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Utilizando o brinquedo terapêutico instrucional durante a admissão de crianças no hospital: percepção da família

RESUMO

Objetivo:

Compreender, na perspectiva da família, o significado de admitir a criança no hospital com a utilização do brinquedo terapêutico instrucional.

Método:

Pesquisa fenomenológica realizada com 12 famílias de crianças de quatro a nove anos, recém-admitidas em um hospital público e de ensino, no interior do Estado de São Paulo, no período de outubro a dezembro de 2016. Estas participaram de uma sessão de brinquedo terapêutico instrucional com foco nos procedimentos realizados na admissão hospitalar - aferição de peso, altura, sinais vitais e coleta de exames. As famílias, por sua vez, foram convidadas a participar de entrevista fenomenológica no dia seguinte à sessão.

Resultados:

O brinquedo terapêutico instrucional colaborou na compreensão dos procedimentos terapêuticos, modificando o comportamento da criança. Também foi ressaltada, pelas famílias, a necessidade de o brinquedo ser incorporado como cuidado de enfermagem.

Conclusão:

Diante dos benefícios para a criança, a família acredita que esta estratégia deva ser executada como cuidado de enfermagem rotineiro e, portanto, realizada sistematicamente durante a hospitalização infantil.

Palavras-chave:
Criança hospitalizada; Jogos e brinquedos; Enfermagem pediátrica; Cuidados de enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To understand, from the family’s perspective, the meaning of admitting the child in the hospital with the use of the instructional therapeutic play.

Method:

A phenomenological research with 12 families of children aged four to nine years old, recently admitted to a public and teaching hospital, in the inland of the state of São Paulo, from October to December 2016. They participated in an instructional therapeutic play session focusing on the procedures performed at hospital admission: weight, height, and vital sign measurements and test collection. The families, in turn, were invited to participate in a phenomenological interview the day after the session.

Results:

The instructional therapeutic play collaborated in the therapeutic procedures by understanding and modifying the child’s behavior. Also stressed by the families was the need for the toy to be incorporated as nursing care.

Conclusion:

Given the benefits to the child, the family believes that this strategy should be performed as a routine nursing care and, therefore, performed systematically during child hospitalization.

Keywords:
Child; hospitalized; Play and playthings; Pediatric nursing; Nursing care

RESUMEN

Objetivo:

Comprender, en la perspectiva de la familia, el significado de hospitalizar al niño con el uso de un juguete terapéutico instructivo.

Método:

Investigación fenomenológica realizada de octubre a diciembre de 2016 con 12 familias de niños de cuatro a nueve años, recién internados en un hospital público y de enseñanza, en el interior del estado de São Paulo. Participaron en una sesión de juguete terapéutico instructivo enfocada en los procedimientos realizados al momento de la internación: medición de peso, altura y signos vitales, y recolección de exámenes. Por su parte, se invitó a las familias a participar en una entrevista fenomenológica al día siguiente de la sesión.

Resultados:

El juguete terapéutico instructivo ayudó a comprender los procedimientos terapéuticos, modificando el comportamiento del niño. Las familias también resaltaron la necesidad de que el juguete se incorporara como cuidado de enfermería.

Conclusión:

Dados los beneficios para el niño, la familia cree que esta estrategia debe implementarse como cuidado rutinario de enfermería y, por lo tanto, realizarse sistemáticamente al momento de la internación de los niños.

Palabras clave:
Niño internado; Juego e implementos de juego; Enfermería pediátrica; Atención de enfermería

INTRODUÇÃO

O cuidar humanizado implica na compreensão e na a valorização da pessoa humana enquanto sujeito inserido em um contexto social e com uma história prévia. Para tal, é essencial que a equipe de saúde seja sensível e tenha empatia em relação a cada binômio criança-família, pois, para eles, o cuidado humanizado engloba a aproximação paciente-profissional, a comunicação efetiva e sincera, o apoio emocional bem como a qualidade do cuidado realizado à criança11. Andrade RC, Marques AR, Leite ACAB, Martimiano RR, Santos BD, Pan R, et al. Necessidades dos pais de crianças hospitalizadas: evidências para o cuidado. Rev Eletr Enf. 2015;17(2):379-94. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v17i2.30041
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Destarte, pode-se dizer que o cuidado humanizado visa atender à criança de forma integral, ou seja, cuidar dela levando em consideração as necessidades físicas, emocionais, sociais e espirituais, além da inclusão da família. Nessa lógica, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura que, quando a criança necessitar de hospitalização, “os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um responsável”, sendo, em geral, um membro da família22. Câmara dos Deputados (BR). Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata. 16ª ed. Brasília (DF): Edições Câmara; 2017[cited 2018 Sep 10]. Available from: https://central3.to.gov.br/arquivo/407632/
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:12).

Tal proposta encontra-se atrelada à necessidade da enfermagem em incluir a família no seu processo de trabalho e, assim, assumir um olhar ampliado, pautado nas relações interpessoais e na parceria entre equipe, criança e família, uma vez que o bem-estar de um afeta diretamente a condição do outro33. Caleffi CCF, Rocha PK, Anders JC, Souza AIJ, Burciaga VB, Serapião LS. Contribution of structured therapeutic play in a nursing care model for hospitalised children. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.58131
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Visando realizar uma assistência fundamentada na Política Nacional de Humanização (PNH), preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, considerando as necessidades e direitos da criança conforme determina o ECA, o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), por meio da Resolução n.º 0546/2017, afirma que compete à Equipe de Enfermagem que atua na área pediátrica a utilização da técnica do Brinquedo Terapêutico (BT) na assistência à criança hospitalizada e à família. Além disso, afirma que a utilização do BT pode ser realizada por qualquer profissional de enfermagem, desde que supervisionada pelo enfermeiro capacitado para tal44. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução nº 0546/2017, de 09 de maio de 2017. Atualização da norma para utilização da técnica do Brinquedo/Brinquedo Terapêutico pela Equipe de Enfermagem na assistência à criança hospitalizada. Brasília (DF): Cofen; 2017[cited 2018 Sep 10]. Available from: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/RES.-546-17.pdf
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A inserção do BT na assistência à criança reforça o brincar como uma das necessidades intrínsecas à infância, independente de a criança estar ou não doente, pois a infância é um período marcado por descobertas na qual a criança aprende a lidar com o mundo ao seu redor. Deste modo, o brincar atua como o trabalho da criança, possibilitando o desenvolvimento saudável e favorecendo o relacionamento com as outras pessoas55. Ribeiro RLR, Fonseca ES, Borba RIH, Ribeiro CA. Education, health and citizenship: strategies to the warranty of the rights of hospitalized children and adolescents. R Educ Públ. 2013[cited 2018 Apr 29];22(49/2):503-23. Available from: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/viewFile/930/731
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O BT consiste em uma técnica não diretiva, permitindo que a criança, por meio do brincar, expresse sentimentos, represente seu mundo interno e externo, deixando de ser um sujeito passivo e se transformando em sujeito ativo. Além disso, o BT também colabora no esclarecimento de conceitos errôneos33. Caleffi CCF, Rocha PK, Anders JC, Souza AIJ, Burciaga VB, Serapião LS. Contribution of structured therapeutic play in a nursing care model for hospitalised children. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.58131
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,66. Green CS. Understand children’s need through therapeutic play. Nursing. 1974;4(10):31-2. .

O BT, no que se refere às suas modalidades, pode ser instrucional, dramático ou capacitador das funções fisiológicas. O Brinquedo Terapêutico Instrucional (BTI) é utilizado para preparar a criança para a hospitalização e procedimentos terapêuticos; já o Brinquedo Terapêutico Dramático (BTD) permite que a criança exteriorize seus sentimentos e reviva situações desagradáveis, na tentativa de dominá-las; por fim, o Brinquedo Terapêutico Capacitador das Funções Fisiológicas permite capacitar a criança a manter ou a melhorar suas condições físicas77. Vessey JA, Mahon MM. Therapeutic play and the hospitalized children. J Pediatr Nurs. 1990;5(5):328-33..

Em vista disso, o enfermeiro, como um dos responsáveis pelo cuidado da criança, deve ter, além do conhecimento técnico científico, atitudes de afeto, respeito, empatia, criatividade e ludicidade, uma vez que é preciso estabelecer vínculo, dado que o contexto hospitalar traz grande impacto a criança e à família, causando medo, ansiedade, angústia e mudanças de comportamento88. Facio BC, Matsuda LM, Higarashi IH. Pediatric rooming-in: understanding the negotiation between nurses and caregivers. Rev Eletr Enf . 2013;15(2):447-53. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v15i2.17419
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Dessa forma, o brinquedo/BT atua de forma a facilitar a interação profissional-criança, favorecendo a realização dos procedimentos de maneira menos dolorosa e invasiva e mais humanizada, uma vez que, quando uma criança precisa ser hospitalizada, ela pode ficar duplamente doente já que é privada do convívio com a família e com amigos, havendo mudanças em sua rotina bem como procedimentos frequentes88. Facio BC, Matsuda LM, Higarashi IH. Pediatric rooming-in: understanding the negotiation between nurses and caregivers. Rev Eletr Enf . 2013;15(2):447-53. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v15i2.17419
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. O brinquedo pode, também, amenizar sentimentos de revolta, depressão e tristeza advindos da associação que a criança faz da hospitalização a um castigo ou punição88. Facio BC, Matsuda LM, Higarashi IH. Pediatric rooming-in: understanding the negotiation between nurses and caregivers. Rev Eletr Enf . 2013;15(2):447-53. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v15i2.17419
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-1010. Sabino AS, Esteves AVF, Oliveira APP, Silva MVG. The parents’ knowledge on the care process through play. Cogitare Enferm. 2018[cited 2019 Jul 29];23(2):e52849. Available from: https://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/52849/pdf
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Portanto, o preparo da criança para procedimentos no ambiente hospitalar, como aferição de peso, altura, sinais vitais (SSVV) e coleta de exames, logo na admissão hospitalar, em especial, utilizando o brinquedo terapêutico, pode proporcionar resultados positivos, uma vez que o BT é capaz de proporcionar tranquilidade, coragem e calmaria às crianças, facilitando a comunicação, a participação, a aceitação de procedimentos e possibilitando a implementação do cuidado atraumático à criança e a sua família1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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Diante do exposto e por entender que a utilização do brinquedo terapêutico instrucional no preparo para os procedimentos de admissão no hospital parece-nos ideal para minimizar os efeitos adversos da hospitalização, favorecendo sua compreensão sobre os procedimentos rotineiros e estimulando sua participação neles, emergiu a seguinte pergunta de pesquisa: qual a percepção da família sobre a utilização do brinquedo terapêutico instrucional no momento da admissão da criança no hospital?

Sendo assim, o objetivo deste estudo é compreender, na perspectiva da família, o significado de admitir a criança no hospital utilizando o brinquedo terapêutico instrucional.

MÉTODO

Para desvelar o fenômeno em questão e buscar responder à pergunta da pesquisa: qual a percepção da família sobre a utilização do BT no momento da admissão da criança no hospital, para orientá-lo sobre os procedimentos rotineiros, como aferição de peso, altura, sinais vitais e coleta de exames, o caminho escolhido foi a pesquisa qualitativa, em especial, a de abordagem fenomenológica1212. Martins J, Bicudo MAV. Pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos -básicos. 5ª ed. São Paulo: Centauro; 2005..

A Fenomenologia busca compreender os fenômenos vividos, os quais não dependem de causas e respostas ou explicações, uma vez que a cada desvelamento há um velamento contido, fazendo com que mais interrogações emerjam. Busca também compreender o significado que os sujeitos atribuem ao vivenciar determinado fenômeno, sendo este tudo que se mostra, manifesta-se e provoca, na consciência, interrogações1212. Martins J, Bicudo MAV. Pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos -básicos. 5ª ed. São Paulo: Centauro; 2005.-1313. Santos RP, Neves ET, Carnevale F. Qualitative methodologies in health research: interpretive referential of Patricia Benner. Rev Bras Enferm. 2016;69(1):192-6. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690125i
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O cenário da pesquisa foi uma Unidade de Internação Pediátrica (UIP) de um hospital de ensino, terciário, público, localizado no interior do estado de São Paulo. Este trabalho foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o Parecer número 1.682.576, no ano de 2016.

O critério de inclusão para esta pesquisa, foram famílias de crianças de 3 a 10 anos, faixa etária recomendada para o BT, recém admitidas na UIP, que tiveram seus filhos acolhidos por meio de sessão de BTI com foco nos procedimentos da admissão hospitalar - aferição de peso, altura, sinais vitais e coleta de exames de sangue, com duração de até 30 minutos, realizado no leito da criança. Já os critérios de exclusão consistiram em famílias de crianças que tinham alguma restrição em participar da sessão de BTI, como crianças em precaução e/ou crianças com problemas neurológicos não contactuantes, além daquelas fora da faixa etária recomendada. A seleção das famílias foi, também, intencional e auxiliada pela equipe de saúde da UIP, que indicava possíveis participantes conforme os critérios supracitados.

Assim que a criança e sua família eram recebidas e encaminhadas ao leito, a pesquisadora principal convidava a criança para brincar. A brincadeira se iniciava com a história de uma criança que precisou estar no hospital para receber cuidados de acordo com a necessidade de cada criança. Na boneca apresentada à criança, foram realizados todos os procedimentos de admissão, sempre solicitando sua ajuda, e, posteriormente, convidando-a repetir a história, caso fosse da sua vontade, além de sanar possíveis dúvidas sobre os procedimentos.

A família permanecia junto à criança, observando a brincadeira, sem interromper e/ou participar. Todos os brinquedos utilizados nas sessões de BTI seguiram a recomendação da literatura específica66. Green CS. Understand children’s need through therapeutic play. Nursing. 1974;4(10):31-2. .

Em até 24 horas após a sessão de BTI, o membro da família que acompanhou a criança durante a sessão foi convidado a participar de entrevista com a seguinte questão norteadora: conte-me como foi para você ver seu(sua) filho(a) (ou outro grau de parentesco) recebendo informações sobre a hospitalização com a ajuda de brinquedos.

As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora principal, de outubro a dezembro/2016, estando presente apenas ela, o participante e, algumas vezes, a criança. As famílias foram convidadas, individual e pessoalmente, ocasião na qual foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e solicitada a sua anuência. Além disso, às crianças foi apresentado o Termo de Anuência da Criança, descrito em linguagem gráfica a partir de desenhos que mostram uma criança brincando no hospital.

Foram convidadas 13 famílias, sendo que 12 aceitaram participar do estudo. Uma mãe recusou-se a participar, porém sem justificativa, embora a criança tenha participado da sessão de BTI.

Foi garantido à família o sigilo em relação à identidade e o direito à recusa ou desistência sem qualquer prejuízo no atendimento realizado pela instituição à criança. Os nomes dos familiares foram substituídos por nomes de personagens de histórias infantis. Dessa forma, foi definido para cada participante o nome dos sete anões da fábula Branca de Neve®, as fadas protetoras da Princesa Aurora da fábula A Bela Adormecida® e dois amigos de Dorothy da fábula O mágico de Oz®, a fim de que os familiares fossem simbolizados de acordo com seus comportamentos e relacionamento com as crianças.

As entrevistas, com duração de até 25 minutos, foram gravadas em áudio digital e transcritas na íntegra pela pesquisadora principal, sendo posteriormente analisadas de acordo com as recomendações de Martins e Bicudo1212. Martins J, Bicudo MAV. Pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos -básicos. 5ª ed. São Paulo: Centauro; 2005.: leitura global do conteúdo total do discurso; releitura atentiva, de modo a identificar as unidades de significados; diante dessas unidades de significados, buscaram-se convergências e divergências; elaboraram-se as categorias temáticas e, posteriormente, a síntese descritiva.

O encerramento das entrevistas se deu quando os discursos se mostraram suficientes para auxiliar o pesquisador a desvelar o fenômeno em questão, ou seja, quando se atingiu a saturação teórica1414. Frank, JR. (I can’t get no) Saturation: a simulation and guidelines for sample sizes in qualitative research. PLoS One. 2017;12(7):e0181689. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0181689
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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Compreendendo a perspectiva da família sobre a admissão da criança no hospital com a utilização do brinquedo terapêutico instrucional

A partir da análise dos discursos, diversas facetas sobre o fenômeno foram desveladas e compreendidas por meio das seguintes categorias temáticas:

  • - Brinquedo Terapêutico Instrucional - estratégia impulsionadora de mudanças no comportamento da criança

  • - Brinquedo Terapêutico Instrucional - colaboração efetiva na compreensão dos procedimentos terapêuticos pela criança

  • - Brinquedo Terapêutico Instrucional - cuidado de enfermagem essencial à criança

Brinquedo Terapêutico Instrucional - estratégia impulsionadora da mudança do comportamento da criança

A hospitalização, para a criança e para a família, é um período marcado por mudanças tanto de caráter físico quanto emocional. O primeiro é caracterizado pela mudança de ambiente, a imposição de rotinas e procedimentos, enquanto o segundo é considerado o grande responsável pelas possíveis desordens psicológicas e prejuízos no desenvolvimento infantil, caracterizado pela mudança de comportamento, o qual pode ser percebido durante a hospitalização e/ou posteriormente1515. Coyne I, Holmström I. Centeredness in healthcare: a concept synthesis of family-centered care, person-centered care and child-centered care. J Pediatr Nurs. 2018;42:45-56. doi:https://doi.org/10.1016/j.pedn.2018.07.001
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O profissional de enfermagem utilizando o BTI permite que a criança seja sujeito ativo do seu cuidado33. Caleffi CCF, Rocha PK, Anders JC, Souza AIJ, Burciaga VB, Serapião LS. Contribution of structured therapeutic play in a nursing care model for hospitalised children. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.58131
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,1616. Figueiredo CR, Lima CA, Prado PF, Leite MT. Brinquedo terapêutico no cuidado integral à criança hospitalizada: significados para o familiar acompanhante. Rev Unimontes Cient. 2015[cited 2017 Oct 18];17(2). Available from: http://www.ruc.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/401/337
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, o que foi evidenciado em um estudo comparativo que observou as diferenças de comportamentos das crianças que foram e as que não foram submetidas à técnica do BTI, frente à punção venosa1717. Lemos ICS, Oliveira JD, Gomes EB, Silva KVL, Silva PKS, Fernandes GP. Brinquedo terapêutico no procedimento de punção venosa: estratégia para reduzir alterações comportamentais. Rev Cuidarte. 2016;7(1):1163-70. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.303
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As crianças que receberam orientações sobre a punção venosa por meio do BTI demonstraram-se mais colaborativas durante o procedimento, verbalizando sobre suas dúvidas e mantendo uma postura relaxada1717. Lemos ICS, Oliveira JD, Gomes EB, Silva KVL, Silva PKS, Fernandes GP. Brinquedo terapêutico no procedimento de punção venosa: estratégia para reduzir alterações comportamentais. Rev Cuidarte. 2016;7(1):1163-70. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.303
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, o que indica um melhor manejo da dor e da ansiedade da criança diante de procedimentos estressantes e dolorosos1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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[...] ela se comportou bem. Ela, acho que na cabeça dela, ela lembrava no que você fazia com ela ontem, ensinando ela, ela não mexendo o braço. Perguntei pra moça se ela deu trabalho para tomar injeção, alguma coisa, ela falou que não deu trabalho nada. Ela sempre lembrando da bonequinha. (Dengoso)

[...] Ah, achei bom porque... quando, depois que as médicas colocaram soro sabe? Na veia dela, ela chorou um pouquinho, mas não assustou tanto. Depois que você mostrou o brinquedo, ela ficou mais calma, tipo que não dói. Ela não fez tanto escândalo, ela viu não era nada daquilo. (Atchim)

Por conseguinte, algumas famílias relataram que o BTI foi importante para não assustar a criança e, ainda, favorecer a tranquilidade no momento do procedimento. Apesar disto, um familiar considerou como discreta a diferença de comportamento, embora significativa. No entanto, evidencia-se que o familiar utilizou do conhecimento adquirido no momento do preparo para explicar e apoiar a criança.

[...] Então, ela teve uma boa melhora. Uma diferença, por exemplo na hora de tirar o sangue ontem, de fazer uma medicação eu falei pra ela: “você lembra da bonequinha? Então, você tem que fazer que nem a bonequinha!” Então assim, ela ficou mais calma. Então teve uma diferença assim, pouca mas assim, significativa. Porque ela estava bem agitada, aí eu fui conversando com ela, explicando, da mesma forma como foi mostrado pra ela, e teve uma boa diferença. (Soneca)

Embora a técnica do BTI tenha sido realizada com todas as crianças, cada indivíduo é único e reage a uma mesma situação de formas diferentes1717. Lemos ICS, Oliveira JD, Gomes EB, Silva KVL, Silva PKS, Fernandes GP. Brinquedo terapêutico no procedimento de punção venosa: estratégia para reduzir alterações comportamentais. Rev Cuidarte. 2016;7(1):1163-70. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.303
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. O estranhamento da criança frente ao ambiente hospitalar pode desencadear uma série de manifestações emocionais, sendo que a maneira mais comum de a criança expor seu desconforto, medo e dor é por meio do choro1818. Gomes GC, Nicola GDO, Souza NZ, Chagas MCS, Farias DFR, Xavier DM. Percepções da família acerca das dificuldades de adaptação da criança à hospitalização: subsídios para a enfermagem. Cogitare Enferm. 2013;18(4):767-74. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v18i4.34935
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Assim, as famílias puderam perceber que após as sessões de BTI, algumas crianças mantiveram o choro durante os procedimentos, mas, em contrapartida, mudaram comportamentos agressivos frente à equipe de enfermagem. Apoiadas no resgate do familiar sobre a experiência de ter sido orientados com o BTI, as crianças remetiam à situação demonstrada na boneca e se acalmavam.

[...] Ah, ela ficou calma, foi bom que depois que você mostrou a boneca. Foi bom para ela acalmar um pouco. (Atchim)

[...] da bonequinha que você está falando? É, ela deixou, está deixando, só que chora. Só tá chorando. Tem hora que ela não quer tomar os remédio. Aí está batendo [refere que a criança tenta bater nas mãos do profissional que realiza os procedimentos], se joga. Mais ela está bem assim, está deixando bastante. Quando eu falo seu nome e da boneca, ela fica com braço quieto, não puxa nada, mas chora, ainda chora. (Zangado)

Neste estudo, uma das famílias enfatizou a importância do uso do BTI no preparo da criança para o procedimento cirúrgico, pois, em hospitalizações anteriores, a questão do jejum era um fator estressante e difícil de ser compreendido pela criança. Após o uso do BTI, todavia, o preparo para o procedimento foi melhor aceito pela criança, favorecendo também a interação com a equipe.

A literatura reforça esta importância quando afirma que, após ser preparada para um procedimento com o uso de brinquedos, a criança consegue controlar melhor as suas emoções e colaborar com o procedimento ao qual será submetida55. Ribeiro RLR, Fonseca ES, Borba RIH, Ribeiro CA. Education, health and citizenship: strategies to the warranty of the rights of hospitalized children and adolescents. R Educ Públ. 2013[cited 2018 Apr 29];22(49/2):503-23. Available from: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/viewFile/930/731
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,1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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Eu esperava outra, outra reação dele. Mas ele interagiu muito bem. Aí a noite, quando ele ficou de jejum, ele não reclamou, isso ajudou no tratamento dele. Por que das outras vezes ele reclamava, porque ele queria comer, e dessa vez não. (Mestre)

A criança, quanto mais orientada sobre o que vai lhe acontecer, menos medo irá sentir. Uma vez que o uso do brinquedo terapêutico auxilia na compreensão dessa realidade, possibilita que ela experimente o procedimento ao qual será submetida de uma forma concreta. Além disso, a literatura afirma que as crianças que não recebem um preparo prévio e adequado antes de um procedimento desconhecido e/ou doloroso possuem mais dificuldade para lidar com a realidade e recorrem às fantasias1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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Desse modo, para a família, o BTI não só modificou o comportamento da criança, mas também foi determinante para a criança compreeder os procedimentos aos quais seria submetida.

Brinquedo Terapêutico Instrucional - colabora na compreensão dos procedimentos terapêuticos

O BTI é considerado um instrumento de comunicação, por meio do qual as crianças recebem orientações dos profissionais e esclarecem dúvidas, podendo ser capaz minimizar os efeitos negativos da hospitalação33. Caleffi CCF, Rocha PK, Anders JC, Souza AIJ, Burciaga VB, Serapião LS. Contribution of structured therapeutic play in a nursing care model for hospitalised children. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e58131. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.58131
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. A criança, ao ter oportunidade de manipular os materiais hospitalares, durante a sessão de BTI, depara-se com a possibilidade de compreender concretamente os procedimentos a serem realizados consigo1919. Pennafort VPS, Queiroz MVO, Gomes ILV, Rocha MFF. Brinquedo terapêutico instrucional no cuidado cultural da criança com diabetes tipo 1. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 3):1415-23. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0260
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Neste estudo, na perspectiva da família, o BTI colaborou com a criança no que diz respeito à compreensão dos procedimentos terapêuticos, já que a boneca utilizada foi lembrada tanto pela família quanto pela criança.

[...] ela teve a noite uma experiência na brincadeira com a boneca, para ela foi um aprendizado. (Dengoso)

Fiquei muito tranqüila quando percebi que ela entendeu, que ela estava sabendo o que ia acontecer com ela. (Leão)

O brincar, durante a sessão de BTI, possibilita aprendizado à criança, pois é oportunidade de lidar com a experiência invasiva e, potencialmente dolorosa, antes de vivenciá-la na realidade, aliviando o medo e a ansiedade decorrentes, algumas vezes, de pensamentos mágicos e/ou errôneos próprios da idade1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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. As famílias deste estudo demonstraram tal compreensão de que o BTI permite que a criança saiba, antecipadamente, o que vai acontecer com ela.

[...] parece que ele estava mais entendendo. Depois do brinquedo ele entendeu mais o procedimento [...] para mim foi melhor do que pegar ele de surpresa. (Feliz)

Durante a brincadeira, a criança é livre para criar e essa experiência torna-se real para ela, permitindo compreender o mundo ao seu redor1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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,1919. Pennafort VPS, Queiroz MVO, Gomes ILV, Rocha MFF. Brinquedo terapêutico instrucional no cuidado cultural da criança com diabetes tipo 1. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 3):1415-23. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0260
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
. O preparo prévio da criança com o BTI contribui significativamente para o predomínio de comportamentos indicativos de aceitação e adaptação da criança à situação, o que corrobora o discurso de Feliz citado acima2020. Paladino CM, Carvalho R, Almeida FA. Therapeutic play in preparing for surgery: behavior of preschool children during the perioperative period. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(3):423-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300006
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.

Um estudo realizado em um ambulatório infantil, na cidade de São Paulo, cujo objetivo foi identificar os comportamentos apresentados por crianças durante a aplicação da vacina, com e sem o preparo por meio do BTI, concluiu que o BTI facilita a compreensão e a aceitação dos procedimentos de enfermagem1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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, o que também corrobora os resultados do presente estudo.

Crianças que foram preparadas para cirurgia com o BTI demonstraram interesse em ouvir a história contada sobre o procedimento e foram capazes de reproduzir as informações assimiladas durante o preparo2020. Paladino CM, Carvalho R, Almeida FA. Therapeutic play in preparing for surgery: behavior of preschool children during the perioperative period. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(3):423-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300006
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. Dunga ratifica essa afirmação quando verbaliza que a contação de uma história durante o BTI proporcionou o entendimento da criança sobre determinada circunstância.

[...] foi tipo como se fosse uma historinha para ele. Para ele, quer dizer, na verdade ele entendeu assim. (Dunga)

Considerando que a criança durante a hospitalização já vivenciou ou irá vivenciar inúmeras experiências que envolvem dor e sofrimento, torna-se relevante ressaltar que o preparo da criança com o BT proporciona uma melhor compreensão do momento e maior tranquilidade1616. Figueiredo CR, Lima CA, Prado PF, Leite MT. Brinquedo terapêutico no cuidado integral à criança hospitalizada: significados para o familiar acompanhante. Rev Unimontes Cient. 2015[cited 2017 Oct 18];17(2). Available from: http://www.ruc.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/401/337
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, ainda mais em casos de crianças de 2 a 7, que são as mais vulneráveis aos efeitos negativos da hospitalização por possuírem as estruturas cognitiva e emocional ainda em desenvolvimento77. Vessey JA, Mahon MM. Therapeutic play and the hospitalized children. J Pediatr Nurs. 1990;5(5):328-33.,1717. Lemos ICS, Oliveira JD, Gomes EB, Silva KVL, Silva PKS, Fernandes GP. Brinquedo terapêutico no procedimento de punção venosa: estratégia para reduzir alterações comportamentais. Rev Cuidarte. 2016;7(1):1163-70. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.303
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,2020. Paladino CM, Carvalho R, Almeida FA. Therapeutic play in preparing for surgery: behavior of preschool children during the perioperative period. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(3):423-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300006
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.

O BT, também, está inserido no modelo de cuidado atraumático de assistência à criança, pressupondo o uso de intervenções apropriadas para minimizar ou eliminar o sofrimento físico e emocional da criança e de sua família no ambiente de cuidado à saúde1616. Figueiredo CR, Lima CA, Prado PF, Leite MT. Brinquedo terapêutico no cuidado integral à criança hospitalizada: significados para o familiar acompanhante. Rev Unimontes Cient. 2015[cited 2017 Oct 18];17(2). Available from: http://www.ruc.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/401/337
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, como exemplo o hospital.

Logo, os resultados apontam como sendo imperativo a utilização de estratégias que possibilitem à criança enfrentar situações hostis inerentes ao seu cotidiano, como o BTI, que será melhor explicitado na próxima categoria temática.

Brinquedo Terapêutico Instrucional - cuidado de enfermagem essencial à criança

O uso da técnica do BT está regulamentada pelo COFEN desde 200444. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução nº 0546/2017, de 09 de maio de 2017. Atualização da norma para utilização da técnica do Brinquedo/Brinquedo Terapêutico pela Equipe de Enfermagem na assistência à criança hospitalizada. Brasília (DF): Cofen; 2017[cited 2018 Sep 10]. Available from: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/RES.-546-17.pdf
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, entretanto, nos dias de hoje, percebemos que, devido à falta de um dimensionamento de pessoal de enfermagem adequado para o cuidado pediátrico2121. Oliveira CS, Maia EBS, Borba RIH, Ribeiro CA. Brinquedo Terapêutico na assistência à criança: percepção de enfermeiros das unidades pediátricas de um hospital universitário. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2015 [cited 2018 Nov 28];15(1):21-30. Available from: https://sobep.org.br/revista/images/stories/pdf-revista/vol15-n1/vol_15_n_2-artigo-de-pesquisa-3.pdf
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, temos uma grande lacuna no que diz respeito ao olhar direcionado à situação emocional da criança e da sua família.

Além da falta desse dimensionamento adequado, há a necessidade de contemplação da temática na formação, de modo que o enfermeiro não a veja apenas como uma tarefa a ser realizada, mas como um cuidado de enfermagem que trará benefícios à criança e, consequentemente, à sua família2121. Oliveira CS, Maia EBS, Borba RIH, Ribeiro CA. Brinquedo Terapêutico na assistência à criança: percepção de enfermeiros das unidades pediátricas de um hospital universitário. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2015 [cited 2018 Nov 28];15(1):21-30. Available from: https://sobep.org.br/revista/images/stories/pdf-revista/vol15-n1/vol_15_n_2-artigo-de-pesquisa-3.pdf
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.

Durante a realização das sessões de BTI, algumas famílias mencionaram que esse tipo de cuidado nunca havia sido realizado naquela unidade, enfatizando que o filho é hospitalizado frequentemente nesse ambiente, porém sendo a primeira vez com utilização de BTI.

[...] Porque isso nunca foi acontecer com a gente, a gente é paciente aqui há 10 anos e nunca aconteceu isso. (Mestre)

[...] Fique muito surpresa com esse cuidado para o meu filho porque nunca vi essa preocupação antes. (Espantalho)

Embora se conheça os benefícios advindos do BT, a sua utilização ainda é incipiente pelos profissionais da equipe de enfermagem. Familiares de crianças hospitalizadas no interior do estado de Minas Gerais, por exemplo, demonstraram-se surpresos ao terem contato com o BT, o que vem ao encontro da literatura quando esta afirma que os profissionais sabem da sua importância na assistência à criança, mas priorizam os cuidados físicos1616. Figueiredo CR, Lima CA, Prado PF, Leite MT. Brinquedo terapêutico no cuidado integral à criança hospitalizada: significados para o familiar acompanhante. Rev Unimontes Cient. 2015[cited 2017 Oct 18];17(2). Available from: http://www.ruc.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/401/337
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.

Outro aspecto apontado foi a diferença entre instituições hospitalares já frequentadas.

[...] É um método que, que não tem, lá no hospital de lá. (Dunga)

O brincar, como já dito anteriormente, é importante para a criança em diferentes contextos e com variadas finalidades. A família, por sua vez, percebeu o uso do BTI como uma brincadeira essencial durante o período de hospitalização, porém, cabe a equipe de enfermagem reconhecer a necessidade e os benefícios do BT, propiciando meios para a sua realização e incorporando-o de forma sistemática no cuidado diário prestado à criança hospitalizada1717. Lemos ICS, Oliveira JD, Gomes EB, Silva KVL, Silva PKS, Fernandes GP. Brinquedo terapêutico no procedimento de punção venosa: estratégia para reduzir alterações comportamentais. Rev Cuidarte. 2016;7(1):1163-70. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.303
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[...] Achei essencial, interessante que as crianças se distraem. Fica como uma brincadeira. (Fada Fauna)

[…] Eu nunca vi, nunca ninguém explicou nada para ela com brinquedo. (Leão)

As famílias de crianças submetidas a sessões de BTI passaram a confiar mais na equipe de saúde, sentindo-se tranquilas ao ver que a criança recebeu um cuidado individualizado, considerando tal estratégia favorável bem como acreditando que ela reduz o medo e acalma a criança1111. Pontes JED , Tabet E , Folkmann MAS , Cunha MLR , Almeida FA. Therapeutic play: preparing the child for the vaccine. Einstein. 2015[cited 2018 May 02];13(2):238-42. Available from: http://apps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/2967-238-242_port.pdf
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Em alguns discursos, os familiares valorizam o uso do BTI, compreendendo-no como parte do cuidado dos profissionais de enfermagem e recomendando que deva ser realizado frequentemente no ambiente hospitalar.

[...] Foi ótimo seu serviço, pode continuar. (Fada Flora)

[...] Eu achei muito interessante, essencial, eu achei muito bom. [...] Devia usar mais isso aqui no hospital. (Mestre)

[...] Aqui o atendimento foi bom para ela. Eu achei bom, não tem o que falar, eu achei muito bom. (Fada Primavera)

Os achados desse estudo revelam a importância do uso do BTI tanto para criança quanto para a sua família, o que corrobora os resultados de outras pesquisas. Estas reforçam que a utilização da técnica do BTI deve considerar a criança em diversos contextos, para além da hospitalização, considerando o brincar essencial para o desenvolvimento da criança e favorecendo o vínculo com os profissionais1616. Figueiredo CR, Lima CA, Prado PF, Leite MT. Brinquedo terapêutico no cuidado integral à criança hospitalizada: significados para o familiar acompanhante. Rev Unimontes Cient. 2015[cited 2017 Oct 18];17(2). Available from: http://www.ruc.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/401/337
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-1818. Gomes GC, Nicola GDO, Souza NZ, Chagas MCS, Farias DFR, Xavier DM. Percepções da família acerca das dificuldades de adaptação da criança à hospitalização: subsídios para a enfermagem. Cogitare Enferm. 2013;18(4):767-74. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v18i4.34935
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Todavia, mesmo diante das limitações existentes, os dados deste estudo reforçaram que o BTI constitui relevante intervenção para a enfermagem pediátrica, de modo a possibilitar uma assistência menos traumática e alicerçada nas necessidades psicológicas, físicas e emocionais da criança1717. Lemos ICS, Oliveira JD, Gomes EB, Silva KVL, Silva PKS, Fernandes GP. Brinquedo terapêutico no procedimento de punção venosa: estratégia para reduzir alterações comportamentais. Rev Cuidarte. 2016;7(1):1163-70. doi: https://doi.org/10.15649/cuidarte.v7i1.303
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Destarte, essa última categoria revela o modo como os familiares perceberam o papel da enfermagem, que transcende o cuidado do corpo físico, pois enfatizaram, nos discursos, que o BTI deveria ser realizado com frequência e em todos os hospitais, já que auxiliou a criança na aceitação dos cuidados, no enfrentamento da hospitalização e também na sua distração.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo consistiu em compreender, na perspectiva da família, o significado de admitir a criança no hospital utilizando o BTI. Por meio dessa estratégia de cuidado, as famílias foram unânimes em afirmar que a admissão se tornou algo mais compreensível para a criança.

A família percebeu que o BTI ajuda a criança a se sentir mais segura diante dos procedimentos e dos medos inerentes à hospitalização bem como auxilia na interação e no estabelecimento de vínculo de confiança com a equipe.

Além de o objetivo ser alcançado, o estudo avançou no sentido de evidenciar o quanto os acompanhantes, presentes no momento da orientação, conseguiram apoiar e passar segurança para a criança nos momentos que demonstravam medo ou choro, resgatando as orientações recebidas durante a sessão de BTI.

Mesmo após 14 anos da promulgação da Resolução COFEN 295/2004, o BT ainda não está presente no currículo de todos os cursos de graduação em enfermagem brasileiros, ou seja, enfermeiros terminam o curso sem terem aproximação teórica e/ou prática com a temática em questão, mesmo que seja de responsabilidade deles. Tal situação dificulta que o BT seja utilizado em qualquer cenário onde a criança é assistida ou que seja valorizado pela equipe de saúde. Além disso, é importante lembrar que o BTI é uma ação rápida, simples e de baixo custo, considerada um cuidado avançado de enfermagem utilizado sempre que necessário e, em especial, na admissão hospitalar de todas as crianças, a fim de minimizar o impacto da hospitalização.

Diante dos benefícios apontados pelas famílias neste estudo, o BT deveria ser incorporado às intervenções de enfermagem, inclusive ser descrito no processo de enfermagem assim como qualquer outro cuidado de enfermagem. Almeja-se que esta pesquisa desperte os profissionais da área da saúde para que vislumbrem novas formas de cuidado à criança hospitalizada.

Este estudo limitou-se a compreender a percepção da família quanto à utilização do BT durante a admissão da criança. Contudo, outros estudos poderão compreender a perspectiva do enfermeiro, já que ele é o responsável pela utilização dessa estratégia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2018
  • Aceito
    16 Set 2019
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