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Fatores geradores de estresse em enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva

Resumos

Trata-se de estudo do tipo descritivo e transversal, englobando amostra com 235 enfermeiros, pertencentes a duas unidades de terapia intensiva da cidade do Porto, Portugal, e teve como objetivo conhecer alguns fatores geradores de estresse em enfermeiros que trabalham em unidades de terapia intensiva. Na recolha de dados, utilizou-se: i) questionário de autopreenchimento (para as variáveis sociodemográficas, para os aspectos físicos do serviço e para as variáveis relacionadas ao contexto de trabalho); ii) a escala das relações interpessoais no trabalho e iii) a nurse stress index. Pelos resultados, observa-se que enfermeiros, em início de carreira, têm níveis de estresse mais elevados (<img border=0 width=14 height=14 src="../../../img/revistas/rlae/v19n4/symbol.gif" align=absmiddle > ou = 81); estrutura física não adequada conduz a níveis de estresse mais elevados (X=83); quanto pior é a relação interpessoal maiores são os níveis de estresse (coeficiente de correlação de Spearman=-0,331). Os enfermeiros que estabelecem má relação com as chefias percepcionam a dimensão apoio e envolvimento organizacional como fonte geradora de estresse (teste t de Student, p<0,001).

Estresse; Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva


This is a descriptive cross-sectional study. The sample consisted of 235 nurses from two intensive care units in Porto (Portugal). The purpose of this study was to identify stressors for nurses working in intensive care units. The data was collected using the following: i) a questionnaire (for socio-demographic variables, physical aspects of work and variables related to the work context; ii) Interpersonal Work Relations Scale; iii) Nurse Stress Index. Nurses in the early phase of their career have higher stress levels (<img border=0 width=14 height=14 src="../../../img/revistas/rlae/v19n4/symbol.gif" align=absmiddle> = 81). An inadequate physical work structure leads to higher stress levels (X = 83). The worse the interpersonal relations are, the higher stress levels nurses feel (Spearman correlation coefficient =-0.331). Nurses who have a bad relationship with their work superiors view the dimension "Support and Organizational Involvement" as a stressor (Student's t test, p<0.001)

Stress; Nursing; Intensive Care Units


Se trata de un estudio de tipo descriptivo y transversal, en total la muestra fue constituida con 235 enfermeros pertenecientes a dos unidades de terapia intensiva de la ciudad del Porto (Portugal), con el objetivo de conocer algunos factores generadores de estrés de enfermeros que trabajan en unidades de terapia intensiva. En la recolección de datos se utilizó: 1) un cuestionario de auto llenado (para las variables sociodemográficas, para los aspectos físicos del servicio y para las variables relacionadas con el contexto de trabajo); 2) la Escala de las Relaciones Interpersonales en el Trabajo; y 3) la Nurse Stress Índex. Se identificó que los enfermeros en inicio de carrera tiene niveles de estrés más elevados (<img border=0 width=14 height=14 src="../../../img/revistas/rlae/v19n4/symbol.gif" align=absmiddle > o = 81); que una estructura física inadecuada conduce a niveles de estrés más elevados (X=83); que cuanto peor es la relación interpersonal, mayores son los niveles de estrés (Coeficiente de correlación de Spearman =-0,331); que los enfermeros que establecen una mala relación con los jefes perciben la dimensión "Apoyo y envolvimiento organizacional" como fuente generadora de estrés (t-Student, p<0,001). Se recomienda implementar programas de intervención para la gestión del estrés ocupacional, que debe integrar todas las áreas operacionales y envolver a todos los colaboradores.

Estrés; Enfermería; Unidades de Terapia Intensiva


ARTIGO ORIGINAL

Fatores geradores de estresse em enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva

Vitor Manuel Costa Pereira RodriguesI; Andreia Susana de Sousa FerreiraII

IProfessor Coordenador com Agregação, Escola Superior de Enfermagem, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. E-mail: vmcpr@utad.pt

IIEnfermeira, Hospital de S. João, Porto, Portugal. Mestre em Gestão dos Serviços de Saúde. E-mail: andreiasus@hotmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Trata-se de estudo do tipo descritivo e transversal, englobando amostra com 235 enfermeiros, pertencentes a duas unidades de terapia intensiva da cidade do Porto, Portugal, e teve como objetivo conhecer alguns fatores geradores de estresse em enfermeiros que trabalham em unidades de terapia intensiva. Na recolha de dados, utilizou-se: i) questionário de autopreenchimento (para as variáveis sociodemográficas, para os aspectos físicos do serviço e para as variáveis relacionadas ao contexto de trabalho); ii) a escala das relações interpessoais no trabalho e iii) a nurse stress index. Pelos resultados, observa-se que enfermeiros, em início de carreira, têm níveis de estresse mais elevados (=81); estrutura física não adequada conduz a níveis de estresse mais elevados (X=83); quanto pior é a relação interpessoal maiores são os níveis de estresse (coeficiente de correlação de Spearman=-0,331). Os enfermeiros que estabelecem má relação com as chefias percepcionam a dimensão apoio e envolvimento organizacional como fonte geradora de estresse (teste t de Student, p<0,001).

Descritores: Estresse; Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva.

Introdução

O estresse faz parte essencial dos mecanismos do ser humano e pode ser visto como estimulante, fonte de satisfação e equilíbrio. É a resposta adaptativa a qualquer exigência do ambiente, ou da própria pessoa, como descrito na sequência(1). O estresse é condição que resulta quando as transações pessoa/meio levam o sujeito a sentir discrepância entre as exigências de determinada situação e os recursos em nível biológico, psicológico ou social(2). A adaptação segue os princípios da economia de funções, da minimização de esforços e da busca do bem-estar, ocorrendo estresse quando esses princípios não são respeitados. Quando a pessoa é confrontada com acontecimento,avaliado como estressante, ocorre um processo que envolve todo o organismo. O estresse induz emoções, altera o comportamento observável e interfere com os mecanismos biológico e cognitivo. Essas mudanças são tanto mais acentuadas quanto mais intenso e prolongado o estresse for(3). As pessoas, durante a sua vida, vivenciam situações de estresse e tentam lidar com essas realidades de diversas maneiras, utilizando, para tal, estratégias para lidar com as situações indutoras de estresse - os chamados mecanismos de coping ou de adaptação ao estresse(4). A atividade profissional pode ter aspectos positivos e negativos. Quando o ser humano gosta do seu trabalho, está satisfeito com o salário, com o ambiente de trabalho e o grupo de colegas, entre outras variáveis, esses constituem, também, fonte de crescimento psicológico e de realização pessoal. O trabalho, além de constituir fonte de rendimento econômico, liga-se, também, a aspectos psicológicos importantes que ajudam a enriquecer a autoestima. No entanto, a trabalho pode se revestir, igualmente, de aspectos negativos, pelas características do trabalho que a pessoa desempenha, constituindo fonte de estresse que gradualmente a desgasta(3).

O estresse relacionado ao trabalho, também designado por estresse profissional, ou estresse ocupacional, é definido pelo National Institute of Occupational Safety and Health como consequência do desequilíbrio entre as exigências do trabalho e capacidades/recursos ou necessidades do trabalhador, ou, então, o estresse relacionado ao trabalho é padrão de uma reação emocional, cognitiva, comportamental e fisiológica a componentes deletérios e adversos do conteúdo do trabalho(5). Existem características do ambiente de trabalho e da organização do mesmo capazes de constituírem fatores de risco para a ocorrência de estresse, nomeadamente(6-8): i) aspectos relacionados à cultura da organização e com a função; ii) a ambiguidade de papéis; iii) conflito de papéis; iv) funções atribuídas insuficientes; v) a responsabilidade por pessoas; vi) insegurança no trabalho, aspectos relacionados à evolução na carreira, o sentido de injustiça em relação ao próprio salário e o atraso promocional; vii) a falta de participação na tomada de decisão relativamente ao trabalho; viii) deficientes relações interpessoais com os superiores, subordinados ou com os colegas; ix) exposição à violência no trabalho; x) interface casa/trabalho e xi) o trabalho por turnos e o trabalho noturno.

No setor da saúde, o estresse ocupacional constitui aspecto muito presente e, de todos os profissionais de saúde, os enfermeiros são os mais expostos(3). Dentro do contexto hospitalar, as unidades de terapia tntensiva (UTI) são ambientes particularmente estressantes, destinados ao atendimento de doentes em estado crítico, que requerem assistência médica e de enfermagem permanente e especializada. São caracterizadas por rotinas exigentes, equipamentos sofisticados e barulhentos, a maioria das vezes sem luz natural e elevada possibilidade de morte e dor(9). Também é certo que as condições de trabalho, a motivação e o bem-estar dos profissionais de saúde têm sido relegados para segundo plano(10).

Uma unidade de terapia intensiva compõe um conjunto de elementos funcionalmente agrupados, que se destina ao atendimento de pacientes graves, ou de risco, que necessitam de assistência médica e de enfermagem continuamente, além de equipamentos e recursos humanos especializados(11). As UTIs são unidades complexas dotadas de monitorização contínua, onde os pacientes admitidos em estado grave, ou com descompensação de um ou mais sistemas orgânicos, têm a possibilidade de se recuperarem com suporte e tratamento intensivos. Trata-se de ambiente reservado e único no hospital, já que o tipo de pacientes admitidos requer monitorização e vigilância de todos os parâmetros vitais, continuamente(12). O trabalho em UTI é complexo e intenso, devendo o enfermeiro estar preparado para, a qualquer momento, prestar cuidados a pacientes com alterações hemodinâmicas importantes, as quais requerem conhecimento específico e grande habilidade para tomar decisões e implementá-las em tempo útil(13-14). É certo que o enfermeiro intensivista assume a responsabilidade de cuidar do paciente tanto nos casos de emergência como no apoio à vida, devendo, por isso, estar apto, independentemente do diagnóstico, ou do contexto clínico, a utilizar abordagem ampla, onde a experiência deve ser aliada do conhecimento técnico e científico(15-16).

Tendo por base o que foi dito anteriormente, emergiu a grande questão de investigação deste estudo: quais são os fatores geradores de estresse em enfermeiros que trabalham em duas unidades de terapia intensiva na cidade do Porto, Portugal?

Métodos

Este é um estudo exploratório, descritivo e transversal. A população foi constituída por todos os enfermeiros que trabalham nas unidades de terapia intensiva de adultos do Hospital de São João (a partir daqui denominado hospital A) e do Centro Hospitalar do Porto (denominado, a partir daqui, hospital B). Do universo de 319 enfermeiros, foram obtidos 235 questionários respondidos, que corresponde à amostra de 67,39% da população, tendo como critério de exclusão os enfermeiros com experiência profissional inferior a 6 meses, uma vez que esse é o tempo médio de integração em unidades de terapia intensiva, nos hospitais portugueses.

Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados: i) questionário de autopreenchimento, constituído por 22 questões, para avaliar as variáveis sociodemográficas, as variáveis relacionadas aos aspectos físicos do serviço e algumas variáveis relacionadas ao contexto de trabalho; ii) a escala das relações interpessoais no trabalho (ERIT), que tem, na sua constituição, 17 itens e apresenta estrutura tipo Likert, de 1 a 6 pontos, em que 1 corresponde a completamente em desacordo e 6 completamente de acordo. Desse modo, o score máximo possível é de 102, sendo que quanto maior for o score obtido melhor é a relação interpessoal. Os itens estão relacionados a duas dimensões: a sociabilidade (diz respeito a aspectos comportamentais do relacionamento interpessoal no trabalho, desenvolvido com os pares de trabalho) e o sentimento de si (tem a ver com sentimentos intrapessoais, sobre as relações desenvolvidas com os pares de trabalho). Os seus autores obtiveram alfa de Cronbach de 0,866 para a dimensão sociabilidade e 0,72 para a dimensão sentimento de si, numa amostra de 213 enfermeiros. Neste estudo, na dimensão sociabilidade, obteve-se alfa de Cronbach de 0,848 e, na dimensão sentimento de si, alfa de 0,840 e iii) a nurse stress index (NSI), versão 1.1, traduzida para português. A NSI consiste em 30 itens acompanhados de escala de classificação de 5 pontos, tipo Likert. A NSI está subdividida em cinco subescalas: 1 - gestão da carga de trabalho (MW). Essa subescala avalia a pressão sentida relativamente ao tempo e recursos insuficientes para completar tarefas; 2 - apoio organizacional e envolvimento (OSI). Essa subescala define as pressões sentidas pela falta de envolvimento no planeamento e decisão da execução e, ainda, questões relativas à falta de feedback adequado no trabalho; 3 - lidar com pacientes e familiares (DPR). Nessa subescala são identificados, principalmente, três problemas: a ambivalência dos enfermeiros de como lidar com a morte e moribundos, a relação enfermeiro/doente e a violência crescente na enfermagem; 4 - conflitos casa/trabalho (HWC). Essa subescala avalia os problemas que resultam das exigências conflitantes da casa e do trabalho e 5 - confiança e competência no desempenho (CCR). Aqui são incluídas as dificuldades sentidas no desempenho, tais como o processo de mudança organizacional, falta de confiança nas suas capacidades, ou a incerteza sobre a área ou grau da sua responsabilidade. Os resultados obtidos permitem conhecer os escores do estresse. Quanto maior for o escore obtido, maiores serão os níveis de estresse. Neste estudo, obteve-se alfa de Cronbach de 0,919 para a escala total. Em relação às subescalas, foram obtidos os seguintes valores de alfa de Cronbach: gestão da carga de trabalho 0,823, apoio e envolvimento organizacional 0,738, lidar com pacientes e familiares 0,717, conflitos casa/trabalho 0,726 e confiança e competência no desempenho 0,648.

Em relação aos procedimentos éticos, foi oficializado o pedido por escrito aos Conselhos de Administração dos dois hospitais envolvidos no estudo, tendo havido reunião prévia com vistas a informar acerca dos objetivos do estudo, garantindo a confidencialidade dos resultados e o anonimato dos respondentes. O estudo foi autorizado, tendo tido parecer positivo dos dois hospitais: referência 03471, de 13 de fevereiro de 2009, e referência 027/09 (019-DEFI/025-CES), de 14 de maio de 2009. É de salientar que a participação no estudo foi de caráter voluntário, tendo cada enfermeiro fornecido consentimento autorizado sobre a sua participação. Os dados foram recolhidos no período compreendido entre maio e agosto de 2009. No que diz respeito ao tratamento dos dados, recorreu-se, inicialmente, à análise univariada (estatística descritiva), através das frequências absolutas, medidas de tendência central (média) e medidas de dispersão (desvio padrão) e, para o teste de hipóteses, foi usado o teste de independência do qui-quadrado para analisar a associação entre variáveis categóricas, o teste t de Student e one-way Anova para se comparar a média de variáveis contínuas, o teste de Mann-Whitney e o teste de Kruskal-Wallis, para se comparar a distribuição de variáveis contínuas, entre dois ou mais que dois grupos independentes, respectivamente, quando a distribuição das variáveis contínuas era assimétrica e o coeficiente de correlação de Spearman, para as associações entre variáveis contínuas. Foi utilizado nível de significância de 0,05 para todos os testes de hipóteses. A análise dos dados foi efetuada utilizando o programa de análise estatística SPSS®, versão 17.0 (Statistical Package for the Social Sciences).

Resultados

Dos 235 profissionais de enfermagem inquiridos, 71% exercem funções no hospital A e 29% no hospital B. A maioria dos inquiridos pertence ao sexo feminino (77%), e é solteiro (60%), a média de idades é de 29 anos, sendo que a maioria tem licenciatura (95%) e 3% tem mestrado. Relativamente ao hospital A, 78% são mulheres, valores idênticos aos do hospital B, em que 74% são mulheres. No que se refere à idade e às habilitações acadêmicas, as semelhanças mantêm-se. Neste estudo, observou-se que as enfermeiras têm níveis de estresse mais elevados do que os enfermeiros (=80 vs =77). No entanto, as diferenças não são estatisticamente significativas (teste t de Student, p=0,267). Analisando cada dimensão do NSI e a relação existente com o sexo, verificou-se diferença estatisticamente significativa entre o sexo e a dimensão lidar com pacientes e familiares (p=0,010). Observou-se, também, que a idade não influencia os níveis de estresse nos enfermeiros (coeficiente de correlação de Spearman, r=-0,013; p=0,849). Quanto ao estado civil, os enfermeiros que têm níveis de estresse mais elevados são os que vivem em união de fato (=89; dp=17), seguido dos enfermeiros que estão divorciados (=87; dp=30), dos enfermeiros casados (=78; dp=17) e, por último, daqueles que se encontram solteiros (=79; dp=18). No entanto, as diferenças não são estatisticamente significativas (teste one-way Anova, p=0,267). No entanto, analisando cada dimensão do NSI e a relação existente com o estado civil, verificou-se diferença estatisticamente significativa entre o estado civil e a dimensão lidar com pacientes e familiares (p=0,010), uma vez que os enfermeiros que se encontram divorciados, ou em união de fato, percebem a dimensão lidar com pacientes e familiares como fonte geradora de estresse.

Quanto aos dados relacionados aos aspectos físicos do serviço, a maioria das unidades de terapia intensiva, dos dois hospitais em estudo, tem luz natural, isto é, janelas para o exterior. Os enfermeiros do hospital B trabalham em serviços com mais luz natural, sendo essa diferença estatisticamente significativa (p=0,003). Dos 235 enfermeiros inquiridos, 71% referem que o ruído interfere nas atividades que desenvolvem, provocando desconcentração (54%), maior irritabilidade (17%), aumento de estresse e cansaço (15%). Em relação à estrutura física, tendo em conta as necessidades do trabalhador, a maioria dos enfermeiros (54%) refere ser desadequada.

Conforme se pode observar na Tabela 1, a presença de luz natural no serviço não influencia os níveis de estresse dos enfermeiros (teste t de Student, p=0,404). No que diz respeito à relação existente entre a interferência de ruído nas atividades e o índice de estresse nos enfermeiros, o mesmo teste permitiu verificar que o ruído leva a níveis de estresse mais elevados (=81; dp=18), no entanto, as diferenças não são estatisticamente significativas (p=0,076), sendo certo que, também, os enfermeiros com nível de estresse mais elevado podem ter maior sensibilidade ao ruido. No que respeita à relação entre a estrutura física e os níveis de estresse nos enfermeiros, observou-se que os enfermeiros que trabalham numa estrutura física desadequada têm níveis de estresse mais elevados (=83; dp=17). Essas diferenças são estatisticamente significativas (p<0,001), o que permite dizer que existe associação entre estresse e a percepção de estrutura física inadequada.

Quanto aos dados relacionados ao contexto de trabalho, relativamente à categoria profissional, 65% são enfermeiros em início de carreira, isto é, têm menos de 6 anos de experiência profissional, 26% são enfermeiros graduados, com mais de 6 anos de experiência profissional e 10% são enfermeiros especialistas (possuem uma pós-licenciatura de especialização em enfermagem). Os enfermeiros em início de carreira têm níveis de estresse mais elevados (=81; dp=17) relativamente aos enfermeiros graduados (=79; dp=19), ou aos enfermeiros especialistas (=70; dp=18). As diferenças observadas são estatisticamente significativas (one-way Anova, p=0,020), considerando-se que os enfermeiros, em início de carreira, têm níveis de estresse maiores (Tabela 2). Não existe associação estatisticamente significativa entre a experiência profissional e índice de estresse dos enfermeiros (r=-0,023; p=0,727), assim como não existe associação estatisticamente significativa entre absentismo e os níveis de estresse dos enfermeiros (coeficiente de correlação de Spearman, r=-0,224; p=0,305). Não existe relação estatisticamente significativa (teste de Kruskal-Wallis, p=0,471) entre a relação laboral e os níveis de estresse dos enfermeiros, no entanto, os enfermeiros, em regime de contrato de trabalho por tempo determinado, têm níveis de estresse maiores (=88) do que os enfermeiros com nomeação definitiva (contrato de trabalho por tempo indeterminado) (=77). As diferenças encontradas entre a acumulação de funções e o índice de estresse dos enfermeiros não são estatisticamente significativas (teste t de Student, p=0,745), contudo, vale a pena referir que os enfermeiros que não acumulam funções têm níveis de estresse mais elevados do que aqueles que acumulam (Tabela 2). A presença de incentivos, tais como o aumento de vencimento e pagamento, por exemplo, de inscrição em congressos, não influencia os níveis de estresse dos enfermeiros, uma vez que os resultados encontrados não são estatisticamente significativos (teste t de Student, p=0,441), no entanto, os enfermeiros que não têm incentivos apresentam níveis de estresse mais elevados. As diferenças encontradas entre o tipo de horário, isto é, trabalhar só de manhã ou de tarde, ou por turnos (manhãs, tardes e noites) e os níveis de estresse, não são estatisticamente significativas (teste t de Student, p=0,139), mas é necessário fazer a ressalva de que os enfermeiros que trabalham por turnos têm níveis de estresse mais elevados (=80) (Tabela 2).

Quanto aos dados da escala das relações interpessoais no trabalho (ERIT) e da nurse stress index (índice de estresse nos enfermeiros - NSI), analisando as respostas obtidas na escala das relações interpessoais no trabalho, obteve-se, na dimensão sociabilidade, valor máximo de 60 e valor mínimo de 18. Na dimensão sentimento de si, o valor máximo foi de 40 e o mínimo de 7 (Tabela 3). Na escala nurse stress index, o valor mínimo foi obtido nas subescalas apoio e envolvimento organizacional, lidar com pacientes e familiares, conflitos casa/trabalho e confiança e competência no desempenho (Tabela 3).

Para validar se a carga de trabalho se associou ao índice de estresse nos enfermeiros, utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman, que revelou existir associação forte e positiva entre as variáveis descritas (r=-0,905; p=<0,001), levando-se a inferir que quanto maior é a carga de trabalho mais elevados são os níveis de estresse nos enfermeiros. É de salientar, também, que entre as dimensões que constituem a NSI, a carga de trabalho é aquela que se encontra mais associada aos níveis de estresse dos enfermeiros (Tabela 4).

No que diz respeito à relação interpessoal dos enfermeiros intensivistas e o nível de estresse por eles apresentados, pode-se dizer que existe associação negativa baixa entre eles (correlação de Spearman, r=-0,331; p<0,001), no sentido de que quanto pior for a relação, mais elevados são os níveis de estresse (Tabela 5). Ainda, considerando a relação interpessoal, os 66 enfermeiros que estabelecem má relação com as chefias percebem a dimensão apoio e envolvimento organizacional como fonte geradora de estresse (teste t de Student, p<0,001).

Discussão

Realçando os dados mais significativos deste estudo, pode-se fazer as considerações a seguir.

O nível de estresse nos enfermeiros, obtido nos dois hospitais envolvidos no estudo, foi muito semelhante (hospital A, =79; hospital B, =80), assim como as mulheres apresentaram níveis de estresse mais elevados do que os homens, o que vem ao encontro dos dados de outro estudo(17), apesar de esse ter sido já realizado há mais de dez anos.

Contrariamente ao referido por outros autores(9), onde se verificou existir associação negativa fraca entre a idade e o nível de estresse, no sentido de que quanto maior a idade menor é o nível de estresse, este estudo revelou não existir associação entre a idade e os níveis de estresse dos enfermeiros.

Em consonância com outro estudo e no que se refere ao estado civil(9), a maioria dos enfermeiros é composta de solteiros (60%), sendo que os enfermeiros que têm níveis de estresse maiores são aqueles que vivem em união de fato, seguido dos enfermeiros que estão divorciados, dos enfermeiros casados e, por último, dos que se encontram solteiros.

No que concerne à categoria profissional, os resultados, aqui, estão em contradição com os resultados de outro estudo(17), uma vez que neste estudo se constatou que os enfermeiros com a categoria profissional de "enfermeiro" têm níveis de estresse mais elevados, relativamente aos enfermeiros graduados e aos enfermeiros especialistas.

Quanto à experiência profissional em unidades de terapia intensiva, este estudo corrobora os dados de outros investigadores(17-18), onde foi demonstrado não existir associação entre esse fator e os níveis de estresse do enfermeiro.

Em relação ao absentismo, a maioria dos enfermeiros não falta ao trabalho e, dos enfermeiros que não comparecem ao trabalho (10%), os níveis de estresse parece não constituírem o motivo ou relação dessa variável. Esses resultados, contrariam os de outro estudo(17), onde foi verificado que as médias eram mais elevadas entre os enfermeiros que tinham faltado ao trabalho.

No que se refere ao tipo de vínculo laboral, observou-se que os enfermeiros em regime de prestação de serviços têm níveis de estresse maiores, relativamente aos enfermeiros com nomeação definitiva, dados que são corroborados em outro estudo(17).

A maioria dos enfermeiros (91%) refere não haver incentivos profissionais. Apesar de as diferenças encontradas não permitirem afirmar que existe relação entre essas variáveis, os enfermeiros que não têm incentivos apresentam níveis de estresse mais elevados.

Dos enfermeiros, 91% trabalham por turnos. São os que têm níveis de estresse mais elevados e percebem, como fonte geradora de estresse, a falta de tempo e recursos insuficientes para completar tarefas.

Em consonância com outros estudos(18-19), conclui-se que os enfermeiros que trabalham numa estrutura física desadequada têm níveis de estresse mais elevados, onde estão englobados a falta de espaço e o ruído provocado pelos aparelhos existentes numa UTI.

Dentre as dimensões que constituem a NSI, a carga de trabalho é aquela que se encontra mais associada aos níveis de estresse dos enfermeiros. A relação de associação entre essas variáveis é forte e positiva, levando-se a inferir que a associação entre a carga de trabalho e os níveis de estresse se revelou significativa, mostrando que quanto maior é a carga de trabalho mais elevados são os níveis de estresse nos enfermeiros. Esses resultados apoiam os resultados obtidos por outros investigadores(20-22). A maior valorização outorgada à carga de trabalho pode se prender ao tipo de cuidados prestados ao paciente com elevado grau de dependência e, sobretudo, à lotação das unidades de terapia intensiva, devido ao fato de, cada vez mais, a política hospitalar estar concentrada no número de camas vagas disponíveis, independentemente das especialidades aí exercidas.

Abordando a relação interpessoal dos enfermeiros, verificou-se que quanto pior a relação interpessoal mais elevados são os níveis de estresse dos enfermeiros, sendo essa relação estatisticamente significativa. Também estudos de outros investigadores(21,23) revelam que as relações interpessoais representam fator apontado como gerador de estresse nos enfermeiros. Dessa forma, as relações interpessoais no trabalho constituem-se em aspecto importante para se atentar na gestão do estresse nos enfermeiros.

Conclusões

O estresse pode ter repercussões em nível individual, social e organizacional, repercussões que se apresentam no nível do absentismo, da taxa de rotatividade, diminuição da performance dos trabalhadores, redução da motivação e satisfação no trabalho, do aumento do número de acidentes de trabalho e do aumento dos erros no desempenho. Os resultados obtidos neste estudo apontam fatores organizacionais sugestivos para desencadearem estresse no enfermeiro intensivista. Os resultados foram significativos para as variáveis categoria profissional, estrutura física desadequada, gestão da carga de trabalho e relações interpessoais. É, também, necessário relevar que os dados deste trabalho apontam para a necessidade de haver espaços físicos adequados às necessidades dos trabalhadores, incentivos com maior equidade e, ainda, necessidade de aumentar o número de enfermeiros para diminuir a carga de trabalho. Sendo assim, é importante implementar programas de intervenção para a gestão do estresse ocupacional, que deve integrar todas as áreas operacionais e envolver todos os colaboradores, uma vez que as pessoas são a essência de uma organização, e o seu pleno envolvimento permite que as suas aptidões sejam utilizadas em benefício da organização, contribuindo, dessa forma, para que a organização possa, também, atingir os seus objetivos. É importante e fundamental que se examinem as fontes de estresse, no sentido de prevenir reações adversas que podem ter consequências não só na saúde e bem-estar dos profissionais, mas, também, no desempenho profissional e, por isso, na qualidade dos serviços prestados ao paciente.

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  • Corresponding Author:
    Vitor Manuel Costa Pereira Rodrigues
    ESEnfVR - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
    Lugar do Tojal
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Set 2010
    • Aceito
      02 Maio 2011
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