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Atividades aplicadas pelos pais para ensinar leitura para filhos com autismo

Actividades aplicadas por los padres para enseñar lectura a hijos con autismo

Resumo

A criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode apresentar dificuldades na aquisição da leitura. Implementar procedimentos de ensino eficazes que possam envolver a família pode garantir aprendizagem às crianças e a instrumentalização dos familiares acerca de estratégias de ensino. O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia de um pacote instrucional para o ensino de leitura de quinze palavras dissílabas (isoladas) para crianças com TEA, baseado no modelo de leitura como rede de relações. Participaram do estudo três crianças com TEA e seus pais. Em cada etapa de ensino eram ensinadas três palavras diferentes e compostas por: o ensino de um jogo com a pesquisadora, o ensino informatizado e a realização de um jogo com os pais. De modo geral, as crianças obtiveram ganhos na leitura das palavras ensinadas e os pais aprenderam a utilizar reforço e dica durante os jogos.

Palavras-chave:
Autismo; leitura; pais

Resumen

El niño con Trastorno del Espectro Autista (TEA) puede presentar dificultades en la adquisición de la lectura. Implementar procedimientos de enseñanza eficaces que puedan abarcar la familia, puede garantizar aprendizaje a los niños y la instrumentalización de los familiares acerca de estrategias de enseñanza. En el presente estudio se tuvo como objetivo evaluar la eficacia de un paquete instruccional para la enseñanza de lectura de quince palabras bisílabas (aisladas) para niños con TEA, basado en el modelo de lectura como red de relaciones. Participaron del estudio tres niños con TEA y sus padres. Cada etapa de enseñanza era enseñada tres palabras distintas y compuesta por: la enseñanza de un juego con la investigadora, la enseñanza informatizado y la realización de un juego con los padres. De modo general, los niños obtuvieron mejoras en la lectura de las palabras enseñadas y los padres aprendieron a utilizar refuerzo y sugerencias durante los juegos.

Palabras clave:
Autismo; lectura; padres

Abstract

The child with Autistic Spectrum Disorder (ASD) may present difficulties in reading acquisition. Implementing effective teaching procedures that can involve the family can ensure learning for the children and the instrumentalisation of family members about teaching strategies. The present study aimed to evaluate the efficacy of an instructional package for the teaching of fifteen dissyllable (isolated) words for children with ASD, based on the model of reading as a network of relationships. Three children with ASD and their parents participated in the study. Each teaching stage had taught three different words and comprised: teaching a game with the researcher, computerized teaching and playing a game with parents. Overall, children obtained gains in reading the words taught and parents learned to use reinforcement and hint during the games.

Keywords:
Autism; reading; parents

Introdução

A inclusão escolar de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculadas nas escolas regulares tem mostrado a importância de envolver diferentes agentes educacionais, principalmente os pais e/ou responsáveis no ensino de habilidades acadêmicas básicas, como a leitura (Benitez & Domeniconi, 2014Benitez, P.; Domeniconi, C. (2014). Capacitação de agentes educacionais: proposta de desenvolvimento de estratégias inclusivas. Revista Brasileira de Educação Especial, 30(3), 371-386.; 2018Benitez, P.; Domeniconi, C. (2016).Use of a computerized reading and writing teaching program for families of students with intellectual disabilities.The Psychological Record, 66, 127-138.). Devido às dificuldades que essas crianças podem apresentar na aprendizagem da leitura por meio dos métodos convencionais de ensino, certos arranjos educacionais são necessários na promoção de tal ensino, como o uso e a adequação de métodos alternativos e personalizados para o ensino eficaz (Bosa, 2001Bosa, C. A. (2001). As relações entre autismo, comportamento social e função executiva.Psicologia: reflexão e crítica, 14(2), 281-287.; Gomes, & Souza, 2016Gomes, C. G. S.; Souza, D. G. (2016). Ensino de sílabas simples, leitura combinatória e leitura com compreensão para aprendizes com autismo. Revista Brasileira de Educação Especial, 22, 233-252.; Gomes, Hanna, & Souza, 2015Gomes, C. G. S.; Souza, D. G.; Hanna, E. S. (2015). Ensino de relações entre figuras e palavras impressas com emparelhamento multimodelo a crianças com autismo. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 11, 24-36.; Varella & Souza, 2015Varella, A. A. B.; Souza, D. G. (2015). Using class-specific compound consequences to teach dictated and printed letter relations to a child with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 48, 1-5.).

Procedimentos de ensino baseados em uma concepção teórica de que os repertórios de leitura e escrita podem ser formados por uma rede de relações entre estímulos (por exemplo: figuras, palavras ditadas e palavras impressas) e entre estímulos e respostas (por exemplo: nomeação de uma palavra, seleção de uma figura condicionalmente a um nome) têm sido utilizados, desde a década de 1970 como uma alternativa eficaz para o ensino de leitura de palavras isoladas a pessoas com diferentes perfis de aprendizagem e desenvolvimento. Recentes estudos brasileiros (e.g. Bandini, Bandini, Sella, & Souza, 2014Bandini, C. S. M.; Bandini, H. H. M.; Sella, A. C.; Souza, D. D. G. D. (2014). Emergence of reading and writing in illiterate adults after matching-to-sample tasks. Paidéia, 24(57), 75-84.; Benitez & Domeniconi, 2016Benitez, P.; Domeniconi, C. (2016).Use of a computerized reading and writing teaching program for families of students with intellectual disabilities.The Psychological Record, 66, 127-138.; Gomes & Souza, 2016Gomes, C. G. S.; Souza, D. G. (2016). Ensino de sílabas simples, leitura combinatória e leitura com compreensão para aprendizes com autismo. Revista Brasileira de Educação Especial, 22, 233-252.; Gomes et al., 2015Pezzi, F. A. S.; Marin, A. H. (2016). "Seguindo em frente!": O fracasso escolar e as classes de aceleração.Psicologia Escolar e Educacional, 20(2), 219-228.; Melchiori, Souza, & Rose, 2000Melchiori, L.; Souza, D.; Rose, J. C. (2000). Reading, equivalence, and recombination of units: a replication with students with different learning histories. Journal of Applied Behavior Analysis, 33(1), 97-100.; Reis, Souza, & Rose, 2009Reis, T. S.; Souza, D. G.; Rose, J. C. (2009). Avaliação de um programa para o ensino de leitura e escrita. Estudos em Avaliação Educacional, 20(44), 425-450.; Sidman, 1971Sidman, M. (1971). Reading and auditory-visual equivalences. Journal of Speech and Hearing Research, 14, 5-13.;Varella & Souza, 2015Varella, A. A. B.; Souza, D. G. (2015). Using class-specific compound consequences to teach dictated and printed letter relations to a child with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 48, 1-5.; Zaine, Domeniconi, & Rose, 2014Zaine, I.; Domeniconi, C.; Rose, J. C. (2014). Simple and conditional discrimination and specific reinforcement in teaching reading: an intervention package. The Analysis of verbal behavior, 30(2), 193-204.) confirmaram as hipóteses levantadas desde o estudo pioneiro de Sidman (1971)Sidman, M. (1971). Reading and auditory-visual equivalences. Journal of Speech and Hearing Research, 14, 5-13.. Nesses, foram utilizados procedimentos de ensino baseados no mesmo modelo de leitura como rede de relações e documentado dados positivos de aprendizagem de leitura de palavras isoladas por crianças com desenvolvimento típico e dificuldades na aprendizagem de leitura, deficiência intelectual (DI), com TEA e também por adultos analfabetos.

O modelo da rede de relações tem sido utilizado por diferentes estudos na área da educação e, dada sua amplitude, devido às relações emergentes, torna-se difícil ainda mensurar os limites de uso. Com base nesse modelo, Rosa Filho, Rose, Souza, Hanna e Fonseca (1998Rosa-Filho, A. B.; Rose, J. C. C.; Souza, D. G.; Hanna, E. S.; Fonseca, M. L. (1998). Aprendendo a ler e escrever em pequenos passos. Software de Ensino.) desenvolveram um programa informatizado de ensino individualizado de leitura e escrita de palavras isoladas, intitulado como Aprendendo a Ler e a Escrever em Pequenos Passos - ProgLeit.

No estudo de Benitez e Domeniconi (2016Benitez, P.; Domeniconi, C. (2016).Use of a computerized reading and writing teaching program for families of students with intellectual disabilities.The Psychological Record, 66, 127-138.) o programa ProgLeit foi aplicado na residência de cinco aprendizes com DI e por um familiar, que foi ensinado a monitorar, registrar as sessões e fornecer dicas quando o aprendiz necessitasse. O objetivo do estudo foi avaliar a aprendizagem de leitura e escrita de palavras simples pelos aprendizes e investigar o comportamento e a inserção de dicas dos familiares como monitores. Os resultados mostraram melhores desempenhos dos aprendizes no pós-teste, pois passaram de 0% a 20% de acertos na leitura de palavras impressas no pré-teste para 89,3% na leitura das palavras de ensino e 52% nas palavras de generalização (não ensinadas) no pós-teste. Com relação ao comportamento dos familiares, conforme o aprendiz atingia os critérios de ensino o número de inserção de dicas reduzia-se, demonstrando maior eficiência do programa no controle do comportamento do aprendiz em relação ao monitoramento dos familiares. Sendo assim, o estudo demonstrou que a utilização do programa na residência dos aprendizes e a aplicação realizada pelos familiares são situações promissoras de aprendizagem para aprendizes com deficiência intelectual, para além da aplicação escolar e laboratorial. Porém, notou-se que como os pais não aplicavam com frequência o programa sem a supervisão da experimentadora, a autora acredita que as atividades empregadas eram muito diferentes daquelas que fazem parte da rotina das famílias.

Em muitos casos, o envolvimento parental com a vida acadêmica de seus filhos limita-se apenas ao auxílio durante as tarefas escolares realizadas em casa e nem sempre ocorre da maneira mais apropriada (Fernandes, Pontes, Silva, Lima, & Santos, 2014Fernandez, A. P. O.; Pontes, F. A. R.; Silva, S. S. C.; Lima, M. B. S.; Santos, C. O. (2014). Envolvimento parental na tarefa escolar.Psicologia Escolar e Educacional,18(3), 529-536.; Pezzi & Marin, 2016Pezzi, F. A. S.; Marin, A. H. (2016). "Seguindo em frente!": O fracasso escolar e as classes de aceleração.Psicologia Escolar e Educacional, 20(2), 219-228.). Existe a necessidade de construir procedimentos e métodos que ajudam a criar contextos mais motivadores para melhorar a interação entre pais e filhos e, ainda, possibilitar aprendizagens importantes para as crianças. Pellizzetti e Souza (2014Pellizzetti, G. B.; Souza, S. R. (2014). Controle por unidades menores que a palavra: jogo de tabuleiro educativo aplicado por mães. Temas em Psicologia, 22(4), 823-837.) apontam que os jogos são eficazes para o ensino e comentam sobre a necessidade de desenvolver mais tecnologias para o ensino de leitura e escrita que permitam o envolvimento dos pais. Alguns estudos têm avaliado o potencial do jogo como instrumento para o ensino de habilidades de leitura e a aplicação destes realizadas pelos pais (Panosso, 2013Panosso, M. G. P. (2013). Escolhas alimentares em crianças: equivalência de estímulos em um jogo de tabuleiro. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Paraná.; Dondi & Moretti, 2007Dondi, C.; Moretti, M. (2007). A methodological proposal for learning games selection and quality assessment. British Journal of Educational Technology, 38(3), 502- 512.). Os jogos podem ser utilizados ou adaptados para promover, melhorar e/ou apoiar os processos de aprendizagem em um contexto tanto formal quanto informal. Também podem constituir-se em situações de ensino e aprendizagem próximas à rotina das famílias, facilitando a manutenção destas atividades mesmo na ausência dos pesquisadores implicados, constituindo-se momentos de ensino genuínos e replicáveis.

O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia de um pacote instrucional para o ensino de leitura de 15 palavras dissílabas (isoladas) para crianças com TEA, baseado no modelo de leitura como rede de relações. O pacote instrucional utilizado no presente estudo foi composto pelo ensino da relação entre palavra ditada e palavra impressa (AC) em tarefas apresentadas via computador e fortalecer as relações para complementar o ensino de leitura realizado via ensino informatizado por meio de jogos aplicados pela experimentadora e pelos pais das crianças com TEA participantes do estudo.

Método

Participantes

Participaram três crianças (dois meninos e uma menina - Breno, Gabriel e Maria Flávia), com 11 anos, diagnosticados com TEA e seus pais. As crianças frequentavam o segundo ano do ensino regular, duas delas em escola municipal e uma em escola particular. O pai de Gabriel não pôde participar por razão de incompatibilidade de horário das atividades com o trabalho, o que totalizou a presença de dois pais e três mães. Como critério inicial de inclusão exigiu-se que os pais tivessem no mínimo a primeira etapa do ensino fundamental concluída, a fim de garantir a leitura das instruções dos jogos. Portanto, três finalizaram o ensino superior, um o ensino médio completo e um não finalizou o ensino superior. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (CAAE 34399214.8.0000.5504, parecer número 791.007).

Para a seleção dos participantes foi utilizado uma versão adaptada do teste Diagnóstico de Leitura e Escrita (DLE) do programa ProgLeit (Rosa Filho et al., 1998Rosa-Filho, A. B.; Rose, J. C. C.; Souza, D. G.; Hanna, E. S.; Fonseca, M. L. (1998). Aprendendo a ler e escrever em pequenos passos. Software de Ensino.).No presente estudo foram utilizadas e adaptadas apenas nove das 17 tarefas que o DLE possui para caracterizar o repertório de leitura de cada criança. As tentativas de emparelhamento utilizadas no DLE adaptado foram: figura e figura (BB), palavra impressa e palavra impressa (CC), palavra ditada e figura (AB), palavra ditada e impressa (AC), figura e palavra impressa (BC), palavra impressa e figura (CB), nomeação de palavras impressas (CD), de sílabas (CDs) e de letras (CDL). Sendo assim, para a criança participar do estudo deveria apresentar desempenho inferior ou igual a 60% na nomeação de palavras impressas (CD) e 95% a 100% nas relações BB e CC. A relação BB acontece quando é apresentada uma figura como modelo e a criança entre algumas figuras de comparação escolhe a correspondente (BB). A relação CC acontece da mesma forma, porém são utilizadas palavras impressas ao invés de figuras. A utilização desse critério implicou no fato de que o participante não lia todas as palavras que seriam ensinadas e tinha um repertório discriminativo e de seguimento de regras suficientemente bem instalado, como sentar-se diante do computador e escolher algum estímulo condicionalmente ao modelo apresentado.

Local e Materiais

Os materiais usados em todas as sessões foram: filmadora, folha sulfite A4 e lápis. Para a construção dos jogos foram utilizadas palavras e suas respectivas figuras impressas em papel sulfite. As palavras e figuras foram recortadas e plastificadas. Nas sessões com os pais e as crianças também foram utilizados os jogos e o checklist construídos pela pesquisadora e realizadas nas residências de cada um. Para mais detalhes sobre os jogos pode-se consultar o trabalho de dissertação de Menotti (2016Menotti, A. R. S. (2016). Tarefas informatizadas e jogos aplicados pelos pais na aprendizagem de leitura por crianças com transtorno do espectro autista. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo.).

O checklist foi construído e utilizado com o objetivo de registrar o comportamento dos pais durante os jogos, a partir das categorias adaptadas dos achados de Benitez e Domeniconi (2012Benitez, P.; Domeniconi, C. (2012). Verbalizações de familiares durante aprendizagem de leitura e escrita por deficientes intelectuais. Estudos de Psicologia, 29(4), 553-562.), a destacar: a) instruir os filhos sobre como jogar, b) elogiar as respostas corretas dos filhos, c) fornecer dicas que auxiliassem na emissão da resposta correta e d) apontar erros nas repostas dos filhos.

Nas sessões com a pesquisadora e as crianças com TEA também foram utilizados o currículo informatizado adaptado - ProgLeit (Rosa Filho et al., 1998Rosa-Filho, A. B.; Rose, J. C. C.; Souza, D. G.; Hanna, E. S.; Fonseca, M. L. (1998). Aprendendo a ler e escrever em pequenos passos. Software de Ensino.) e os jogos.

Procedimento

O delineamento utilizado na pesquisa foi o de linha de base múltipla entre conjuntos de palavras (Cooper, Heron, & Heward, 2007Cooper, J. O.; Heron, T. E.; Heward, W. L. (2007). Applied behavior analysis (2a ed.). Upper Saddle River, NJ: Pearson Education.). As sessões de ensino ocorreram no mínimo três vezes por semana, com duração de, no máximo, 50 minutos cada. O procedimento descrito, na Tabela 1, foi composto por três fases: 1) pré-teste; 2) aplicação do ensino e 3) pós-teste.

Tabela 1
Descrição do procedimento de ensino

Pré-teste

Para avaliar o repertório de leitura dos participantes, o DLE adaptado foi construído a partir do ProgLeit (Rosa Filho et al., 1998Rosa-Filho, A. B.; Rose, J. C. C.; Souza, D. G.; Hanna, E. S.; Fonseca, M. L. (1998). Aprendendo a ler e escrever em pequenos passos. Software de Ensino.). Após a construção do DLE adaptado, realizou-se a avaliação (pré-teste) do repertório inicial de leitura de cada criança. O pré-teste ocorreu em duas sessões com duração, em média, de 50 minutos cada. As tentativas não continham consequências diferenciais para acerto ou erro. Testaram-se com cada criança as 20 palavras dissílabas (15 ensinadas e cinco de generalização) nas relações figura e figura (BB), palavra impressa e palavra impressa (CC), palavra ditada e figura (AB), palavra ditada e impressa (AC), figura e palavra impressa (BC), palavra impressa e figura (CB), nomeação de palavras impressas (CD) e o repertório de leitura de 23 letras do alfabeto e 21 sílabas contidas nas 20 palavras utilizadas no procedimento.

Aplicação do ensino

Antes de iniciar o procedimento com as crianças com TEA, os pais participaram de um encontro sobre o uso de reforçadores e dicas com duração, aproximada, de três horas. Após falar sobre esses conceitos, a pesquisadora realizou um “role-playing” com um dos jogos para exemplificar como os pais deveriam utilizá-los.

Após o encontro com os pais, as crianças iniciaram o ensino. As palavras utilizadas no ensino informatizado e jogos eram dissílabas com consoantes e vogais alternadas. As 15 palavras ensinadas ao longo do procedimento foram: TATU, CASA, GATO, BOLO, FACA, MALA, FITA, SUCO, PATO, BOCA, RATO, SAPO, DADO, VELA e LUPA. As cinco palavras de generalização utilizadas nas sessões de testes foram: MATO, LOBO, MAPA, LATA e SACO.

O ensino informatizado teve o objetivo de instalar e/ou desenvolver repertório de reconhecimento das 15 palavras (de ensino) por meio da tarefa de discriminação condicional palavra ditada e palavra impressa (AC). Ou seja, a partir da palavra ditada pelo computador, a criança escolhe entre três estímulos comparativos (três palavras impressas) a palavra correspondente à palavra ditada. As outras relações não foram ensinadas, pois as crianças já possuíam desempenho elevado nelas. Não foram utilizadas as cinco palavras de generalização (palavras não ensinadas). O ensino das 15 palavras foi distribuído em cinco Etapas, então três palavras diferentes foram utilizadas em cada Etapa.

Os cinco jogos construídos pela experimentadora foram: Memória, Bingo 1, Bingo 2, Dominó e Jogo de Sílabas. Esses jogos foram utilizados nas sessões com a experimentadora e as crianças e nas sessões com os pais e a criança. Os jogos tinham o objetivo de fortalecer relações para a complementação do ensino de leitura realizado via ensino informatizado, envolver e motivar os pais na aprendizagem e avaliar o desempenho dos pais na inserção de dicas e reforço durante os jogos. Em cada jogo foram utilizadas três palavras e suas respectivas figuras conforme a distribuição das palavras ensinadas nas Etapas via ensino informatizado. A escolha e a inserção do tipo de dicas (física, gestual ou verbal) que os pais forneciam à criança nas respostas incorretas ficavam a critério deles. Em alguns jogos foram trabalhadas as relações AB, BB e CC com o intuito de manter a criança e o pai motivados na tarefa, já que o aprendiz havia apresentado de 95% a 100% de acerto no pré-teste. Cada jogo continha peças com as palavras, suas respectivas figuras e dois tipos de instruções, sendo elas: uma que a experimentadora e os pais utilizavam para ensinar a criança a jogar o jogo; e outra que os pais utilizavam para eles saberem como jogar com a criança.

As Etapas de ensino aconteciam da seguinte forma: inicialmente a criança realizava uma sessão de jogos com a pesquisadora, em que jogavam o respectivo jogo da Etapa, para a criança aprender as regras do jogo e não havia critério de aprendizagem. Após essa sessão, iniciavam-se as sessões de ensino via currículo informatizado com as mesmas três palavras utilizadas no jogo. Ao atingir o critério de aprendizagem, a criança realizava a sessão de jogo com o pai, sob a supervisão da pesquisadora. O objetivo desta sessão era de fortalecer relações (rede de leitura) e para envolver o pai na aprendizagem de leitura. Ao finalizar cada Etapa, a criança realizava o teste com as 15 palavras ensinadas e as cinco palavras de generalização. Essas palavras eram testadas por meio das relações AC, BC, CB e CD. Durante o teste não foram fornecidas consequências para as respostas corretas e erradas da criança.

Pós-teste

Após finalizar as Etapas de ensino, foi realizado o pós-teste da mesma forma que o pré-teste.

Análise de dados

Por meio do delineamento utilizado foi possível acompanhar o desempenho das crianças com TEA na leitura de todas as palavras ensinadas (CD) antes e depois de cada ensino, assim como na generalização da leitura de cinco novas palavras. No currículo informatizado foi considerada resposta correta quando a criança com TEA lia por completo as palavras. Durante as sessões de jogos a resposta foi considerada correta quando a criança com TEA realizava corretamente as relações. Diante das filmagens e protocolos das sessões, um segundo juiz analisou 30% dos vídeos e transcreveu as respostas independentemente. O índice calculado foi de 95%. Este foi calculado a partir da divisão do número de concordâncias pelo número de concordâncias mais número de discordâncias e multiplicando o resultado por 100 (Fagundes, 1981Fagundes, A. J. (1981). Descrição, definição e registro de comportamento. São Paulo: Edicon.).

Resultados

Os resultados foram analisados de duas maneiras: 1) desempenho das crianças com TEA nas atividades de leitura e 2) comportamento dos pais durante os jogos.

A Figura 1 mostra o desempenho das crianças com TEA na leitura das 15 palavras ensinadas antes e depois do ensino. Nela encontram-se o pré-teste, o pós-teste, os testes realizados no final de cada Etapa e a frequência acumulada da resposta a respeito da leitura da palavra ensinada antes e/ou após o ensino via currículo informatizado. A linha tracejada sinaliza o momento em que o ensino das palavras foi realizado na Etapa.

Figura 1
Desempenhos dos aprendizes nos testes de leitura das palavras ensinadas e na manutenção do aprendizado em cada Etapa. A linha tracejada sinaliza o teste realizado após o ensino das palavras via currículo informatizado.

Breno obteve 60% de acerto na leitura das palavras no pré-teste e 75% no pós- teste. Gabriel leu 10% das palavras no pré-teste e 45% no pós-teste. Maria Flávia leu 10% no pré-teste e 40% no pós-teste. Apesar da melhora no repertório de leitura das crianças com TEA, foi possível observar que apresentaram inconstância na manutenção deste aprendizado ao longo dos diferentes testes aplicados. Por exemplo: Breno havia lido a palavra BOLO no pré-teste. Na Etapa 2 ele não leu; porém, leu nos testes seguintes. Gabriel não havia lido as palavras TATU e FACA no pré-teste. Quando estas foram ensinadas, ele as leu no teste realizado na Etapa, porém em alguns testes posteriores ele leu e em outros não. Maria Flávia também leu algumas palavras (BOLO, PATO) nos testes realizados após o ensino. Quando estas foram testadas novamente em outros momentos, não leu novamente.

A respeito da leitura das palavras de generalização, Gabriel e Maria Flávia iniciaram a leitura de algumas palavras. Gabriel leu a palavra LATA (1) no Teste 1 e a palavra ensinada na Etapa 1 foi MALA, e leu a palavra SUCO (2) no Teste 2 e a palavra ensinada na Etapa 2 foi SUCO. A Maria Flávia leu as palavras LOBO (1) e LATA (2) no Teste 1 após terem sido ensinadas na Etapa 1 as palavras BOLO e MALA, e leu no Teste 2 a palavra SACO (3) após ter sido ensinada na Etapa 2 a palavra SUCO.

Leitura dos participantes nas sessões de jogos

As filmagens realizadas durante as sessões via jogos com os pais e nos testes realizados via currículo informatizado na relação CD nas Etapas 1, 2 e 4, permitiram observar que, mesmo quando não havia instrução para as crianças lerem as palavras durante os jogos, elas liam. Porém, quando deveriam ler as mesmas palavras nos testes via currículo informatizado, elas muitas vezes não liam. Os pais solicitavam apenas uma vez a leitura da palavra durante os jogos. Diante dos resultados, Breno não leu as palavras BOLO e SUCO via currículo informatizado, mas durante o jogo quando o pai pediu para ele ler, ele leu. Gabriel não leu as palavras TATU, BOLO, DADO, MALA e BOCA via currículo informatizado, mas leu durante o jogo quando sua mãe solicitou. Maria Flávia leu todas as palavras durante os jogos com os pais, mas no currículo informatizado não leu as palavras MALA, BOCA e RATO.

Desempenho dos pais nas sessões de jogos

A utilização do checklist possibilitou analisar sistematicamente o comportamento dos pais durante as sessões de jogos. Na maioria das sessões os pais deveriam realizar os seguintes comportamentos: fornecer instrução do jogo, fornecer consequências diferenciais para as respostas corretas de seus filhos, apontar os erros nas respostas de seus filhos e fornecer dicas. Durante as sessões de jogos, os pais foram instruídos pela pesquisadora sobre como deveriam proceder durante a realização do jogo com os seus filhos. Cada criança com TEA realizou cinco sessões com seus respectivos pais. Sendo assim, ao todo foram realizadas 15 sessões de jogos que contavam com a participação dos pais.

Os comportamentos dos pais foram avaliados de acordo com os achados de Benitez e Domeniconi (2012Benitez, P.; Domeniconi, C. (2012). Verbalizações de familiares durante aprendizagem de leitura e escrita por deficientes intelectuais. Estudos de Psicologia, 29(4), 553-562.) e adaptados em quatro categorias. Diante dos resultados somados de todos os pais, os comportamentos emitidos por eles durante a realização dos jogos de leitura foram: a) fornecimento de instruções sobre o jogo em 12 sessões; b) fornecimento de elogios para as respostas corretas dos filhos em 13 sessões; c) dicas que orientavam na emissão da resposta correta em 13 sessões; d) apontaram erros nas respostas de seus filhos em 13 sessões; e) em uma sessão de uma das crianças o pai não apontou erros na resposta do seu filho.

Discussão

O presente estudo teve como objetivo avaliar a eficácia de um pacote instrucional para o ensino de leitura de 15 palavras dissílabas (isoladas) para crianças com TEA, baseado no modelo de leitura como rede de relações. Os dados obtidos neste estudo corroboram os achados descritos na literatura com estudantes com TEA e/ou DI, no tocante à concepção do ensino de leitura, enquanto uma rede de relações entre estímulos e entre estímulos e respostas (Bandinia et al., 2014Bandini, C. S. M.; Bandini, H. H. M.; Sella, A. C.; Souza, D. D. G. D. (2014). Emergence of reading and writing in illiterate adults after matching-to-sample tasks. Paidéia, 24(57), 75-84.; Benitez & Domeniconi, 2016Benitez, P.; Domeniconi, C. (2016).Use of a computerized reading and writing teaching program for families of students with intellectual disabilities.The Psychological Record, 66, 127-138.; Gomes, & Souza, 2016Gomes, C. G. S.; Souza, D. G. (2016). Ensino de sílabas simples, leitura combinatória e leitura com compreensão para aprendizes com autismo. Revista Brasileira de Educação Especial, 22, 233-252.; Gomes, Souza, & Hanna, 2015; Melchiori et al., 2000Melchiori, L.; Souza, D.; Rose, J. C. (2000). Reading, equivalence, and recombination of units: a replication with students with different learning histories. Journal of Applied Behavior Analysis, 33(1), 97-100.; Reis et al., 2009Reis, T. S.; Souza, D. G.; Rose, J. C. (2009). Avaliação de um programa para o ensino de leitura e escrita. Estudos em Avaliação Educacional, 20(44), 425-450.; Sidman, 1971Sidman, M. (1971). Reading and auditory-visual equivalences. Journal of Speech and Hearing Research, 14, 5-13.; Varella & Souza, 2015Varella, A. A. B.; Souza, D. G. (2015). Using class-specific compound consequences to teach dictated and printed letter relations to a child with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 48, 1-5.; Zaine et al., 2014Zaine, I.; Domeniconi, C.; Rose, J. C. (2014). Simple and conditional discrimination and specific reinforcement in teaching reading: an intervention package. The Analysis of verbal behavior, 30(2), 193-204.).

De modo geral, a respeito da leitura das palavras ensinadas, ao comparar os dados dos participantes no pré-teste, no pós-teste e durante o ensino, os resultados indicaram que o procedimento favoreceu o aumento no repertório de leitura das crianças com TEA, pois aprenderam a ler boa parte das palavras ensinadas e, apesar do diagnóstico de TEA não apresentaram grandes dificuldades em realizar o ensino em conjunto com os seus pais, uma vez que avançaram na aprendizagem da relação AC, necessitando de poucas repetições das sessões de ensino via currículo informatizado. É importante ressaltar que tais crianças tinham TEA leve e moderado, eram falantes, e antes do início do experimento já eram capazes de identificar figuras (AB) e ler/nomear algumas sílabas (CDS) utilizadas nas palavras de ensino e de generalização. Esses dados replicam os desempenhos dos estudantes com TEA do estudo de Benitez e Domeniconi (2018Benitez, P.; Domeniconi, C. (2018). Atuação do psicólogo na inclusão escolar de estudantes com autismo e deficiência intelectual. Psicologia Escolar e Educacional, 22(1), 163-172. https://dx.doi.org/10.1590/2175-35392018013926
https://dx.doi.org/10.1590/2175-35392018...
).

Os dados do presente estudo não corroboraram com os desempenhos identificados em estudos anteriores sobre a necessidade de um maior número de sessões de ensino com crianças público-alvo da educação especial (Melchiori et al., 2000Melchiori, L.; Souza, D.; Rose, J. C. (2000). Reading, equivalence, and recombination of units: a replication with students with different learning histories. Journal of Applied Behavior Analysis, 33(1), 97-100.), assim como também não replicaram a dificuldade documentada em estudos anteriores com crianças com TEA sobre a aprendizagem de relações condicionais entre estímulos, principalmente relações arbitrárias, como figuras e palavras impressas (Williams, Pérez-González, & Queiroz, 2005Williams, G.; Pérez-González, L. A.; Queiroz, A. (2005). Using a combined blocking procedure to teach color discrimination to a child with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 38, 555-558.). Como dito anteriormente, o repertório dos participantes antes do procedimento já era composto por uma série de importantes habilidades que podem ser consideradas como pré-requisitos para a aprendizagem alvo, portanto, replicações do presente procedimento devem atentar ao repertório inicial dos participantes.

Sobre a inconstância observada na manutenção das respostas de leitura, acredita-se que tenha ocorrido pelo fato das crianças com TEA apresentarem comportamentos concorrentes com a aprendizagem ao realizar o ensino via currículo informatizado. Por exemplo, algumas vezes elas diziam que não queriam ou não iriam realizar a tarefa, que queriam desligar o computador e/ou saíam da sala. Em comparação, as respostas espontâneas de leitura apresentadas na situação de jogo e a ausência de respostas de fuga ou esquiva corroboram a hipótese de que o teste apresentado via computador pode ter tido uma função coercitiva ou pouco discriminativa para a resposta desejada em algumas situações, mesmo não tendo sido planejada nenhuma consequência diferencial diante de respostas erradas. Uma limitação identificada nesse contexto foi a ausência de um teste de preferência para a escolha dos estímulos reforçadores antes de iniciar as atividades informatizadas. Estudos futuros podem adotar tal estratégia para identificar possível estabilidade nos desempenhos dos estudantes.

Sobre as dificuldades na generalização do aprendizado, notou-se que os participantes apresentaram maiores porcentagens de acertos para palavras ensinadas, quando comparado com as palavras de generalização. Esse resultado replica os dados dos trabalhos de Melchiori et al. (2000Melchiori, L.; Souza, D.; Rose, J. C. (2000). Reading, equivalence, and recombination of units: a replication with students with different learning histories. Journal of Applied Behavior Analysis, 33(1), 97-100.), assim como os de Benitez e Domeniconi (2016Benitez, P.; Domeniconi, C. (2016).Use of a computerized reading and writing teaching program for families of students with intellectual disabilities.The Psychological Record, 66, 127-138.).

Esperava-se verificar se o procedimento aplicado no presente estudo permitiria que os aprendizes realizassem a leitura de palavras recombinadas a partir das sílabas das palavras ensinadas, porém, isso não ocorreu de modo eficaz. Rose (2005Rose, J. C. (2005). Análise comportamental da aprendizagem de leitura e escrita.Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 1, 29-50.) discute que algumas pessoas aprendem a ler sob controle de palavras ou grupos de palavras (unidades molares) e possivelmente aprendem posteriormente a fracioná-las em unidades moleculares (sílabas ou grafemas), em que a recombinação das unidades moleculares permite a leitura de novas palavras (leitura recombinativa). De toda forma, o ensino direto das unidades menores das palavras ou o ensino de uma grande quantidade de palavras inteiras parece ser essencial para que a aprendizagem recombinativa ocorra mesmo com aprendizes com desenvolvimento típico (Reis et al., 2009Reis, T. S.; Souza, D. G.; Rose, J. C. (2009). Avaliação de um programa para o ensino de leitura e escrita. Estudos em Avaliação Educacional, 20(44), 425-450.). Estudos futuros poderiam agregar o ensino direto das sílabas ao procedimento utilizado no presente estudo, a fim de verificar a emergência da leitura recombinativa em crianças com TEA.

A respeito do uso dos jogos, acredita-se que eles tiveram um papel complementar e de apoio na realização das tarefas e na aprendizagem das crianças (Dondi & Moretti, 2007Dondi, C.; Moretti, M. (2007). A methodological proposal for learning games selection and quality assessment. British Journal of Educational Technology, 38(3), 502- 512.; Panosso, 2013Panosso, M. G. P. (2013). Escolhas alimentares em crianças: equivalência de estímulos em um jogo de tabuleiro. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Paraná.; Pellizzetti & Souza, 2014Pellizzetti, G. B.; Souza, S. R. (2014). Controle por unidades menores que a palavra: jogo de tabuleiro educativo aplicado por mães. Temas em Psicologia, 22(4), 823-837.) e podem ter tido uma importante função para que a criança necessitasse de poucas repetições das sessões de ensino via currículo informatizado. Provavelmente ao construir jogos baseados na rede de relações entre estímulos e respostas que compõem o repertório de leitura, é possível contribuir na consolidação do aprendizado das crianças com TEA. Outro ponto importante refere-se à situação proposta pelos jogos, em que foi possível envolver os pais de maneira positiva na realização de atividades acadêmicas com filhos com TEA.

Diante da análise dos desempenhos das crianças com TEA nas sessões via jogos com os pais, acredita-se que a atuação do familiar como educador no momento da aplicação dos jogos pode ter contribuído de alguma maneira no desempenho delas, no sentido de aumentar as possibilidades para a sua aprendizagem, replicando os dados de estudos anteriores que utilizaram o envolvimento dos pais como estratégia para o ensino de repertórios acadêmicos (Benitez & Domeniconi, 2012Benitez, P.; Domeniconi, C. (2012). Verbalizações de familiares durante aprendizagem de leitura e escrita por deficientes intelectuais. Estudos de Psicologia, 29(4), 553-562., 2014, 2016, 2018; Fernandez et al., 2014Fernandez, A. P. O.; Pontes, F. A. R.; Silva, S. S. C.; Lima, M. B. S.; Santos, C. O. (2014). Envolvimento parental na tarefa escolar.Psicologia Escolar e Educacional,18(3), 529-536.).

Com isso, foi possível verificar que a preocupação dos pais em relação ao ensino e aprendizagem do comportamento de ler para os seus filhos diminuiu, pois perceberam e relataram (este dado foi apenas relatado pelos pais e não há registros deles em filmagens ou no checklist) que seus filhos são capazes de aprender e de desenvolver habilidades complexas após a exposição ao procedimento de ensino. Tais dados dialogam com os relatos dos pais participantes do estudo de Benitez e Domeniconi (2014Benitez, P.; Domeniconi, C. (2014). Capacitação de agentes educacionais: proposta de desenvolvimento de estratégias inclusivas. Revista Brasileira de Educação Especial, 30(3), 371-386.) após realizarem uma capacitação sobre como contribuir no ensino de habilidades básicas de leitura com seus respectivos filhos com TEA e DI.

No que concerne ao comportamento dos pais em relação ao fornecimento de elogios, instruções e dicas aos seus filhos durante os jogos, acredita-se que eles atuaram de maneira mais reforçadora do que coercitiva, o que aparentou ser uma situação benéfica para a aprendizagem de novos conteúdos, replicando os dados encontrados no estudo de Benitez e Domeniconi (2012Benitez, P.; Domeniconi, C. (2012). Verbalizações de familiares durante aprendizagem de leitura e escrita por deficientes intelectuais. Estudos de Psicologia, 29(4), 553-562., 2014Benitez, P.; Domeniconi, C. (2014). Capacitação de agentes educacionais: proposta de desenvolvimento de estratégias inclusivas. Revista Brasileira de Educação Especial, 30(3), 371-386.).

A respeito do delineamento utilizado, foi possível verificar que, embora tenha sido possível investigar o repertório das crianças com TEA, ao longo do procedimento antes e depois do ensino de cada conjunto de palavras, não foi possível investigar exatamente o quanto os jogos contribuíram para o ensino. Notou-se que existem indícios da importância dos jogos na situação de aprendizagem, principalmente quando aplicados pelos pais (inclusive pela ocorrência de leitura nestas situações e não nas formais de teste informatizado), mas o momento em que os testes ocorreram não permitiu que fosse avaliada consistentemente a vantagem dessa situação de aprendizagem. Embora a avaliação do envolvimento dos pais na aprendizagem de leitura das crianças possa ser considerada com um alvo secundário do presente estudo, ela é extremamente relevante para a área e estudos futuros poderiam inserir testes entre as duas condições de ensino (informatizado e via jogos) para assim poder avaliar o efeito isolado de cada uma dessas situações.

Diante dos dados obtidos no estudo, sugere-se para pesquisas futuras: 1. Refinar o delineamento, inserindo testes intercalados entre sessões no computador e nos jogos para obter um controle maior da eficácia do ensino, tanto com a utilização dos jogos como com o uso do currículo informatizado; 2. Ensinar as sílabas utilizadas nas palavras no início do procedimento ou aumentar o número de palavras dissílabas ensinadas, visando aumentar a possibilidade de que a leitura recombinativa seja observada.

Conclusões

O procedimento de ensino proposto no presente trabalho foi suficiente para ensinar habilidades básicas de leitura, por meio de uma rede relações, para crianças com TEA. Esses dados geram reflexões sobre estratégias alternativas inclusivas para o ensino do comportamento de ler, envolvendo crianças matriculadas nas escolas regulares, por meio da interação com seus pais.

Dada a variedade de comportamentos presentes no espectro autista, é fundamental ressaltar o repertório de entrada que as crianças com TEA participantes do estudo apresentavam. Eram crianças falantes, que identificavam figuras quando era solicitado, liam algumas sílabas que compunham as palavras utilizadas no procedimento. Isso significa que o procedimento de ensino proposto no estudo foi eficaz para esse público especificamente. E, por último, considera-se que o envolvimento dos pais durante a aplicação do procedimento proposto, em formato de jogo, foi importante para favorecer a interação entre a díade, além de criar condições para que os pais pudessem participar de maneira efetiva no processo escolar do seu filho com TEA.

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  • 2
    O artigo é oriundo de Dissertação1 1 Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Observatório de Educação (CAPES-OBEDUC). . Autora: Ana Rubia Saes Menotti. Título: Tarefas informatizadas e jogos aplicados pelos pais na aprendizagem de leitura por crianças com transtorno do espectro autista. Instituição: Universidade Federal de São Carlos. Ano de publicação: 2016.
  • 1
    Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Observatório de Educação (CAPES-OBEDUC).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2017
  • Aceito
    15 Ago 2018
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