Acessibilidade / Reportar erro

Bem-estar e saúde mental materna

O objetivo deste editorial é chamar a atenção às questões relacionadas a saúde mental e bem-estar materno. Durante a gravidez, parto, e após o parto nota-se aumento do risco de problemas de saúde mental entre puérperas. Normalmente, durante a gestação e no período pós-parto, observa-se aumento dos níveis de ansiedade e estresse. Tal aumento pode ser isolado ou vir acompanhado de outros problemas que afetam a saúde mental da mulher.11. Steen M, Steen S. Striving for better maternal mental health. Pract Midwife. 2014;17(3):11–4.

A saúde mental está relacionada ao estado emocional, psicológico e ao bem-estar dos indivíduos e pode, portanto, influenciar sentimento e o funcionamento de gestantes ou puérperas.

A Organização Mundial da Saúde (OMC) define saúde mental como “…estado de bem-estar em que o indivíduo é consciente de suas próprias capacidades, pode lidar com o estresse normal da vida, trabalhar de maneira produtiva, e contribuir para sua comunidade”.22. World Health Organization (WHO). Mental health: strengthening our response [Internet]. Genève: WHO; 2016. [cited 2019 May 13]. Available from: who.int/mediacentre/factsheets/fs220/en/
who.int/mediacentre/factsheets/fs220/en/...

Contudo, o bem-estar não é frequentemente avaliado, e muitas gestantes e puérperas que estão sob risco não são diagnosticadas quando em estado negativo de bem-estar, e, portanto, perde-se a oportunidade de identificar situações de ansiedade, estresse e problemas de enfrentamento. Contudo, a depressão pós-parto (DPP) está sendo objeto de avaliação em muitos países e em alguns, inclusive, há suporte para diagnóstico da depressão pré-natal.33. Perinatal Mental Health National Action Plan 2008-2010 [Internet]. [cited 2019 May 13]. Available from: Beyondblue.org.au/docs/default-source/8.-perinatal-documents/bw0125-report-beyondblues-perinatal-mental-health-(nap)-full-report.pdf?sfvrsn=2
Beyondblue.org.au/docs/default-source/8....

4. National Institute for Health and Care Excelence (NICE). Antenatal and postnatal mental health: clinical management and service guidance (clinical guideline CG192). London: NICE; 2014. [cited 2019 May 13]. Available from: nice.org.uk/guidance/indevelopment/gid-cgwave0598
nice.org.uk/guidance/indevelopment/gid-c...
-55. s O’Connor E, Rossom RC, Henninger M, Groom HC, Burda BU. Primary Care Screening for and Treatment of Depression in Pregnant and Postpartum Women: Evidence Report and Systematic Review for the US Preventive Services Task Force. JAMA. 2016;315(4):388–406.

Porém, algumas preocupações existem sobre a eficácia da estratégia de avaliação da depressão para detectar problemas de saúde mental entre gestantes e novas mães66. Austin MP, Middleton PF, Highet NJ. Australian mental health reform for perinatal care. Med J Aust. 2011;195(3):112–3., considerando que a avaliação é, em geral, realizada em um período específico e, portanto, tem limitações e pode disponibilizar somente uma descrição do estado emocional dos indivíduos. Além disso, há também dúvidas de que a avaliação das mulheres colabora para medicalização do parto e da maternidade,77. Brealey SD, Hewitt C, Green JM, Morrell J, Gilbody S. Screening for postnatal depression – is it acceptable to women and healthcare professionals? A systematic review and meta-synthesis. J Reprod Infant Psychol. 2010;28(4):328–44. sendo importante reconhecer que há um possível estigma associado a identificação da DPP.88. McKellar L, Steen M, Lorensuhewa N. Capture my mood: a feasibility study to develop a visual scale for women to self-monitor their mental wellbeing following birth. Evid Based Midwifery. 2017;15(2):54–9.,99. Steen M, Jones A. Maternal mental health: stigma and shame. Pract Midwife. 2013;16(6):5.

Portanto, não seria melhor avaliar o estado de bem-estar e permitir as mulheres grávidas um auto-acompanhamento e possiblidade de continuar seguimento após o parto?

A escala de bem-estar mental de Warwick-Edinburgh (WEMWBS, abreviatura em inglês)1010. Tennant R, Hiller L, Fishwick R, Platt S, Joseph S, Weich S, et al. The Warwick-Edinburgh Mental Well-being Scale (WEMWBS): development and UK validation. Health Qual Life Outcomes. 2007;5(1):63.foi utilizada com eficácia por gestantes e novas mães em estudo conduzido na Inglaterra que mediu o bem-estar por meio de investigação de como a resiliência para melhoria a saúde mental.1111. Steen M, Robinson M, Robertson S, Raine G. Pre- and post-survey findings from the Mind ‘Building resilience programme for better mental health: pregnant women and new mothers’. Evid Based Midwifery. 2015;13(3):92–9. A WEMWBS é baseada em cinco conceitos principais: satisfação com relacionamentos interpessoais, funcionamento positivo, afeto positivo, perspectiva hedónica e perspectiva eudemónica.

Há também estudos recentes realizados na Austrália que indicam o potencial positivo do auto-acompanhamento do bem-estar materno. A ferramenta visual “Capture My Mood” (CMM) (registro de estado de ânimo) que inclui cinco descritores (conexão, segurança, animação, satisfação e capacidade) está alinhada aos cinco principais conceitos da WEMWBS mencionados acima e possuem designação especifica em relação as mulheres para que realizem auto-acompanhamento de seu bem-estar durante e após o parto.77. Brealey SD, Hewitt C, Green JM, Morrell J, Gilbody S. Screening for postnatal depression – is it acceptable to women and healthcare professionals? A systematic review and meta-synthesis. J Reprod Infant Psychol. 2010;28(4):328–44. A ferramenta CMM tem sido utilizada como piloto, sendo que outros avanços e pesquisas estão em andamento para disponibilizar versão online já que muitas gestantes e novas mães possuem celulares e acesso à internet.

É interessante notar que o conceito “igualdade de oportunidades” tem sido relatado.11. Steen M, Steen S. Striving for better maternal mental health. Pract Midwife. 2014;17(3):11–4. Esse conceito enfatiza a importância de avaliar a saúde mental e dar importância similar aos problemas de saúde física. A piora na saúde física materna após o parto pode levar à problemas de saúde mental e piora da saúde mental pode levar a problemas de saúde física, considerando que essas questões são inter-relacionadas. Por exemplo, quando o indivíduo está ansioso e estressado, muitos sintomas físicos poderão estar presente como, tensão muscular, tontura, enxaquecas, palpitações, problemas gástricas e urinárias, inquietação, insônia, e aumento da susceptibilidade à dor.1212. Wood L. Psychological interventions in anxiety and depression. In: Smith G, editors. Psychological interventions in mental health nursing. United Kingdom: Open University Press/McGraw Hill Education Maidenhead; 2012. Durante a gravidez, os altos níveis de cortisol podem aumentar as chances das mulheres de desenvolverem hipertensão, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento uterino, nascimento de feto prematuro e também dificuldade durante o parto.1313. Steen M, Green B. (Mental Health during pregnancy and parenthood. In: Mental health: Across the Lifespan. Steen M, Thomas M, editors. London, UK: Taylor & Francis; 2016.

Portanto, é vital que os links entre a saúde mental e saúde física sejam levadas em consideração na gestação e após o parto no momento da assistência à saúde materna. Parece ser evidente a necessidade de disponibilizar importância igualitária a saúde mental e a saúde física da mulher, também como promover o bem-estar durante a gravidez e após o parto.

Promovendo a saúde mental maternal

A depressão é um dos distúrbios mentais mais prevalentes na gravidez e no pós-parto, afetando cerca de um quinto das mulheres.1414. Limlomwongse N, Liabsuetrakul T. Cohort study of depressive moods in Thai women during late pregnancy and 6-8 weeks of postpartum using the Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS). Arch Women Ment Health. 2006 May;9(3):131–8. A depressão pré-natal é o principal fator de risco para depressão pós-parto, e é geralmente uma continuidade da depressão que se iniciou no período pré-natal.1515. Alami KM, Kadri N, Berrada S. Prevalence and psychosocial correlates of depressed mood during pregnancy and after childbirth in a Moroccan sample. Arch Women Ment Health. 2006;9(6):343–6.

16. Andersson L, Sundström-Poromaa I, Wulff M, Aström M, Bixo M. Depression and anxiety during pregnancy and six months postpartum: a follow-up study. Acta Obstet Gynecol Scand. 2006;85(8):937–44.

17. Ryan D, Milis L, Misri N. Depression during pregnancy. Can Fam Physician. 2005;51:1087–93.
-1818. Heron J, O’Connor TG, Evans J, Golding J, Glover V; ALSPAC Study Team. The course of anxiety and depression through pregnancy and the postpartum in a community sample. J Affect Disord. 2004;80(1):65–73.

No Brasil, a prevalência das depressões pré-natais é cerca de 20%1919. Pereira PK, Lovisi GM. Prevalence of gestacional depression and associated factors. Rev Psiq Clín. 2008;35(4):144–53. o que é similar em países de alta renda, e considerando os problemas de algumas mulheres em idade reprodutiva que tem de enfrentar problemas para acessar o sistema de saúde, a assistência pré-natal é vital para prevenção da depressão pós-parto e promoção do bem-estar mental das gestantes e puérperas.

Um importante aspecto da assistência materna é o apoio à gestante para capacidade de adquirir, desenvolver e manter a resiliência e estratégias de enfrentamento para promoção da saúde e bem-estar. Ser resiliente contribui para gestante desenvolver estratégias de enfrentamento, lidar com a ansiedade e estresse, reduzir o medo associado ao parto e ajuda-las a manter saúde e bem-estar ao longo da maternidade.1111. Steen M, Robinson M, Robertson S, Raine G. Pre- and post-survey findings from the Mind ‘Building resilience programme for better mental health: pregnant women and new mothers’. Evid Based Midwifery. 2015;13(3):92–9.

É, portanto, muito importante considerar a promoção do bem-estar e as formas de mantê-lo tais como as “cinco formas de bem-estar”2020. New Economic Foundation. Five ways to wellbeing [Internet].London: New Economic Foundation; 2008. [cited 2019 May 13]. Available from: neweconomics.org/projects/entry/five-ways-to-well-being
neweconomics.org/projects/entry/five-way...
e também a assistência contínua à saúde.2121. Care Quality Commission (CQC). National findings from the 2013 survey of women’s experiences of maternity care. London: CQC; 2013.

O estado de saúde mental de uma mãe afeta o desenvolvimento físico, emocional e psicológico da criança e deve ser considerado durante a assistência à saúde materna.2222. Steen M, Jones A, Woodsworth B. Anxiety, bonding and attachment during pregnancy, the transition to parenthood and psychotherapy. Br J Midwifery. 2013;21(12):768–74.

Em síntese

É importante avaliar o bem-estar das mulheres durante o período pré-natal e pós-parto. O auto-acompanhamento pode ser benéfico e as ferramentas como o “CMM” podem auxiliar no reconhecimento dos indivíduos que estão sob risco e, deste modo, possibilitar que procurem apoio de profissional de saúde ou busque ajuda de membros da família ou amigos. É importante considerar a promoção do bem-estar e de ações que ajudem a mantê-lo. Além disso, devem-se desenvolver estratégias de enfrentamento e formas para lidar com situações de ansiedade e estresse, e também como construir redes de apoio. A assistência continuada à saúde e o apoio de grupos da comunidade podem auxiliar as gestantes e as novas mães no desenvolvimento da confiança para relatarem qualquer problema de saúde mental, aquisição de resiliência e na prevenção do isolamento social. O aumento da consciência do conceito de igualdade de oportunidades e de que a saúde mental requer o mesmo cuidado que a saúde física ajudará as mães a manter-se resilientes e satisfeitas.

Referências

  • 1
    Steen M, Steen S. Striving for better maternal mental health. Pract Midwife. 2014;17(3):11–4.
  • 2
    World Health Organization (WHO). Mental health: strengthening our response [Internet]. Genève: WHO; 2016. [cited 2019 May 13]. Available from: who.int/mediacentre/factsheets/fs220/en/
    » who.int/mediacentre/factsheets/fs220/en/
  • 3
    Perinatal Mental Health National Action Plan 2008-2010 [Internet]. [cited 2019 May 13]. Available from: Beyondblue.org.au/docs/default-source/8.-perinatal-documents/bw0125-report-beyondblues-perinatal-mental-health-(nap)-full-report.pdf?sfvrsn=2
    » Beyondblue.org.au/docs/default-source/8.-perinatal-documents/bw0125-report-beyondblues-perinatal-mental-health-(nap)-full-report.pdf?sfvrsn=2
  • 4
    National Institute for Health and Care Excelence (NICE). Antenatal and postnatal mental health: clinical management and service guidance (clinical guideline CG192). London: NICE; 2014. [cited 2019 May 13]. Available from: nice.org.uk/guidance/indevelopment/gid-cgwave0598
    » nice.org.uk/guidance/indevelopment/gid-cgwave0598
  • 5
    s O’Connor E, Rossom RC, Henninger M, Groom HC, Burda BU. Primary Care Screening for and Treatment of Depression in Pregnant and Postpartum Women: Evidence Report and Systematic Review for the US Preventive Services Task Force. JAMA. 2016;315(4):388–406.
  • 6
    Austin MP, Middleton PF, Highet NJ. Australian mental health reform for perinatal care. Med J Aust. 2011;195(3):112–3.
  • 7
    Brealey SD, Hewitt C, Green JM, Morrell J, Gilbody S. Screening for postnatal depression – is it acceptable to women and healthcare professionals? A systematic review and meta-synthesis. J Reprod Infant Psychol. 2010;28(4):328–44.
  • 8
    McKellar L, Steen M, Lorensuhewa N. Capture my mood: a feasibility study to develop a visual scale for women to self-monitor their mental wellbeing following birth. Evid Based Midwifery. 2017;15(2):54–9.
  • 9
    Steen M, Jones A. Maternal mental health: stigma and shame. Pract Midwife. 2013;16(6):5.
  • 10
    Tennant R, Hiller L, Fishwick R, Platt S, Joseph S, Weich S, et al. The Warwick-Edinburgh Mental Well-being Scale (WEMWBS): development and UK validation. Health Qual Life Outcomes. 2007;5(1):63.
  • 11
    Steen M, Robinson M, Robertson S, Raine G. Pre- and post-survey findings from the Mind ‘Building resilience programme for better mental health: pregnant women and new mothers’. Evid Based Midwifery. 2015;13(3):92–9.
  • 12
    Wood L. Psychological interventions in anxiety and depression. In: Smith G, editors. Psychological interventions in mental health nursing. United Kingdom: Open University Press/McGraw Hill Education Maidenhead; 2012.
  • 13
    Steen M, Green B. (Mental Health during pregnancy and parenthood. In: Mental health: Across the Lifespan. Steen M, Thomas M, editors. London, UK: Taylor & Francis; 2016.
  • 14
    Limlomwongse N, Liabsuetrakul T. Cohort study of depressive moods in Thai women during late pregnancy and 6-8 weeks of postpartum using the Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS). Arch Women Ment Health. 2006 May;9(3):131–8.
  • 15
    Alami KM, Kadri N, Berrada S. Prevalence and psychosocial correlates of depressed mood during pregnancy and after childbirth in a Moroccan sample. Arch Women Ment Health. 2006;9(6):343–6.
  • 16
    Andersson L, Sundström-Poromaa I, Wulff M, Aström M, Bixo M. Depression and anxiety during pregnancy and six months postpartum: a follow-up study. Acta Obstet Gynecol Scand. 2006;85(8):937–44.
  • 17
    Ryan D, Milis L, Misri N. Depression during pregnancy. Can Fam Physician. 2005;51:1087–93.
  • 18
    Heron J, O’Connor TG, Evans J, Golding J, Glover V; ALSPAC Study Team. The course of anxiety and depression through pregnancy and the postpartum in a community sample. J Affect Disord. 2004;80(1):65–73.
  • 19
    Pereira PK, Lovisi GM. Prevalence of gestacional depression and associated factors. Rev Psiq Clín. 2008;35(4):144–53.
  • 20
    New Economic Foundation. Five ways to wellbeing [Internet].London: New Economic Foundation; 2008. [cited 2019 May 13]. Available from: neweconomics.org/projects/entry/five-ways-to-well-being
    » neweconomics.org/projects/entry/five-ways-to-well-being
  • 21
    Care Quality Commission (CQC). National findings from the 2013 survey of women’s experiences of maternity care. London: CQC; 2013.
  • 22
    Steen M, Jones A, Woodsworth B. Anxiety, bonding and attachment during pregnancy, the transition to parenthood and psychotherapy. Br J Midwifery. 2013;21(12):768–74.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2019
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: actapaulista@unifesp.br