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A avaliação inicial de pacientes com doença de Legg-Calvé-Perthes internados

Resumos

Foram estudados retrospectivamente 52 pacientes com doença de Legg-Calvé-Perthes submetidos à internação hospitalar, objetivando levantar as características iniciais dos pacientes segundo dados de prontuário: quadro clínico, classificação radiográfica e exame físico. Como resultados observamos que em 22 (42 %) pacientes foi relatada a presença de dor e claudicação, em 21 (40%) apenas dor, em 2 (4%) apenas claudicação e em 7 (14%) pacientes não havia a descrição de dor nem da claudicação. Na avaliação goniométrica do quadril, havia a descrição dos valores em 16 (31%) pacientes, em 28 (54%) somente havia a descrição da diminuição sem os valores e em 8 (15%) não constava a descrição nem os valores goniométricos. Em relação ao quadro radiológico encontramos a classificação de Catterall (64%) como a mais utilizada, seguida por Salter-Thompson (27%) e Herring (9%). Concluímos que o quadro clínico inicial desses pacientes é semelhante ao encontrado na literatura, com presença de dor, claudicação e diminuição da amplitude articular do quadril acometido, e que a classificação radiográfica mais utilizada é a de Catterall.

Doença de Legg-Perthes; Amplitude de movimento articular; Radiografia


A retrospective study on 52 Legg-Calvé-Perthes disease patients was performed, with the objective of identifying the initial characteristics of the patients according to registration files data, such as: clinical status, radiographic classification and physical examination. The outcomes noted were as follows: 22 patients (42%) reported the presence of pain and limping, 21 patients (40%) reported only pain, 2 patients (4%) reported only limping, and 7 patients (14%) reported no pain or limping. During evaluation for range of motion, we found the numerical description for 16 (31%) patients, 28 (54%) patients the decrease in the range of motion was just described, but no numerical value assigned, and in 8 patients (15%) such decrease - either with or without numerical value - was not reported. Regarding the radiological picture, we found that Catterall classification was used most of the times (64%), followed by Salter-Thompson (27%) and Herring (9%). We concluded that the baseline clinical status of these patients is similar to what is found in literature, with pain, limping, and decreased range of motion of the hip involved. Catterall's is the radiographic classification mostly used.

Legg-Perthes disease; Range of motion; Radiography


ARTIGO ORIGINAL

A avaliação inicial de pacientes com doença de Legg-Calvé-Perthes internados

Roberto GuarnieroI; Félix Ricardo AndrusaitisII; Guilherme Carlos BrechIII; Arthur Perez EyherabideIII; Rui Maciel de Godoy JrIV

IMédico Ortopedista, Professor Associado do Departamento de Ortopedia e Traumatologia — FMUSP, Responsável pela Disciplina de Ortopedia Pediátrica do IOT — HC/FMUSP

IIFisioterapeuta do Laboratório de Estudos do Movimento do IOT — HC/FMUSP

IIIAprimorando de Fisioterapia em Ortopedia e Traumatologia do IOT — HC/FMUSP

IVMédico Ortopedista, Preceptor dos residentes do IOT-HC/FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 333 Pinheiros — SP E-mail: robertoguarniero@uol.com.br; guilhermebrech@yahoo.com.br; arthurpe@uol.com.br

RESUMO

Foram estudados retrospectivamente 52 pacientes com doença de Legg-Calvé-Perthes submetidos à internação hospitalar, objetivando levantar as características iniciais dos pacientes segundo dados de prontuário: quadro clínico, classificação radiográfica e exame físico. Como resultados observamos que em 22 (42 %) pacientes foi relatada a presença de dor e claudicação, em 21 (40%) apenas dor, em 2 (4%) apenas claudicação e em 7 (14%) pacientes não havia a descrição de dor nem da claudicação. Na avaliação goniométrica do quadril, havia a descrição dos valores em 16 (31%) pacientes, em 28 (54%) somente havia a descrição da diminuição sem os valores e em 8 (15%) não constava a descrição nem os valores goniométricos. Em relação ao quadro radiológico encontramos a classificação de Catterall (64%) como a mais utilizada, seguida por Salter-Thompson (27%) e Herring (9%). Concluímos que o quadro clínico inicial desses pacientes é semelhante ao encontrado na literatura, com presença de dor, claudicação e diminuição da amplitude articular do quadril acometido, e que a classificação radiográfica mais utilizada é a de Catterall.

Descritores: Doença de Legg-Perthes; Amplitude de movimento articular; Radiografia.

INTRODUÇÃO

A Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP), começou a ser descrita em 1910. Porém até os dias de hoje, não há uma única teoria que explique a causa que leva à obstrução transitória da circulação da cabeça femoral(1,2,3). A incidência varia de acordo com a localização, variando entre 1:1200 à 1:12500(4), sendo maior no sexo masculino do que no feminino numa proporção de 4:1(5,6).

O quadro clínico é manifestado por dor, claudicação e limitação da amplitude articular de movimento, sendo estes sintomas variáveis em intensidades para cada paciente; a dor pode ser descrita no quadril, porém normalmente é referida na região medial da coxa ou no joelho. Na DLCP ocorre diminuição da abdução, da flexão e da rotação interna do quadril(5,7).

O diagnóstico é feito pelo quadro clínico, e confirmado com o exame radiográfico e/ou outros exames complementares(8,9).

Catterall(6), classifica os estágios da DLCP de acordo com os achados radiográficos em quatro tipos, conforme a extensão da lesão da epífise femoral. Mose(10) relatou a necessidade de medir a lesão da cabeça femoral na DLCP com o objetivo de obter o prognóstico em relação a osteoartrose do quadril na fase adulta do paciente. Stulberg et al.(11), criaram uma classificação radiográfica baseada nos resultados obtidos após o tratamento da DLCP. Esta classificação divide os pacientes em quatro grupos, segundo a gravidade do resultado final.

Salter e Thompson(12), criaram uma classificação baseada em um sinal radiográfico de lise (fratura) subcondral, dividida em dois grupos, A e B. Herring et al.(13), descreveram uma classificação baseada na altura do pilar lateral da epífise na fase de fragmentação, subdividindo os quadris em três grupos, A, B e C.

Neste trabalho realizamos o estudo de 52 pacientes com DLCP que foram submetidos à internação hospitalar em nosso serviço, no período de janeiro de 1997 a julho de 2002, objetivando caracterizar o quadro clínico, classificação radiográfica e avaliação goniométrica inicial dos pacientes, conforme os dados descritos nos prontuários.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram analisados os prontuários de 67 pacientes com diagnóstico de DLCP, internados entre o período de janeiro de 1997 a julho de 2002 no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HC/FMUSP). Destes, 52 (78%) pertenceram ao nosso estudo, pois apresentavam a doença na fase ativa, sem a presença de lesão associada no quadril, doenças neurológicas e/ou metabólicas, sendo que 15 (22%) apresentavam DLCP na fase de seqüela; este último grupo foi excluído do estudo.

Na avaliação dos prontuários foram avaliados os dados conforme as características iniciais dos pacientes, tais como: idade do paciente ao ser diagnosticado, sexo, lado acometido, dor, claudicação, exame radiográfico, grau de amplitude articular de movimento e grau de força muscular. Descrevemos na Tabela 1, o tratamento inicial dos pacientes.

Foi realizada análise estatística descritiva dos parâmetros ordinais quantitativos de idade, sexo, lado acometido, dor, claudicação, classificação radiográfica e goniometria, demonstrada em tabelas contendo: média (M), desvio padrão (DP), erro padrão (EPM), máximo (MÁX), mínimo (MÍN) e número de pacientes (N), com a representação gráfica dos mesmos. Os dados foram confrontados com a literatura, visando comparar as características dos nossos pacientes com os encontrados na literatura.

RESULTADOS

A idade dos pacientes ao serem diagnosticados variou de 4,3 anos (52 meses) a 13,3 anos (160 meses), com média de 7,9 anos (95,2 meses).

Em nossa série, 41 (79%) pacientes eram do sexo masculino e 11 (21%) do sexo feminino.

O quadril esquerdo foi afetado em 29 (56%) pacientes, 22 (42%) tiveram o lado direito afetado e em 1 (2%) paciente a doença era bilateral.

Em relação ao quadro clínico, em 22 (42%) pacientes foi relatada a presença de dor e claudicação, 21 (40%) apresentaram somente dor, 2 (4%) apenas claudicação e em 7 (14%) pacientes não havia a descrição de dor nem de claudicação.

Na avaliação goniométrica do quadril, em 28 (54%) pacientes havia os valores goniométricos dos movimentos testados (Tabela 2), em 16 (31%) havia a descrição da diminuição da amplitude de movimento sem os respectivos valores e em 8 (15%) não constavam os valores nem a descrição dos mesmos. A análise estatística descritiva da goniometria de quadril está representada conforme tabela 3.

Em relação à classificação radiográfica inicial, a mais utilizada em nosso serviço, conforme os dados descritos nos prontuários, foi a classificação de Catterall (64%), seguida pela de Salter-Thompson (27%) e a de Herring (9%) (Figura 1).


DISCUSSÃO

Muito se discute, desde a descrição inicial, sobre a DLCP em todo o mundo. No entanto ainda permanece obscura a etiologia da afecção. Sabe-se que alguns fatores de risco como a idade, o sexo e a fase da doença quando do diagnóstico inicial têm importância direta com a evolução natural da doença e seu prognóstico.

Um dos primeiros sintomas é a dor e/ou a claudicação. A dor pode ser descrita no quadril, porém normalmente é referida na região medial da coxa ou no joelho(5). Em nosso estudo, 42% (22) dos pacientes apresentaram dor e claudicação, sendo que 40% (21) somente dor, 4% (2) somente claudicação e 14% (7) não apresentam queixas registradas nos prontuários.

Na DLCP ocorre diminuição da abdução, da flexão e da rotação interna do quadril(5). Na avaliação goniométrica, em 54% (28) pacientes foram mensurados os valores da amplitude de movimento do quadril; em 31% (16) foi descrita a limitação de alguns dos movimentos globais do quadril; e, em 15% (8), não foi realizada a avaliação goniométrica. Encontramos valores goniométricos iniciais com média similar às descritas por Tsao et al.(7), sendo a flexão de 102º contra 119º para os autores; a abdução de 28º contra 37º; e, as rotações, interna de 15º para 14º e a externa 30º para 30º.

Acreditamos que na avaliação inicial dos pacientes seja obrigatória a determinação da força muscular do quadril, podemos sugerir que esta faça parte do protocolo inicial, se possível comparando o membro envolvido com o não envolvido.

Vários trabalhos criticam a classificação de Catterall por considerá-la pouco reprodutível, apresentando discordância entre os observadores(14,15), e pela possibilidade de alterar-se de acordo com a fase evolutiva da doença(15,16,17). A classificação de Salter e Thompson buscou resolver estes problemas por tratar-se de um sistema mais simples e reprodutível, porém só pode ser utilizada nas fases iniciais da doença, quando a fratura subcondral é visível, sendo aplicável apenas a um número pequeno de pacientes(18,19).

No nosso serviço temos experiência e confiabilidade na utilização da classificação proposta por Catterall. Apesar das críticas, esta classificação é útil para a definição do tipo de tratamento que vier a ser utilizado, cirúrgico ou conservador.

A classificação de Herring et al.(13), tem sido amplamente utilizada com eficácia na determinação do prognóstico(15,20,21,22) e está em fase inicial de emprego em nosso serviço.

CONCLUSÕES

Assim podemos concluir que a DLCP tem quadro clínico bem definido apresentando: dor, claudicação e diminuição da amplitude articular de movimento, principalmente da flexão, da abdução e da rotação interna. Concordamos com a literatura pesquisada, sobre as classificações radiográficas e entendemos que a utilização de apenas uma nem sempre será suficiente, apesar da classificação de Catterall ter sido mais utilizada neste trabalho.

Trabalho recebido em: 05/05/04 aprovado em 08/09/04

Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo (IOT — HC/FMUSP).

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  • Endereço para correspondência
    Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 333 Pinheiros — SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Recebido
      05 Maio 2004
    • Aceito
      08 Set 2004
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