censitária dos sem religião, como mostra o trabalho de Rodrigues -, é com um grupo específico dos sem-igreja que o presente artigo se ocupa, a saber, o dos evangélicos. Nesse sentido, seu objeto aproxima-se daquele abordado por outros trabalhos (Bomilcar 2012; Campos, I. 2014), ainda que articulado em proposta metodológica e explicativa distinta. . De todas as mudanças observadas no cenário religioso brasileiro nos últimos anos, chama atenção, inclusive entre as confissões cristãs evangélicas, o crescimento desse grupo específico. O termo em si, referenciado aos evangélicos, é autoexplicativo. Não diz respeito a apóstatas ou a “desviados”, esta última como nomenclatura interna usada para quem se distorce da denominação e confissão cristã evangélica.

Apesar da comum similaridade entre os termos “apóstata” e “desviado”, vale ressaltar uma diferença: o apóstata afasta-se da antiga confissão e doutrinação de forma definitiva e, na maioria das vezes, destaca-se por combatê-la. Por sua vez, o “desviado”, embora afastado da prática religiosa, continua a se identificar como pertencente à confissão, mesmo que não a pratique. Por evangélico sem-igreja, por outro lado, entende-se o indivíduo que decide viver a sua fé cristã evangélica fora do ambiente eclesiástico. Em outras palavras, o evangélico sem-igreja é aquele que deixa a igreja evangélica, a instituição igreja, sem deixar de exercer a fé religiosa nela praticada, alguém que, não filiado às alternativas de denominação oferecidas, tradicionais ou não, se identifica como cristão e participa assiduamente dos rituais ligados à identidade evangélica, muitas das vezes em pequenas reuniões em lares, espaços públicos, auditórios, hotéis etc. Na definição de Leonildo Silveira Campos, grupos que “[…] nestes tempos de individualismo e de formação de um ‘rebanho virtual’ levariam o respondente afirmar-se apenas ‘evangélico’, porém sem determinar uma igreja específica” (Campos 2012CAMPOS, Leonildo. (2012), “‘Rebanho virtual’, fator que contribui para o individualismo religioso evangélico?”. Entrevista concedida a Thamiris Magalhães, IHU On-line, 27 ago. 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/4592-leonildo-silveira-campos-4 . Acesso em: 18/10/2018.
http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/...
).

Quando, em 2012, o IBGE divulgou os primeiros números do Censo 2010 sobre as religiões no Brasil, chamava atenção o fato de a categoria denominada sem religião não ter alcançado os mesmos e surpreendentes índices de crescimento da década anterior, além da confirmação da diminuição do número de católicos e do aumento do número de evangélicos - acarretado, sobretudo, pelo aumento de pentecostais5 5 Segundo dados do IBGE obtidos no Censo 2010, os sem religião passaram de 7,4% da população, em 2000, para 8,0% no ano de 2010; nada comparado ao expressivo aumento da categoria no intervalo dos censos 1991-2000, que foi de 4,8% para 7,4% dos brasileiros de então. A diminuição do número de católicos e o aumento do número de evangélicos, por sua vez, só reafirmaram uma tendência que vinha sendo observada desde a divulgação dos dados referentes aos censos posteriores a 1980. Dessa maneira, enquanto o catolicismo perdia ainda mais de sua hegemonia no país - passando de 89,2% em 1980 para 64,6% dos brasileiros em 2010 -, os evangélicos assistiam a um crescimento de 15,6 pontos percentuais no mesmo período, saltando de 6,6% para 22,2% da população, num total de 42.275.440 brasileiros (IBGE 2012). Pesquisas mais recentes, ainda sobre esse apanhado, corroboram a curva ainda mais ascendente da presença de evangélicos no país. Em levantamento realizado pelo Datafolha em outubro de 2017, por exemplo, o percentual de evangélicos brasileiros é estimado em 32% da população. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/10/1930455-para-votar-19-dos-brasileiros-com-religiao-seguem-indicacao-da-igreja.shtml. Acesso em: 18/10/2018. . Nesse último apanhado, foi notável o crescimento da subcategoria “evangélica não determinada” entre todas as pertenças declaradas, passando de 1.627.869 para 9.218.129 pessoas. Dentro da gama de possibilidades que tal esfera poderia representar - entre as quais os evangélicos nominais (conceito similar ao de catolicismo nominal [Camargo 1973CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de (org.). (1973), Católicos, protestantes e espíritas. Petrópolis: Editora Vozes . ]), os que transitam por diversas denominações e, bem provavelmente, aqueles que não quiseram ou não souberam informar seu vínculo denominacional ao recenseador -, outra indagação passaria a habitar a mente dos pesquisadores de religião no país: estariam entre eles os evangélicos sem-igreja? Ao discorrer sobre o futuro da igreja evangélica no Brasil acerca de dados ainda anteriores, o sociólogo Paul Freston parecia acreditar que sim, já que, como analisava,

Saiu nos jornais o resultado de uma pesquisa do IBGE com dados interessantes sobre a realidade evangélica no Brasil. O dado que mais nos chamou a atenção é o que diz respeito à categoria evangélica que mais cresce: o “evangélico sem igreja”. A maior parte desse grupo não é de evangélicos “nominais” (os que se autodenominam evangélicos, mas não frequentam uma igreja); antes, é composta pelos que se consideram evangélicos, mas não se identificam com denominação alguma. Longe de ser “nominal” ou “não-praticante”, o evangélico sem igreja talvez frequente várias igrejas sem se definir por uma; ou pode ser que assista a uma igreja durante alguns meses, antes de passar facilmente a outra. Com isso, não chega a se sentir assembleiano ou batista ou presbiteriano ou quadrangular. Existe, então, um setor crescente de pessoas que se identificam como evangélicas, mas não como pertencentes a uma determinada denominação (Freston 2011FRESTON, Paulo. (2011), “Como será a igreja evangélica brasileira de 2040?”. Entrevista, revista Ultimato, nov./dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/333/como-sera-a-igreja-evangelica-brasileira-de-2040 . Acesso em: 19/07/2017.
https://www.ultimato.com.br/revista/arti...
:n.p.).

Em um país de pluralidade cristã (Souza 2012SOUZA, André de. (2012), “O pluralismo cristão brasileiro”. Revista Caminhos, vol. 10, nº 1: 129-141.), de hegemonia católica romana histórica, tais números não só criavam ponto de interrogação na mente de teóricos do assunto. como assustavam os púlpitos evangélicos institucionais, corroborando análises precedentes. A destradicionalização, pluralização e concorrência religiosa (Mariano 2013MARIANO, Ricardo. (2013), “Mudanças no campo religioso brasileiro no censo 2010”. Debates do NER, vol. 2, nº 24: 119-137.), acompanhadas da desinstitucionalização, inseridas numa gama de aspectos que eram observados desde sua gênese, em meados dos anos 1980, avançavam, tomando forma nunca vista anteriormente. Certamente, a configuração do cristianismo no Brasil mostrava-se palco de significativas mudanças.

Com efeito, inúmeros grupos de evangélicos desinstitucionalizados e desinstitucionalizantes - ou seja, os que não fazem da igreja um local de práticas religiosas, bem como aqueles que apregoam ostensivamente contra a instituição igreja - iam surgindo pelo país, formando um universo cada vez mais difícil de apreender e estimar. Juntamente com eles, determinadas questões adquiriam relevância no processo de análise: o que tem desencadeado esse processo? Quais as explicações da desinstitucionalização de evangélicos brasileiros? O que de fato explica o crescimento desses evangélicos sem-igreja no país e qual o seu perfil? Assim, formavam-se os problemas da pesquisa que dão origem a este texto e a pertinência da escolha do objeto, que, como justificativa, se resumia em trazer luz a esse apanhado nebuloso até então pouco discutido na literatura sociológica da religião no Brasil. Em consequência, apresenta-se neste artigo a sintetização dos resultados obtidos, discorrendo, em sua primeira seção, sobre os nexos causais sugeridos entre o crescimento de novas religiosidades no Brasil - tal como a dos evangélicos sem-igreja - e a feição da modernidade radicalizada aqui experimentada. A segunda seção versará sobre os sentidos e significados desse tipo de fé, a partir da apresentação dos dados de uma pesquisa qualitativa realizada com o grupo tomado como unidade de análise, o Caminho da Graça 6 6 Os dados que fundamentam a análise aqui sintetizada foram coletados nos anos de 2016 e 2017. A pesquisa, como um todo, compreendeu os seguintes procedimentos: 1) observação participante em reuniões do Caminho da Graça na estação de São Paulo-SP; 2) mapeamento e exame de materiais discursivos - tais como vídeos, artigos, livros, redes sociais e entrevistas concedidas a meios de comunicação - sobre/do grupo e seu fundador, Caio Fábio; e 3) entrevistas semiestruturadas com dois atores-chave do movimento, devidamente autorizadas quanto à publicação de seu conteúdo e nome de seus concedentes. Coordenadores à época da pesquisa das estações Taguatinga-DF e São Paulo-SP, Adailton Dutra e Carlos Bregantim, respectivamente, foram escolhidos por razões específicas. Sendo Adailton ex-pastor de igreja evangélica, e mais, mentor de um grupo na macrorregião de Brasília, onde o movimento fora iniciado, tal interlocução se mostraria - como de fato se mostrou - fundamental. Além disso, quando Caio Fábio se afastou da mentoria do movimento, no início de 2019, foi a Adailton que as funções de coordenação foram delegadas. Colhida em 26 de julho 2017, em Taguatinga-DF, nossa conversa foi marcada depois de contatos primários via aplicativo de mensagens, já que seu contato telefônico se encontrava no próprio site do Caminho da Graça. Também marcada via aplicativo de mensagens e realizada em 6 de setembro de 2017, na cidade de São Paulo-SP, a entrevista com Carlos Bregantim, por sua vez, revelou-se rica dado o envolvimento do coordenador com Caio Fábio muito antes do Caminho da Graça dar os seus primeiros passos como movimento, o que inegavelmente trouxe à pesquisa informações valiosas. Pontua-se, ainda, que contatos com Caio Fábio também foram realizados na tentativa de realização de uma entrevista. Muito embora, depois de repetidas conversas com sua secretária pessoal, Caio tenha se prontificado a responder somente a poucas perguntas enviadas por meios eletrônicos, tais perguntas, até a finalização deste texto, não haviam sido respondidas. Todavia, dada a grande quantidade de material disponibilizado por e sobre Caio em sua autobiografia, em entrevistas cedidas a outros e na Internet, cremos ter preenchido tal lacuna no seu uso, sistematização e análise. .

A Modernidade, suas Descontinuidades e os Novos Sujeitos Religiosos

Sabe-se que com o estabelecimento do projeto econômico-político-cultural da modernidade o mundo assistia, somado a outros fatores, a um processo racional de diferenciação de esferas impensável nas sociedades pré-modernas. Rigidamente hierárquicas e, de certa maneira concêntricas, as sociedades axiais organizavam-se em torno da ideia do transcendental de maneira que todas as outras esferas sociais - ou a maioria, pelo menos - lhes fossem subalternas, num contexto em que a religião, indiscutivelmente, desempenhava um papel estruturante de controle sobre a organização societária em sua multiplicidade e complexidade, misturando-se às estruturas sociais de maneira eminente. Com o advento da modernidade, todavia, a ênfase na autonomia individual e a reflexividade davam indícios que a dimensão religiosa haveria de recuar, declinar e, para alguns, até mesmo se extinguir.

No debate sociológico, por exemplo, dois conceitos inseriam-se aos poucos na tentativa de explicitar sobre o futuro da religião nas sociedades modernas: o de laicidade e o de secularização. O primeiro, que prevalecera sobretudo na França, referenciava uma relação político-institucional que remetia à neutralidade do Estado para toda confissão de ordem religiosa7 7 A laicidade, longe de uma concepção de um processo unilateral de separação entre Estado e religião, é, na realidade, conhecida de forma multifacetada quando observados os exemplos de distintos países. Bobineau e Tank-Storper, em Sociologia das Religiões (2011), apresentam quatro modelos de laicidade: um francês, chamado de ideológico por causa da histórica oposição entre clericais e anticlericais; um norte-americano, marcado sobretudo pela presença de valores religiosos na esfera pública, mesmo em meio à separação das instituições políticas das instituições religiosas; um alemão, caracterizado pela cooperação do Estado com diferentes sociedades religiosas, ainda que não haja uma oficial; e um israelense, chamado de modelo status quo, distinguido pelas negociações entre o direito moderno e a manutenção de valores religiosos tradicionais do judaísmo. . O segundo, por sua vez, fazendo alusão ao termo “secular” - usado desde a Idade Média para se referir a tudo o que fosse antagônico ao religioso (Luchi 2014LUCHI, José Pedro. (2014), “O lugar das religiões numa sociedade pós-secular: discussão da perspectiva de J. Habermas”. In: W. Rosa; O. Ribeiro (orgs.). Religião e sociedade (pós) secular. Vitória: Editora Unida.) - e predominante no contexto algo-saxão, referia-se a algo mais amplo, como um processo pelo qual, nas palavras de Berger, “setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos” (Berger & Luckmann 2004BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. (2004), Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Editora Vozes .:118), abarcando em certo sentido o próprio conceito de laicidade, enxergada como uma de suas características particulares.

A partir de então, especialmente pelo conceito de secularização, não foram poucos os que se empreenderam por entender as mudanças ocorridas no interior das sociedades modernas buscando não só pela compreensão de sua relação com o religioso, mas fornecendo inclusive determinadas previsões acerca da posição que seria ocupada pela religião - se é que ela fosse ocupar alguma - no mundo moderno com a iminência do curso de seus processos. Nesse sentido, sobre o papel da religião na modernidade, muitas foram as reflexões produzidas acerca das implicações da secularização, desde que o tema fora pincelado por Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo (2004WEBER, Max. (2004), A ética protestante e o espírito o capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras.) - Entzauberung der Welt, o desencantamento do mundo -, sendo esse muito provavelmente o tema mais debatido, contestado e trabalhado pela e na sociologia da religião desde sua formação (Mariz 2001MARIZ, Cecília Loreto. (2001), “Secularização e dessecularização: comentários a um texto de Peter Berger”. Religião & Sociedade , vol. 21, nº 1: 25-39.). A sociedade tecnicista, centrada no homem enquanto senhor da natureza, marcada ascendentemente pela racionalização e ciência, haveria de extirpar a utilidade e existência da religião enquanto um “sistema unificado de crenças e práticas ligadas ao sagrado que congrega as pessoas que as seguem em uma comunidade moral” (Durkheim 1989DURKHEIM, Émile. (1989), As formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes.:79)? A resposta para muitos era afirmativa.

Todavia, com o passar do tempo e as descontinuidades da modernidade (Giddens 1991GIDDENS, Anthony. (1991), As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp.), outros saberes passariam a ser produzidos em relação às crenças que sobre esse processo não se efetivaram; saberes que, já no final do século XX, seriam os responsáveis pela mudança de paradigma de muitos pesquisadores, dentre os quais Peter Berger, que, em relação a sua concepção de secularização, afirmaria em A dessecularização do mundo: uma visão global (2000): “O mundo de hoje, com algumas exceções […] é tão ferozmente religioso quanto antes, e até mais em certos lugares. Isso quer dizer que toda uma literatura escrita por historiadores e cientistas sociais vagamente chamada de ‘teoria da secularização’ está essencialmente equivocada” (Berger 2001BERGER, Peter. (2001), “A dessecularização do mundo: uma visão global”. Religião & Sociedade, vol. 21, nº 1: 9-24.:10).

Interessante observar que, retomando Giddens (1991GIDDENS, Anthony. (1991), As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp.), essa inquietação recente da transição de um século para outro colocou um desafio ao período da modernidade como uma fase inacabada de um projeto que pretendia emancipar a humanidade a partir do conhecimento científico, tendo como base a consolidação da autonomia epistemológica. Assim, essa fase que não seria concretizada estaria abrindo espaço para um novo período mais recente, e junto ao processo da globalização do final do século XX e começo do XXI, configurariam novas narrativas e, ao mesmo tempo, permitiriam uma redefinição de vivências e experiências individuais atuando como reivindicadores individualizantes da fé e da ciência.

Dessa maneira, convencidos de que a religião não haveria de se extinguir, muitos cientistas sociais começaram a revisar suas teorias sobre o religioso na modernidade, principalmente depois de formulações acerca do equívoco de se entender a modernidade como um processo unilateral, que deram novos contornos às teorias sobre o moderno, pondo em xeque especialmente as teorias da modernização prevalecentes em meados do século XX. Exemplo emblemático de teórico a apontar as limitações de tais teses, Shmuel Eisenstadt destacar-se-ia por formular, a partir de um trabalho de análise civilizacional, o conceito de modernidades múltiplas, pontuando a constituição da modernidade “como uma história contínua de constituição e reconstituição de uma multiplicidade de programas culturais” (Eisenstad 2001:140), cujas implicações e consequências, a afetar inclusive a esfera do religioso, se dariam de maneiras diferentes e desiguais.

Tais revisões passaram a indicar que, incontestavelmente, a religião teria sim sido afetada com o advento da segunda era axial8 8 Utilizando-se do método comparativo das religiões mundiais empreendido por Weber, Shmuel Eisenstadt, teórico da modernidade (2001), vê a transcendência como um elemento axiológico comum que perpassa as sociedades dentro daquela que chamou de primeira “era axial”, período anterior à modernidade - conceito que, por sua vez, é derivado da obra de Karl Jaspers (1949) -, marcada pelo conflito entre uma visão transcendental e a ordem mundana. Se na primeira era axial, segundo Jaspers (1949), o homem fora despertado para uma consciência de si mesmo, com a ordem transcendental como critério para a ordem temporal, na segunda, tal “transcendência das mundivisões teológicas sofre uma viragem política” (Beck 2017:52), inaugurando a partir de então o momento em que o homem é descoberto como objeto central do arranjo político-cultural da nova sociedade. , mas, essas transformações não indicavam seu desaparecimento. Muitos sociólogos da religião escreveriam acerca das consequências da modernidade no campo religioso nessa concepção específica, cada qual com suas especificidades teóricas, tais como Luckmann (1987LUCKMANN, Thomas. (1987), Secularization and Religion: the persisting tension. Lausanne: CISR.), Negrão (2005NEGRÃO, Lísias Nogueira. (2005), “Nem jardim encantado, nem clube dos intelectuais desencantados”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, nº 59: 23-36.), Davie (2007DAVIE, Grace. (2007), The sociology of religion. London: Sage Publications.), Hervieu-Léger (2008), o próprio Berger (2017BERGER, Peter. (2017), Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da religião numa época pluralista. Petrópolis: Editora Vozes.), entre outros. Longe da aceitação de um processo unilinear como definição do conceito de modernidade secularizante, a concepção de modernidade descontínua e múltipla acabava por demonstrar que, ao invés do desaparecimento da religião, a modernidade radicalizada reservava para si a existência do sentimento anímico em novas configurações religiosas, afetadas sim pelas suas características estruturantes, porém não em um caminho inexorável rumo à extinção.

A balizar sobre tais reconfigurações em suas especificidades, tomamos em nossa reflexão as contribuições do sociólogo alemão Ulrich Beck, principalmente a partir de sua obra O Deus de Cada Um (2016BECK, Ulrich. (2016), O Deus de cada um: a capacidade das religiões de promover a paz e o seu potencial de violência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.). Tratando especificamente sobre o panorama religioso, Beck apresenta como sua justificativa inicial para a confecção do texto aquilo que diz definir cada vez mais a realidade: “o retorno do encantamento pela religião” (Beck 2016:8). Nela, o teórico alemão se propõe a fazer um balanceamento sociológico sobre as consequências da individualização da segunda modernidade sobre o campo religioso, apresentando tal conceito como a representação do que veio a se tornar a experiência religiosa contemporânea: constructo do indivíduo pautado em um Deus individual e individualizante. Antes definidora dos padrões de comportamento de toda uma sociedade, a igreja, nesse contexto, assim como outras instituições tidas outrora como determinantes para a construção de identidades coletivas que davam aos indivíduos segurança e sentido - partidos políticos, sindicatos etc. -, é colocada em xeque com toda sua estrutura normativa e dogmática. Nas descontinuidades da modernidade, a instituição mais importante do cristianismo na visão de Beck se enfraquece diante da individualização reflexiva, que, por sua vez, contribui decisivamente para um processo de “desigrejização” da sociedade (Beck 2016:36). Sobre esse descolamento do indivíduo religioso da religião institucional, o autor escreve que

[…] não há mais nenhuma fé religiosa que não tenha passado pelo fundo da agulha da reflexividade da própria vida, da própria experiência e da autoconfiança (exceções confirmam a regra). Cada pessoa constrói para si, a partir de suas experiências religiosas, seu abrigo individual, seu baldaquim sagrado. É o indivíduo que decide sobre sua fé, e não mais apenas ou primordialmente sua origem e sua organização religiosa (Beck 2016BECK, Ulrich. (2016), O Deus de cada um: a capacidade das religiões de promover a paz e o seu potencial de violência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.:22).

Dessa maneira, as religiões de igreja - ou de qualquer outra instituição religiosa organizada que exija exclusividade de seus membros, como no caso dessa, que é cristã - tendem a assistir a um processo irreversível de pluralização religiosa, ao surgimento de “Novos Movimentos Religiosos” construídos e mantidos pelo crivo do indivíduo, orientados pelo Deus de cada um, de e para o religioso, não de e para o pertencente a uma religião; pois, como pontua o autor, “ser religioso não pressupõe a pertença ou não-pertença a um determinado grupo ou organização; designa antes uma determinada atitude para com as questões existenciais da humanidade” (Beck 2016BECK, Ulrich. (2016), O Deus de cada um: a capacidade das religiões de promover a paz e o seu potencial de violência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.:55). Ou seja, nas palavras de Beck, se nas igrejas prevalecera a lógica da inequivocidade, “o modelo do ‘ou-isto-ou-aquilo’”, como resultado da individualização da segunda modernidade prevalecera em nosso contexto a lógica religiosa da equivocidade, “o modelo do ‘tanto-isto-como-aquilo’” (Beck 2016:74). Assim a religião não desaparece, mesmo porque “a adesão à fé religiosa é proporcional à insegurança que os processos radicalizados de modernização deflagram em todos os setores sociais (‘modernização reflexiva’)” (Beck 2016:91). Todavia, contempla-se “o renascimento de um novo tipo subjetivo, anárquico, de fé que se ajusta cada vez menos às balizas dogmáticas das religiões institucionalizadas”, dissolvendo-se “a unidade entre religião e religioso, entre religião e fé” (Beck 2016:91), com “o esvaziamento das igrejas e o re-encantamento religioso do pensamento e das ações das pessoas”, bem como o “enfraquecimento das organizações religiosas e o fortalecimento de uma religiosidade pós-clerical, fluida” (Beck 2016:93-94).

Em suma, a figura do Deus de cada um da segunda modernidade, a modernidade radicalizada, seria, como escreve Beck, “muitos ‘não’: não é nenhuma etiqueta, nenhuma carteira de identidade de segunda classe, nenhuma convenção de dupla moral e sobretudo não é nenhum ‘desde sempre’, nem algo absoluto” (Beck 2016:18). Como defende a partir de sua análise da modernidade reflexiva, seria antes de tudo a possibilidade de divisão e recomposição, como o próprio indivíduo, “ele é a garantia da independência do indivíduo e da independência de Deus” (Beck 2016:18), inclusive no que diz respeito às amarras históricas com a instituição eclesiástica. À vista disso, a pergunta a nos interessar aqui é: corresponderiam, portanto, tais conceitos à realidade empírica brasileira que diante de nós se apresenta? Poderíamos pensar na desinstitucionalização evangélica como um exemplo de recriação dessa segunda modernidade, com base nessa perspectiva teórica que advoga o contemporâneo como a experimentação da fé no Deus de cada um, paradigma explicativo que, embora tenha sido formulado a partir de uma experiência europeia (Beck 2016), nos é apresentado na experiência brasileira na correlação das características que lhe são próprias (Eisenstadt 2001EISENSTADT, Shmuel. (2001), “Modernidades múltiplas”. Sociologia, problemas e práticas, nº 35: 139-163.)?

A Desinstitucionalização Evangélica no Brasil: A Individualização Religiosa em um Caso de Campo

Basta um olhar acurado para a realidade brasileira para chegarmos à conclusão de que não é difícil de enxergar as reverberações características do processo que levou Beck a formular a ideia de Deus de cada um. Muito embora no Brasil não tenhamos uma diferenciação institucional rígida, concernente à laicidade (Mariano 2011MARIANO, Ricardo. (2011), “Laicidade à brasileira: católicos, pentecostais e laicos em disputa na esfera pública”. Civitas - Revista de Ciências Sociais, vol. 11, nº 2: 238-258.) - o que nos leva a pensar nas múltiplas modernidades religiosas -, a individualização das trajetórias de identificação religiosa é o fator determinante para o entendimento da desinstitucionalização, incluindo aí a evangélica. Como poderá ser visto aqui com partes das entrevistas semiestruturadas com líderes do movimento tomado como recorte de pesquisa, a ideia da não necessidade de controle coletivo e da autonomia individual é o aspecto central do discurso daqueles que decidiram viver sua fé apartados das prerrogativas institucionais eclesiásticas. Como resultado de uma reconfiguração religiosa de características próprias, a desinstitucionalização evangélica parece exemplificar o paradoxo da teoria beckiana, pois, não abandonando a experiência religiosa em definitivo, os sujeitos religiosos que deixam a igreja passam a recriar, de acordo com concepções formadas na individualização de suas crenças, uma nova forma de ser religioso que destoa do molde evangélico histórico-formal, apoiados na construção do Deus de cada um.

Esse é o caso do recorte de nossa análise: o grupo Caminho da Graça, mentoreado por um ex-pastor de destaque no cenário nacional, Caio Fábio D’Araújo Filho. Iniciado no começo dos anos 2000, o movimento destacar-se-ia por reunir centenas de pessoas outrora vinculadas à igreja evangélica, sob um discurso de aversão aos moldes evangélicos tradicionais, relacionados principalmente a uma crítica à instituição igreja. Dessa forma, o Caminho da Graça fora elencado justamente por se caracterizar não só desinstitucionalizado, mas desinstitucionalizante, isto é, propagador do ideal da não institucionalização. Caio Fábio, a despeito disso, direcionara essa tarefa exatamente como um dos objetivos do movimento:

Por isso vão surgindo pessoas aos milhares que vão se organizando nas próprias casas e que não tem nada a ver com o Caminho da Graça, do ponto de vista de vinculo objetivo, de pertencimento a este movimento do Caminho da Graça que nós começamos aqui em Brasília em 2004, quando me mudei para cá […] eu nunca tive o desejo de criar uma denominação, nada disso, Deus me livre […] O que é que os grupos do Caminho da Graça fazem para que eles existam? Qual a missão deles hoje? Nunca foi reunir todo mundo que me ouve e que ouve o evangelho e diz: eu quero. Não dá, ia virar um negócio monstruoso, ia virar aquilo do que saímos e para o que não queremos retornar. Pois bem. Então, o Caminho da Graça, nos seus grupos, serve para estabelecer modelos que as pessoas podem visitar e reproduzir. Algo que não é grande, é pequeno, é gostoso, é fraterno, é alegre, é íntimo, é simples, é no evangelho e é baseado no que eu ensino (Filho 2015FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2015), Caio explica o lugar do Caminho da Graça no seu ministério. Singelo, modelo. Não é denominação! Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-0ixoYNEjTU&t=183s . Acesso em: 19/07/2017.
https://www.youtube.com/watch?v=-0ixoYNE...
:n.p.).

Em um tipo de construção do Deus de cada um (Beck 2016BECK, Ulrich. (2016), O Deus de cada um: a capacidade das religiões de promover a paz e o seu potencial de violência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.), a formação do Caminho da Graça definir-se-ia como um certo tipo de desmantelamento da objetividade da instituição igreja, rumo a uma subjetivização em que esse conceito - o de igreja - assume uma nova configuração na consciência de quem o trabalha e o emprega (Berger 2017BERGER, Peter. (2017), Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da religião numa época pluralista. Petrópolis: Editora Vozes.). Em outras palavras, como se perceberá nas práticas discursivas dos simpatizantes do movimento, a igreja, ao contrário da definição trabalhada tradicionalmente em sociologia como um lugar, uma instituição, passa a ser enxergada, na ressignificação autônoma do indivíduo dessa segunda modernidade, como o próprio aderente em sua subjetividade religiosa, que, unido a outro semelhante, exerce nada mais nada menos do que comunhão - como uma forma de suprir as necessidades de segurança diante das angústias geradas paradoxalmente aos indivíduos nesse contexto de radicalização do moderno, necessidades que não podem ser resolvidas unicamente pela vida privada. Tipifica-se, assim, o que ponderara Beck quando escreveu que “o indivíduo que decide e que duvida, torna-se igreja, torna-se pastor de Deus e da Fé - a igreja, ao contrário, converte-se em heresia” (Beck 2016:17).

Quando perguntado em entrevista televisiva sobre a possibilidade de o Caminho da Graça se tornar uma igreja, uma denominação formalmente institucionalizada, a resposta de Caio Fábio parece emblematizar essa questão: “igreja sou eu, igreja é você […] igreja somos nós” (Filho 2014FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2014), “Transcrição da entrevista do Caio ao Danilo Gentili, no ‘The Noite’”. Disponível em: Disponível em: https://www.caiofabio.net/conteudo_detalhe.php?codigo=06433 . Acesso em: 18/07/2017.
https://www.caiofabio.net/conteudo_detal...
:n.p.). Conforme Caio, o Caminho da Graça “não quer ser um movimento religioso, quer ser um caminho de fé, de consciência”, razão pela qual “milhares de pessoas chamadas ‘desigrejadas’ pelas igrejas” estarem todas dentro dele. Por esse motivo, cabe salientar mais uma vez - enfaticamente para que não passe desapercebido - que esse processo de desinstitucionalização encontra, na realidade, sua razão de ser na individualização que está posta nesse tipo de reconfiguração, que, por sua vez, marca a passagem da primeira era axial para a segunda, radicalizando-se na segunda modernidade. Dessa forma, buscamos evidenciar isso com a apresentação dos discursos coletados na pesquisa. Ressaltamos algumas características que marcam esse viés de ressignificação autônoma da religiosidade do grupo, ou, em outras palavras, as idiossincrasias do Deus do Caminho da Graça, partindo da noção do Deus de cada um - ou, pelo menos, do Deus de cada um dos entrevistados aqui estudados, dado o caráter pessoal que o conceito implica.

Ao contrário do ethos burocrático de expansão da igreja evangélica institucional, por exemplo, o Caminho da Graça experimentara projeção em vias informais, muito ligadas à propagação catalisada pela Internet, especialmente à criação da web TV “Vem e Vê TV”, em 2006, vinculada ao site de caiofabio.net. Sobre essa relação, exatamente por conta da não pretensão de criar no movimento um estereótipo de uma instituição, Caio Fábio dizia em um dos inúmeros vídeos recortados de seus programas:

O Caminho da Graça é muito menor do que a Vem e Vê TV, do que o alcance da Vem e Vê TV. O Caminho da Graça é um pontinho pequenininho comparado aos milhões que são atingidos pela Vem e Vê TV […] não tô falando de milhares, a gente tá falando de milhões que no fim do mês foram alcançados por todos os meios, modos e mídias que a gente oferece a todo mundo todos os dias (Filho 2014FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2014), “Transcrição da entrevista do Caio ao Danilo Gentili, no ‘The Noite’”. Disponível em: Disponível em: https://www.caiofabio.net/conteudo_detalhe.php?codigo=06433 . Acesso em: 18/07/2017.
https://www.caiofabio.net/conteudo_detal...
:n.p.).

A crença do movimento, na realidade, longe de redundar numa estipulação institucional local, perpassa a compreensão de pertencimento a uma realidade maior, composta por aqueles que “se libertam das amarras institucionais”, para os quais o Caminho da Graça se apresenta apenas como uma espécie de “modelo”, como discorre Caio em outro momento:

O Caminho da Graça, no máximo, é uma maquetinha de uma coisinha aqui e ali que ensina como é possível a gente ser igreja sem nos tornarmos de fato uma babilônia de dominações […] eu não quero que o Caminho da Graça seja o gargalo do que o Espírito Santo está fazendo, eu quero é que ninguém controle, que o Caminho da Graça seja mais um ponto num negócio assim que não tem nome, o povo de Deus espalhado pela Terra […] a minha oração é para que a revolução aconteça e seja incontrolável (Filho 2011FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2011), O Caminho da Graça é apenas um exemplo de como é possível ser igreja. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MvAXmBHtpbE . Acesso em: 19/07/2017.
https://www.youtube.com/watch?v=MvAXmBHt...
:n.p.).

Partindo da premissa da subjetivização do conceito de igreja, é como se o movimento se enxergasse como “igreja fora da Igreja” - ou seja, a verdadeira igreja fora da instituição Igreja, com “i” maiúsculo. O que merece destaque nesse ponto é que, se com o processo de secularização se observou um processo de diferenciação institucional - já que, nas palavras de Bobineau e Tank-Storper, “progressivamente, a política, a educação, a saúde etc., outrora monopólios das instituições religiosas, são transferidos para instituições seculares especializadas” (Bobineau & Tank-Storper 2011:71) -, o Caminho da Graça parece demonstrar que, na segunda modernidade, mesmo a experiência religiosa cristã - nesse caso, evangélica - não se limita unicamente à igreja como sua instituição de origem, de maneira que essa tende a perder o monopólio mesmo sobre aquilo que restara sob seus cuidados com a secularização, a saber, os bens religiosos. Quando perguntado, por exemplo, se poderíamos chamar o Caminho da Graça de igreja, a resposta de Adailton Dutra, um dos mentores do Caminho da Graça, responsável à época da pesquisa pela estação de Taguatinga-DF, foi a seguinte:

Pode chamar de igreja quanto à reunião de pessoas, porque teoricamente a igreja é a reunião, é a assembleia de pessoas, que é o que significa o termo igreja. Então do ponto de vista da reunião de pessoas, uma assembleia de pessoas, com o mesmo fim, somos igreja. Do ponto de vista do evangelho propriamente dito igreja é todo aquele que segue a Jesus, nós somos igreja, a igreja não é o lugar, a igreja são pessoas. Ou seja, não podemos falar de igreja dentro da visão tradicional de que igreja é uma instituição que está em determinado lugar, não, não somos. Somos igreja do ponto de vista de aqueles que seguem a Jesus, por isso somos igreja. Etimologicamente falando, uma vez que nós nos reunimos, estamos reunidos como igreja (entrevista com Adailton Dutra, 26/07/2017Entrevista com Adailton Dutra, 26 de julho de 2017.).

Seguindo essa lógica, também evidenciamos que a configuração e as reuniões do movimento se destacam por uma série de peculiaridades que, em muitos sentidos, se diferenciam da igreja evangélica institucional, enfatizando sobretudo a importância do indivíduo enquanto experimentador do religioso, do Deus de cada um, em detrimento ao papel dado à instituição outrora. Como outro exemplo, poderíamos citar ainda aquilo que Caio chama de “ausência de hierarquia”. Sobre ela, Caio Fábio Filho diz:

Nós funcionamos baseados em dons, e não em hierarquias. Nas igrejas convencionais, o diácono é mais do que o membro e o presbítero é mais do que o diácono. Aqui no Caminho, essas funções expressam simplesmente dons de serviço. O presbítero, o mentor, não é um sujeito mais elevado na hierarquia, não tem poderes ou prerrogativas especiais. Ele é simplesmente o cara que surge pela observação dos outros: “Puxa, quanta sabedoria fulano tem recebido e manifestado”. Essas funções surgem por opiniões múltiplas, não existe reunião de concílio ou votação para escolher ninguém (Filho 2012FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2012), “Eu só quero viver em paz”. Entrevista, revista Cristianismo Hoje. Disponível em: Disponível em: https://flaviaaleixo.wordpress.com/2012/03/30/entrevista-com-o-pastor-caio-fabio-eu-so-quero-viver-em-paz/ . Acesso em: 19/07/2017.
https://flaviaaleixo.wordpress.com/2012/...
:n.p.).

Sobre o mesmo ponto, Adailton relatara em entrevista que, na realidade, se existe determinada hierarquia no grupo, esta é a “hierarquia do amor”, em que Caio Fábio nada mais é do que um mentor experiente, relacionando o fato à ausência de salários para os mentores, à manutenção dos grupos - baseada em ofertas voluntárias e não em dízimos - e à autonomia que gozam os grupos locais, sem qualquer direção “vinda do alto” etc.

É, a hierarquia que existe é uma hierarquia em amor, não é uma hierarquia quanto a controle, do tipo “é ele quem toma as decisões”, não. Cada grupo que se reúne é livre. Por exemplo, o grupo é tão livre que se ele quiser fazer uma reunião em qualquer lugar ele faz, ninguém está preocupado com o tipo de liturgia que ele vai seguir, ninguém determina isso, nem Caio, nem ninguém. O Caio para nós é apenas um mentor espiritual, uma pessoa a quem nós amamos, respeitamos e concordamos que esteja pregando o evangelho (entrevista com Adailton Dutra, 26/07/2017).

Essa característica específica, por sua vez, parece ratificar o que já discorremos sobre a individualização da segunda modernidade: muito embora o indivíduo encontre na esfera privada seu ponto de referência e conduta, as angústias geradas nessa circunscrição o levam à produção de uma espiritualidade que o permita existir e agir; existência e ação que, em muitas vezes - como no caso de nosso recorte -, são orientadas por espécies de gurus, ainda que não de forma normativa, mas aconselhativa.

Concomitantemente, outra característica no mesmo sentido diz respeito à proliferação das estações do grupo, não obedecendo práticas e normas por vezes burocráticas observadas na lógica de expansão das igrejas evangélicas, como o registro em cartório, arrecadação de valor de manutenção mensal mínimo por meio de dízimos formais, infraestrutura básica inicial (cadeiras, aparelhagem de som, aluguel etc.), entre outras coisas. Obviamente, com o seu crescimento, o movimento viu-se na necessidade de instruir as pessoas que o procuravam para filiação ou o enxergavam como modelo para a formação de grupos similares. Mas, ao contrário da implementação de “novas igrejas”, formavam-se, em 2005, as primeiras estações do Caminho da Graça como locais de reunião transitória e comunitária de simpatizantes do grupo espalhados em diversas regiões do país, sem uma regularidade constante e, em muitas vezes, realizadas nos próprios lares de seus frequentadores, sem identificação pública como placas, letreiros etc. -, ratificando a negação do lugar religioso como um espaço sagrado privilegiado. Sobre as estações, outro de nossos entrevistados, Carlos Bregantim, mentor da estação de São Paulo-SP, relatara:

Não existe a organização, ela nasce, ela acontece. Então, por exemplo, alguém entra em contato com a gente e fala “eu queria abrir uma Estação”. Se ele fizer essa pergunta já começou errado e a resposta dada a ele será “não, não tem como você abrir uma Estação”. Meu amigo, ninguém abre Estação. Se você é discípulo de Cristo você só vai anunciar o evangelho, então comece a contar seu evangelho aí e vão surgir pessoas que querem ter um tempo para conversarem sobre esse evangelho, para louvarem a Jesus. Essa reunião vai começar a acontecer, esporadicamente, uma vez por mês, uma vez a cada sessenta dias, e de repente ela começa a aumentar, e com um grupo serão bem-vindos ao Caminho da Graça; isso se a sua visão é de um evangelho leve, simples e puro. Então, se uma pessoa chega para nós e diz que está se reunindo, ou seja, já está acontecendo, a gente prega o evangelho, a gente estuda o evangelho (entrevista com Carlos Bregantim, 06/09/2017Entrevista com Carlos Bregantim, 6 de setembro de 2017.).

Não bastasse tais exemplos do plano organizacional, vale ainda mencionar os destoantes teológicos quando comparados ao protestantismo tradicional, principalmente no que diz respeito à ênfase dada à Bíblia, uma vez que a afirmação do Deus de cada um parte de princípios de compreensão da divindade, ou seja, de premissas teológicas, ainda que inconsciente e de forma individualizada, sem a compreensão normativa do objeto em si. Tomada como regra de conduta e fé dos evangélicos, sendo ela própria entendida como a palavra inspirada por Deus, segundo creem, a Bíblia no Caminho da Graça assume um papel diferente, não como a palavra de Deus, mas como uma espécie de testemunho de antigos que experimentaram da graça de Deus e que, por determinados motivos, decidiram registrar tais experiências de modo a deixá-las para as gerações futuras. Em entrevista com Adailton, registramos:

Para nós a Bíblia não é um livro sagrado e ela não é a palavra de Deus. A palavra de Deus não pode ser um livro, se a palavra de Deus é um livro significa que enquanto o livro não existiu ficamos sem a sua palavra; porque o livro não existiu sempre, o livro passou a existir pelo menos trezentos anos depois de Cristo ter subido aos céus e a igreja ter começado seu ministério. O primeiro evangelho foi escrito, pelo menos, uns trinta anos depois de Cristo ter terminado seu ministério, que foi o evangelho de Marcos. Então ficamos sem evangelho durante trinta anos? As primeiras cartas de Paulo foram escritas quinze anos depois do primeiro livro do novo testamento, que foram Tessalonicenses e Gálatas, que foram os primeiros livros a serem escritos. Ou seja, não existia o novo testamento. Além disso, acesso ao velho testamento era muito restrito, só foi copiado o primeiro livro, enquanto conjunto, trezentos anos depois que foram organizados como um livro. E aí, ficamos trezentos anos sem a palavra de Deus? O fato de colocarem a Bíblia como sendo a palavra de Deus, como um livro sagrado, simplesmente fez do cristianismo uma religião como qualquer outra, que tem o seu livro sagrado, que tem o seu alcorão. Como se “cada religião tem o seu livro sagrado, e nós temos a Bíblia sagrada”. Não, o que nós entendemos é que a palavra de Deus não é um livro, é uma pessoa. Jesus é a palavra de Deus, não é a letra. Então isso significa que a Bíblia tem que ser largada? Abandonada? Não! […] eu entendo que a Bíblia é um testemunho dos antigos, a respeito do evangelho. Mas a palavra mesmo é uma pessoa, que independe do livro. E tem uma outra coisa importante, ele [Jesus] é a chave que interpreta, não só as escrituras, mas a própria vida. Olha o alcance que isso tem. Quando você coloca na Bíblia, no escrito, a regra infalível de fé e prática você se ferrou, meu amigo (entrevista com Adailton Dutra, 26/07/2017).

Nesse sentido, devido à ênfase dada ao indivíduo e à individualização da crença - que permite o questionamento de dogmas, preceitos, confissões e, nesse caso, da própria Bíblia -, a palavra de Deus deixa de ser vista como o testemunho escriturístico de Deus, como crê o protestantismo tradicional, e passa a ser, na visão do movimento, como a própria pessoa de Jesus - e daí a marca do indivíduo pessoal que perpassa em muitos sentidos a sua lógica religiosa. Ulrich Beck, por seu turno, na obra que aqui tomamos como uma das principais perspectivas teóricas, discorrera sobre tal característica:

[…] em muitos aspectos eles [os Novos Movimentos Religiosos] radicalizam (se é que se pode abranger as diferenças em uma generalização desse tipo) a narrativa do Deus de cada um que continua a ser escrita fora da igreja sob signos existenciais e experimentais, como romance de formação da religiosidade e espiritualidade privadas. Essa tendência mostra-se em reinterpretações epistemológicas de conceitos-chave da religiosidade (Beck 2016BECK, Ulrich. (2016), O Deus de cada um: a capacidade das religiões de promover a paz e o seu potencial de violência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.:134).

Ainda sobre a reinterpretação da Bíblia, especialmente do Novo Testamento - não só conceito-chave, mas origem de todos os conceitos-chave do cristianismo -, o próprio Caio Fábio diz:

Depois de Jesus nenhum livro é a palavra de Deus. Depois de Jesus só Jesus é a palavra de Deus, Ele é o verbo que se fez carne. As escrituras, portanto, passam a conter a palavra, pois só há uma palavra: é Cristo. As demais manifestações, como diz o livro de hebreus, são todas indicações, são vozes que se uniram a do pai dizendo: “eis o meu filho amado; a ele ouvi” (Filho 2015FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2015), Caio explica o lugar do Caminho da Graça no seu ministério. Singelo, modelo. Não é denominação! Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-0ixoYNEjTU&t=183s . Acesso em: 19/07/2017.
https://www.youtube.com/watch?v=-0ixoYNE...
:n.p.).

Esse também pareceu ser um fator determinante, entre outras coisas, para a postura adotada pelo Caminho da Graça em relação aos frequentadores de suas reuniões. Com a negação da Bíblia como um conjunto de regras morais, criadoras de certa tensão e imposição de exigências éticas, é evidente que algumas práticas tidas como comuns nas igrejas evangélicas não fossem observadas em seus meandros. Por exemplo, se no protestantismo tradicional a filiação como membro implica, na maioria das denominações, um processo burocrático - iniciado com o rito do batismo e concretizado numa pública profissão de fé diante da comunidade -, no movimento iniciado por Caio Fábio a circulação de fiéis é livre, sem a exigência de sua permanência ou retorno posterior; o que também significa a inexistência de controle institucional sobre o fiel9 9 A nomenclatura “estação”, utilizada pelos simpatizantes do grupo, traz em si essa ideia de fluidez, de caráter não permanente com ausência de membresia formal. Evoca, segundo nossas entrevistas, a ideia de uma estação de trem, marcada pelo trânsito constante de pessoas. , como ressaltara Adailton:

Nas igrejas evangélicas a pessoa se torna membro da igreja e tem um rol de membros, nós não temos um rol de membros, a gente não sabe quem é membro, não contamos quem são membros, a gente não trabalha na ideia de crescimento de igreja, do ponto de vista de crescer o grupo… isso não importa para gente. Nós também não temos visitas. Por exemplo, se você vai a uma igreja existe o visitante, nós não temos visitante porque não temos membresia. Quem vem veio, ele pode voltar domingo que vem ou nunca mais voltar, e isso para nós não faz a menor diferença. Ele é um dos que foram ali hoje para ouvir o evangelho, compartilhar o evangelho e ele poderá voltar mil vezes a partir daquele momento ou poderá voltar nunca mais. E olha outra coisa importante, uma vez que não existe rol, não existe essa hierarquia, não existe também controle sobre a vida alheia. Então o cara foi hoje e voltou daqui quatro, cinco ou seis meses e depois ele desapareceu, ninguém vai atrás dele, para saber “cara você está perdido, não apareceu mais”. Veja só, isso não significa falta de interesse em ajudar a pessoa. Então nós temos interesse em ajudar as pessoas, mas não com controle, então por exemplo, você começa a frequentar e você vem meses à fio e, de repente, você some. Ninguém vai ficar “poxa, o Douglas desapareceu, desviou”. Não existe essa ideia de desviou porque você deixou de vir (entrevista com Adailton Dutra, 26/07/2017).

No que concerne a isso, também se torna mais fácil entender a crítica da igreja evangélica tradicional ao grupo como um movimento “teologicamente liberal” em relação a alguns temas tidos como tabus polêmicos, como a homossexualidade, adultério e aborto, trabalhados de forma menos punitivas no Caminho da Graça, como evidenciam nossos diálogos:

E a gente não se intromete na vida de ninguém, meu amigo. O cara adulterou? Isso é problema dele com a mulher dele. Se ele pedir a minha ajuda ele terá a minha ajuda, mas não existe nenhum tipo de controle comunitário para expor a vida dessa pessoa. “Opa, você pecou contra o grupo” e aí eu vou dizer à igreja “meus irmãos o ‘fulano de tal’ pecou contra a esposa dele, ele adulterou e vamos discipliná-lo”. Não. A igreja passou a exercer um controle sobre a vida das pessoas que não lhe é de direito. Nosso compromisso é de apoio mútuo, de ajuda mútua, de serviço ao outro. Quando alguém passa a prestar um desserviço ao outro, a prejudicar o outro, a ser prejuízo na vida do outro, a ser um peso na vida do outro, aí sim você vai dizer “cara, você está vendo o que está fazendo? O caminho não é esse”. Mas isso é coisa pessoal, entendeu? Simples, nada de expor a vida do outro, colocando o outro a ridículo, como se fosse “estamos limpando a igreja do pecado”, não existe isso, é papo furado (entrevista com Adailton Dutra, 26/07/2017).

Ademais, como colhido nas entrevistas, destaca-se a ausência de liturgia nas reuniões, além da entoação de músicas não religiosas - sobretudo MPB - como parte de seus cultos, baseadas em mensagens de cunho existencialista e humanista, algo totalmente impensável nas igrejas evangélicas tradicionais, que consideram profanas - ditas seculares - tais manifestações artísticas.

Não temos essa coisa de “hora do louvor”. Eu começo uma devocional de um texto bíblico, outra hora de um pensamento meu, normalmente baseado em alguma leitura que eu fiz, e faço uma recepção com essa devocional. Muitas vezes nele se dá a reflexão do encontro. Tem gente que fala “eu já ouvi o que precisava, já posso ir embora” e eu digo “pode ir”. Quando eu tenho alguém lá que toca um instrumento e canta alguma coisa - e isso acontece ali no momento -, quando alguém chega com um violão ou é um músico que eu conheço, ele pega o violão, que é o único instrumento que temos, que foi doado por alguém, e canta o que achar que deve cantar. Nós abolimos aquela coisa “você tem que cantar” ou “fique de pé para cantar”, isso não existe. A gente não usa o palco, até tem um lá, mas a ideia é da horizontalidade, para não ter alguém em proeminência, aquele que fica de pé, no caso é quem fala ou toca. Ninguém vai para o palco, a não ser quem é artista e precisa do palco para se mobilizar, já que artista precisa de palco e aplausos. No domingo por exemplo, chegou um músico no intervalo que a gente tem e tocou duas, três músicas, e cantou quem quis. Não existe um estímulo ou cobrança “temos que cantar pra Deus”. Deus deve ter muitas pessoas melhores, como os anjos. O que é para Deus ou o que não é pra Deus? São coisas que ainda estamos discutindo. Então, se tem alguém que toca, isso vai até as 19:15h mais ou menos (entrevista com Carlos Bregantim, 06/09/2017).

Todas estas características evidenciam, como apontamos na primeira seção do nosso artigo, que o Caminho da Graça converge a exemplificar um caso de reconfiguração religiosa no período chamado de modernidade radicalizada, em que o processo de individualização é fator determinante para a compreensão de tais novas ressignificações da experiência religiosa cristã, vivida por indivíduos cada vez mais autônomos em relação às instituições que anteriormente lhes conferiam algum sentido, criando, segundo as formulações teóricas de Ulrich Beck, sua versão pessoal de Deus, como se o simpatizante do grupo “pudesse tomar em suas próprias mãos sua própria vida e também a dimensão religiosa” (Beck 2016:17).

Considerações Finais

Não são poucas as mudanças a perpassar o cenário religioso brasileiro quando observamos sua configuração nos últimos anos. Não podemos ignorar, como este artigo pretendeu mostrar, a reconfiguração e apropriação de novas experiências religiosas evangélicas no contexto que aqui temos chamado de segunda modernidade. O que defendemos partiu da consideração dessa controversa categoria como retrato da “individualização (e, portanto, pela extrema pluralização) das trajetórias de identificação” (Hervieu-Léger 2013HERVIEU-LÉGER, Danièle. (2013), La religion des sociétés ultra-modernes. [on-line]. Disponível em: Disponível em: http://www.france.cz/IMG/doc/Texte_ D_Heriveu-Leger.doc . Acesso em: 05/08/2017.
http://www.france.cz/IMG/doc/Texte_ D_He...
:n.p.) dos evangélicos brasileiros, dentro das especificidades imbricadas à religiosidade no país.

Os objetivos da pesquisa resumiram-se em mostrar que há mudanças que perpassam diversas esferas na modernidade radicalizada, principalmente após a vitória planetária do capitalismo neoliberal, dentre as quais se encontra o campo religioso, especificamente nossa unidade de análise: os que se revelam avessos à instituição e a qualquer forma de institucionalização mediante a afirmação da autonomia, valor tão caro nesse contexto.

O Caminho da Graça, grupo elencado como recorte de pesquisa, certamente não é o único a se identificar com tal postura, tendo sido apresentadas as razões de sua escolha na seção anterior. Entretanto, cremos ter sido possível, por meio de sua observação específica, olhar para o caso de um movimento fundado e orientado por uma das mais importantes vozes da igreja evangélica brasileira na década de 1990 que, inserido nas transformações geradas pela modernidade radicalizada, decidiu apartar-se do protestantismo tradicional, entendendo-o como experiência não genuína da fé cristã e criando sua concepção pessoal de Deus. Ao mesmo tempo, como pretendíamos mostrar, é equivocado pensarmos que todos os simpatizantes do Caminho da Graça foram evangélicos vinculados a sua forma institucional. Marcado por um trânsito intenso, o grupo também se destaca por receber em suas reuniões adeptos de outras religiões, sem que faça qualquer tipo de coerção no sentido proselitista do termo. Prosseguindo, vale concluir que a combinação desse balanço bibliográfico com o resultado da observação do campo nos leva à discussão que, diante do quadro que se configura no campo religioso da segunda modernidade, sempre vem à tona: nossas categorias sociológicas sobre o tema são realmente capazes de apreender o objeto que diante dos nossos olhos se coloca? Consideramos esse questionamento deveras importante.

Falar em evangélico sem-igreja pressupõe uma largada a partir do esvaziamento do conceito “igreja”, por sua vez enraizado nas categorias sociológicas tradicionais da sociologia da religião. O mesmo acontece com a própria definição de religião, que, como já pontuara Georg Simmel (2009SIMMEL, Georg. (2009) Religião: Ensaios. Volumes 1/2. São Paulo: Editora Olho d’Água.), deveria ser entendida como produto da religiosidade, e não o contrário. Dessa forma, como relembra Beck, “o substantivo religião define o campo religioso segundo a lógica do ‘ou-isto-ou-aquilo’. O adjetivo ‘religioso’, ao contrário, classifica conforme a lógica do ‘tanto-isto-como-aquilo’” (Beck 2016:55), construção mais aplicável aos novos movimentos. Por isso, entender essa figura no nosso contexto específico revelou também a necessidade que temos de repensar nossas próprias categorias, pois, como continua Beck,

Na medida em que a teologia e a sociologia sancionaram, com argumentos científicos, esse conceito de exclusão, elas se posicionaram, tomando partido em favor dos monopólios religiosos por obediência a seus credos […] mais do que isso, no contexto das mudanças nas relações de poder e de importância dentro do campo religioso e cosmopolita, elas desobrigam as igrejas e a si mesmas de levar a sério a existência dos Novos Movimentos Religiosos e de analisá-los (Beck 2016BECK, Ulrich. (2016), O Deus de cada um: a capacidade das religiões de promover a paz e o seu potencial de violência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.:132-133).

De fato, se propor a pensar em questões contemporâneas nos coloca frente a frente com nossas teorias, exercício nem sempre gratificante, embora prazeroso. Por certo, diante da efervescência empírica que este novo tempo nos impõe, a verdade é que encontramos no Brasil, no século XXI, uma figura nova, de um ser religioso que se identifica com uma forma específica da fé cristã sem se identificar, entretanto, com as instituições que tradicionalmente se impunham a esses fiéis. Ilustrando bem a ênfase no indivíduo - nesse caso, na sua própria construção religiosa -, os seus simpatizantes, entre os quais os evangélicos sem-igreja, evidenciam que, longe de se extinguir, a religião se apropria de novas configurações no tempo hodierno, ditadas sobretudo pelo processo de individualização que permeia as relações sociais bem como todas as esferas da vida.

A pergunta que ficou foi: os números da pesquisa do próximo decênio continuarão a ratificar esse universo de mudanças? Impossível afirmar com total certeza, embora tudo também indique que sim. O que podemos inferir, contudo, é que o panorama religioso brasileiro já não é mais o mesmo de cinquenta anos atrás, e que muito provavelmente não será exatamente o mesmo daqui a cinquenta anos. Longe do exercício profético muito frequente na sociologia, resta-nos concluir que só o tempo poderá dizer o que a modernidade radicalizada reserva para as futuras pesquisas em religião. Por ora, cabe salientar que as mudanças são reais e inequívocas. Se em 2004 Pierucci escrevia sobre uma destradicionalização das religiões brasileiras apontando para a retração do catolicismo, o esgotamento do protestantismo luterano e de imigração, bem como a retração numérica da umbanda (Pierucci 2004); podemos dizer, hoje, que tal fenômeno também pode ser observado no questionamento de uma das instituições mais caras à fé cristã, a saber, a igreja. Finalmente, dentro do que estabelecemos como objetivos, cremos ter verificado em nosso recorte características específicas da segunda modernidade, reverberadas em ressignificações religiosas tais como as que aqui buscamos apresentar.

Referências Bibliográficas

  • BAUMAN, Zygmunt. (2001), Modernidade Líquida Rio de Janeiro: Editora Zahar.
  • BECK, Ulrich. (2011), Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade São Paulo: Editora 34.
  • BECK, Ulrich. (2016), O Deus de cada um: a capacidade das religiões de promover a paz e o seu potencial de violência Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
  • BECK, Ulrich. (2017), A metamorfose do mundo Lisboa: Edições 70.
  • BERGER, Peter. (1999), The desecularization of the world: a global overview Grand Rapids: Eerdmans Publishing.
  • BERGER, Peter. (2001), “A dessecularização do mundo: uma visão global”. Religião & Sociedade, vol. 21, nº 1: 9-24.
  • BERGER, Peter. (2004), O dossel sagrado: Elementos para uma teoria sociológica da religião São Paulo: Paulus Editora.
  • BERGER, Peter. (2017), Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da religião numa época pluralista Petrópolis: Editora Vozes.
  • BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. (2004), Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno Petrópolis: Editora Vozes .
  • BOBINEAU, Olivier; TANK-STORPER, Sébastien. (2011), Sociologia das Religiões São Paulo: Edições Loyola.
  • BOMILCAR, Nelson. (2012), Os sem-igreja: buscando caminhos de esperança na experiência comunitária Cajamar: Editora Mundo Cristão.
  • BRUCE, Steve. (1966), Religion in the Modern World Oxford: Oxford University Press.
  • BRUCE, Steve. (2011), Secularization: In defence of an unfashionable theory Oxford: Oxford University Press .
  • CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de (org.). (1973), Católicos, protestantes e espíritas Petrópolis: Editora Vozes .
  • CAMPOS, Idauro. (2014), Desigrejados: teoria, história e contradições do niilismo eclesiástico São Gonçalo: Editora Contextualizar.
  • DAVIE, Grace. (2007), The sociology of religion London: Sage Publications.
  • DURKHEIM, Émile. (1989), As formas Elementares da Vida Religiosa São Paulo: Martins Fontes.
  • EISENSTADT, Shmuel. (2001), “Modernidades múltiplas”. Sociologia, problemas e práticas, nº 35: 139-163.
  • GIDDENS, Anthony. (1991), As consequências da modernidade São Paulo: Editora Unesp.
  • HERVIEU-LÉGER, Danièle. (2008), O peregrino e o convertido Petrópolis: Editora Vozes .
  • HERVIEU-LÉGER, Danièle. (2013), La religion des sociétés ultra-modernes [on-line]. Disponível em: Disponível em: http://www.france.cz/IMG/doc/Texte_ D_Heriveu-Leger.doc Acesso em: 05/08/2017.
    » http://www.france.cz/IMG/doc/Texte_ D_Heriveu-Leger.doc
  • JASPERS, Karl. (1949), Vom rsprung und ziel der geschichte München: Artemis Verlag.
  • LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sébastien. (2004), Os tempos hipermodernos São Paulo: Barcarolla.
  • LUCHI, José Pedro. (2014), “O lugar das religiões numa sociedade pós-secular: discussão da perspectiva de J. Habermas”. In: W. Rosa; O. Ribeiro (orgs.). Religião e sociedade (pós) secular Vitória: Editora Unida.
  • LUCKMANN, Thomas. (1987), Secularization and Religion: the persisting tension Lausanne: CISR.
  • LYOTARD, Jean-François. (1998), A condição pós-moderna São Paulo: Editora José Olympio.
  • MARIANO, Ricardo. (2011), “Laicidade à brasileira: católicos, pentecostais e laicos em disputa na esfera pública”. Civitas - Revista de Ciências Sociais, vol. 11, nº 2: 238-258.
  • MARIANO, Ricardo. (2013), “Mudanças no campo religioso brasileiro no censo 2010”. Debates do NER, vol. 2, nº 24: 119-137.
  • MARIZ, Cecília Loreto. (2001), “Secularização e dessecularização: comentários a um texto de Peter Berger”. Religião & Sociedade , vol. 21, nº 1: 25-39.
  • NEGRÃO, Lísias Nogueira. (2005), “Nem jardim encantado, nem clube dos intelectuais desencantados”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20, nº 59: 23-36.
  • ORTIZ, Renato. (2001), “Anotações sobre religião e globalização”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , vol. 16, nº 47: 59-74.
  • PIERUCCI, Antônio Flávio. (2004), “‘Bye bye, Brasil’: o declínio das religiões tradicionais no Censo 2000”. Estudos Avançados, vol. 18, nº 52: 17-28.
  • RODRIGUES, Denise dos Santos. (2007), “Religiosos sem igreja: um mergulho na categoria censitária dos sem religião”. Revista de Estudos da Religião, ano 7, dez.: 31-56.
  • SANCHIS, Pierre. (2001), “Desencanto e formas contemporâneas do religioso”. Revista Ciências Sociais e Religião, vol. 3, nº 3: 27-43.
  • SIMMEL, Georg. (2009) Religião: Ensaios Volumes 1/2. São Paulo: Editora Olho d’Água.
  • SOUZA, André de. (2012), “O pluralismo cristão brasileiro”. Revista Caminhos, vol. 10, nº 1: 129-141.
  • WEBER, Max. (1979), Ensaios de Sociologia Rio de Janeiro: Zahar.
  • WEBER, Max. (2004), A ética protestante e o espírito o capitalismo São Paulo: Companhia das Letras.
  • WEBER, Max. (2010), Ciência e política: duas vocações São Paulo: Editora Cultrix.
  • WILSON, Bryan. (1966), Religion in Secular Society London: Watts.
  • CAMPOS, Leonildo. (2012), “‘Rebanho virtual’, fator que contribui para o individualismo religioso evangélico?”. Entrevista concedida a Thamiris Magalhães, IHU On-line, 27 ago. 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/4592-leonildo-silveira-campos-4 Acesso em: 18/10/2018.
    » http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/4592-leonildo-silveira-campos-4
  • DATAFOLHA. (2017), “Na hora do voto, 19% dos brasileiros com religião seguem líder da igreja”. Datafolha, Opinião Pública, 26 out. 2017. Disponível em: Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/10/1930455-para-votar-19-dos-brasileiros-com-religiao-seguem-indicacao-da-igreja.shtml Acesso em: 18/10/2018.
    » http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/10/1930455-para-votar-19-dos-brasileiros-com-religiao-seguem-indicacao-da-igreja.shtml
  • FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2012), “Eu só quero viver em paz”. Entrevista, revista Cristianismo Hoje Disponível em: Disponível em: https://flaviaaleixo.wordpress.com/2012/03/30/entrevista-com-o-pastor-caio-fabio-eu-so-quero-viver-em-paz/ Acesso em: 19/07/2017.
    » https://flaviaaleixo.wordpress.com/2012/03/30/entrevista-com-o-pastor-caio-fabio-eu-so-quero-viver-em-paz/
  • FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2014), “Transcrição da entrevista do Caio ao Danilo Gentili, no ‘The Noite’”. Disponível em: Disponível em: https://www.caiofabio.net/conteudo_detalhe.php?codigo=06433 Acesso em: 18/07/2017.
    » https://www.caiofabio.net/conteudo_detalhe.php?codigo=06433
  • FRESTON, Paulo. (2011), “Como será a igreja evangélica brasileira de 2040?”. Entrevista, revista Ultimato, nov./dez. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/333/como-sera-a-igreja-evangelica-brasileira-de-2040 Acesso em: 19/07/2017.
    » https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/333/como-sera-a-igreja-evangelica-brasileira-de-2040
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSCA. (2012), Censo Demográfico 2010 Disponível em: Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/ Acesso em: 14/08/2017.
    » https://censo2010.ibge.gov.br/
  • FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2011), O Caminho da Graça é apenas um exemplo de como é possível ser igreja Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MvAXmBHtpbE Acesso em: 19/07/2017.
    » https://www.youtube.com/watch?v=MvAXmBHtpbE
  • FILHO, Caio Fábio D’Araújo. (2015), Caio explica o lugar do Caminho da Graça no seu ministério. Singelo, modelo. Não é denominação! Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-0ixoYNEjTU&t=183s Acesso em: 19/07/2017.
    » https://www.youtube.com/watch?v=-0ixoYNEjTU&t=183s
  • Entrevista com Adailton Dutra, 26 de julho de 2017.
  • Entrevista com Carlos Bregantim, 6 de setembro de 2017.
  • 1
    Esta pesquisa contou com o apoio do CNPq e da CAPES.
  • 2
    Como, por exemplo, Peter Berger em The desecularization of the world: resurgent religion and world politics (1999BERGER, Peter. (1999), The desecularization of the world: a global overview. Grand Rapids: Eerdmans Publishing.).
  • 3
    Chamado de modernidade radicalizada, modernidade tardia ou alta modernidade, o período da segunda modernidade diferencia-se da primeira modernidade, clássica, de meados do século XVIII, especialmente pela radicalização das próprias idiossincrasias modernas. O período iniciado a partir das décadas finais do século XX, que alguns chamaram de pós-modernidade (Lyotard 1998LYOTARD, Jean-François. (1998), A condição pós-moderna. São Paulo: Editora José Olympio.), definir-se-ia não pelo desaparecimento dos projetos da modernidade, mas pela sua intensificação e surgimento de novas características que lhe fossem próprias. Anthony Giddens, por exemplo, discorre sobre três eixos de mudança da primeira para a segunda modernidade: 1) a separação do tempo e do espaço em novas recombinações; 2) o desencaixe dos sistemas sociais; e 3) a ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais (Giddens 1991). Vários teóricos da modernidade discorrem sobre a ressignificação do projeto moderno na contemporaneidade, a partir dos quais a segunda modernidade é pensada com base em suas especificidades teóricas, como nos conceitos Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman (2001BAUMAN, Zygmunt. (2001), Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar.); Hipermodernidade, de Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles (2004LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sébastien. (2004), Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla.); Segunda Modernidade ou Sociedade do Risco, de Ulrich Beck (2011BECK, Ulrich. (2011), Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34. ) etc.
  • 4
    A categoria dos sem-igreja, como se deve constatar, não é proposta inédita deste trabalho, sendo bem anterior à pesquisa aqui relatada. Em artigo de 2007, por exemplo, Denise dos Santos Rodrigues usa o termo para se referir àqueles que, em seus dados, separavam a “adesão a uma instituição religiosa da crença em um deus ou força superior e distinguiam espiritualidade e religiosidade de religião, dizendo-se em busca de religiosidade ou espiritualidade, lançando críticas às instituições religiosas” (Rodrigues 2007RODRIGUES, Denise dos Santos. (2007), “Religiosos sem igreja: um mergulho na categoria censitária dos sem religião”. Revista de Estudos da Religião, ano 7, dez.: 31-56.:44-45). Não obstante, embora perpasse diversas confissões e sujeitos religiosos - inclusive aqueles abarcados na nebulosa categoria censitária dos sem religião, como mostra o trabalho de Rodrigues -, é com um grupo específico dos sem-igreja que o presente artigo se ocupa, a saber, o dos evangélicos. Nesse sentido, seu objeto aproxima-se daquele abordado por outros trabalhos (Bomilcar 2012BOMILCAR, Nelson. (2012), Os sem-igreja: buscando caminhos de esperança na experiência comunitária. Cajamar: Editora Mundo Cristão.; Campos, I. 2014CAMPOS, Idauro. (2014), Desigrejados: teoria, história e contradições do niilismo eclesiástico. São Gonçalo: Editora Contextualizar.), ainda que articulado em proposta metodológica e explicativa distinta.
  • 5
    Segundo dados do IBGE obtidos no Censo 2010, os sem religião passaram de 7,4% da população, em 2000, para 8,0% no ano de 2010; nada comparado ao expressivo aumento da categoria no intervalo dos censos 1991-2000, que foi de 4,8% para 7,4% dos brasileiros de então. A diminuição do número de católicos e o aumento do número de evangélicos, por sua vez, só reafirmaram uma tendência que vinha sendo observada desde a divulgação dos dados referentes aos censos posteriores a 1980. Dessa maneira, enquanto o catolicismo perdia ainda mais de sua hegemonia no país - passando de 89,2% em 1980 para 64,6% dos brasileiros em 2010 -, os evangélicos assistiam a um crescimento de 15,6 pontos percentuais no mesmo período, saltando de 6,6% para 22,2% da população, num total de 42.275.440 brasileiros (IBGE 2012INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSCA. (2012), Censo Demográfico 2010. Disponível em: Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/ . Acesso em: 14/08/2017.
    https://censo2010.ibge.gov.br/...
    ). Pesquisas mais recentes, ainda sobre esse apanhado, corroboram a curva ainda mais ascendente da presença de evangélicos no país. Em levantamento realizado pelo Datafolha em outubro de 2017DATAFOLHA. (2017), “Na hora do voto, 19% dos brasileiros com religião seguem líder da igreja”. Datafolha, Opinião Pública, 26 out. 2017. Disponível em: Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/10/1930455-para-votar-19-dos-brasileiros-com-religiao-seguem-indicacao-da-igreja.shtml . Acesso em: 18/10/2018.
    http://datafolha.folha.uol.com.br/opinia...
    , por exemplo, o percentual de evangélicos brasileiros é estimado em 32% da população. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/10/1930455-para-votar-19-dos-brasileiros-com-religiao-seguem-indicacao-da-igreja.shtml. Acesso em: 18/10/2018.
  • 6
    Os dados que fundamentam a análise aqui sintetizada foram coletados nos anos de 2016 e 2017. A pesquisa, como um todo, compreendeu os seguintes procedimentos: 1) observação participante em reuniões do Caminho da Graça na estação de São Paulo-SP; 2) mapeamento e exame de materiais discursivos - tais como vídeos, artigos, livros, redes sociais e entrevistas concedidas a meios de comunicação - sobre/do grupo e seu fundador, Caio Fábio; e 3) entrevistas semiestruturadas com dois atores-chave do movimento, devidamente autorizadas quanto à publicação de seu conteúdo e nome de seus concedentes. Coordenadores à época da pesquisa das estações Taguatinga-DF e São Paulo-SP, Adailton Dutra e Carlos Bregantim, respectivamente, foram escolhidos por razões específicas. Sendo Adailton ex-pastor de igreja evangélica, e mais, mentor de um grupo na macrorregião de Brasília, onde o movimento fora iniciado, tal interlocução se mostraria - como de fato se mostrou - fundamental. Além disso, quando Caio Fábio se afastou da mentoria do movimento, no início de 2019, foi a Adailton que as funções de coordenação foram delegadas. Colhida em 26 de julho 2017, em Taguatinga-DF, nossa conversa foi marcada depois de contatos primários via aplicativo de mensagens, já que seu contato telefônico se encontrava no próprio site do Caminho da Graça. Também marcada via aplicativo de mensagens e realizada em 6 de setembro de 2017, na cidade de São Paulo-SP, a entrevista com Carlos Bregantim, por sua vez, revelou-se rica dado o envolvimento do coordenador com Caio Fábio muito antes do Caminho da Graça dar os seus primeiros passos como movimento, o que inegavelmente trouxe à pesquisa informações valiosas. Pontua-se, ainda, que contatos com Caio Fábio também foram realizados na tentativa de realização de uma entrevista. Muito embora, depois de repetidas conversas com sua secretária pessoal, Caio tenha se prontificado a responder somente a poucas perguntas enviadas por meios eletrônicos, tais perguntas, até a finalização deste texto, não haviam sido respondidas. Todavia, dada a grande quantidade de material disponibilizado por e sobre Caio em sua autobiografia, em entrevistas cedidas a outros e na Internet, cremos ter preenchido tal lacuna no seu uso, sistematização e análise.
  • 7
    A laicidade, longe de uma concepção de um processo unilateral de separação entre Estado e religião, é, na realidade, conhecida de forma multifacetada quando observados os exemplos de distintos países. Bobineau e Tank-Storper, em Sociologia das Religiões (2011), apresentam quatro modelos de laicidade: um francês, chamado de ideológico por causa da histórica oposição entre clericais e anticlericais; um norte-americano, marcado sobretudo pela presença de valores religiosos na esfera pública, mesmo em meio à separação das instituições políticas das instituições religiosas; um alemão, caracterizado pela cooperação do Estado com diferentes sociedades religiosas, ainda que não haja uma oficial; e um israelense, chamado de modelo status quo, distinguido pelas negociações entre o direito moderno e a manutenção de valores religiosos tradicionais do judaísmo.
  • 8
    Utilizando-se do método comparativo das religiões mundiais empreendido por Weber, Shmuel Eisenstadt, teórico da modernidade (2001), vê a transcendência como um elemento axiológico comum que perpassa as sociedades dentro daquela que chamou de primeira “era axial”, período anterior à modernidade - conceito que, por sua vez, é derivado da obra de Karl Jaspers (1949) -, marcada pelo conflito entre uma visão transcendental e a ordem mundana. Se na primeira era axial, segundo Jaspers (1949JASPERS, Karl. (1949), Vom rsprung und ziel der geschichte. München: Artemis Verlag.), o homem fora despertado para uma consciência de si mesmo, com a ordem transcendental como critério para a ordem temporal, na segunda, tal “transcendência das mundivisões teológicas sofre uma viragem política” (Beck 2017BECK, Ulrich. (2017), A metamorfose do mundo. Lisboa: Edições 70.:52), inaugurando a partir de então o momento em que o homem é descoberto como objeto central do arranjo político-cultural da nova sociedade.
  • 9
    A nomenclatura “estação”, utilizada pelos simpatizantes do grupo, traz em si essa ideia de fluidez, de caráter não permanente com ausência de membresia formal. Evoca, segundo nossas entrevistas, a ideia de uma estação de trem, marcada pelo trânsito constante de pessoas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2018
  • Aceito
    12 Ago 2020
Instituto de Estudos da Religião ISER - Av. Presidente Vargas, 502 / 16º andar – Centro., CEP 20071-000 Rio de Janeiro / RJ, Tel: (21) 2558-3764 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: religiaoesociedade@iser.org.br