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Diferenças nos hábitos alimentares entre pais e filhos equatorianos relacionadas ao excesso de peso

Resumo

Objetivos:

avaliar a concordância entre hábitos de consumo de alimentos relatados pelos pais e seus filhos e relacionar à prevalência de excesso de peso.

Métodos:

estudo transversal. A concordância foi analisada pelo Kappa e McNemar. As discrepâncias em relação com excesso de peso foram realizadas por regressão logística.

Resultados:

se observou alto grau de discordância Kappa -0.02-0.31 (p≤0.01) McNemarp≤0.01. A prevalência de excesso de peso entre escolares não mostrou nenhuma diferença em relação às discrepâncias, exceto com a declaração de fazer dieta (OR: 1.79 IC95%: 1.49-2.14).

Conclusões:

as informações relatadas pelos pais mostraram discordância, masnão variaram com o excesso de peso.

Palavras-chave
Obesidade; Hábitos alimentares; Nutrição

Abstract

Objectives:

to evaluate the concordance of food consumption habits declared by parents and by their children, and relate it to excess weight prevalence.

Methods:

cross-sectional study. Concordance was analysed by Kappa and McNemar tests. The analysis of the discrepancies against excess weight was made by logistic regression.

Results:

we found high levels of discrepancy between parents and children: Kappa -0.02-0.31 (p≤0.01), McNemar p≤0.01. Excess weight did not vary in terms of the discrepancies, except for the affirmation of following a diet (ORadjusted: 1.79; CI95%: 1.49-2.14).

Conclusions:

agreement between parents and their children demonstrated discordance, but did not influenced on excess weight.

Key words
Obesity; Food habits; Nutrition

Introdução

O excesso de peso (sobrepeso e obesidade) é definido como um desequilíbrio entre a ingestão do alimento e o consumo da energia que fornece.11 Komaroff M. For Researchers on Obesity: Historical Review of Extra Body Weight Definitions. J Obes [periódico online]. 2016 [acesso em 23 jun 2016]; 2016. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4904092/
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Esse problema é bem complexo, devido ao fato de que múltiplos fatores etiológicos (genéticos, psicológicos, mudanças hormonais, entre outros) estão envolvidos.22 Mathews EK, Wei J, Cunningham SA. Relationship between prenatal growth, postnatal growth and childhood obesity: a review. Eur J ClinNutr [periódico online]. 2017 [acesso em 3abr 2017]; 2017. Disponível em: http://www.nature.com/ejcn/journal/vaop/ncurrent/full/ejcn2016258a.html
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É um sério problema de saúde pública, não apenas em países de média e alta renda, mas também em países de baixa renda; especialmente entre crianças e adolescentes.33 Bibiloni MDM, Pons A, Tur JA. Prevalence of Overweight and Obesity in Adolescents: A Systematic Review. Hindawi Publ Corp. 2013. Doi:10.1155/2013/392747
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,44 Rivera J. Á, de Cossío T. G, Pedraza L. S, Aburto T. C, Sánchez T. G, Martorell, R. Childhood and adolescent over- weight and obesity in Latin America: a systematic review. Lancet Diabetes Endocrinol. 2014; 2 (4): 321-32. No Equador, que ascendeu da categoria de baixa renda para a de alta renda nos últimos nove anos com altos investimentos em saúde e educação,55 Malo-Serrano M, Malo-Corral N. Reforma de salud en Ecuador: nunca más el derecho a la salud como un privilegio. Rev Peru Med Exp Salud Pública. 2014; 31 (4): 754-61. a prevalência de excesso de peso em 2012 entre a população com idade entre 5 e 11 anos foi de 29,9%, e de 26,0% naqueles com idade entre 12 e 19 anos.66 Encuesta Nacional de Salud y Nutrición - ENSANUT | Ministerio de Salud Pública [periódico on line]. [acesso em 15 nov 2015]. Disponível em: http://www.salud.gob.ec/encuesta-nacional-de-salud-y-nutricion-ensanut/
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A população com idade inferior a 19 anos representa 30% do total de equatorianos.77 Censo de Población y Vivienda 2010. Instituto Nacional de Estadísticas y Censo de Ecuador. Ecuador [periódico on line]. [acesso em 24 jun 2016]. Disponível em: http://www.inec.gob.ec/cpv/
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Durante a infância, os pais têm uma forte influência nos hábitos alimentares de seus filhos, uma situação que muda na adolescência, um período no qual o indivíduo começa a assumir o controle de sua alimentação. Independentemente dessas características, ambos os períodos são cruciais em relação ao crescimento e desenvolvimento e crianças e adolescentes podem adquirir e/ou modificar aqueles hábitos alimentares associados com excesso de peso.88 Moreno L. A, Rodriguez G, Fleta J, Bueno-Lozano M, Lazaro A, Bueno G. Trends of DietaryHabits in Adolescents. Crit Rev Food Sci Nutr. 2010; 50 (2): 106-12.

Vários autores coincidem na definição dos hábitos alimentares como um conjunto de costumes e manifestações repetitivas que condicionam o modo com o qual os indivíduos consomem alimentos, e são baseados diretamente ou indiretamente em práticas socioculturais.99 Valdés J, Rodríguez Artalejo F, Aguilar L, JaénCasquero M. B, Royo-Bordonada M. Á. Frequency of family meals and childhood overweight: a systematic review: Family meals and children overweight. PediatrObes. 2013; 8 (1): e1-13.,1010 Rodrigo CP, Escauriaza BA, Aranceta J, Allúe IP. Evaluación de la ingesta en niños y adolescentes: problemas y recomendaciones. RevEspNutr Comunitaria. 2015; 21 (Supl. 1): 72-80.

Comportamento alimentar é um fenômeno complexo, embasado em fatores condicionantes de esfera política, econômica, social e cultural. Eles refletem interações entre pessoas, bem como as influências de circunstâncias ambientais, socioeconômicas, cognitivas e psicológicas. Além disso, procurar comida é uma necessidade biológica, e uma resposta a uma série de sinais hormonais periféricos, constituindo uma fonte de prazer. Todos esses conceitos agrupados determinam padrões de consumo alimentar.1111 Macias A.I, Gordillo L.G, Camacho E.J. Hábitos alimentarios de niños en edad escolar y el papel de la educación para la salud. Rev Chil Nutr. 2012; 39 (3): 40-3.,1212 Domínguez-Vásquez P, Olivares S, Santos J.L. Influencia familiar sobre la conducta alimentaria y su relación con la obesidad infantil. Arch Latinoam Nutr. 2008; 58 (3): 249.

Num estudo transversal, sobre crianças de 12 escolas municipais em Quito, Equador, que incluiu 6.964 estudantes com idade entre 9 e 17 anos, a prevalência de excesso de peso foi estimada, bem como sua associação com fatores como hábitos alimentares, sedentarismo e sua autoimagem corporal. A análise foi realizada admitindo um erro de 3% no máximo. Detalhes do modelo do estudo podem ser encontrados em publicações que derivaram deste.1313 Romero-Sandoval N, Ruiz Vinueza V, Quizanga J, Recalde R, Anchali E, Falconí J, Flores O, Martín M. "Quito municipal schools" cohortstudy: Baselineresults. Open J Epidemiol. 2012; 2 (3): 70-4.

14 Romero-Sandoval N, Guanopatin A, Gallegos G, Collaguazo A, Sáenz P, Latorre V, Egas V, Flores O, Utzet M, Martín M. Breakfast habits and family structure associated with overweight and obesity in general basic students, Ecuador. Br J Med Med Res. 2013; 3 (1): 128-39.
-1515 Romero-Sandoval N, Flores O, Egas C, Villamar G, Larrea Z, Cruz M, Icaza L, Martín, M. Quito Municipal Schools-Cohort Study: Self-Perception of Body Image and Factors Related with It. Open J Epidemiol. 2014; 4:122-28. A prevalência geral encontrada para excesso de peso foi de 26,6% (IC95%= 25,8-27,4), variando com gênero e idade.1313 Romero-Sandoval N, Ruiz Vinueza V, Quizanga J, Recalde R, Anchali E, Falconí J, Flores O, Martín M. "Quito municipal schools" cohortstudy: Baselineresults. Open J Epidemiol. 2012; 2 (3): 70-4. Frequentar uma escola que pertence a uma distrito administrativo de cidade de baixa renda, pertencer a uma família nuclear (pai, mãe e filhos), comer sozinho, seguir uma dieta, não tomar café-da-manhã, comer fast-foods e sedentarismo foram todos associados com excesso de peso.1414 Romero-Sandoval N, Guanopatin A, Gallegos G, Collaguazo A, Sáenz P, Latorre V, Egas V, Flores O, Utzet M, Martín M. Breakfast habits and family structure associated with overweight and obesity in general basic students, Ecuador. Br J Med Med Res. 2013; 3 (1): 128-39.

Dentre essa linha de pesquisa, e dado o papel fundamental dos pais na aquisição dos hábitos alimentares dos filhos, nós convidamos os pais dos estudantes a participarem, com o propósito de investigar concordâncias e discrepâncias entre eles, enquanto respondem as mesmas perguntas. Relativamente poucos estudos analisaram a concordância sobre hábitos alimentares entre a pais e filhos, bem como a relação dessas variáveis com o excesso de peso.1616 Hirschler V, Gonzalez C, Talgham S, Jadzinsky M. Do mothers of overweight Argentinean preschool children perceive them as such? Pediatr Diabetes. 2006; 7 (4): 201-4. No entanto, a autoimagem corporal e o excesso de peso foram estudados seguindo esse esquema, e foi constatado que quando as crianças se percebiam como obesas, seus pais as viam como estando com peso normal.1717 Lim C.S, Schuman S.L, Crawford M.J, Silverstein J, Janicke D.M. Child and Caregiver Reports of Weight Control Behaviors in Pediatric Obesity. Child Obes Former Obes Weight Manag. 2012; 8 (5): 477-483.,1818 Wen X, Hui S.S.C. Chinese parents' perceptions of their children's weights and their relationship to parenting behaviours: Parents' perception of children's weight and parenting behaviours. Child Care Health Dev. 2011; 37 (3): 343-51.

Com esse background, propusemos a avaliação de discrepâncias entre estudantes e seus pais concernentes a hábitos e frequências alimentares, para que as avaliássemosem termos de prevalência de excesso de peso entre crianças. O propósito que justifica essa análise é o de obter informação que possa contribuir para estratégias de prevenção ao excesso de peso, assumindo que os pais são largamente ignorantes dos hábitos alimentares de seus filhos.

Métodos

Estudo transversal observacional. Para a presente análise, nós selecionamos estudantes cujos pais responderam inteiramente o questionário do estudo supracitado (n=4.047/6.964; 58,1%). Os pais/tutores possuíam entre 25 e 74 anos, numa média de 40,0 anos (DP 7,0), enquanto o 75opercentil caiu para 46 anos de idade para homens, e 43 anos para mulheres. No total, houve 2.794 mães/tutores (70,1%) com idades entre 25 e 74 anos, média de 39,3 anos (DP 6,8).

Um questionário auto administrado foi preenchido por pais e seus filhos.1919 Manual de Instrumentos de Evaluación Dietética. Publicación INCAP No. 16. Publicación INCAP MDE/156. Guatemala: Instituto de Nutrición de Centro América y Panamá [periódico on line]. [acesso em 24 jun 2016]. Disponível em: 9http://www.incap.int/index.php/es/publicaciones/doc_view/77-manual-de-instrumentos-de-evalua- cion-dietetica
9http://www.incap.int/index.php/es/publi...
,2020 Encuesta Nacional de salud-Cuestionario de Menores. España: Ministerio de Sanidad y Consumo-Instituto Nacional de Estadísticas [periódico on line]. [acesso em 24 jun 2016]. Disponívelem: http://www.msssi.gob.es/estadEstudios/estadisticas/encuestaNacional/encuesta2011.htm
http://www.msssi.gob.es/estadEstudios/es...
O questionário foi enviado em um envelope selado para pais que responderam ele em casa, e encaminharam ele de volta para escola através dos filhos, depois de quinze dias. O mesmo questionário foi respondido em sala de aula pelas crianças, na presença de seu professor e de um pesquisador treinado. Pais e filhos que aceitaram voluntariamente participar do estudo assinaram um termo de consentimento informado, e os dados foram analisados anonimamente.

Os hábitos alimentares analisados foram: tomar café-da-manhã, seguir alguma dieta, comer sozinho, com respostas sendo sim ou não. Frequências de consumo de frutas, vegetais e comidas não-saudáveis (lanches, bebidas contendo açúcar, fast-food , doces e bolos) foram originalmente analisados em termos de cinco categorias (muito frequentemente/frequentemente/ocasionalmente/raramente/nunca), e subsequentemente recategorizados em duas opções com o objetivo de obter uma tabela multidimensional com um número analisável de situações, dada a quantidade de dados disponíveis. A variável 'discrepância de risco' foi construída com base em um nível de concordância entre respostas dadas pelos pais e por seus filhos. A Tabela 1 apresenta as definições de variáveis de estudo, o nível de discrepância considerado ser de risco, e a frequência absoluta de respostas válidas.

Tabela 1
Definições de variáveis de estudo, e frequências absolutas de respostas válidas para o cálculo de uma ‘discrepância de risco.

Excesso de peso foi definido com base nos critérios da Organização Mundial da Saúde (≥ 85º percentil específico para cada grupo de idade e sexo),2121 De Onis M, Onyango A.W, Borghi E, Siyam A, Nashidaa C, Siekmanna J. Elaboración de un patrón OMS de crecimiento de escolares y adolescentes. Bull World Health Organ. 2007; 85: 660-7. em duas categorias (presente, ausente); crianças foram agrupadas em dois limites de idade (9 a 12 anos, e 13 a 19).

A análise estatística consistiu em três partes:

  1. Análise de um possível viés de não-resposta em termos de sexo, idade, excesso de peso, tipo de família e localização da escola dentro da zona administrativa. Foi assumido que diferenças abaixo de 3%, ainda que estatisticamente significativas, não foram relevantes para o presente estudo.

  2. Análise das discrepâncias entre pais e seus filhos, nas respostas das seis variáveis sob estudo. Diferenças entre duas opiniões sobre o mesmo tópico sempre envolveram concordância/discordância aleatórias, e portanto, nós conduzimos uma análise Kappa, que identifica concordâncias além do que for esperado do acaso.2222 Zidan M, Thomas RL, Slovis TL. What you need to know about statistics, part II: reliability of diagnostic and screening tests. Pediatr Radiol. 2015; 45 (3): 317-28. Similarmente, discrepâncias entre opiniões foram contrastadas com uso do teste exato McNemar (binomial p exato), que determinou tendências da discrepância, além do que fosse atribuído ao acaso.

  3. Análise da associação entre as categorias de discrepância consideradas como "de risco" ou, de outro modo, em relação ao excesso de peso, usando modelos bivariados. A força da associação foi expressa como uma Razão de Prevalência (RP) bruta, e Odds ratio (OR). Um modelo logístico foi adaptado para estudar a OR associada entre o fenômeno do excesso de peso em crianças e as discrepâncias de risco presentes entre pais e seus filhos, ajustando de acordo com idade e sexo da criança, e com o sexo dos pais.

Resultados

Análise de viés de não-resposta

A taxa de não-resposta foi de 41,9% dos 6.964 estudantes que participaram do estudo original. Entre estudantes femininas, a participação dos pais foi de 60,1%, enquanto entre pais de estudantes masculinos foi de 55,9% (χ2= 12,0; p <0,01). Entre os estudantes do sexo masculino com idade entre 9 e 12 anos foi de 59,5%, comparado a 51,2% entre aqueles com idade entre 13 e 17 anos (χ2= 22,43; p <0,01) enquanto entre estudantes do sexo feminino, as figuras correspondentes para os dois grupos de idade foram de 60,4% e 59,7%, respectivamente (χ2= 0,19; p =0,67).

Não houve diferenças significativas na taxa de resposta dos pais em termos das variáveis excesso de peso, tipo de família, se o estudante toma café-da-manhã ou não, se segue uma dieta, se come sozinho, se comeu fruta, se comeu vegetais ou comidas não-saudáveis.

Análise das discrepâncias entre pais e filhos

A análise das discrepâncias em respostas entre pais e filhos mostrou que as crianças que declararam não tomar café-da-manhã enquanto seus pais declararam o contrário foi de 3,7% (148/4.039), enquanto a discrepância de crianças que declararam ter tomado café-da-manhã enquanto seus pais declaram o oposto foi de 9,7% (392/4.1039). Em relação a crianças que relataram seguir uma dieta enquanto seus pais afirmaram que eles não o fizeram, a discrepância foi de 13,9% (575/4.140), enquanto que para a situação inversa a figura foi de 6,3% (260/4.140). Em relação a comer sozinho, 21,0% das crianças declararam terem feito enquanto seus pais declararam o inverso (872/4.153), enquanto que a discrepância entre crianças que declararam não terem comido sozinhas enquanto seus pais declararam o inverso foi de 9,8%(406/4.153). Os resultados do teste McNemar foram significativos para todas as três análises (p <0,01).

Em relação ao consumo de frutas, a proporção das crianças que declaram ter feito enquanto seus pais disseram que não foi de 22.5% (847/3.750) e para a situação reversa a figura foi de 9,0% (338/3.787). Para vegetais, 18,2% 9681/3.734) declararam consumir enquanto seus pais disseram que não, e 14,7% (550/3.734) disseram que não, mas seus pais declaram que sim. Finalmente, 71,9% (2.722/3.787) das crianças declararam não consumir comidas não saudáveis embora seus pais respondessem que eles comiam, enquanto a figura para a situação inversa foi de 3,3% (126/3.787). Mais uma vez, em todas as três situações, o teste McNemar detectou uma assimetria que não seria esperada ao acaso, p <0,01.

Nas seis variáveis estudadas, a concordância entre pais e filhos nas suas opiniões apresentaram valores Kappa alcançando entre -0,02 e 0,31, todos sendo significativos (p <0,01), e indicativos de uma concordância pobre ou nula.

Associação entre discordâncias e excesso de peso

A Tabela 2 apresenta os resultados da relação de dois sentidos entre discrepâncias consideradas como "de risco" e excesso de peso, idade, sexo dos estudantes e sexo do pai ou mãe que responde. Nessa parte da análise, nós achamos a máxima prevalência de excesso de peso em estudantes do sexo masculino (31,6%; RP= 1,30, IC95%=1,17-1,143), no grupo com idade entre 9 e 12 anos (32,7%; RP= 1,49; IC95%= 1,35-1,66), e quando quem respondeu foi a mãe (67,3%; RP= 1,14; IC95%= 1,03-1,27). Entre o grupo de crianças que declarou consumir comidas não saudáveis, e que seus pais declararam que eles não o fizeram, existiu uma probabilidade 12% maior deque apresentassem excesso de peso (28,5%; RP=1,12, IC95%= 0,99-1,25).

Tabela 2
Associações em dois sentidos entre exceso de peso e fatores sob estudo.

A Tabela 3 apresenta os resultados das análises multivariadas entre os fatores sob estudo e o excesso de peso. Deve ser observado que a idade entre 9 e 12 anos, estudante de sexo masculino e presença de "discrepância de risco" em relação à criança seguir uma dieta permaneceu significativo depois de se ajustar outros fatores, e que o sexo do pai ou mãe que respondeu perdeu sua significância.

Tabela 3
Associações multivariadas entre excesso de peso e fatores estudados.

Discussão

A análise relatada nesse artigo, que envolveu um conjunto de estudantes que apresentaram uma prevalência de excesso de peso similar em relação às figuras oficiais, descobriu que a participação dos pais não era homogênea, definindo-a em termos das características analisadas em suas crianças.

No grupo mais jovem de crianças, foram principalmente as mães quem participaram, e no grupo mais velho, ambos os paisaparentaram perder o interesse em responder o questionário, no entanto, as diferenças em características de crianças entre aqueles pais que responderam e os que não, enquanto significativas devido ao grande número de casos, de fato estiveram abaixo da margem de precisão (3%) definida no estudo original.

A maior presença das mães no grupo de crianças com idade entre 9 e 12 anos pode estar refletindo o papel da mãe como uma cuidadora, tomando a responsabilidade pela saúde da criança e na alimentação da família,2323 Gil-Romo S.E.P, Coria S.D-U. Food and nutrition studies in Mexico: a gender perspective. Salud Pública México. 2007; 49 (6): 445-53. enquanto no grupo com crianças mais velhas, a participação de ambos os pais diminuiu, indicando um aumento no grau de independência atribuído a adolescentes.

Esses achados iniciais foram a motivação para a nossa aspiração de analisar o conhecimento sobre atitudes alimentares que os pais têm em relação aos seus filhos, com o propósito de estudar uma futura melhoria na política de prevenção de obesidade, não focando apenas nas crianças, mas também seus pais. A justificativa para essa ideia é que foi demonstrado de forma consistente que, comparada à obesidade na infância, a obesidade na adolescência é um forte indicador de obesidade na fase adulta, a probabilidade de que a obesidade na adolescência vá persistir na fase adulta cresceu 80%.2424 Naja F, Hwalla N, Itani L, Karam S, Sibai AM, Nasreddine L. Western dietary pattern is associated with overweight and obesity in a national sample of Lebanese adolescents (13-19 years): a cross-sectional study. Br J Nutr. 2015; 114 (11): 1909-19.

Dados nossos achados, a discrepância concernindo hábitos alimentares declaradas pelas crianças e o que os seus pais acreditam mostram, além de uma concordância tecnicamente baixa, a tendência na discrepância que conceitualmente representa um risco aumentado de obesidade. Em suma, foi achada uma considerável ignorânciapor parte dos pais em relação a se seus filhos se alimentavam de maneira saudável (frutas e vegetais), se tomam café-da-manhã ou não, se seguem uma dieta ou não, ou se comem sozinhos ou não. Sem esses dados seria muito difícil visualizar a ignorância dos pais sobre os hábitos alimentares de seus filhos. Isso representa uma condição prévia na aceitação de que existe um problema (obesidade) e uma proposta de soluções (políticas públicas de saúde, atenção preventiva primária, secundária e terciária; cura e reabilitação).2525 Lobstein T, Jackson-Leach R, Moodie M.L, Hall K.D, Gortmaker S.L, Swinburn B.A, James P, Wang Y, McPherson K. Child and adolescent obesity: part of a bigger picture. Lancet. 2015; 385 (9986): 2510-20.,2626 Royo-Bordonada M.Á. Can the advertising and food industries help prevent childhood obesity and promote healthy lifestyles? Gac Sanit. 2013; 27 (6): 563.

Em outros termos, a discordância encontrada entre pais e filhos em estudos que lidam com áreas como nutrição, atividade física e hábitos alimentares em casa relatada em outros estudos, como, por exemplo que pais vejam seus filhos obesos como normais em termos de peso e altura, ou lidam com a discordância de pais me relação a pressões na alimentação de seus filhos adolescentes,1616 Hirschler V, Gonzalez C, Talgham S, Jadzinsky M. Do mothers of overweight Argentinean preschool children perceive them as such? Pediatr Diabetes. 2006; 7 (4): 201-4.,2727 Gordon NP, Mellor RG. Accuracy of parent-reported information for estimating prevalence of overweight and obesity in a race-ethnically diverse pediatric clinic population aged 3 to 12. BMC Pediatr. 2015; 15 (1): 1. são um tópico complexo, dado que um foco preventivo nos hábitos alimentares familiares devem abranger todos os membros da família, envolvendo-os em ações para que se mudem os hábitos ou se promova melhorias.

Os achados desse estudo, de concordância não-existente ou pobre, são devidos à proporção atribuída ao acaso da concordância observada ter sido removida, uma vez que sem essa correção a concordância seria considerada ingênua.

De todas as discrepâncias consideradas como de risco, entre as analisadas aqui, apenas aquela que se referia a crianças afirmando que seguiam uma dieta sem seus pais saberem foi associada a mais obesidade nas crianças (RP=1.44; IC95%= 1,29-1,60). As outras discrepâncias não foram associadas com excesso de peso, um aspecto que é alarmante desde que reflete, em certo sentido, o fato de que hábitos alimentares arriscados relatados pelas crianças são aqueles que, no final, condicionam a presença de excesso de peso.

Essa realidade condiciona as estratégias educacionais junto aos pais, uma vez que se por um lado eles não sabem realmente como seus filhos se alimentam de modo geral, algo que pode ser visto como falta de interesse por parte dos pais pelos hábitos alimentares de seus filhos adolescentes, que faz com que os filhos não sigam regras (desobediência), e, por outro lado, mostra de que é necessário lidar com os efeitos desses fatos na saúde de seus filhos.

No modelo multivariado as relações significativas do sexo e da idade das crianças com excesso de peso persistiram, como também foi verificado em análises anteriores que não levaram os pais em consideração. O efeito da discrepância em relação a seguir uma dieta não mudou significativamente após ser ajustado para as variáveis remanescentes, e o único termo que perdeu significância foi o sexo do pai ou mãe participante (ORbruta= 1,20; IC95%= 1,03-1,39; ORajustada= 1.08; IC95%= 0,91-1,28).

Foi visto que práticas e estilos alimentares os pais não estão associados com a qualidade da dieta dos filhos ou seu peso; entretanto, os comportamentos alimentares das crianças foram vistos estarem associados a um baixo IMC, quando se relacionam com as práticas alimentares dos pais.2828 Vollmer R.L, Mobley A.R. Parenting styles, feeding styles, and their influence on child obesogenic behaviors and body weight. A review. Appetite. 2013; 71: 232-41.-2929 D'Avila GL, Müller R.L, Gonsalez P.S, Vasconcelos FAG. The association between nutritional status of the mother and the frequency and location of and company during meals and overweight/obesity among adolescents in the city of Florianópolis, Brazil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2015;15 (3): 289-99.

Esse estudo tem as seguintes limitações: 1) não possuímos informação socioeconômica sobre pais que pudessem estar influenciando a taxa de não- resposta, bem como as respostas propriamente ditas, 2) não conhecemos o estado civil do pai ou mãe participante, o que dificulta a análise de diferentes situações ligadas ao cuidado das crianças, que pode aparecer em famílias com pais ou mães solteiros, nem sabemos se os pais que participaram vivem em tempo integral com seus filhos; 3) finalmente, os requerimentos éticos do estudo impossibilitam a identificação de irmãos entre as crianças, consequentemente, em alguns casos, é difícil identificar a resposta dos pais.

Em conclusão, as discrepâncias entre os hábitos alimentares das crianças, tais como relatadas por seus pais, não são aleatórias e demonstram ignorância considerável por parte dos pais. A discrepância mais séria, em relação ao excesso de peso de estudantes, desconsiderando idade ou sexo, é o fato de que eles declaram seguir dietas sem o conhecimento de seus pais, a significância de outras discrepâncias tendeu a ser limítrofe. Finalmente, a identificação dessas discrepâncias é fundamental para que se empreenda futuras intervenções educa- cionais e preventivas, tanto em meio acadêmico quanto de saúde.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2016
  • Aceito
    25 Abr 2017
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