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O impacto da fortificação de alimentos na prevenção da deficiência de ferro

The impact of food fortification on the prevention of iron deficiency

Resumos

Dentre as estratégias utilizadas para a prevenção da carência de micronutrientes, principalmente a anemia carencial ferropriva, considerada distúrbio nutricional de maior prevalência mundial, aponta-se a fortificação de alimentos como prioritária em termos de custo benefício. Vem sendo adotada nas últimas décadas em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ressalta-se que a efetivação das medidas nesses países foram obtidas somente a partir de decisões políticas que culminaram no caráter compulsório da fortificação. Dessa forma, diversos alimentos têm sido utilizados para a fortificação, mostrando-se eficientes, bem aceitos e tolerados, não exigindo necessariamente a cooperação do beneficiário. A adição de nutrientes deve ocorrer em alimentos que efetivamente participem da alimentação da região, com regularidade, e após avaliação do estado nutricional da população alvo. E ainda, todo programa de fortificação deve ser monitorado, o alimento a ser fortificado deve ser consumido em quantidades que não apresentem variação considerável de um indivíduo para o outro, não sofrer mudanças importantes em suas características sensoriais (cor, odor e sabor), não alterar o seu custo final e imprescindível comprovação de sua efetividade através de estudos científicos.

Anemia ferropriva; deficiência de ferro; alimentos fortificados


Among strategies used for the prevention of micronutrient deficiencies, especially iron-deficiency anemia, considered the most prevalent nutritional disorder worldwide, food fortification is a priority in terms of cost benefit. In recent decades food fortification policies have been adopted in many developed and developing countries. The introduction of such measures was achieved only by political decisions that culminated in enforced fortification. Thus, several foods are efficiently used for fortification as they are well accepted and tolerated and do not necessarily require the cooperation of the recipient. Addition of nutrients should occur in foods that are regularly eaten in the specific region after assessment of the nutritional status of the target population. Every food fortification program should be monitored as fortified foods should: 1. be consumed in quantities that do not vary greatly between individuals; 2. not have significant changes in color, odors or taste; 3. not be significantly more expensive; and 4. have had their effectiveness proven by scientific studies.

Anemia; iron deficiency


REVISÃO / REVIEW

O impacto da fortificação de alimentos na prevenção da deficiência de ferro

The impact of food fortification on the prevention of iron deficiency

Eliana P. VellozoI; Mauro FisbergII

INutricionista. Pesquisadora, supervisora do Ambulatório de Adolescência Geral e Obesidade do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo/EPM

IIMédico pediatra. Coordenador clínico e professor associado do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo. Professor orientador da Pós-Graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria da Universidade Federal de São Paulo/EPM. Coordenador científico da Força Tarefa Estilos de Vida Saudável ILSI Brasil

Correspondência Correspondência: Mauro Fisberg Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente Rua Botucatu, nº 715 - Vila Clementino Tel.:/Fax.: (55 11) 5576-4360 04023-062 - São Paulo-SP - Brasil E-mail: mauro.fisberg@gmail.com

RESUMO

Dentre as estratégias utilizadas para a prevenção da carência de micronutrientes, principalmente a anemia carencial ferropriva, considerada distúrbio nutricional de maior prevalência mundial, aponta-se a fortificação de alimentos como prioritária em termos de custo benefício. Vem sendo adotada nas últimas décadas em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ressalta-se que a efetivação das medidas nesses países foram obtidas somente a partir de decisões políticas que culminaram no caráter compulsório da fortificação. Dessa forma, diversos alimentos têm sido utilizados para a fortificação, mostrando-se eficientes, bem aceitos e tolerados, não exigindo necessariamente a cooperação do beneficiário. A adição de nutrientes deve ocorrer em alimentos que efetivamente participem da alimentação da região, com regularidade, e após avaliação do estado nutricional da população alvo. E ainda, todo programa de fortificação deve ser monitorado, o alimento a ser fortificado deve ser consumido em quantidades que não apresentem variação considerável de um indivíduo para o outro, não sofrer mudanças importantes em suas características sensoriais (cor, odor e sabor), não alterar o seu custo final e imprescindível comprovação de sua efetividade através de estudos científicos.

Palavras-chave: Anemia ferropriva; deficiência de ferro; alimentos fortificados.

ABSTRACT

Among strategies used for the prevention of micronutrient deficiencies, especially iron-deficiency anemia, considered the most prevalent nutritional disorder worldwide, food fortification is a priority in terms of cost benefit. In recent decades food fortification policies have been adopted in many developed and developing countries. The introduction of such measures was achieved only by political decisions that culminated in enforced fortification. Thus, several foods are efficiently used for fortification as they are well accepted and tolerated and do not necessarily require the cooperation of the recipient. Addition of nutrients should occur in foods that are regularly eaten in the specific region after assessment of the nutritional status of the target population. Every food fortification program should be monitored as fortified foods should: 1. be consumed in quantities that do not vary greatly between individuals; 2. not have significant changes in color, odors or taste; 3. not be significantly more expensive; and 4. have had their effectiveness proven by scientific studies.

Key words: Anemia; iron deficiency.

Introdução

A Nutrição exerce um papel extremamente importante e definitivo na promoção da saúde de uma população, o que lhe atribui caráter essencial no planejamento de ações e programas em saúde pública. Uma alimentação nutricionalmente adequada, durante a infância e adolescência, propicia o crescimento e desenvolvimento de acordo com o potencial genético, menor risco de doenças na fase adulta e senil e melhor qualidade de vida.

Entretanto, várias situações podem impedir que esse objetivo seja alcançado, como os erros e restrições alimentares, o inadequado aproveitamento dos nutrientes, a hiperatividade, aumento das demandas nutricionais, situações patológicas instaladas, processos infecciosos, o metabolismo individual e a depleção de reservas.

Devemos considerar que a alimentação é fundamental para a prevenção das deficiências nutricionais, mas, quando estas se fazem presentes, exercem um efeito direto tanto para o indivíduo como para o País. Os conhecimentos disponíveis sobre a participação dos micronutrientes em várias funções primordiais e o impacto que exercem sobre o metabolismo intermediário têm despertado interesse da comunidade científica pela investigação do estado nutricional de micronutrientes em outros segmentos populacionais, objetivando subsidiar estratégias de intervenção nutricional.

As evidências acumuladas sugerem importante papel das deficiências de micronutrientes como fator predisponente, agravante na fisiopatologia de diversas doenças crônicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, a hipertensão, o diabete mellitus, a obesidade, alguns tipos de câncer, a osteoporose, entre outras enfermidades.1

Esses achados estão contribuindo para a valorização da prática clínica da avaliação do estado nutricional, além de apontar para a necessidade de uma maior ênfase no protocolo de nutrição, objetivando o aumento do consumo de micronutrientes pela população.

Com relação à deficiência de ferro no Brasil, causa mais comum da anemia, várias pesquisas têm demonstrado sua alta prevalência na população. Sabe-se que, além dos fatores determinantes dessa grave situação, a manifestação sistêmica mais preocupante da anemia ferropriva é, contudo, o comprometimento no desenvolvimento cognitivo, comportamental, e na coordenação motora não só pelo menor índice de suspeita como também pela dificuldade diagnóstica, severidade e apresentação tardia.2

No mais extenso estudo longitudinal (19 anos) publicado até o momento, na Costa Rica, os autores indicam que lactentes anêmicos avaliados depois de prolongado e efetivo tratamento, comparados com controles não anêmicos, continuam a apresentar menores escores em testes motores, pior desempenho cognitivo e de aprendizado e maior frequência de distúrbios comportamentais até a adolescência, independentemente de outros fatores associados à anemia.3

Foi estimado para dez países em desenvolvimento (Bangladesh, Índia, Paquistão, Mali, Tanzânia, Egito, Omã, Bolívia, Honduras e Nicarágua) que as perdas anuais decorrentes da diminuição da produtividade física devido à deficiência de ferro sejam 3,64 USD por pessoa, ou 0,81% do PIB, e que a mediana das perdas físicas e cognitivas seja 16,78 USD por pessoa ou 4,05% do PIB. Calcula-se que a perda de produtividade associada à anemia seja 5% em trabalhos leves, 17% para trabalhos pesados e 4% quando se envolvem todos os tipos de trabalhos.4

Além da diminuição da produtividade, existe um custo para o poder público e privado com as medidas terapêuticas no combate à anemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) questiona a possibilidade da formação de capital humano não qualificado, em longo prazo, devido ao menor desenvolvimento mental em crianças com anemia. E ainda propõe a graduação da anemia com relação ao nível de significância em saúde publica para os diversos países em:5

Leve - quando a prevalência situa-se entre 5% e 19,9%;

Moderada - com prevalência entre 20% e 39,9%;

Severa - quando a prevalência for igual ou maior que 40% .

Prevenção atual no combate à anemia ferropriva

A anemia por deficiência de ferro é uma epidemia global que requer ação urgente. Por isso, várias abordagens para o seu combate têm sido estudadas e aplicadas. Existem várias estratégias as quais podem ser utilizadas para contribuir na diminuição e prevenção e tratamento da anemia, mas a abordagem atual consiste em três eixos: (1) na diversificação alimentar com ênfase nos alimentos de melhor biodisponibilidade, (2) suplementação medicamentosa e (3) fortificação de alimentos, sendo que cada uma oferece vantagens distintas, principalmente quando se pretende alcançar populações específicas. Desse modo, tais medidas não devem ser concedidas isoladamente, mas sim como componentes essenciais de um programa, cujo objetivo é aumentar o aporte de ferro.

Diversificação alimentar

A diversificação alimentar refere não só ao acesso ao alimento, mas, também, a outros fatores, como a condição econômica para adquiri-lo, biodisponibilidade e aproveitamento do ferro ingerido diretamente ligados ao hábito alimentar. Dependendo da forma como este mineral é encontrado no alimento, pode haver diferenças muito grandes entre eles, pela relação com os fatores estimuladores e inibidores de sua utilização presentes numa mesma refeição.

Com base nos estudos de absorção de ferro, foram desenvolvidos alguns algoritmos para predizer a biodisponibilidade na alimentação. Monsen6 apresenta um algoritmo em que, a partir da concentração de ácido ascórbico e do total de carne de uma refeição e, evidentemente, do total de ferro heme e não heme, pode-se inferir a porcentagem de ferro biodisponível, considerando três níveis de reserva de ferro - baixa, média e alta biodisponibilidade.

Suplementação medicamentosa

A implementação do programa de suplementação medicamentosa, para grupos etários específicos, embora eficaz, apresenta algumas desvantagens. A necessidade de uso prolongado, dificuldade de acesso ao medicamento, distribuição inadequada pela rede de saúde, sabor metálico e pouco agradável, possibilidade de efeitos colaterais, como escurecimento dos dentes, fezes e varias alterações gastrintestinais, como diarreias, vômitos, náuseas, flatulência e obstipação, levam ao abandono do tratamento, restringindo a efetividade dessa forma de prevenção.

Considera-se que a suplementação medicamentosa possua também, como limitações, o fato de não envolver todos os grupos de risco para anemia e de depender do conhecimento e motivação dos profissionais de saúde7,8,9 e, ainda, o insuficiente suporte e a falta de monitoramento.

De acordo com Olivares,10 a suplementação profilática de ferro é um método útil que deve ser indicado quando a população de risco não tiver acesso a alimentos fortificados, ou, ainda, quando há requerimentos nutricionais muito elevados; nesse caso, é recomendável a utilização por curto período de tempo. O autor sugere ainda a necessidade de motivação e educação adequadas como uma medida necessária para aumentar a efetividade dessa estratégia.

Fortificação alimentar

Princípios básicos da fortificação de alimentos

A fortificação é largamente considerada como sendo a mais prática abordagem e a que apresenta melhor relação custo-efetividade a médio e longo prazos.11 Alterações no padrão do consumo alimentar, o aumento da ingestão de alimentos industrializados, juntamente com as perdas nutricionais durante seu processamento e armazenamento, têm levado à prática de adição de vitaminas e minerais aos alimentos processados, de modo a reduzir as deficiências da população, além de eficaz estratégia para contribuir na prevenção e diminuição da anemia ferropriva em vários países desenvolvidos.

Vários países da América do Sul e Central também instituíram a fortificação de alimentos como recurso de combate às deficiências nutricionais. Países como Costa Rica, Chile, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Porto Rico, entre outros, possuem políticas de enriquecimento. A efetivação das medidas foi obtida somente a partir de decisões políticas que culminaram no caráter compulsório da fortificação.

Segundo a Food and Drug Administration (FDA),12 alimentos enriquecidos, fortificados e com vitaminas agregadas são termos semelhantes que podem ser utilizados como alternativa para a adição de uma ou mais vitaminas, minerais ou proteínas ao alimento.

Para a adição ou fortificação de nutrientes essenciais aos alimentos, o Food and Agriculture Organization/World Health Organization Standardization Food Program13 estabeleceu alguns princípios gerais:

• Os nutrientes essenciais devem estar presentes em um nível que não irá resultar em uma ingestão excessiva ou insignificante do nutriente adicionado, considerando a quantidade obtida de outras fontes na dieta;

• A adição de um nutriente essencial para uma alimentação não deve resultar em um efeito adverso sobre o metabolismo de qualquer outro nutriente;

• Os nutrientes essenciais devem ser suficientemente estáveis nos alimentos, nas condições usuais de embalagem, armazenamento, distribuição e utilização;

• Os nutrientes essenciais devem ser biologicamente disponíveis no alimento;

• Os nutrientes essenciais não devem transmitir características indesejáveis ao alimento e não devem indevidamente encurtar a vida de prateleira;

• Tecnologia e instalações de processamento devem estar disponíveis para permitir a adição de nutrientes essenciais de forma satisfatória;

• A adição de nutrientes essenciais aos alimentos não deve ser usada para ludibriar o consumidor quanto ao valor nutricional dos alimentos;

• O custo adicional deve ser razoável para o consumidor a que se destina;

• Métodos de medição e controle dos níveis de nutrientes essenciais adicionados nos alimentos devem estar disponíveis;

• Devem ser previstos, em normas alimentares, regulamentos ou orientações para a adição de nutrientes essenciais aos alimentos, disposições específicas identificando os nutrientes essenciais a serem considerados, ou que sejam necessários, e os níveis em que eles devem estar presentes nos alimentos para alcançar sua finalidade.

Fortificação de alimentos no Brasil

No Brasil, o Ministério da Saúde14 por meio da Secretaria de Vigilância Sanitária, baixou a Portaria nº 31, de 13 de janeiro de 1998, com o objetivo de fixação da identidade e das características mínimas de qualidade dos alimentos adicionados de nutrientes essenciais, dentre as ações voltadas para a prevenção e controle da anemia ferropriva.

O processo de fortificação/enriquecimento, ou simplesmente de adição, é aquele no qual se acresce ao alimento de acordo com parâmetros legais, um ou mais nutrientes, contidos ou não naturalmente no mesmo, com o objetivo de reforçar seu valor nutritivo, inclusive aquele eventualmente perdido no processamento industrial, e prevenir ou corrigir alguma deficiência em um ou mais nutrientes na alimentação da população em geral ou de seus grupos de risco.

Após este processo, o alimento é dito fortificado/enriquecido, ou simplesmente adicionado de nutrientes, conforme o teor de nutrientes acrescido. Logo, deve ficar claro que alimento fortificado/enriquecido é diferente de alimento adicionado. O alimento pronto para consumo em 100 mL ou 100 g deve fornecer, em relação à IDR (Ingestão Diária Recomendada), de referência:

• mínimo de 15% para alimentos líquidos e 30% no caso de alimentos sólidos é considerado fortificado/enriquecido e podendo ser declarado no rótulo o dizer: "alto teor" ou "rico" (conforme o Regulamento Técnico de Informação Nutricional Complementar).

Em maio de 1999, o governo brasileiro, sociedades civis e científicas, organismos internacionais, indústrias de alimentação e o setor produtivo firmaram o Compromisso Social para a redução da anemia por carência de ferro no Brasil, propondo a adição de ferro das farinhas de trigo e milho, por serem dois produtos de amplo consumo popular, de baixo custo no Brasil e consumido por crianças a partir do desmame.15

No entanto, foi no ano de 2000 que o Ministério da Saúde solidificou essa proposta através da Resolução nº 15 de 21 de fevereiro.16

Apenas em 18/12/2002 foi aprovado o Regulamento Técnico que tornou obrigatória a fortificação das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico, através da Resolução RDC nº 344 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), do Ministério da Saúde.

Essa medida compulsória, desde junho de 2004, estabelece que cada 100 g do produto deve fornecer, no mínimo, 4,2 mg de ferro, o que representa 30% da IDR de adulto, e 150 mcg de ácido fólico, o que corresponde a 37% da IDR de adulto.17

E ainda em 11/08/2009 institui a Comissão Interinstitucional para Implementação, Acompanhamento e Monitoramento das Ações de Fortificação de Farinhas de Trigo, de Milho e de seus Subprodutos, através da Portaria nº 1.793.18

Tipos de fortificação

Atualmente a OMS reconhece quatro categorias de fortificação, são elas:

1) Fortificação universal ou em massa: geralmente ocorre de forma obrigatória e consiste na adição de micronutrientes a alimentos de consumo pela maioria da população. É indicada em países onde vários grupos populacionais apresentam risco elevado para deficiência de ferro;

2) Fortificação em mercado aberto: iniciativas das indústrias de alimentos, com o objetivo de agregar maior valor nutricional aos seus produtos;

3) Fortificação focalizada ou direcionada: que visa o consumo dos alimentos enriquecidos por grupos populacionais de elevado risco de deficiência e esta pode ser obrigatória ou voluntária, de acordo com a significância em termos de saúde publica;

4) Fortificação domiciliar comunitária: tem sido considerada e explorada em países em desenvolvimento. Pode ter sua composição programada, é de fácil aceitação pelo público alvo, porém, apresenta ainda custo elevado, diferente das outras formas e requer que a população seja orientada. Neste tipo de fortificação geralmente são adicionados suplementos às refeições.

Estão incluídos principalmente os sprinkles, que são micronutrientes pulverizados sobre os alimentos, e os spreads, geralmente uma composição densa em gordura e micronutrientes, visando também a recuperação nutricional.

Pesquisas quanto à biofortificação, ou a modificação genética de plantas, como arroz e feijão, milho e outros alimentos, encontram-se em fase de estudos e podem vir a ser outra possibilidade de levar alimentos mais ricos em micronutrientes à população.19

Biodisponibilidade de ferro e sais de ferro

A biodisponibilidade do ferro presente na refeição depende dos fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores intrínsecos estão relacionados com as mudanças fisiológicas que ocorrem no organismo, como idade, sexo, necessidades do individuo, doenças e outros. Os fatores extrínsecos estão relacionados diretamente com a alimentação do indivíduo.

Dessa forma, a biodisponibilidade dos minerais pode sofrer influências negativas, pela presença de fitatos, polifenóis, oxalatos, taninos e flavonoides, ou positivas, pela presença de ácido ascórbico, inicialmente citado, ácido cítrico, lactose e frutose. O efeito negativo dos fitatos e de outros componentes associados à fração fibra alimentar na absorção de alguns minerais foi reavaliado a partir do momento em que se levou em consideração a passagem destes complexos para as porções distais do intestino.20

Pela fermentação bacteriana, frutooligossacarídios e inulina, galactoligossacarídios, lactulose e outros oligossacarídios resistentes, bem como polióis e amidos resistentes à digestão no intestino delgado, são intensamente metabolizados, proporcionando desta forma ambiente favorável para absorção destes minerais no intestino grosso.21,22 Esses efeitos, no entanto, estão intimamente relacionados à natureza do carboidrato fermentável e à concentração do mineral, ambos parecem ser influenciados pela matriz alimentar.

Portanto, o consumo de prebióticos, como inulina, oligofrutose, frutooligossacarídios (FOS), glicoligossacarídios e galactoligossacarídios, estimulam a absorção e retenção de minerais, em particular o cálcio, magnésio e ferro. Estes têm sido amplamente investigados e demonstrados pela utilização de diferentes protocolos experimentais.23-26 Porém, a maioria dos experimentos foi realizada em ratos.

Essa observação da relação benéfica entre prebióticos, quanto à absorção de minerais, mostra-se adequada como ingredientes inovadores para utilizações em formulações de alimentos enriquecidos também com ferro.

Quanto à escolha da fonte de ferro para fortificar um produto alimentício, esse é um grande desafio, pois o ferro é o micronutriente que possui a maior complexidade técnica, e as formas de ferro de maior biodisponibilidade são altamente reativas e tendem a produzir alterações nas características organolépticas dos alimentos, limitando a quantidade de ferro a ser adicionada na fortificação.

Os principais compostos de ferro utilizados na fortificação de alimentos são:

• Compostos solúveis em água, como o sulfato ferroso, gluconato ferroso e o lactato ferroso, são considerados ferro de alta biodisponibilidade, mas apresentam a grande desvantagem de interagirem com a matriz alimentar, principalmente modificando suas características sensoriais, podendo-se utilizá-los apenas para fortificar alimentos estocados por curtos períodos. O sulfato ferroso apresenta boa estabilidade, e os efeitos do processamento e cozimento são desprezíveis;27 os alimentos fortificados mais comuns encontrados com esse tipo de sal são as fórmulas infantis, massas, farinhas de cereais28 e farinhas de panificação.

• Compostos pouco solúveis em água e solúveis em ácidos diluídos, como o fumarato e o succinato ferroso. Geralmente não causam tantas alterações organolépticas e são mais utilizados em cereais infantis e achocolatados em pó.

• Compostos insolúveis em água e fracamente solúveis em soluções ácidas diluídas, tais como o pirofosfato férrico, ortofosfato, ferro elementar, eletrolítico, carbonila e H- reduzido. Não sofrem alterações nas características organolépticas, mas apresentam a grande desvantagem de possuir baixa biodisponibilidade do ferro, uma vez que não são diluídos no suco gástrico.29

• Compostos protegidos apresentam a vantagem de serem mais resistentes às influências do meio, diminuindo as interações com outros nutrientes e ingredientes. Melhoram a retenção do mineral no produto final, possibilitando melhora na biodisponibilidade. São eles quelatos de aminoácidos, compostos encapsulados (sulfato ferroso, fumarato ferroso) e ácido etilenodiamino tetraacético de sódio e ferro (NaFeEDTA).

Uma pesquisa realizada por Latorre, em 2005,30 com representatividade de aproximadamente 60% do mercado brasileiro de farinhas de trigo, constatou, dentre outros, que o ferro reduzido é o produto mais utilizado pelos moinhos, para fortificar as farinhas de trigo de uso industrial e doméstico, devido ao baixo custo.A nossa experiência com fortificação de alimentos nos faz acreditar que o tema ainda é uma vertente a ser discutida tanto no meio acadêmico quanto governamental e institucional, de modo a estabelecer medidas de prevenção e controle da anemia nos diferentes estratos da população.

Contudo, tal discussão necessita ser embasada em certos preceitos, com o objetivo de formatar um programa de fortificação efetivo seja em termos de saúde e custo x benefício. E os aspectos a considerar são:

a) análise da situação epidemiológica/etiologia da anemia;

b) identificação de grupo alvo;

c) decisão sobre freqüência da ingestão, dosagem, duração da suplementação;

d) apresentação do produto;

e) custo;

f) formas de distribuição;

g) recursos humanos (quantidade, tempo, capacitação);

h) comunicação;

i) possíveis efeitos adversos negativos (clínicos, sociais, culturais);

j) monitoramento e avaliação dos programas, de modo a acompanhar: (1) o estado nutricional, (2) a qualidade da alimentação consumida; (3) o desempenho de alimentos enriquecidos com ferro na concentração das frações sanguíneas; (4) a eficácia do alimento enriquecido na prevenção da deficiência de ferro.

Considerações finais

Para que a fortificação de alimentos possa ser uma medida bastante eficaz no combate à deficiência de ferro, deve-se priorizar a seleção do alimento que será veículo do micronutriente, para que faça parte do hábito alimentar da população e abranja grande parte da mesma; propiciar que o consumo do alimento seja regular, mas sem que haja risco de excessos, para evitar eventuais efeitos tóxicos; manter as características e aceitabilidade do alimento após a fortificação, para evitar sua rejeição, e ainda propiciar que o alimento fortificado tenha baixo custo, para evitar que não possa ser adquirido.

No entanto, essa introdução deve ser totalmente amparada e acompanhada por dispositivos técnicos e legais, e estudos que comprovem sua necessidade, de forma segura às populações de risco. Estes estudos devem abranger a identificação da prevalência da anemia, a avaliação do estado nutricional periodicamente, a adequação tecnológica, para assegurar que o micronutriente esteja disponível e seja consumido pela população alvo e o monitoramento constante nos programas de intervenção.

Recebido: 20/12/2009

Aceito: 16/01/2010

Suporte financeiro: O professor Fisberg recebeu auxílios viagem e presta assessoria nutricional ocasional a Abbott, Danone, Kraft, Nestlé, Purac, Mantecorp e Nycomed.

O tema foi sugerido e avaliado pelo coeditor deste fascículo educativo, Rodolfo Delfini Cançado, e pelo board interno da RBHH, e publicado após a concordância do editor, Milton Artur Ruiz.

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  • Correspondência:

    Mauro Fisberg
    Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente
    Rua Botucatu, nº 715 - Vila Clementino
    Tel.:/Fax.: (55 11) 5576-4360
    04023-062 - São Paulo-SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Dez 2009
    • Aceito
      16 Jan 2010
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