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Marx, produtivista ou precursor da ecologia? A sempre renovada questão

Marx, productivist or precursor of ecology? An always renewed question

Resumo

Inspirada nos debates ocorridos no “Fórum Marx”, promovido pelo jornal L’Humanité, e a partir de uma abordagem interdisciplinar e dialética, no presente texto, o objetivo principal é o de ensaiar uma resposta à questão posta no seu título, resgatando e contrapondo algumas ideias dos que “acusam” Marx de produtivista e dos que defendem um “Marx ecológico”. Em um segundo momento, o objetivo é tecer algumas considerações sobre a atualidade do legado teórico deixado por Marx, mesmo após 200 anos do seu nascimento, como suporte para a análise e compreensão da questão ecológica e das consequências socioambientais do modo de produção (e consumo) capitalista, no contexto de um capitalismo em crise.

Palavras-chaves:
Marxismo; Produtivismo; Ecologia; Capitalismo

Abstract

From questions debated during a “Forum Marx”, organized by the newspaper L’Humanité, and with a dialectic and interdisciplinary approach, this article intends to delineate an answer to the question introduced by its title, coming back on few arguments of those “blaming” Marx as for over-emphasizing on high productivity and those defending a “ecologist Marx”. In a second part, the intention is to propose interwoven considerations about the actuality of the Marx’s theoretical legacy, even 200 years after his birthdate, as a support for the analysis and understanding of the environmental issue, the socioenvironmental consequences of production and consumption modes, with a background of a capitalism entering in crisis.

Keywords:
Marx; Productivism; Ecology; Capitalism

Notas introdutórias: Produtivista ou ecológico? A sempre renovada questão

Marx produtivista ou precursor da ecologia? Essa foi a questão-título de uma das mesas do “Fórum Marx” (do qual participamos), organizado pelo jornal L’Humanité, em comemoração aos 200 anos do nascimento deste que é a maior referência do pensamento crítico e revolucionário 1 1 Forum Marx 2018, na sala La Bellevilloise, Paris, 17 de fevereiro de 2018 .

A referida mesa era composta pelo economista Jean-Marie Harribey, pelo filósofo e sociólogo Michael Löwy e por Alain Obadia, presidente da Fundação Gabriel Péri 2 2 Cf. Site da fondation Gabriel Péri : http://www.gabrielperi.fr . Acesso em: 20/07/2018 . Cada um, a partir do seu campo de atuação, apresentou uma resposta à questão proposta, trazendo ricos elementos para reflexão e debate, sendo que alguns deles, pretendemos utilizar no decorrer deste texto.

Para nos redimirmos do fato de termos “plagiado” parcialmente o título, esclarecemos que esta problemática tem acompanhado nossas intervenções e escritos há bastante tempo, especialmente nos temas relacionados à sustentabilidade e à dimensão ambiental da crise do capitalismo ( OLIVEIRA DA SILVA, 2017 OLIVEIRA DA SILVA, Maria-Beatriz. Marx Ecológico: Um Olhar “À Gauche” Sobre O Direito (De Todos) Ao Meio Ambiente equilibrado. In: 2017, Anais... [s.l: s.n.] Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=81b6bf4e488b9a42>. Acesso em: 24 jul. 2018.
http://publicadireito.com.br/artigos/?c...
).

Na verdade, levantar esta questão e se contrapor aos que acusam Marx de produtivista e “prometeico” (cego aos efeitos negativos do desenvolvimento em si, da tecnologia e das forças produtivas) é o ponto de partida de inúmeros autores que tratam da temática ambiental, no contexto do capitalismo, de um ponto de vista marxista. Por exemplo, Elmar Altvater escreveu um artigo cujo título é “Existe um Marxismo Ecológico?”, no qual afirma que “o conceito marxista de relação homem-natureza é muito mais apropriado que outros conceitos para compreender as contradições e a dinâmica da relação entre o ser humano e a natureza” ou, mais especialmente, “a relação entre economia, sociedade e meio ambiente” ( ALTVATER, 2006 ALTVATER, Elmar. Existe un marxismo ecológico? Teoría Marxista Hoy, [s. l.], p. 341–363, 2006. ).

Também Jacques Bidet ( BIDET, 2007 BIDET, Jacques. Marx productiviste ou écologiste ? 2007. Disponível em: <http://www.ecorev.org/spip.php?article605>. Acesso em: 23 jul. 2018.
http://www.ecorev.org/spip.php?article6...
) escreveu um texto intitulado “Marx produtivista ou ecológico?”, apresentando algumas justificativas para a crítica ao produtivismo de Marx e, em seguida, sua oposição a elas.

Daniel Bensaïd, em seu “Marx, Manual de Instruções”, dedica um capítulo para a temática ecológica cujo título é: “Porque Marx não é nem um anjo verde, nem um demônio produtivista” ( BENSAID, 2013 BENSAID, Daniel. Marx, manual de instruções. Traducao Nair Fonseca. São Paulo: Boitempo, 2013. ), defendendo a tese de que, se Marx não foi um pioneiro da ecologia, ele também não aderiu sem reservas às “ilusões do progresso” – o que, de certa forma, pretendemos defender aqui, mas, antes disso, é importante questionar de onde vem a ideia de um Marx produtivista.

Marx produtivista

A ideia de um “Marx ecológico” se caracterizaria para uma boa parcela do movimento ambientalista como um oximoro. Diríamos que, hegemonicamente, os ambientalistas entendem que Marx não seria a melhor referência para abordar questões atinentes ao campo da ecologia por tratar-se de um produtivista, e o “produtivismo se define como um sistema de organização da vida econômica na qual a produção é tida como objetivo primeiro” ( OBADIA, 2010 OBADIA, Alain. Un Enjeu de civilisation. La Pensée, [s. l.], n. 363, p. 33–42, 2010. ).

John Bellamy Foster ( WOOD; FOSTER, 1999 WOOD, Ellen Meiksins; FOSTER, John Bellamy (EDS.). Em defesa da história: marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. ), inclusive, assevera que foi na crítica ao marxismo que as perspectivas pós-modernas e pós-iluministas do pensamento ecológico refletiram-se mais fortemente e, entre as críticas, está a da denominada visão produtivista da história em Marx e em Engels. Assim, a ideia de um “Marx ecológico” seria absolutamente incompatível para uma grande parcela do pensamento ambientalista e para o pensamento pós-moderno em geral.

Foster ( FOSTER, 2005 FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Traducao Maria Teresa Machado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. ) também observa que as críticas atribuídas a Marx de uma perspectiva ecológica podem ser agrupadas em dois grandes temas: o das forças produtivas e o do valor. No primeiro grupo, estariam as críticas direcionadas a mostrar que Marx considerava o desenvolvimento das forças produtivas como positivo em si mesmo, que entendia a produção a partir de uma visão prometeica, ou seja, que vê na natureza um objeto a ser dominado e que, ao utilizar os conceitos de produção ou de produtividade, não levava em conta os prejuízos que a ação humana poderia causar ao meio ambiente. Já o segundo tema inclui a crítica a Marx por ele ignorar o papel da natureza na teoria do valor-trabalho, ou em outras palavras, que a teoria do valor não leva em conta o valor da natureza.

Para Jacques Bidet ( BIDET, 2007 BIDET, Jacques. Marx productiviste ou écologiste ? 2007. Disponível em: <http://www.ecorev.org/spip.php?article605>. Acesso em: 23 jul. 2018.
http://www.ecorev.org/spip.php?article6...
) 3 3 Disponivel em < http://www.ecorev.org/spip.php?article605 > .Acesso em: 17 jul. 2018 , Marx é seguidamente qualificado de produtivista, pois muitos veem na sua teoria a suprema ilustração do ideal moderno de dominação da natureza. Esta tendência produtivista se mantém historicamente no movimento comunista e no chamado “socialismo real” – de onde se deduz que não é por acaso que os movimentos ecológicos tenham se desenvolvido longe da influência do marxismo e tenham mesmo declarado a sua obsolescência.

Alain Obadia iniciou sua intervenção no “Fórum Marx”, anteriormente mencionado, questionando: por que, além de Marx, o marxismo preserva essa ideia produtivista?

Na visão de Obadia se, de um lado, o marxismo mereceu esta imagem por não ter dado relevo à questão ecológica, de outro, o “produtivismo” não possuía, no início do século XX, o sentido pejorativo que acabou alcançando na medida em que seus reflexos foram sendo sentidos.

Segundo Obadia, a ciência e o progresso técnico eram mais do que bem vistos e a crença era de que no crescimento da produção material estaria a chave para o bem-estar da humanidade. Por óbvio, afirma ele, os marxistas não escaparam desta visão e o objetivo primeiro era o de relançar a produção.

Assim, em que pese os avanços no campo da Ecologia após a revolução Russa, especialmente na década de 20 ao início dos anos 30 ( BATOU, 1992 BATOU, Jean. Révolution russe et écologie (1917-1934). Vingtieme siecle. Revue d’histoire, [s. l.], n. 35 (Jul-Sep), p. 16–28, 1992. ) 4 4 Disponível em: < https://www.persee.fr/doc/xxs_0294-1759_1992_num_35_1_2562 >. Acesso em: 17 jul. 2018. , os desafios a serem vencidos na União Soviética exigiram o aumento da produção e o paradigma produtivista cresceu e avançou no tempo até o seu paroxismo, pois veio acompanhado de danos ao meio ambiente. Pode ser citado como emblemático exemplo o caso do Mar de Aral, que ganhou notoriedade mundial como uma das maiores degradações ambientais do Século XX (referido como a “Chernobil Calada”). A causa desse desastre, ocorrido na década de 60 do século passado, está ligada ao fato de ter sido desviado os rios que alimentavam o Mar Aral (que, na verdade era um lago) para irrigar plantações de algodão.

Alain Obadia advertiu que também, no plano ideológico, este foi um período de simplificação dogmática do marxismo, o que contribuiu para gerar uma interpretação produtivista da obra de Marx.

No entanto, Obadia lembra que até os anos 70 do século passado, o caminho produtivista era seguido em todo o planeta e o nível de desenvolvimento estava ligado ao nível de produção e, em torno disso, intensificou-se o marketing e a publicidade: consumir cada vez mais para fazer rodar a produção era o caminho dos tempos gloriosos.

Também Luis Fernandes enfatiza que a questão ambiental foi obscurecida desde as primeiras experiências socialistas do século XX. Isso pode ser claramente visto nas propagandas socialistas da época, em que o trabalhador era sempre mostrado nos cartazes com as fábricas ao fundo cheias de fumaça – “e isso era valorizado como se fosse um progresso” ( FERNANDES, 2006 FERNANDES, Luis. Protocolo de Kyoto: o Brasil e o mundo (entrevista). Revista Principios, [s. l.], n. 83, p. 6–13, 2006. ) 5 5 Disponível em < http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/83/cat/924/protocolo-de-kyoto-o-brasil-e-o-mundo-.html > Acesso em: 17 jul. 2018 .

No entanto, Fernandes adverte que esse fato deve ser analisado sem nos abstrairmos do contexto histórico dessas experiências, que emergiram em países da periferia do sistema capitalista e que, portanto, tiveram de enfrentar conjuntamente o desafio da transição para o socialismo com o desafio da superação do atraso herdado das sociedades anteriores. Assim, a necessidade de se criar rapidamente uma base industrial era também um tema de defesa e de sobrevivência dessas experiências.

É importante lembrar também que o período da chamada guerra fria foi um período de disputa entre a performance produtiva dos Estados Unidos e da União Soviética, e o projeto dos países denominados de subdesenvolvidos ou em desenvolvimento era atingir o nível dos países desenvolvidos, seguindo o mesmo modelo.

Na sua intervenção no “Fórum Marx”, o economista Jean-Marie Harribey apresentou uma síntese das críticas ou omissões atribuídas a Marx – inclusive no campo marxista – no que tange à questão ecológica. Entre elas podem ser citadas: 1) que ele foi incapaz de prever a exploração da natureza, visto que a teoria do valor não leva em conta o Valor da Natureza; 2) que ele foi incapaz de se aperceber que a natureza possuía um papel fundamental na criação de riqueza; 3) que, para Marx, não existia o limite natural; 5) que ele negava o papel da tecnologia na destruição ambiental (visão prometeica) e 6) que ele não percebeu que a simples abundância econômica não seria suficiente para resolver os problemas econômicos .

Como veremos mais adiante, Harribey vai contestar tais críticas, especialmente as duas primeiras, referentes à teoria do valor e à criação de riqueza.

Passemos, então, a alguns argumentos utilizados na defesa de um “Marx ecológico”.

Marx, precursor da ecologia

Em que sentido Marx poderia ser considerado um precursor da ecologia?

Massimo Quaini, combatendo as concepções produtivistas ou prometeicas de Marx, observa que “Marx denunciou a espoliação da natureza antes do nascimento de uma moderna consciência ecológica burguesa” ( QUAINI, 1979 QUAINI, Massimo. Marxismo e geografia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. , p.23).

N’ O Capital encontramos a seguinte afirmação – várias vezes citadas pelos que defendem um “Marx ecológico”:

[...] mesmo uma sociedade inteira, uma nação, enfim, todas as sociedades contemporâneas tomadas em conjunto, não são proprietárias da terra. Elas são apenas ocupantes, usufrutuárias (Nutznesser) e devem, como bons paters famílias, deixá-las em melhor estado para as futuras gerações (grifos do autor)(MARX, 1988a).

Se tomarmos por base que a ideia de uma responsabilidade ambiental intergeracional está no centro da consciência ecológica, vamos dar razão a Quaini e aceitar Marx como precursor da ecologia.

Esta ideia de responsabilidade intergeracional, o que significa dizer uma responsabilidade das gerações presentes com as futuras, foi consolidada no Princípio do Desenvolvimento Sustentável. Conforme o consignado no documento Nosso Futuro Comum (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.; BRUNDTLAND, Gro Harlem. Nosso futuro comum. 2 ed. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1991. Disponível em: <https://search.ebscohost.com.sbproxy.fgv.br/login.aspx?direct=true&db=cat03447a&AN=fgv.000000933&lang=pt-br&site=eds-live>
https://search.ebscohost.com.sbproxy.fg...
.; BRUNDTLAND, 1991), o desenvolvimento sustentável é o que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”.

Este princípio passará a integrar o campo jurídico e no que tange, especialmente, à questão ambiental, proliferaram regras no direito internacional e em constituições pelo mundo afora visando, pelo menos formalmente, a garantia de um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Vê-se, então, que não é possível negar inteiramente o pioneirismo de Marx no trato da questão ambiental. Na citação acima, ele antecipa em 120 anos o princípio da responsabilidade intergeracional que, por sua vez, é o núcleo do princípio do Desenvolvimento Sustentável inscrito no Relatório Brundtland em 1987.

Uma série de citações diretas da obra de Marx e Engels são utilizadas pelos que rebatem a acusação de produtivista e pretendem defender a existência de um “Marx ecológico” – a começar pela própria concepção que Marx possui da Natureza como “corpo inorgânico do homem”:

A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza enquanto ela mesma não é corpo humano. O homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza ( MARX, 2015 MARX, Karl. Manuscritos economico-filosoficos. São Paulo: Boitempo, 2015. , p.84)

As formulações de Marx partem de uma filosofia de união do ser humano com a natureza, como na citação acima em que deixa clara a relação metabólica do corpo orgânico (o ser humano) com o corpo inorgânico (a natureza). Mas Marx também vai evidenciar que a relação entre ser humano e natureza é mediada pelo trabalho, pois definiu o processo de trabalho como aquele no qual “o homem, por suas próprias ações, media, regula e controla o metabolismo entre ele e a natureza” ( MARX, 1983 MARX, Karl. O capital: critica da economia politica. São Paulo: Abril Cultural, 1983. , p.149) e a produção humana opera no interior do que ele chamou de “o metabolismo universal da natureza.”

Portanto, é no processo de trabalho que os humanos, para atenderem as suas necessidades, transformam a natureza e, ao transformá-la, transformam a si mesmos, criando novas formas de produção e de reprodução social, “bem como as mediações societárias experienciadas e construídas por homens e mulheres através de suas maneiras de ver, sentir, representar, agir e experimentar o mundo e as naturezas orgânica e inorgânica” ( RAMALHO, 2010 RAMALHO, Cristiano Wellington Noberto. A Natureza da natureza em Marx. Revista TOMO, [s. l.], v. 0, n. 17, p. 153–181, 2010. ) 6 6 Disponível em: < https://seer.ufs.br/index.php/tomo/article/view/512 https://seer.ufs.br/index.php/tomo/article/view/512 > Acesso em: 17 jul. 2018 .

Ocorre que, para Marx, no capitalismo, há uma “ruptura irreparável no processo interdependente do metabolismo social”, ou uma ruptura da interação metabólica, alienando os humanos da natureza.

Conectado com os avanços no pensamento físico-químico de sua época, que explicitou a inter-relação do inorgânico e do orgânico (abióticos e bióticos), fornecendo a base inicial para o que se tornou uma teoria mais ampla dos sistemas ecológicos, Marx desenvolveu sua teoria da crise ecológica propriamente dita ( FOSTER, 2015 FOSTER, John Bellamy. Marxismo e Ecologia: fontes comuns de uma Grande Transição. Lutas Sociais, [s. l.], v. 19, n. 35, p. 81–97, 2015. ). Conhecida agora como a teoria da falha metabólica, “foi a primeira análise a delinear uma visão globalmente abrangente nas ciências sociais da crise ecológica sistêmica, abrangendo a sociedade, a natureza e suas inter-relações dialéticas, e conectando isso à produção” ( FOSTER, 2017 FOSTER, John Bellamy. A ruptura metabólica de Marx foi a primeira análise a delinear uma visão global da crise ecológica sistêmica. Diario Liberdade, [s. l.], 2017. Disponível em: <https://gz.diarioliberdade.org/mundo/item/180441-john-bellamy-foster-a-ruptura-metabolica-de-marx-foi-a-primeira-analise-a-delinear-uma-visao-global-da-crise-ecologica-sistemica.html>. Acesso em: 24 jul. 2018.
https://gz.diarioliberdade.org/mundo/it...
) 7 7 Disponível em: < https://gz.diarioliberdade.org/mundo/item/180441-john-bellamy-foster-a-ruptura-metabolica-de-marx-foi-a-primeira-analise-a-delinear-uma-visao-global-da-crise-ecologica-sistemica.html >. Acesso em: 17 jul. 2018. .

Marx explica que o advento da industrialização levou a população a se aglomerar em grandes centros urbanos, acumulando a força motriz histórica da sociedade por um lado, mas quebrando o metabolismo entre o homem e a terra por outro. Esta quebra de metabolismo impede o retorno dos componentes da terra consumidos pelos humanos, gerando, ao mesmo tempo, o esgotamento do solo e do trabalhador:

Assim como na indústria urbana, na agricultura moderna o incremento da força produtiva e a maior mobilização do trabalho são obtidos por meio da devastação e do esgotamento da própria força de trabalho. E todo progresso da agricultura capitalista é um progresso na arte de saquear não só o trabalhador, mas também o solo, pois cada progresso alcançado no aumento da fertilidade do solo por certo período é ao mesmo tempo um progresso no esgotamento das fontes duradouras dessa fertilidade( MARX, 2013 MARX, Karl. O capital: livro 1: crítica da economia política: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. , p.573).

Podemos inferir da passagem acima a dialética relação que é estabelecida entre a indústria e a agricultura capitalistas, visto que a primeira explora e arruína a força de trabalho, a força natural do homem; e a segunda, mais diretamente, a força natural do solo.

Portanto, terra e trabalhador; homem e natureza estão unidos pelo fio da dialética nas análises de Marx. Burkett ( BURKETT, 2007 BURKETT, Paul. ODiario.info » Marxismo e ecologia – Entrevista com Paul Burkett. 2007. Disponível em: <http://www.odiario.info/marxismo-e-ecologia-entrevista-com-paul-burkett/>. Acesso em: 19 abr. 2018.
http://www.odiario.info/marxismo-e-ecol...
) 8 8 Disponível em: < http://www.odiario.info/marxismo-e-ecologia-entrevista-com-paul-burkett/ >. Acesso em: 14 fev.2017. explica que, segundo o economista alemão, a acumulação do capital requer, não apenas força de trabalho para explorar, mas também condições naturais e materiais que, por sua vez, permitem a exploração da força de trabalho e que o trabalho excedente seja materializado e incorporado em mercadorias.

Se parássemos por aqui, talvez já tivéssemos elementos para mostrar que Marx nunca esteve distante da temática ecológica como querem alguns afirmar.

Não pretendemos, nos limites deste texto, rebater todas as acusações de produtivista e prometeico dirigidas a Marx, nem mesmo todas as constantes na síntese apresentada por Jean Marie Harribey, acima mencionadas. No entanto, pensamos que as escolhidas por Harribey para serem comentadas no “Fórum Marx”, merecem ser rapidamente apresentadas. São elas: 1) que Marx foi incapaz de prever a exploração da natureza, visto que a teoria do valor não leva em conta o valor da natureza e 2) que ele foi incapaz de se aperceber que a natureza possuía um papel fundamental na criação de riqueza.

A intervenção de Harribey no “Forum Marx” foi baseada na sua importante obra intitulada “La Richesse, La Valeur et L’Inestimable: fondements d’une critique socio-écologique de l’écnomie capitaliste” ( HARRIBEY, 2013 HARRIBEY, Jean-Marie. La richesse, la valeur et l’inestimable : fondements d’une critique socio-écologique de l’économie capitaliste. Paris: Éd. les Liens qui libèrent, 2013. ) 9 9 As referências a Jean Marie Harribey aqui apresentadas são uma espécie de compilação de alguns itens da sua intervenção no “Forum Marx” com uma síntese da obra referida: La richesse, la valeur et l'inestimable : Fondements d'une critique socio-écologique de l'économie capitaliste. . Nesta obra, o autor propõe um retorno às fontes da economia política, uma reabilitação crítica dessas fontes e, simultaneamente, uma crítica das categorias econômicas dominantes com base nas ideias de Marx.

Para rebater as acusações de que a teoria do valor de Marx não leva em conta o valor da natureza e que ele foi incapaz de se aperceber que a natureza possuía um papel fundamental na criação de riqueza, Harribey retoma a distinção entre riqueza e valor (“valor” propriamente dito ou valor de troca), feita por Marx, pois segundo ele, há um contrassenso dos economistas dominantes de reduzir a primeira ao segundo.

Ao fazer a distinção entre riqueza e valor, Marx ensina que, não importa qual seja o modo de produção, o homem produz riqueza com o objetivo de satisfazer suas necessidades – seja de forma direta (meio de subsistência), ou indireta (meio de produção). Com base nisso é que afirma que “os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta” (MARX, 1988b,p.46), já que o valor (de troca) tem sua determinação histórica bastante clara.

Uma das características que separa riqueza e valor é que a riqueza se estende para além do valor e é qualitativa; já o valor, é quantitativo. Definidos assim, de forma ampla, os conceitos de valor de uso e de riqueza podem ser entendidos parelhamente, segundo Harribey.

Para o economista francês, grande parcela dos ecologistas desconsidera a teoria do valor-trabalho ou a considera antagônica ao campo da ecologia – o que é um equívoco.

Outro mal entendido entre ecologistas em relação à Teoria do Valor, fundada no trabalho, vem do fato de conceberem que o trabalho é a única fonte de valor - confundindo aqui, valor de troca e valor de uso – o que suporia que o trabalho se desenvolve sem a relação com a natureza. Harribey alerta que nada é tão falso quanto essa interpretação, pois sem a natureza o homem não pode nada produzir, nem em termos físicos, nem em termos de valor econômico. Mas, ao mesmo tempo, adverte que não é a natureza que produz valor (propriamente dito) e este é o grande paradoxo incompreensível fora da economia política e da sua crítica marxiana.

Harribey lembra que Marx constantemente repetiu que o trabalho e a terra são criadores de riqueza, que o trabalho não é a única fonte de valores de uso que ele produz, que da riqueza material “ele é o pai, mas a natureza é a mãe”. Ou seja, citando Marx: “O trabalho não é fonte de toda a riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso[...] tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana” ( MARX, 2012 MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012. , p.23).

No entanto, adverte Harribey que Marx acrescenta que a terra pode exercer a ação de um agente da produção na fabricação do valor de uso de um produto material, por exemplo, o trigo – mas ela nada tem a ver com a produção do valor do trigo.

Isso deveria servir para refutar a ideia onipresente no pensamento ecológico, segundo a qual a teoria do valor de Marx ignora a natureza. O fato é que a natureza é produtora de riqueza em termos de valor de uso, mas não de valor (de troca), ou seja, como fração do trabalho social que, por definição, não é a natureza.

Assim, diz Harribey, não se pode pensar que a natureza construa o seu próprio valor, nem que o ser humano revelaria o seu valor econômico intrínseco, escondido, do qual pudesse ser desvelada a existência. Em outros termos, crer que a categoria “valor” possa ser natural remete ao fetichismo no sentido que Marx atribuía à mercadoria, ao dinheiro, ao capital e, de maneira geral, às pretensas leis econômicas: todas essas categorias são fruto de relações sociais particulares.

Destarte, os recursos naturais são uma riqueza indispensável a toda produção de valor, mas sem valor econômico, pois o seu valor vem de outro registro: da filosofia, da ética, da política, mas não da economia. Isto quer dizer que se, para implementar uma estratégia sustentável, atribui-se um preço aos recursos naturais, este preço terá um estatuto político e não econômico, pois, como já remarcado, a natureza é necessária à produção do valor. Ela é em si uma riqueza, mas incomensurável enquanto valor econômico.

Poderíamos agregar um conjunto de citações das obras de Marx e Engels (além das já comentadas) para comprovar a inconsistência das acusações produtivistas a eles dirigidas, no entanto, como enfatiza Adrioli:

o grande debate sobre o pensamento ecológico em Marx não se faz a partir de coletâneas de frases e excertos e sim sobre a própria lógica de funcionamento do capital que recai sobre a natureza, explorando-a negativamente, ora como recurso, ora como mercadoria, e através do valor de troca e da acumulação primitiva ( ANDRIOLI, 2008 ANDRIOLI, Antônio Inácio. A atualidade de Marx para o debate ambiental. Crítica Marxista, Campinas-SP, [s. l.], n. 27, p. 11–25, 2008. ) 10 10 Acessível em: http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt2/sessao3/Antonio_Andrioli.pdf . Acesso em: 17 jul. 2018. .

É certo que as citações diretas das obras de Marx servem para ilustrar seu pensamento ecológico, mas para além de “frases e excertos”, Marx legou um conjunto de categorias-chaves, e acima de tudo, um método que nos permite ver a unidade material do mundo e ver que a ação dos humanos sobre a natureza, com todas as implicações que daí derivam, não é uma questão isolada e está diretamente determinada pela história.

Por essa razão, mesmo que não venhamos colocar Marx como um precursor da Ecologia, não são consistentes as acusações de produtivista a ele e a Engels dirigidas.

“Nem um anjo verde, nem um demônio produtivista”, mas sempre atual

Como mencionado na introdução deste texto, Daniel Bensaïd intitula “Porque Marx não é nem um anjo verde, nem um demônio produtivista” o capítulo que trata da temática da ecologia em seu livro “Marx, manual de instruções” ( BENSAID, 2013 BENSAID, Daniel. Marx, manual de instruções. Traducao Nair Fonseca. São Paulo: Boitempo, 2013. , p.141).

Ao contrário de alguns que, como vimos, defendem Marx como precursor da ecologia, Bensaïd irá afirmar que “Marx não é um anjo verde, um pioneiro da ecologia que desconhece a si mesmo. No entanto, embora compartilhe frequentemente o entusiasmo produtivista do seu tempo, não adere sem reservas às ilusões do progresso”.

No que tange ao “entusiasmo produtivista”, concordamos com Bensaïd e defendemos a ideia de que não se pode perder de perspectiva que Marx é um homem do século XIX interessado (ou mesmo entusiasmado) pelo desenrolar da Revolução industrial e, forma alguma, negava a importância do progresso da ciência e da técnica. Não se pode negar, inclusive, que ele considerava um avanço a superação da forma medieval de produção pela forma implantada pela burguesia capitalista – a quem ele atribui um papel revolucionário, quando afirma que “a burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário”, acrescentando que “a burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto, as relações de produção e, portanto, as relações sociais todas”. Além disso, ele aponta a distinção da época burguesa e as demais afirmando que “o permanente revolucionamento da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos distinguem a época da burguesia de todas as outras” ( MARX; ENGELS, 2002 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Traducao Osvaldo Coggiola. 3. reimpr.- ed. São Paulo: Boitempo, 2002. ).

A tese de Marx se comprova ao constatar-se que, desde a superação da forma medieval de produção pela forma implantada pela burguesia capitalista, já chegamos na chamada “quarta revolução industrial” ou “Revolução 4.0” ( SCHWAB, 2016 SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. ), cujas consequências mais amplas ainda estão em estudo, mas o certo é que produzirá um cenário de desemprego sem precedentes e dilemas éticos e legais relativos ao rompimento das esferas físicas, digitais e biológicas ( BARROSO, 2017 BARROSO, Sergio. Revoluções industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos. Revista Principios, [s. l.], v. 150, n. set/oct, 2017. Disponível em: <http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/150/capa/3180/revolucoes-industriais-e-metamorfoses-do-capitalismo-aspectos-historicos-e-teoricos.html>. Acesso em: 19 abr. 2018.
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) 11 11 Disponivel em: < http://www.revistaprincipios.com.br/artigos/150/capa/3180/revolucoes-industriais-e-metamorfoses-do-capitalismo-aspectos-historicos-e-teoricos.html > . Accesso em : 17 Jul 2018 .

As consequências socioambientais da revolução 4.0 ainda merecem ser melhor analisadas, no entanto, o que se pode observar claramente é que, a cada revolução, as consequências produzidas são mais devastadoras. Por essa razão não acreditamos que a chamada crise ecológica possa ser analisada como algo paralelo ao sistema de produção e consumo que as engendra e, para essa análise, Marx foi e continua sendo fundamental.

O marxismo se constitui como uma referência possível (e necessária) para a compreensão, tanto da (s) crise(s) do capitalismo, como da crise ambiental no contexto do capitalismo, visto que a chamada “crise ambiental” não é, como querem alguns, um dado externo e independente da lógica de funcionamento do sistema, mas o resultado de um processo que, como afirmava Marx, explora e esgota tanto o trabalhador quanto a natureza.

Tratando-se da crise do capitalismo, pode-se dizer, de forma sintética que, para Marx, a razão está na própria irracionalidade do processo produtivo que conduz este sistema a uma crise permanente (de caráter conjuntural e estrutural) na perpétua guerra da produção de mercadorias e acumulação do lucro.

As consequências socioambientais desta guerra, em que pese todas as tentativas de balizamento jurídico que prometem a garantia de um “meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações”, tem sido devastadoras, colocando em risco a própria vida no planeta.

No entanto, tem razão Guilhermo Foladori ( FOLADORI, 1997 FOLADORI, Guillermo. A questão ambiental em Marx. Critica Marxista, [s. l.], n. 4, p. 141–161, 1997. ) 12 12 Disponivel em: < https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo29Artigo8.pdf > . Accesso em : 17 jul 2018 ao afirmar que “Marx não se questionou se os limite da sobrevivência humana são físicos ou sociais[...] ele considerava o capitalismo como um modo de produção transitório, uma calamidade para as classes exploradas, porém não um limite para o gênero humano como tal”. Esclarece também Foladori que Marx tampouco se indagou “se o grau de poluição e a devastação do meio físico poderiam criar limites físicos à vida do ser humano no globo. Tratam-se de tema da atualidade.”

No entanto, Foladori conclui que “a explicação marxiana do funcionamento do sistema capitalista fornece elementos inigualáveis para explicar os entraves sociais às possibilidades de regular ou planificar recursos naturais”.

Uma palavra de conclusão

É bom lembrar que a palavra “ecologia” entrou para o vocabulário do grande público nos anos 1970. A bem da verdade, a “agenda ambiental”, como a conhecemos oficialmente, é implantada apenas na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1972 em Estocolmo, que colocou, efetivamente, o meio ambiente na agenda internacional.

De outra parte, a “ecologia” como ciência, como um novo ramo da biologia consagrada às reações entre os seres vivos e o meio ambiente (biótico e abiótico) é edificada no curso do século XIX sobre as ruínas do pensamento metafísico do século precedente ( ACOT, 2017 ACOT, Pascal. L’écologie de la libération : les dégradations de l’environnement sont des crimes contre l’humanité. Montreuil: Le Temps des Cerises, 2017. ).

É importante fazer esta distinção entre “ideologia ecológica” e ecologia científica, para separar o (a) ecologista que se interessa pela proteção do meio ambiente (voltado à questão política) e do (a) ecólogo(a)que sãos os (as) cientistas (o que não impede da mesma pessoa ser ambos).

Enquanto ideologia ou política, já vimos que a questão ecológica não era central na época de Marx, apenas muito recentemente ganhou destaque. No entanto, se Marx não era nem ecologista nem ecólogo, tampouco passou ao largo da ecologia como Ciência, pois foram os avanços científicos da época que fundamentaram a sua “teoria da ruptura metabólica” ou a “ruptura irreparável no processo interdependente do metabolismo social”, como esclarece Foster ( FOSTER, 2005 FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Traducao Maria Teresa Machado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. ).

Esta ruptura entre humanos e natureza, denunciada por Marx no passado, tem se aprofundado no presente. É primeira vez na sua história que o capitalismo produz tão importante degradação de ordem socioambiental.

Uma das evidências da crise capitalista no campo social é o grave quadro de desigualdade global que está chegando a novos extremos. Recente relatório da Oxfam dá conta de que 1% mais rico da população mundial detém mais riquezas atualmente do que todo o resto do mundo junto. Também segundo o relatório, “a riqueza detida pela metade mais pobre da humanidade caiu em um trilhão de dólares nos últimos cinco anos” e essa é apenas “a evidência mais recente de que vivemos atualmente em um mundo caracterizado por níveis de não registrados há mais de um século” ( OXFAM INTERNATIONAL, 2016 OXFAM INTERNATIONAL. Uma economía para o 1%. [s.l.]: Oxfam International, 2016. Disponível em: <https://d1tn3vj7xz9fdh.cloudfront.net/s3fs-public/file_attachments/bp210-economy-one-percent-tax-havens-180116-pt_1.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2018.
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, p.2) 13 13 Disponivel em: < https://d1tn3vj7xz9fdh.cloudfront.net/s3fs-public/file_attachments/bp210-economy-one-percent-tax-havens-180116-pt_1.pdf > . Accesso em : 17 jul 2018 .

No campo ecológico a crise (sem precedentes) traz consigo, entre outras coisas, a diminuição da biodiversidade, o esgotamento dos recursos naturais, a poluição global, as mudanças climáticas, sem contar o avançado processo de mercadorização e mercantilização da Natureza.

Esse processo de mercadorização e mercantilização, como esclarece Harribey, é a resposta do capitalismo para tentar sair da crise e se constitui em um duplo recuo de fronteiras: recuar as fronteiras que separam o mercado do “não mercadológico”, ou fora do mercado (non marchand), e recuar o que separa o monetário do não monetário. Isso quer dizer: trazer para o mercado o que não pertence ao mercado, transformar em mercadoria e quantificar monetariamente o que não pertence ao mercado, como é o caso da natureza.

Diante deste quadro de crise sistêmica, no qual avança o processo de mercantilização do mundo e em que há uma exacerbação dos conflitos nas relações geopolíticas, bem como, o enfraquecimento dos processos democráticos e a quebra de barreiras jurídicas criadas no marcos do próprio sistema, visando, mesmo que formalmente, a proteção dos trabalhadores(as) e da natureza, Marx é incontornável.

Como bem adverte Michael Löwy ( LÖWY, 2018 LÖWY, Michael. Marx, productiviste ou précurseur de l’écologie? L’Humanité, [s. l.], v. Hors-Série, n. Marx-le Coup de Jeune, p. 58–61, 2018. ), “é impossível pensar uma ecologia crítica à altura dos desafios contemporâneos sem levar em conta a crítica marxiana da economia política [...]”. E acrescenta: “Uma ecologia que ignore ou despreze o marxismo e a crítica do fetichismo da mercadoria é condenada a ser apenas um corretivo dos ‘excessos’ do produtivismo capitalista”.

Diante do que foi exposto, acrescentaríamos que, classificando ou não Marx como o precursor da ecologia, o certo é que, se o capitalismo, na sua sede de lucro, aprofundou sua capacidade de explorar o trabalhador e a natureza – passados 200 anos do seu nascimento – Marx é mais atual de que nunca.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
  • Data do Fascículo
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2018
  • Aceito
    05 Ago 2018
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