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Entrevista: François Hartog

François Hartog (1946) é professor de Historiografia Antiga e Moderna na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Sua obra, traduzida em várias línguas, aborda, segundo a ótica da história cultural, os modos de representação do outro na História, os usos e apropriações do mundo antigo pela modernidade e a escrita da História Antiga e Moderna. Nos seus trabalhos mais recentes analisa as formas históricas do tempo e suas relações com a cultura ocidental. Seu livro mais importante a esse respeito, Régimes d'historicité: présentisme et expériences du temps (2003_______. Régimes d'historicité: présentisme et expériences du temps. Paris: Éd. du Seuil, 2003.), está traduzido para o português (2013_______. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo horizonte: Autêntica, 2013.).

François Hartog François Hartog (1946) is Professor of Ancient and Modern History at the School for Advanced Studies in the Social Sciences (EHSS, Paris). His work, translated into several languages, addresses, from the perspective of a cultural history, the many ways of representation in history, uses and appropriations of the ancient world by contemporary society and the writing of Ancient and Modern History. In his most recent work, professor Hartog examines the historical forms of time and its relationship to Western culture. His most important book in this regard, Régimes d'historicité: présentisme expériences et du temps (2003_______. Régimes d'historicité: présentisme et expériences du temps. Paris: Éd. du Seuil, 2003.), is translated into Portuguese (2013_______. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo horizonte: Autêntica, 2013.).

Paris, maio de 2015.

Como o senhor chegou à proposta dos regimes de historicidade?

Cheguei a essa proposição, primeiramente, viajando pelas ilhas do Pacífico com o antropólogo americano Marshall Sahlins, tentando compreender os modos como essas populações da Polinésia relacionavam-se com o tempo. E, sendo assim, perceber não só quais formas de história essas sociedades conheciam, mas também que história elas "faziam". Esse foi, para mim, o sentido do livro Ilhas de História. Essas ilhas não somente estão na história, mas elas são também produtoras de uma certa forma de história, forma que Marshall Sahlins se esforçou justamente por apreender e que ele finalmente designou como sendo uma história do tipo heroico. Assim, ele mobilizou uma referência antiga, Homero. Havia, segundo ele, uma analogia entre o mundo dos heróis homéricos e o das realezas polinésias.

A partir desse ponto, pensei que essa reflexão poderia estender-se para além da área polinésia, fora das sociedades que, a princípio, eram estudadas somente por antropólogos. Pensei que ela poderia ser válida também para o mundo ocidental e mesmo para o período contemporâneo. E se olhássemos nossas sociedades com um olhar antropológico? O que veríamos? Que relações elas mantêm com o tempo?

Um olhar distanciado talvez permitisse compreender melhor as transformações em curso nas nossas relações com o tempo, tornando-se claro que, no início dos anos 1980, no Ocidente e sobretudo na Europa, impunha-se a impressão, o sentimento, a ideia de que o futuro estava perdendo seu caráter de evidência, que ele se fechava, que entrávamos numa "crise do amanhã".

O "não futuro" rondava. O tempo progressivo, aquele de um progresso aberto indefinidamente, que havia sido o grande motor da época moderna desde o fim do século XVIII, perdia sua força de atração. Esse futuro, em direção ao qual era necessário caminhar cada vez mais rápido, sacrificando o presente caso fosse necessário, futuro que havia esclarecido a via a percorrer, e também aquela até agora percorrida, se obscurecia.

O ano de 1989, na Europa e no mundo, assinala a queda do muro de Berlim e o fim do Império Soviético, ou seja, o fim dessa onipotência do futuro, de um "futuro radiante" do qual o comunismo foi a expressão mais constante e a mais tirânica. Essa expressão, que se tornou um slogan, sofreu uma reviravolta, sendo retomada pelos dissidentes para melhor demonstrar a lacuna existente entre as pretensões e a realidade do regime.

Voltando-me por um momento às ilhas do Pacífico, a história heroica é uma história na qual o passado é a categoria dominante. É o que eu chamo de Antigo Regime de historicidade. Em suma, a história polinésia é uma história como a de Plutarco, uma história de chefes e de grandes homens, em que o passado é portador de exemplos e suscita a imitação. Não está tão afastada daquela história de longo percurso na Europa, que foi regida pelo grande modelo da "história mestra da vida" formulada na Antiguidade e que permaneceu operacional até o final do século XVIII.

Mas a perspectiva muda com a entrada em cena do tempo moderno, deste tempo progressivo em que o futuro tem papel preponderante. Desta vez, a data-chave não é 1989, mas 1789. Com a Revolução Francesa, o futuro entra oficialmente em cena. Ruptura com o Antigo Regime e avanço do que eu chamo regime moderno de historicidade, ou seja, este tempo moderno marcado, segundo Koselleck, por uma lacuna crescente entre o campo de experiência e o horizonte de espera.

Restava então a questão: O que aconteceu em torno dos anos 1980? À luz das reflexões, tanto sobre as ilhas do Pacífico, como sobre o mundo pós-1789, que olhar lançar sobre esse momento que assistia a um questionamento do futuro? Pareceu-me possível lançar a hipótese de um regime de historicidade "presentista". Desta vez, o presente tornava-se a categoria predominante. O presente era valorizado como tal.

O uso do termo "presente" expandiu-se, tornando-se uma categoria que abarca tudo: é preciso não somente ser do seu tempo, mas viver no presente. A moda e as mídias fazem dele sua palavra de ordem. O presente torna-se um imperativo, como o futuro havia sido até esse momento. Aspirando à autossuficiência, não há nada nem além nem aquém de si mesmo, o futuro e o passado se apagam.

O futuro, certamente, sempre foi imprevisível! Mas um dos sinais dessa transformação das nossas relações com o tempo foi o desmantelamento de todos os instrumentos utilizados com as perspectivas da previsão e da projeção. O planejamento, palavra de ordem dos regimes comunistas, mas também do Ocidente no pós-guerra, era nada mais do que o futuro colocado no posto de comando, chegando-se ao absurdo de planejamentos serem realizados com grande antecedência. Entretanto, nos anos 1970, o voluntarismo planificador perde terreno pouco a pouco e, em seguida, perde o combate.

A revolução da informática vai, curiosamente, reforçar o presentismo. Torna-se cada vez mais necessário remeter-se ao poderio e à velocidade dos computadores. Isso fica bastante claro com relação aos mercados financeiros, cujo jogo consiste em, numa fração de segundo, comprar ou vender antes dos outros. O tempo real do mercado é presentista, ele é tanto da ordem do microssegundo como é contínuo. Toda uma economia do instante é posta em ação: a financeira, a midiática, a política, a social e também a das redes sociais, com as alegrias do tweet (e do contra-tweet).

É isso que o conceito de regime de historicidade permite apreender, e conforme a categoria diretriz seja o passado, o futuro ou o presente, a ordem do tempo que dele decorre não é a mesma. Para mim, o regime de historicidade não era um instrumento para lançar-me em uma história do tempo, mas uma ferramenta heurística para tentar captar o que estava em jogo nas nossas relações com o tempo hoje. Regimes de Historicidade apareceu em 2003. Os 12 anos decorridos desde sua publicação me parecem confirmar o diagnóstico do presentismo, apesar de aparecer aqui e ali uma insatisfação com relação ao que se chama, às vezes, de visão de curto prazo ou ausência de visão, principalmente em política. Para dissipar alguns mal-entendidos, eu esclareci, no prefácio de uma reedição do livro, que o regime de historicidade é um artefato fabricado pelo pesquisador, como o tipo-ideal weberiano. Ou seja, não há regime de historicidade em estado puro, com um predomínio exclusivo do passado, do futuro ou do presente. Há sempre uma mistura cujas proporções variam segundo os lugares, os tempos, as condições etc.

Não deixa de ser verdade que, durante séculos, o passado foi a categoria de referência, a categoria dominante. O primeiro movimento era o de olhar para o passado, não para repeti-lo, mas para compreender o devir, para encontrar seus precedentes, exemplos e referências, com vistas às ações a serem praticadas. No regime moderno, esse papel ficou reservado ao futuro, que estabelecia o objetivo a ser atingido e o caminho para consegui-lo com a maior brevidade possível. A aceleração é um componente do regime moderno.

A partir do momento em que esses dois projetores se apagaram, o passado e o futuro se obscureceram, e o presente não via nada além de si mesmo. Passou-se então a fabricar, a cada dia, o passado e o presente de que se tem necessidade. As mídias cumpriram essa função, colocando em primeiro plano o instante e o simultâneo.

No prefácio da última edição de Regimes de Historicidade, o senhor faz observações sobre as consequências nefastas do regime presentista, citando o precariado que atinge principalmente os jovens.

O regime presentista não é unívoco. Pouco a pouco descobriremos que há vários tipos de presentismo. Há o presentismo da circulação, dos fluxos, da aceleração permanente, da desterritorialização, dos mercados e da economia numérica. Ele é valorizado e valoriza. Há outro que é suportado, que não foi escolhido e que é conhecido por todos aqueles e aquelas a quem foi recusada a possibilidade de ter um projeto. Em primeiro lugar estão os desempregados, os migrantes, as pessoas deslocadas, vivendo em campos de refugiados, mas também todos aqueles que se acham numa situação de precariedade, aqueles cada vez mais numerosos que só encontram trabalho temporário, principalmente os jovens, tanto os que são pouco qualificados como os diplomados (basta pensarmos no desenvolvimento dos pós-doutorados no espaço de poucos anos).

O sociólogo Robert Castell atentou muito rapidamente para o desenvolvimento desse fenômeno que ele chamou de precariado. Ao lado do assalariado, que era a regra no regime moderno, instala-se um precariado, ou seja, uma situação de precariedade econômica que permanece e que caminha com o regime presentista. O precariado não seria mais a transição entre um tempo de estudos ou de aprendizagem e o tempo do ofício, mas um tempo que, ao se repetir, tenderia a perpetuar-se ou estender-se consideravelmente. A ideia de um posto, de uma colocação, de um ofício para a vida está colocada em questão. Mobilidade, flexibilidade e reatividade são as palavras de ordem da economia liberal e presentista.

O senhor acredita que com o presentismo a história estaria mais próxima da ficção? Como o senhor afirma, com o presentismo o passado tende a desaparecer, a perder sua visibilidade e seu sentido. Aliás, a história por muito tempo foi concebida como um gênero literário.

A história por um longo período foi devedora da literatura clássica, da qual foi se separando até apresentar-se como ciência no século XIX, momento que correspondeu à sua institucionalização, à sua profissionalização, momento em que serviu à construção de projetos nacionais. A história nacional é teleológica, uma vez que é escrita do ponto de vista do futuro, inscrevendo-se assim no moderno regime de historicidade.

As críticas ao modelo nacional reabriram, no início dos anos 1970, as interrogações sobre os modos de escrita da história. Renunciar às robustas seguranças do positivismo significaria correr o risco de abrir as portas ao relativismo, chegando-se à ideia, na verdade estranha, do possível desaparecimento da fronteira entre história e ficção. Os muitos debates que aconteceram pareciam confusos, mas traduziam uma inquietude com o estatuto da história num mundo de mudanças rápidas, em que a linguagem nunca poderia atingir o real. Hayden White com suas múltiplas polêmicas é a figura central desse posicionamento.

Por outro lado, o fechamento do futuro foi acompanhado por um fenômeno de grande amplitude: a escalada da memória, que se deu com o fim da Guerra Fria e com a queda de várias ditaduras na América do Sul. Começou na Europa e nos Estados Unidos, estendendo-se um pouco por todo o mundo. A história-disciplina primeiro viu-se abalada, depois ultrapassada por esse fenômeno (antes de tentar recompor-se abrindo um campo novo de história da memória) e, mais ainda, na medida em que as reivindicações da memória tornaram-se uma arma contra a história, denunciada sempre como mais ou menos oficial e a favor dos vencedores.

Paralelamente, nossas sociedades presentistas fabricam o passado, toda espécie de passado para o presente de cada dia e, atualmente, sobretudo por meio de imagens: filmes, séries, jogos, vídeos e encenações diversas como as dos Jogos Olímpicos, por exemplo. Aqui também, a história-disciplina não sabe muito o que dizer. Sua autoridade sobre o passado, se é que algum dia existiu, está superada, até mesmo porque ela tem dificuldade de apreender o mundo no seu curso atual.

O conceito moderno de história é basicamente futurista e, desde o momento em que o presente se impõe como categoria dominante, a história também não o vê claramente. É por isso que interrogar a relação com o tempo, captando melhor o que é um mundo presentista, pode nos permitir esboçar aquilo que poderia ser uma história, não presentista, mas para um mundo presentista.

Seria uma história contemporânea?

Não forçosamente. É preciso não ceder à ideia de que de agora em diante, só a história contemporânea seria história (que a façamos começar anteontem ou ontem). Isso é justamente o presentismo! Medem-se seus efeitos nas universidades e nas mídias, onde se tornou banal a ideia de que a única história que conta é a história contemporânea, que é nela que está a demanda e é nela que é preciso investir. O resto, os outros períodos da história, correm o risco de serem divididos entre as curiosidades e sobrevivências.

O senhor também está atento para a importância da testemunha no presentismo. Eu gostaria que falasse sobre isso, uma vez que no Brasil, assim como em outros países da América Latina, busca-se saber o que aconteceu durante as ditaduras. No Brasil, há uma Comissão Nacional da Verdade, assim como comissões locais, nas universidades, escolas e diversas instituições do país. Qual é o papel da memória e do testemunho com relação a essa problemática?

É tendo como pano de fundo a memória e ouvida ela mesma como portadora de memória que a testemunha, pouco a pouco, se impôs nos espaços públicos. Teve principalmente o rosto de uma vítima, de um sobrevivente.

O uso público do passado se intensificou, segundo a fórmula empregada em 1986 por Jürgen Habermas, no momento da querela dos historiadores alemães a respeito do nazismo e da história alemã. Ora, para o estabelecimento dessa história que historiadores, na França, acabavam de denominar "história do tempo presente", numerosos eram os atores e os que tinham direitos. Entre eles, as testemunhas obtiveram um lugar crescente, a ponto de a historiadora Annette Wieviorka poder retraçar o crescimento do que ela chamou de "a Era da testemunha", aberta em 1961, com o processo Eichmann em Jerusalém.

Reconhecida, procurada, presente, e mesmo onipresente, a testemunha é, em primeiro lugar, aquilo que o latim designava justamente como superstes, isto é, como aquele que se atém à própria coisa, ou que subsiste para além dela, que sobreviveu. As testemunhas da Shoah são aquelas que fizeram a travessia. Elie Wiesel escreveu: "Se os gregos inventaram a tragédia, os romanos a correspondência, e o Renascimento o soneto, nossa geração inventou um novo gênero literário, o testemunho". Essa fórmula vale o que vale, mas cada um compreende o que ela quer dizer. Ele definiu a si mesmo como a testemunha e tornou-se o bardo do Holocausto. Primo Levi coloca-se também nesse mesmo papel de testemunha, mas de um modo mais sóbrio, mais laico e mais trágico, tal como o Velho Marinheiro de Coleridge, que deve contar sua história cada vez que "numa hora incerta volta esta agonia".

Desde o processo Eichmann, testemunhas e vítimas, isto é, as testemunhas enquanto vítimas, ganharam projeção, e a autoridade da testemunha viu-se reforçada pela qualidade das vítimas. Tempo dos depoimentos, o acusado face a face com algumas de suas vítimas. Pela primeira vez as testemunhas foram chamadas para testemunhar, não sobre Eichmann, que elas evidentemente nunca tinham visto, mas sobre o que "elas tinham vivido". Uma testemunha tornava-se em primeiro lugar a voz e o rosto de uma vítima, de um sobrevivente que escutamos, que fazemos falar, que registramos e filmamos. A esse respeito, o empreendimento mais considerável foi o lançado em 1994, pela Fundação Spielberg, com o objetivo inicial de recolher todos os testemunhos de todos os sobreviventes dos campos nazistas e ter assim, "diretamente", online, a verdadeira história da deportação pela voz das vítimas. Idealmente, nada deveria "parasitar" o face a face entre testemunha e espectador que seria, por sua vez, uma testemunha da testemunha, uma testemunha delegada, a vicarius witness, como se diz em inglês.

Testemunha e memória caminham juntas, isto é, as transformações das nossas relações com o tempo, marcadas pelo questionamento do regime moderno de historicidade, não estão separadas da ascensão do presente. Como acreditar ainda em uma história que conduziria ao progresso da humanidade, depois da experiência de termos colocado radicalmente em causa o que faz a humanidade do homem? Foi preciso tempo para que essa evidência se impusesse na Europa, no momento mesmo em que os países em ruínas estavam mobilizados na reconstrução e que a Guerra Fria entre o Oriente e o Ocidente relançava o progresso como valor e como ideologia.

Memória, testemunha, vítima, tendo como ponto de partida o extermínio dos judeus - esse foi, eu diria, o modelo inicial. Em seguida, outros crimes foram sujeitos a essa mesma abordagem: os da colonização, os do comunismo, os das ditaduras, os do apartheid. As anistias pelos crimes cometidos pelos regimes autoritários ou ditatoriais estão ligadas ainda ao moderno regime de historicidade: coloca-se o passado em liquidação e volta-se a fechá-lo, declarando aberto o futuro.

O passado é passado. As Comissões da Verdade e Reconciliação obedecem a uma outra lógica temporal. O objetivo é, igualmente, recolocar o tempo em marcha, mas estima-se que é preciso abrir esse passado de violência, que as vítimas possam dizer, enfim, o que elas sofreram, testemunhar diante de uma instância oficial que os torturadores (alguns pelo menos) sejam confrontados com suas vítimas. Trata-se da criação de um novo ritual e de um espaço inédito, com novas categorias, como a da "verdade que cura" (healing truth) ou do "perdão". Como escreveu Desmond Tutu, "não há futuro sem perdão".

Se a Comissão da África do Sul foi a primeira, houve muitas outras depois (com mandatos, modos de funcionamento e resultados diversos). A última foi a do Brasil, decidida pela presidente em 2011. Por que tanto tempo depois dos fatos? Talvez seja o último ato de uma justiça de transição que se desenvolveu de modo incompleto, porque todos, por motivos diversos, tinham pressa de chegar ao futuro, esse grande tropismo do Brasil, desde o século XIX.

Ainda uma questão sobre as testemunhas. O senhor acha que a ascensão das testemunhas vem acompanhada de uma escalada da emoção e da subjetividade, principalmente nas mídias?

Sem dúvida. O fenômeno tomou proporções consideráveis. Empatia, compaixão, proximidade e reatividade são as palavras-chave das mídias e da comunicação, até mesmo ou sobretudo da comunicação política. A política deve exprimir sua compaixão instantaneamente ou o mais rápido possível. Temos o exemplo, entre outros, do avião de uma companhia alemã que caiu nos Alpes. É preciso estar rapidamente no lugar da catástrofe: Angela Merkel e o primeiro-ministro espanhol estavam lá. Temos assim a compaixão instantânea e, dessa forma, caminha a vida política, de uma catástrofe a outra.

Como o senhor vê a questão da objetividade com relação aos profissionais da história?

Eles, como sempre, podem fazer com que um traço contemporâneo (as emoções) sirva para questionar os objetos do passado. De fato, faz mais ou menos 15 anos que se desenvolveu um pouco, por toda parte, uma história das emoções. Mas eles a fazem, se assim posso dizer, controlando suas emoções! Além do mais, é importante compreender por que, hoje, a relação com o que se passa privilegia os afetos a esse ponto. No meu entender, encontra-se aqui a questão do tempo: a instantaneidade da emoção sobrepõe-se ao tempo e ao distanciamento da análise.

É preciso continuar pesquisando nos arquivos.

Sim é preciso sempre ir aos arquivos! Mas é preciso também captar as linhas de força de uma conjuntura histórica. E, para mim, uma dessas linhas é essa mutação das nossas relações com o tempo e o que ela nos permite compreender sobre o nosso presente. Quando eu constato que a catástrofe tornou-se uma categoria do nosso cotidiano, uma espécie de alfa e ômega da história, digo a mim mesmo que o presentismo ainda tem belos dias pela frente.

O senhor poderia comentar os seus dois últimos livros?

Meu último livro, que acaba de ser publicado, chama-se Partir pour la Grèce! O tempo está certamente presente, mas trata-se, aqui, de interrogar sobre os diferentes modos de "partir" para a Grécia no decorrer dos séculos. O que tornou possível o surgimento da Grécia na história ocidental? E hoje, no momento em que tanto se fala da "dívida" grega, haverá ainda lugar para uma dívida da Europa com relação à Grécia Antiga?

Quanto ao Croire en l'histoire, o ponto de partida do livro encontra-se em um dos livros precedentes, Evidence de l'histoire, que finaliza com uma análise da situação contemporânea, marcada pelo questionamento dessa "evidência" da história, ligada ao moderno regime de historicidade e incontestável até aqui. Pouco a pouco, impôs-se a mim ampliar o foco, inscrevendo a reflexão sobre a História (como processo e como disciplina) na temática mais forte da crença, voltando à constatação da evidência de que a História foi a grande crença do mundo moderno, com todos os atributos (inclusive nas suas representações figuradas) de uma divindade. Ela foi ao mesmo tempo tribunal, juiz e luz mostrando o caminho a seguir. Entretanto, quando o tempo moderno, futurista, o do regime moderno de historicidade foi questionado, o que aconteceu com a crença na História? O livro trata das formas e modalidades desse questionamento.

Nós nos perguntamos se devemos ainda acreditar na História, em um momento no qual se fala mais de memória do que de história. Se quisermos continuar a falar de história, a fazer história, a continuar essas "investigações" lançadas há muito tempo por Heródoto, teremos de nos perguntar que a condições um novo conceito de história deve obedecer, a fim de nos orientar num mundo presentista, mas sem ceder ao presentismo, sem propor uma história presentista.

REFERÊNCIAS

  • HARTOG, F. Evidência da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
  • _______. Croire en l'histoire. Paris: Flammarion, 2013.
  • _______. Partir pour la Grèce. Paris: Flammarion, 2015.
  • _______. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo horizonte: Autêntica, 2013.
  • _______. Régimes d'historicité: présentisme et expériences du temps. Paris: Éd. du Seuil, 2003.
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    Transcrição e tradução para o português: Mariza Romero.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015
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