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O Fim das Ilusões Constitucionais de 1988?

The end of 1988 constitutional illusions?

Resumo

O artigo discute os trinta anos da Constituição Federal de 1988 sob a perspectiva da mudança a ser operada, e obstáculos a tais transformações tanto no debate intelectual, como no papel do Poder Judiciário, notadamente no Supremo Tribunal Federal. Esvaziada em seu sentido original de seu caráter desenvolvimentista, dirigente e garantista, por concepções teóricas americana e europeia recepcionadas no Brasil, a Constituição restou incapaz de revelar-se instrumento contra o golpe de 2016 e seus desdobramentos econômicos e políticos.

Palavras-chave:
Constituição Federal; Poder Judiciário; Golpe de 2016

Abstract

The article discusses the thirty years of the Federal Constitution of 1988 under the perspective of the change to be operated, and obstacles against such transformations in both the intellectual debate and in the role of the Judiciary, especially the Federal Supreme Court. Depleted in its original sense of its developmental character, directive and guarantor, by American and European theoretical conceptions assimilated in Brazil, the Constitution remained incapable of proving itself an instrument against the coup of 2016 and its economic and political consequences.

Keywords:
Federal Constitution; Judiciary; Coup of 2016

“Chamamos de ilusões constitucionalistas o erro político pelo qual as pessoas acreditam na existência de um sistema normal, jurídico, ordenado e legal – em suma, ‘constitucional’ -, embora ele não exista de fato”.

Vladimir Ilitch Lênin, “Sobre as Ilusões Constitucionais”, julho de 1917 (Lênin, 1985LÊNIN, V. I. Ilusões Constitucionalistas. 2ª ed. São Paulo: Kairós, 1985.: 83).

1. A Ilusão do Dirigismo Constitucional

A promulgação da constituição brasileira em 05 de outubro de 1988 foi festejada por boa parte dos juristas brasileiros como um marco da restauração democrática e um símbolo das transformações políticas e sociais que deveriam ter início a partir daquele momento. Eros Roberto Grau, por exemplo, ao analisar a ordem econômica constitucional de 1988, enfatizava a possibilidade daquele texto servir de instrumento para as mudanças sociais (Grau, 1991GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). 2ª ed. São Paulo: RT, 1991.: 198-199, 319-322).

A ideia da constituição como um plano de transformações sociais e do Estado foi trazida ao Brasil por nítida influência das constituições de Portugal de 1976 e da Espanha de 1978. Para a Teoria da Constituição Dirigente, a constituição não é só garantia do existente, mas também um programa para o futuro. Ao fornecer linhas de atuação para a política, sem substituí-la, destaca a interdependência entre Estado e sociedade: a constituição dirigente é uma Constituição estatal e social. No fundo, a concepção de constituição dirigente para Canotilho está ligada à defesa da mudança da realidade pelo direito. O sentido, o objetivo da constituição dirigente é o de dar força e substrato jurídico para a mudança social. A constituição dirigente é um programa de ação para a alteração da sociedade (Canotilho, 2001CANOTILHO, J. J. G. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Ed, 2001.: V-XXX, 12, 14, 18-24, 27-30, 69-71; Bercovici, 1999BERCOVICI, Gilberto. “A Problemática da Constituição Dirigente: Algumas Considerações sobre o Caso Brasileiro”. Revista de Informação Legislativa nº 142, pp. 35-51, 1999.: 35-51; Bercovici, 2003bBERCOVICI, Gilberto. “A Constituição Dirigente e a Crise da Teoria da Constituição”. In: SOUZA Neto, Cláudio Pereira de; BERCOVICI, Gilberto; MORAES Filho, José Filomeno de & LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. Teoria da Constituição: Ensaios sobre o Lugar da Política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. 75-150, 2003b.: 114-133; Bercovici, 2008bBERCOVICI, Gilberto. “Ainda Faz Sentido a Constituição Dirigente?”. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais nº 9, p. 317-327, 2008b.: 319-327; Lima, 2010LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. “Subdesenvolvimento e Constituição Dirigente: Uma Possível Abordagem Materialista”. In: LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto & BELLO, Enzo (Coords.). Direito e Marxismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 299-315.: 309-313).

A Constituição brasileira de 1988 é uma constituição dirigente. O seu artigo 3º1 1 Artigo 3º da Constituição do Brasil de 1988: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I — construir uma sociedade livre, justa e solidária; II — garantir o desenvolvimento nacional; III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". incorpora um programa de transformações econômicas e sociais a partir de uma série de princípios de política social e econômica que devem ser realizados pelo Estado brasileiro. As normas determinadoras de fins do Estado dinamizam o direito constitucional, isto é, permitem uma compreensão dinâmica da constituição, com a abertura do texto constitucional para desenvolvimentos futuros. Deste modo, explicita-se o contraste entre a realidade social injusta e a necessidade de eliminá-la, impedindo que a Constituição considere realizado o que ainda está por se realizar, implicando na obrigação do Estado em promover a transformação da estrutura econômico-social.

O artigo 3º da Constituição de 1988 foi entendido como um instrumento normativo que transformou fins sociais e econômicos em jurídicos, atuando como linha de desenvolvimento e de interpretação teleológica de todo o ordenamento constitucional. A norma do artigo 3º da Constituição de 1988, assim, indicaria os fins, os objetivos a serem perseguidos por todos os meios legais disponíveis para edificar uma nova sociedade, distinta da existente no momento da elaboração do texto constitucional. Neste sentido, o Estado deveria ser entendido como o “portador da ordem social”, o que pressupõe uma vontade política disposta a colocar o programa constitucional em andamento (Alonso, 1977ALONSO, Jorge de Esteban. “La Función Transformadora en las Constituciones Occidentales”. In: AGESTA, Luis Sánchez (Coord.). Constitución y Economía: La Ordenación del Sistema Económico en las Constituciones Occidentales. Madrid: Centro de Estudios y Comunicación Económica, 1977, pp. 149-160: 155-158; Bercovici, 2003aBERCOVICI, G. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003a.: 291-302, 312-315; Bercovici, 2013BERCOVICI, Gilberto. “O Poder Constituinte do Povo no Brasil: Um Roteiro de Pesquisa sobre a Crise Constituinte”. Lua Nova nº 88, 2013a, pp. 305-325.: 317-320).

Os autores conservadores criticaram a constituição dirigente com vários argumentos. Essa discussão vai desde o argumento pueril de que por se intitular “dirigente” (ou “governante”), a constituição seria “totalitária” por pretender dirigir ou governar a sociedade (Neves, 2018NEVES, M. Constituição e Direito na Modernidade Periférica: Uma Abordagem Teórica e uma Interpretação do Caso Brasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2018.: 410), como se o problema da constituição dirigente fosse meramente de denominação, até a afirmação de que a constituição dirigente estaria repleta de “contradições” e de “compromissos dilatórios” (Ferreira Filho, 1990FERREIRA Filho, M. G. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Saraiva, 1990.: 72, 75-78, 80-83, 86, 98; Faria, 1993FARIA, José Eduardo. Direito e Economia na Democratização Brasileira. São Paulo: Malheiros, 1993.: 50-59, 91-92, 98-101, 152-155), atualizando uma argumentação desenvolvida por Carl Schmitt desde o debate da constituição de Weimar, entre 1919-1933 (Schmitt, 1993SCHMITT, C. Verfassungslehre. 8ª ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1993.: 28-36, 128-129).

A crítica feita à constituição dirigente pelos autores conservadores diz respeito ainda, entre outros aspectos, ao fato de a constituição dirigente “amarrar” a política, substituindo o processo de decisão política pelas imposições constitucionais. Ao dirigismo constitucional foi imputada a responsabilidade maior pela “ingovernabilidade” (Ferreira Filho, 1995FERREIRA Filho, M. G. Constituição e Governabilidade: Ensaio sobre a (In)Governabilidade Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1995.: 5, 21-23, 142). O curioso é que são apenas os dispositivos constitucionais relativos a políticas públicas e direitos sociais que “engessam” a política, retirando a liberdade de atuação do legislador. E os mesmos críticos da constituição dirigente são os grandes defensores das políticas de estabilização e de supremacia do orçamento monetário sobre as despesas sociais. A imposição, pela via da reforma constitucional e da legislação infraconstitucional, das políticas ortodoxas de ajuste fiscal e de liberalização da economia, não acarretou qualquer manifestação de que se estava “amarrando” os futuros governos a uma única política possível, sem qualquer alternativa.

Ou seja, a constituição dirigente das políticas públicas e dos direitos sociais é entendida como prejudicial aos interesses do país, causadora última das crises econômicas, do déficit público e da “ingovernabilidade”. A constituição dirigente invertida, isto é, a constituição dirigente das políticas neoliberais de ajuste fiscal é vista como algo positivo para a credibilidade e a confiança do país junto ao sistema financeiro internacional. Esta, a constituição dirigente invertida, é a verdadeira constituição dirigente, que vincula toda a política do Estado brasileiro à tutela estatal da renda financeira do capital, à garantia da acumulação de riqueza privada (Bercovici & Massonetto, 2006BERCOVICI, Gilberto & MASSONETTO, Luís Fernando. 2006. “A Constituição Dirigente Invertida: A Blindagem da Constituição Financeira e a Agonia da Constituição Econômica”. Boletim de Ciências Económicas, vol. XLIX, 2006, pp. 57-77.).

A grande ilusão que a teoria da constituição dirigente trouxe ao constitucionalismo pós 1988 foi a do instrumentalismo constitucional. A teoria da constituição dirigente é uma teoria da constituição autocentrada em si mesma, uma teoria “auto suficiente” da constituição. Ou seja, criou-se uma teoria da constituição tão poderosa, que a constituição, por si só, resolve todos os problemas. O instrumentalismo constitucional é, desta forma, favorecido: acredita-se que é possível mudar a sociedade, transformar a realidade apenas com os dispositivos constitucionais. Consequentemente, o Estado e a política são ignorados, deixados de lado. A teoria da constituição dirigente, portanto, é uma teoria da constituição sem teoria do Estado e sem política. E o paradoxal é que a constituição só pode ser concretizada por meio da política e do Estado (Bercovici: 2003bBERCOVICI, Gilberto. “A Constituição Dirigente e a Crise da Teoria da Constituição”. In: SOUZA Neto, Cláudio Pereira de; BERCOVICI, Gilberto; MORAES Filho, José Filomeno de & LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. Teoria da Constituição: Ensaios sobre o Lugar da Política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. 75-150, 2003b.).

2. A Realidade da “Doutrina Brasileira da Efetividade”

Desde o ingresso do Brasil no chamado “constitucionalismo social”, ainda com a promulgação da Constituição de 1934, há a presença constante de parcela da doutrina jurídica que tenta deslegitimar a todo tempo o conteúdo social e econômico do texto constitucional, utilizando para tanto a persistente categoria de “norma programática”. Essa parcela da doutrina continua reforçando o distanciamento entre a Constituição e as políticas sociais ou de ampliação de direitos, ao definir, em sua imensa maioria, os direitos sociais como “normas programáticas”, ou seja, não como direitos, mas como meras intenções políticas ou ideológicas.

Embora seja uma concepção presente no debate constitucional desde as constituições do México, de 1917, e de Weimar, de 1919 (e, entre nós, desde 1934), a noção de norma programática foi desenvolvida de maneira mais aprofundada pelo italiano Vezio Crisafulli, a partir das disputas em torno da concretização da Constituição da Itália de 1947 (Crisafulli, 1952aCRISAFULLI, Vezio. “Le Norme ‘Programmatiche’ della Costituzione”. In: CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio. Milano: Giuffrè, 1952a, pp. 51-83.: 51-83; Crisafulli, 1952bCRISAFULLI, Vezio. “L’art. 21 della Costituzione e l’Equivoco delle Norme ‘Programmatiche’”. In: CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio. Milano: Giuffrè, 1952b, pp. 99-111.: 99-111). A concepção de norma programática teve enorme importância na Itália, ao afirmar que os dispositivos sociais da constituição eram também normas jurídicas, portanto, poderiam ser aplicadas pelos tribunais nos casos concretos.

As ideias de Crisafulli tiveram grande repercussão e sucesso no Brasil2 2 Devemos destacar o texto pioneiro de José Horácio Meirelles Teixeira (Teixeira, 1991: 295-362), em que Crisafulli é constantemente citado. Parte das ideias do jurista italiano vão ser incorporadas, posteriormente, à tese de José Afonso da Silva sobre a "aplicabilidade das normas constitucionais". . No entanto, sua aplicação prática, tanto na Itália como no Brasil, foi decepcionante. Norma programática passou a ser sinônimo de norma que não tem qualquer valor concreto, contrariando as intenções de alguns de seus defensores3 3 Particularmente, este é o caso de Vezio Crisafulli, que admitiu expressamente que a concepção de norma programática acabou consistindo em um equívoco, pois, embora tinha sido elaborada para estender o campo da juridicidade, terminou justificando a não concretização das normas constitucionais, notadamente as de cunho social (Crisafulli, 1952b: 101). , bloqueando, na prática, a concretização da constituição e, especialmente, dos direitos sociais. Mas uma ressalva deve ser feita: a construção de um corpo teórico acabado e sistematizado no sentido da não concretização dos direitos sociais só irá ocorrer ao final da década de 1960, sob a ditadura militar, com José Afonso da Silva e a sua tese sobre a “aplicabilidade das normas constitucionais” (Silva, 1998SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.), que dá origem à paradoxal e autointitulada “doutrina brasileira da efetividade” (Barroso, 2005BARROSO, Luís Roberto. “A Doutrina Brasileira da Efetividade”. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, Tomo III, 2005, pp. 61-77.: 61-77), que impede o avanço da teoria constitucional brasileira até hoje.

O que é a “doutrina brasileira da efetividade”? Trata-se de campo teórico de perfil estritamente dogmático do direito constitucional brasileiro, com inspiração exclusivamente em autores europeus e estadunidenses, que desenvolve intensa produção bibliográfica a partir da década de 1990. Seu ponto de partida é o debate sobre a natureza das normas constitucionais de acordo com a sua eficácia e os limites da sua aplicabilidade, a partir da obra de 1968 de José Afonso da Silva (Silva, 1998SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.) - que classifica as normas constitucionais como de eficácia plena, contida e limitada. A intenção é ir além da ênfase nos planos da existência, validade e eficácia das normas constitucionais, para se investir na seara da efetividade, entendida como esfera de concretização das normas constitucionais, especialmente as de direitos fundamentais.

Qual a proposta teórica da “doutrina brasileira da efetividade”? Há duas premissas fundamentais: (i) a existência de um déficit de concretização das normas constitucionais (“frustração constitucional”)4 4 De acordo com Barroso (2003a), os elementos da “frustração constitucional” são a “inflação jurídica”, a “insinceridade normativa” e a “jurisdicização do fato político”. e a concepção de que o caminho para elas passarem a ter plena efetividade passa unicamente pelas vias jurídicas institucionais (interpretação constitucional e argumentação jurídica); pelos atores tradicionais do sistema judiciário (tribunais, ministério público, procuradorias, Defensoria Pública etc.) e pelo manejo dos chamados remédios constitucionais tradicionais (habeas corpus, mandado de segurança, ação civil pública, ação popular) e outros incorporados ou ampliados com o advento da Constituição de 1988 (mandado de injunção, arguição de descumprimento de preceito fundamental, ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação declaratória de constitucionalidade); e que (ii) devido à morosidade e ineficiência dos Poderes Executivo e Legislativo, a jurisdição constitucional é apontada como “válvula de escape” e espaço inovador para a ampliação da efetividade de direitos fundamentais, inclusive abrangendo o controle judicial de políticas públicas.

Qual é a agenda da “doutrina brasileira da efetividade”? Identificamos nos textos dos defensores da “doutrina brasileira da efetividade” os seguintes eixos temáticos e características: (i) concepção isolada do direito; (ii) perspectiva teórica-filosófica kantiana; (iii) judicialização da política e das relações sociais, e ativismo judicial. Adiante são abordados cada um desses elementos.

  1. i

    Concepção isolada do direito. A “doutrina brasileira da efetividade” concebe o direito como ramo autônomo do conhecimento e de forma isolada em relação a outras áreas do conhecimento, como um sistema normativo abstrato, universal, sem sujeitos de carne e osso nem espaços não institucionais (ruas e comunidades, por exemplo). Em seus textos e quando abordados em debates orais, é comum entre esses autores a ausência de preocupação em se compreender de forma interdisciplinar as motivações pelas quais não são concretamente efetivadas as normas jurídicas, especialmente as constitucionais e referentes a direitos fundamentais.

Qualquer manual de direito constitucional irá destinar alguns tópicos para explicar, de modo endógeno ou com referência passageira à política, o porquê de algumas normas precisarem de regulamentação para serem efetivadas, enquanto outras podem ter sua aplicabilidade reduzida, sendo que, um terceiro tipo, talvez as mais audaciosas, são relegadas a objetivos futuros com pitadas de eficácia imediata. Em verdade, a discussão que está latente, a qual a maior parte dos juristas se esquiva de adentrar, diz respeito aos motivos de ordem material que não permitem a plena aplicabilidade da normatividade do direito (Keller, 2018KELLER, Rene José. “Direito, Estado e Relações Econômicas: a Mercantilização Jurídica como Forma de Priva(tiza)ção do Direito à Cidade”. In: BELLO, Enzo; KELLER, Rene José. (Orgs.). Curso de Direito à Cidade: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, pp. 25-42.: 26).

Quando buscam inspirar outros ares fora de seara tradicional do Direito (normativista), os defensores da “doutrina brasileira da efetividade” costumam recorrer à filosofia do direito. Um autor geralmente invocado é Norberto Bobbio, jusfilósofo italiano, positivista e liberal, que redigiu uma célebre passagem a respeito do dilema entre a fundamentação e a aplicabilidade dos direitos humanos, que serve para ilustrar a postura dos constitucionalistas brasileiros no período pós Constituição de 1988:

(…) o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (Bobbio, 2004BOBBIO, N. A Era dos Direitos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.: 17).

Com o pouco suspiro desses ares (liberais) filosóficos além do direito positivo, os defensores da “doutrina brasileira da efetividade” sequer consideram em seus textos as dimensões econômica, política e cultural do direito enquanto fenômeno da realidade social, limitando-se a manejar conceitos instrumentais em termos de processos judiciais. Assim, passam à margem também das consequências das decisões dos tribunais na vida dos cidadãos e no funcionamento e na estrutura do Estado. Em suma, suas posições são limitadas ao campo abstrato e formal da normatividade jurídica constitucional.

Como será visto adiante, em matéria de economia e sociedade, alguns desses autores se manifestam de forma vulgar e tacanha, no espaço de decisões judiciais e votos no Supremo Tribunal Federal, quando invocam para fundamentar seus posicionamentos a famigerada “opinião pública” e dados econômicos sem consistência científica. Postura idealista restrita ao plano abstrato, normativo, sem lastro de materialidade na vida social. As manifestações sobre o pensamento político e os temas cotidianos da política brasileiros ocorrem ora de forma disfarçada em meio a textos dogmáticos sobre direito constitucional (Chaves, 2018CHAVES, João Pedro Pacheco. Que Brasil É Esse? Um Retrato do País a partir das Doutrinas de Lênio Streck, Luís Roberto Barroso e Marcelo Neves. Mimeo. Dissertação (mestrado). Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018.), ora na mídia em artigos de “jornalismo jurídico”, ou mesmo em palestras em eventos corporativos (de acesso restrito) promovidos por grandes empresas.

A limitação das questões constitucionais à interpretação reduz o debate sobre a ordem econômica, por exemplo, a quais são os princípios preferidos, ou não, dos autores5 5 Para a crítica desta concepção de princípios, entendidos como obrigações prima facie, na medida em que poderiam ser superadas por outros princípios colidentes, vide Ávila, 2008: 44-51. . Ilustrativos são os exemplos de dois influentes manuais, que, ao mencionarem os princípios da ordem econômica, limitam-se a dissertar sobre a propriedade privada, a livre iniciativa e a livre concorrência (Justen Filho, 2005JUSTEN Filho, M. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.: 87-89) ou a função social da propriedade, a livre concorrência e a defesa do consumidor (Mendes, Coelho & Branco, 2007MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gomes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.: 1288-1297). Os demais princípios da ordem econômica constitucional (soberania, redução das desigualdades sociais e regionais, pleno emprego, tratamento privilegiado às pequenas empresas, etc.) sequer são mencionados, assim como parte da doutrina publicista costuma interpretar, sem nenhuma motivação que não a ideológica, a livre iniciativa de forma quase “fundamentalista” (Souza Neto & Mendonça, 2007SOUZA Neto, Cláudio Pereira de & MENDONÇA, José Vicente Santos de. “Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa”. In: SOUZA Neto, Cláudio Pereira de & SARMENTO, Daniel (Coords.). A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 709-741.: 709-741).

  1. ii

    Perspectiva teórica-filosófica kantiana. É possível afirmar que a “doutrina brasileira da efetividade” tem dois grandes vieses em termos de fontes teóricas e bibliográficas: o alemão e o estadunidense. Por exclusão, há uma ausência de outras fontes não europeias e norte-americanas (EUA e Canadá), caracterizando-se uma invisibilidade de autores e ideias da América Latina e da África, por exemplo, que têm muito a ensinar ao constitucionalismo brasileiro, especialmente em termos de teorias de direitos fundamentais (interculturalidade - América Latina) e da justiça (Ubuntu - África) e de teorias constitucionais (como os princípios diretivos da Índia ou o chamado “constitucionalismo transformador”/“transformative constitutionalism” da África do Sul ou, ainda, o “novo constitucionalismo latino-americano”)6 6 Para um levantamento desses modelos constitucionais asiáticos (especialmente indiano), africanos e latino-americanos e suas similaridades e diferenças em relação ao modelo constitucional brasileiro, vide Bercovici, 2013b, Tavares, 2014, e Bello, 2018. .

Não por acaso, ainda que alguns deles talvez não o saibam, há um subterrâneo teórico-filosófico-ideológico comum aos autores da “doutrina brasileira da efetividade”: a filosofia kantiana. O fundamento filosófico kantiano é subjacente à “doutrina brasileira da efetividade”, pois embasa sua concepção westfaliana de Estado7 7 A perspectiva de que para um Estado só existe uma nação foi confirmada pelo STF no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Pet. 3.388/RR), tendo a corte negado expressamente a possibilidade de reconhecimento do pluralismo jurídico no Brasil. , de individualismo da noção etnocêntrica de dignidade da pessoa humana8 8 A noção de “dignidade da pessoa humana” consta no art. 1º, III, da Constituição de 1988, e tem origem normativa na Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã de 1949). Trata-se de matriz axiológica moderna, europeia, individualista e racionalista que permeia a atuação de inúmeros magistrados brasileiros como uma espécie de “coringa” para a fundamentação de decisões em quaisquer searas e temas (desde brigas de vizinhos até as formas de intervenção do Estado na economia), supostamente para a ampliação da pretensa efetividade dos direitos fundamentais. , de autonomia da vontade que torna abstrata a figura do sujeito de direito, de universalismo das suas teorias da justiça, de racionalismo das suas teorias da argumentação jurídica, de subjetivismo moral das suas teorias axiológicas de princípios, de moralismo das posições persecutórias.

No Brasil das últimas décadas, a reformulação do “senso comum teórico dos juristas” (Warat, 1982WARAT, Luís Alberto. “Saber Crítico e Senso Comum Teórico do Jurista. Revista Sequência nº 5, 1982, pp. 48-57.) vem ocorrendo a partir de duas vertentes: as teorias do “neoconstitucionalismo”9 9 A expressão “neoconstitucionalismo" ganhou notoriedade no Brasil no início da década de 2000, com a divulgação do livro de Miguel Carbonell (2003), que traz artigos de autores europeus críticos ao positivismo jurídico e defensores de uma reconexão do direito com a moral. Vide, ainda, a precisa crítica ao "neoconstitucionalismo" de Dimitri Dimoulis (2008: 43-59). e dos direitos fundamentais. Os pilares do chamado “neoconstitucionalismo” no Brasil são: marco histórico (constitucionalismo europeu pós-1945); marco filosófico (o chamado pós-positivismo como confluência do jusnaturalismo e do positivismo); e marco teórico (força normativa da constituição, expansão da jurisdição constitucional e nova dogmática da interpretação constitucional). Duas de suas consequências são as chamadas constitucionalização do direito (ou filtragem constitucional) e a judicialização da política e das relações sociais (Barroso, 2003bBARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003b.).

Em correlação ao “neoconstitucionalismo”, passou a ser veiculada uma Teoria dos Direitos Fundamentais, de matriz fundamentalmente alemã e perfil dogmático, que possui as seguintes balizas: matriz no princípio da dignidade da pessoa humana; universalidade, inalienabilidade, irrevogabilidade dos direitos fundamentais; eficácia irradiante dos direitos fundamentais; direitos fundamentais e relações privadas (Drittwirkung); vedação ao retrocesso social, entre outras (Sarlet, 2001SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.; Sarlet, 2018SARLET, I. W. Eficácia dos Direitos Fundamentais. 13ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.).

  1. iii

    Judicialização da política e das relações sociais e ativismo judicial. A descrença nos espaços e práticas da política e a crença na Constituição são tão grandes que a “doutrina brasileira da efetividade” considera o direito (normatividade, instituições e atores jurídicos) como o caminho para o progresso do país. E mais: a fé é tamanha que se chega ao ponto da proposição de uma pretensiosa dogmática constitucional transformadora” (Barroso, 2003bBARROSO, L. R. Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003b.), uma evidente contradição em termos - nos sentidos lógico e empírico. As consequências práticas dessa postura são a judicialização da política e das relações sociais e o ativismo judicial.

Com o deslocamento das decisões de natureza política, econômica e social dos espaços democráticos do Parlamento e do Executivo para o do Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, a agenda institucional do Brasil passou a ser formulada em ambientes sem transparência e por agentes públicos sem investidura por voto popular, sem mandato, nem controle político e social. A legitimação discursiva para tanto vem das teorias antes mencionadas.

Inicialmente, a judicialização emergiu no controle difuso de constitucionalidade, em casos relativos ao cotidiano das relações sociais, como litígios envolvendo relações de consumo, vizinhança, etc. Paulatinamente, a judicialização se expandiu no âmbito do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, chegando o Supremo Tribunal Federal a criar hipótese de perda de mandato parlamentar não prevista expressamente no texto da Constituição de 1988 (artigo 55)10 10 Mandados de Segurança 30.260/DF e 30.272/DF. . Em outro momento, a judicialização passou a abarcar o controle judicial de políticas públicas, no qual magistrados (não eleitos) se substituem a legisladores (eleitos) e administradores públicos (eleitos, nomeados ou técnicos) ao se (auto)invocarem legitimidade para adentrarem a esfera de discricionariedade e proferirem decisões com feições de leis ou medidas administrativas.

Nesse sentido, a magistratura brasileira tem utilizado como justificativa alguns elementos pra lá de subjetivos que são centrais na “doutrina brasileira da efetividade”, tais como “dignidade da pessoa humana”, “proporcionalidade”, “razoabilidade” e a própria “efetividade”, manejados através de técnicas de ponderação de interesses que se revelam uma verdadeira caixa preta repleta de subjetivismos.

A expansão da judicialização da política e das relações sociais foi tamanha ao ponto de um de seus primeiros estudiosos tê-la chamado de “patológica” (Vianna, 2016VIANNA, Luiz Werneck. “Não Há Limites para a Patológica Judicialização da Política”. Conjur, 03 jan. 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-jan-03/luiz-werneck-vianna-nao-limites-judicializacao-politica>. Acesso em: 20 set. 2018.
https://www.conjur.com.br/2016-jan-03/lu...
) e de um integrante da própria “doutrina brasileira da efetividade” tê-la denominado de “judicialização da vida” (Barroso, 2018aBARROSO, L. R. A Judicialização da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Fórum, 2018a.).

Outra consequência prática da crença na Constituição como ato de fé se revelou como uma outra faceta da primeira (judicialização). Ativismo judicial (Judicial Activism) é expressão oriunda do constitucionalismo estadunidense e tem como oposto a contenção judicial (Judicial Restraint). Enquanto a primeira denota posicionamentos adotados por magistrados que exacerbam sua esfera de atuação jurisdicional enquanto intérpretes da constituição e da legislação infraconstitucional, a segunda revela uma postura de deferência da magistratura às decisões do Parlamento e do Executivo por terem sido formuladas em espaços de representação democrática.

Nos EUA, o ativismo judicial funciona como uma faca de dois gumes, pois se manifesta em decisões “progressistas” e “conservadoras”, em temas da moral, economia e política11 11 Para Ian Millhiser, a restauração das premissas da igualdade, liberdade de expressão e fair justice constitui uma anomalous phase na história da Suprema Corte dos EUA; a representar ainda verdadeiro acidente histórico em sua trajetória de “confortar os confortáveis e afligir os aflitos”. (Millheiser, 2015: XIV). . Já no Brasil, para variar, sua recepção foi distorcida, tendo a “doutrina brasileira da efetividade” entendido o ativismo judicial como algo positivo, como caminho transformador e canal de posições progressistas. Todavia, na prática, o ativismo judicial no Brasil, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consiste em exacerbação do poder judicial e viabiliza retrocessos em termos de direitos e garantias fundamentais, como será visto adiante. Afinal, a razão por trás da resistência doutrinária à implementação da Constituição de 1988, simbolizada na “doutrina brasileira da efetividade”, continua com Vezio Crisafulli, mal lido e quase não compreendido por estes autores, ao afirmar, corretamente, que toda norma incômoda é classificada como “programática” (Crisafulli, 1952bCRISAFULLI, Vezio. “L’art. 21 della Costituzione e l’Equivoco delle Norme ‘Programmatiche’”. In: CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio. Milano: Giuffrè, 1952b, pp. 99-111.: 105).

Eis o canto da sereia: a propagação de um fetichismo constitucional (Bello, 2010BELLO, Enzo. “Cidadania, Alienação e Fetichismo Constitucional”. In: LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto; BELLO, Enzo (Coords.). Direito e Marxismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, pp. 7-33, 2010.) através de uma visão da constituição como tábua de salvação do país e um sentimento de crença na constituição como “religião civil”, o que não ocorreu na prática e nos faz adotar postura de ateísmo (Kennedy, 1995KENNEDY, Duncan. “American Constitutionalism as Civil Religion: Notes of an Atheist”. Nova Law Review, vol. 19, nº3, 1995, pp. 909-921.) quando olhamos para as consequências concretas disso no plano da materialidade da vida social.

3. As Falsas Mutações Constitucionais e a Juristocracia

O termo juristocracia decorre da obra de Ran Hirschl, e já se encontra razoavelmente assimilado no Brasil, na forma integrante da crítica que se faz ao poder judiciário e seus membros, notadamente após 1988. De forma crescente, a ocupação pelo poder judiciário de espaços e sentidos políticos tem transformado a constituição no que este poder quer entender por constituição. Assim, um cínico realismo transformou a supremacia da constituição em supremacia das cortes constitucionais. Hirschl vai ao núcleo para sua definição das razões que movem a juristocracia à ação política, porém com nítidos disfarces de aplicação da lei; o que faz nos seguintes termos:

Judicial power does not fall from the sky; it is politically constructed. I believe that constitutionalization of rights and the fortification of judicial review result from a strategic pact led by hegemonic yet increasing threatened political elites, who seek to insulate their policy preferences against changing fortunes of democratic politics, in association with economic and judicial elites who have compatible interests (Hirschl, 2004HIRSCHL, R. Towards Juristocracy: The Origins and Consequences of the New Constitutionalism. Cambridge (Ma.)/London: Harvard University Press, 2004.: 49).

O que chama a atenção é a perspectiva corajosa que Hirschl realiza: a de incluir em sua reflexão a disposição política de intervenção do poder judiciário, cuja maior parte da literatura gravita na órbita de temas como teoria da decisão judicial, controle da constitucionalidade, papel do juiz, consequencialismo, neoconstitucionalismo etc., insistindo, desta maneira, em passar ao largo de questões a envolverem debates sobre classes sociais, conflito, Estado, interesses, poder do Estado. Sem meias palavras, Hirschl oferece outra visão mais ampla, e por isso mais completa.

A noção de juristocracia percebe e procura explicar a centralidade do poder judiciário na cena política, como o que se deu nos últimos trinta anos após a Constituição de 1988, de forma crescente. Uma das primeiras perguntas que salta aos olhos é, precisamente, como se alcançou esta situação, que nem de longe representa particularidade brasileira.

Um dos temas mais relevantes no âmbito da juristocracia é aquele da mutação constitucional, o qual consiste na possibilidade de alteração do texto constitucional, sob o argumento de que as disposições constitucionais carecem ser relidas à luz dos tempos presentes. Não se precisa ir muito longe para entender que, por oferecer suporte ao desejo de alterar a constituição, sem que estas alterações enfrentem o custo de demorados e normais processos políticos legislativos, e depois não tenham a menor chance de questionamento judicial de sua validade, a mutação constitucional virou um dos temas preferidos da juristocracia, ainda que não recorram ao termo exatamente para definir suas ações e intenções. O astuto truque da etiqueta de convivência entre poderes do Estado não altera a realidade que lhe é subjacente. Neste sentido, o que foi pactuado pelo poder constituinte adquire um novo significado, que lhe é conferido pelo poder judiciário, quando se utiliza de sua prerrogativa de guarda da constitucionalidade.

Em 1906, George Jellinek já enfrentava o desafio da mutação constitucional (Jellinek, 1996JELLINEK, G. Verfassungsanderung und Verfassungswandlung: Eine staatsrechtliche-politische Abhandlung. Reimpr. da ed. de 1906. Goldbach: Keip Verlag, 1996.). Em 1932, o jurista Hsü Dau-Lin publicou sua conhecida obra Die Verfassungswandlung (A Mutação Constitucional), sob a orientação de Rudolf Smend. Para o autor chinês, a abertura de um sistema constitucional e político da mutação constitucional representa um dilema da modernidade. Primeiro, porque pareceu-lhe inexorável a atuação do tempo sobre qualquer constituição, a necessitar de atualidade. Segundo, em razão de que esta imposição quase matemática não deixa de forçar a discussão sobre o poder constituinte e o poder constituído que muda a constituição; o que, portanto, se transforma num desafio da teoria política da democracia. Finalmente, porque o risco de um de seus modelos de mutação constitucional – o da mutação da constituição por práticas estatais contrárias à constituição – conduz o poder do Estado à atuação fora da constituição, isto é, para além do poder constituinte (Hsü Dau-Lin, 1932HSÜ DAU-LIN. 1932. Die Verfassungswandlung. Berlin/Leipzig: Walter de Gruyter, 1932.: 19)12 12 Além da mutação por práticas estatais contrárias à constituição, Hsü Dau-Lin descreve outras três modalidades de mutação constitucional: “1. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal que não viola formalmente a Constituição; 2. Mutação da Constituição mediante a impossibilidade de exercer certos direitos estatuídos constitucionalmente; (...) 4. Mutação da Constituição mediante sua interpretação” (Hsü Dau-Lin, 1932: 19). .

Com a crescente utilização da noção de mutação constitucional por integrantes do poder judiciário, desde 2007 vários juristas vêm alertando sobre os riscos de sua adoção no sistema constitucional brasileiro da forma desejada pelo poder judiciário (Streck, Cattoni & Lima, 2007STRECK, Lenio; CATTONI, Marcelo & LIMA, Martonio. “A Nova Perspectiva do STF sobre Controle Difuso”. Conjur, 03 ago. 2007. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2007-ago-03/perspectiva_ stf_ controle_difuso>. Acesso em 20 set. 2018.
https://www.conjur.com.br/2007-ago-03/pe...
). Com o avanço de todo o poder judiciário brasileiro sobre a política e a agenda política do País – avanço protagonizado não somente pelas instâncias superiores – se não recepcionaram e assimilaram totalmente os argumentos da mutação constitucional, não deixaram dúvidas, em sua atuação, sobre o poder de vida e morte que juízes e tribunais passaram a ter sobre a constituição, com o esvaziamento até mesmo de cláusulas pétreas do texto constitucional. O caso mais emblemático e recente diz respeito à compreensão sobre o inciso LVII do artigo 5º da Constituição de 1988, que expressamente não deixa qualquer dúvida quanto à força da presunção de inocência e sua posição no rol dos direitos e garantias fundamentais.

Este dispositivo, ainda que elevado à condição de cláusula pétrea pelo artigo 60, §4º, IV, não representou o menor obstáculo para que o Supremo Tribunal Federal entendesse, sem nenhum fundamento constitucional, que o cumprimento da pena privativa de liberdade logo após decisão de órgãos judiciais colegiados não viola o disposto no artigo 5º, LVII da Constituição. O entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado não foi uma mutação constitucional, como alguns de seus integrantes alegaram, mas uma ruptura com o texto, sem que assumissem a responsabilidade de terem violado a Constituição.

Interessante perceber-se que na decisão sempre referenciada para a aplicação deste entendimento, ou seja, aquela proferida no Habeas Corpus nº 126.262, julgado em 17 de fevereiro de 2016, inexiste construção argumentativa que dê suporte à decisão do relator, ministro Teori Zavascki. O centro da decisão é que, após julgamento colegiado, exaure-se o princípio da inocência, não restando mais oportunidade de apreciação de provas. Claro que este pensamento do relator não se encontra disposto no texto constitucional. Ademais, o início do não cumprimento contribuiria para corrigir a sensação de impunidade reinante no Brasil, onde clientes endinheirados disporiam de advogados capazes de protelar indefinidamente o cumprimento das penas de seus representados; argumento igualmente incompatível com a certeza das palavras da Constituição Federal. Por fim, a recusa da presidência do Supremo Tribunal Federal em retomar a discussão sobre a questão da presunção de inocência no momento eleitoral de 2018 do Brasil, quando duas ações declaratórias de constitucionalidade13 13 Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, ambas sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, requeridas pelo então Partido Ecológico Nacional (atualmente partido Patriotas), e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, respectivamente. acham-se prontas para o julgamento e resolveriam por definitivo o tema, torna o papel do mesmo Supremo Tribunal Federal ainda mais questionável relativamente à sua lealdade quanto à Constituição.

Já no julgamento do HC 152.752/PR, o voto do ministro Barroso usou o argumento da necessidade de se conferir efetividade à justiça criminal para negar a literalidade de uma garantia fundamental (a presunção de inocência) expressamente prevista na Constituição de 1988 (artigo 5º, LVII). O argumento, lastreado na teoria dos princípios, “relativiza” a garantia fundamental da presunção de inocência com o objetivo de se imprimir efetividade à justiça criminal, que, segundo o referido ministro, não ocorre em razão da existência e do manejo de múltiplos recursos procrastinatórios, que permitiriam a “criminosos” condenados em segundo grau continuarem em liberdade por anos a fio enquanto não transitada em julgado a decisão penal condenatória14 14 No julgamento de caso análogo (HC 126.292/SP), o ministro Barroso chegou a fundamentar em "dados" do que ele chama de “parecer artesanal”, elaborado por sua assessoria, para eliminar a presunção de inocência asseverando serem raríssimos os casos de absolvição de réus nos tribunais superiores, devendo ser autorizada a prisão de condenados em segundo grau de jurisdição mesmo sem decisão transitada em julgado. . Na conclusão do ministro Barroso, cumprir o ditame da literalidade da redação da norma constitucional que prevê garantia fundamental de tamanha importância em um Estado de Direito seria permitir a “impunidade” e seria algo conivente com a “corrupção”.

Em outras palavras, em trinta anos de vigência formal da Constituição de 1988, a ideia da juristocracia – fenômeno não mencionado por grande parte dos juristas brasileiros e menos ainda por integrantes do poder judiciário - foi capaz de fazer com que o mesmo judiciário se tornasse o verdadeiro senhor da constituição, de tal maneira que as decisões chegam a depender dos humores dos tribunais e das alegadas “vozes da rua”, revelando uma clara vocação de usurpação do poder constituinte, consagrando uma espécie de “sebastianismo” de redenção e suposta “refundação da república” brasileira; como, aliás, costumam se manifestar integrantes do próprio Supremo Tribunal Federal.

A força normativa da constituição (Hesse, 1959HESSE, K. Die normative Kraft der Verfassung. Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1959.), tão festejada pela teoria constitucional brasileira, não resistiu a um mero ataque do órgão de jurisdição constitucional, o que leva à conclusão de que, até aqui, a Constituição de 1988 sobreviveu formalmente mais pela tolerância de seus adversários do que pela capacidade de seus defensores em se articularem materialmente em torno das ideias que ela representava. A organização política brasileira não se demonstrou competente em defender seu próprio poder constituinte, deixando que ele se esvaísse pelas mãos de uma juristocracia, defensora de seus interesses no interior do próprio Estado. Intelectuais e políticos que tiveram o sincero compromisso com as bases da transformação estatuída pela Constituição de 1988, deixaram que suas mesmas incapacidades constitucional e política revelassem-se noutros âmbitos da constituição, o que ratifica o fim da ilusão.

4. Do Desenvolvimentismo ao Novo Extrativismo

A Constituição de 1988 possui expressamente um plano de transformação da sociedade brasileira, com o reforço dos direitos sociais, a proteção ao mercado interno (artigo 219), o desenvolvimento e a erradicação da miséria e das desigualdades sociais e regionais (artigos 3º e 170) como objetivos da República, isto é, com a inclusão do programa nacional-desenvolvimentista no seu texto (Bercovici, 2003aBERCOVICI, G. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003a.: 35-44, 54-67, 291-302, 312-315; Bercovici, 2005BERCOVICI, G. Constituição Econômica e Desenvolvimento: Uma Leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005.: 45-68).

As tentativas de “mudança” no papel do Estado, visando-se a manter as mesmas estruturas, levadas a cabo pelos governos conservadores eleitos a partir de 1989, muitas vezes optaram pelo caminho das reformas constitucionais, com o intuito deliberado de “blindar” as alterações, impedindo uma efetiva mudança de política. Na década de 1990, a “regulação” da economia virou o tema da moda, com seus defensores se apressando em proclamar um “novo direito público da economia”, em sintonia com as reformas microeconômicas estruturadas a partir do “Consenso de Washington” (Williamson, 1990WILLIAMSON, John. “What Washington Means by Policy Reform”. In: WILLIAMSON, John. (Org.). Latin American Adjustment: How Much has Happened? Washington: Institute for International Economics, 1990, pp. 7-17.); em contraposição ao “velho” direito econômico, responsável pelo “antiquado” dirigismo da Constituição de 1988.

Os objetivos da reforma gerencial, segundo um de seus formuladores, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, são aumentar a eficiência e a efetividade dos órgãos estatais, melhorar a qualidade das decisões estratégicas do governo e voltar a Administração para o cidadão-usuário (ou cidadão-cliente). A lógica da atuação da Administração Pública deixa de ser o controle de procedimentos (ou de meios) para ser pautada pelo controle de resultados, buscando a máxima eficiência possível. Para tanto, um dos pontos chave da reforma teria sido atribuir ao administrador público parte da autonomia de que goza o administrador privado, com a criação de órgãos independentes (as “agências”) da estrutura administrativa tradicional, formados por critérios técnicos, não políticos (Pereira, 2002PEREIRA, L. C. B. Reforma do Estado para a Cidadania: A Reforma Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional. Reimpr. São Paulo/Brasília: ed.34/ENAP, 2002.: 109-126).

Com a reforma do Estado, criaram-se duas áreas distintas de atuação para o Poder Público: de um lado, a Administração Pública centralizada, que formula e planeja as políticas públicas. De outro, os órgãos reguladores (as “agências”), que regulam e fiscalizam a prestação dos serviços públicos. Uma das consequências desta concepção é a defesa de que a única, ou a principal, tarefa do Estado é o controle do funcionamento do mercado (Pereira, 2002PEREIRA, L. C. B. Reforma do Estado para a Cidadania: A Reforma Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional. Reimpr. São Paulo/Brasília: ed.34/ENAP, 2002.: 110). O repasse de atividades estatais para a iniciativa privada é visto pelos defensores da reforma do Estado como uma “republicização” do Estado, partindo do pressuposto de que o público não é, necessariamente, estatal (Pereira, 2002PEREIRA, L. C. B. Reforma do Estado para a Cidadania: A Reforma Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional. Reimpr. São Paulo/Brasília: ed.34/ENAP, 2002.: 81-94). Esta visão está ligada à chamada “teoria da captura”, que entende serem tão ou mais perniciosas que as “falhas de mercado” (market failures), as “falhas de governo” (government failures) provenientes da cooptação do Estado e dos órgãos reguladores para fins privados. No Brasil, esta ideia é particularmente forte no discurso que buscou legitimar a privatização das empresas estatais e a criação das “agências”. As empresas estatais foram descritas como focos privilegiados de poder e a sua privatização tornaria público o Estado, além da criação de “agências” reguladoras “independentes”, órgãos “técnicos“, “neutros”, “livres” da ingerência política na sua condução (Pereira, 2002PEREIRA, L. C. B. Reforma do Estado para a Cidadania: A Reforma Gerencial Brasileira na Perspectiva Internacional. Reimpr. São Paulo/Brasília: ed.34/ENAP, 2002.: 156-160).

A “neutralidade” e a “técnica” tornaram-se, portanto, fortes argumentos dos defensores das “reformas regulatórias”, reduzindo o espaço decisório reservado à política e buscando limitar as atividades estatais a um mínimo. O fenômeno dos “poderes neutros” (como as “agências”) parece ocorrer especialmente em momentos de crise da política, quando diminui a percepção da racionalidade da atuação dos poderes públicos. Estes “poderes neutros” têm por característica marcante o fato de não desenvolverem atividades produtivas, mas regularem e controlarem estas atividades. Na realidade, o que ocorre é a independência da tecnocracia de qualquer forma de controle, justificando isto por sua “neutralidade” ou “imparcialidade”. Um círculo restrito de técnicos “captura”, assim, boa parte da estrutura administrativa. Os órgãos públicos instituídos para assegurar a atuação do Estado na esfera econômica têm sua instrumentalidade negada, paradoxalmente, pelos seus próprios dirigentes. A pretensão do argumento da “neutralidade” é a de orientar as escolhas coletivas a partir de cálculos de utilidade que os indivíduos fariam tendo em vista seus próprios interesses, como se não existissem valores sociais, fazendo prevalecer os interesses de mercado sobre a política democrática (Manetti, 1994MANETTI, M. Poteri Neutrali e Costituzione. Milano: Giuffrè, 1994.: 10-13, 39-52, 95-126, 135-156). Neste contexto, ganham inusitada importância a famosa análise “custo-benefício”, ultimamente tão em voga, ou a interpretação do “princípio da eficiência”, ou seja, a adequação entre meios e fins, exclusivamente como “eficiência econômica”, como se a racionalidade de atuação do Estado devesse ser a mesma que a dos agentes econômicos privados no mercado15 15 Para uma crítica mais aprofundada à reforma do Estado da década de 1990, vide Nohara, 2012. .

A negação ou a crítica à racionalidade da política, no entanto, não pode obscurecer o fato de que as decisões dos técnicos são tão discutíveis quanto as dos políticos. Como ressalta Manetti (1994MANETTI, M. Poteri Neutrali e Costituzione. Milano: Giuffrè, 1994.: 151-152, 155-156), para além de suas competências específicas, os pressupostos e valorações de fundo destes técnicos continuam subjetivas, embora possam estar formalmente de acordo com o meio ao qual os técnicos estão vinculados. O órgão “técnico” ou “neutro” é, deste modo, um instrumento de representação de grupos restritos de especialistas (tecnocracia), cujo espaço e importância foram ampliados às custas da esfera democrática.

Outro elemento crucial que é menosprezado pelos adeptos da “reforma regulatória” dos anos 1990 é a importância da atuação do Estado no domínio econômico não apenas para “regular” os mercados, mas também fundamentalmente para “criar” os mercados. A necessidade de criação de mercados é ainda maior nos países subdesenvolvidos, como o Brasil. Estas decisões são típicas de política econômica, envolvendo elementos políticos, culturais e sociais, não argumentos fundados em critérios de redução economicista da “eficiência” ou da “relação custo-benefício”.

É possível concluir que a chamada reforma do Estado da década de 1990 não reformou, de fato, o Estado brasileiro. Afinal, as “agências independentes”, que, na realidade, não são independentes (Sunstein, 1999SUNSTEIN, Cass R. “Paradoxes of the Regulatory State”. In: SUNSTEIN, Cass R. Free Markets and Social Justice. Reimpr. Oxford/New York: Oxford University Press, pp. 271-297.: 285-286, 293-294), foram simplesmente acrescidas à estrutura administrativa brasileira, não modificaram a Administração Pública, ainda configurada pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, apenas deram uma aura de modernidade ao tradicional patrimonialismo que caracteriza o Estado brasileiro. O ponto central das reformas do Estado dos anos 1990 foi o objetivo de, finalmente, conseguir a “despolitização do direito”, retirando, assim, as decisões jurídicas (e políticas e econômicas) das mãos dos políticos, devolvendo-as aos “cidadãos”. Pode-se perceber, portanto, que a “reforma regulatória” consiste em uma nova forma de “captura” do fundo público, ou seja, a “nova regulação” nada mais é do que um novo patrimonialismo (Massonetto, 2003MASSONETTO, Luís Fernando. “(Des)Regulação: Em Busca do Senso Perdido”. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. (Coord.). Direito Regulatório: Temas Polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2003, pp. 125-136.), com o agravante de se promover a retirada de extensos setores da economia do debate público e democrático no Parlamento e do poder decisório dos representantes eleitos do povo.

Ao mesmo tempo em que se buscou reformular a estrutura administrativa do Estado, a política industrial autônoma ou soberana teve que ser abandonada para que os países latino-americanos fossem admitidos na nova ordem mundial da globalização neoliberal. A América Latina reverteu, então, sua estratégia de desenvolvimento, regredindo da industrialização por substituição de importações para a exportação de produtos primários, aproveitando-se de uma elevação dos preços internacionais daqueles produtos agrícolas ou minerais. Com preços internacionais favoráveis, os países latino-americanos aceleraram seu processo de crescimento baseado na primarização ou reprimarização das exportações.

Os regimes ditos pós-neoliberais na América Latina a partir dos anos 2000, no entanto, continuaram dirigindo sua política econômica para a extração de recursos naturais e consagraram a exportação de produtos primários (commodities) como estratégia de desenvolvimento nacional, instaurando uma política que hoje vem sendo denominada de “Novo Extrativismo” (“New Extractivism”) (Veltmeyer e Petras, 2014VELTMEYER, Henry & PETRAS, James. (Orgs.). The New Extractivism: A Post-Neoliberal Development Model or Imperialism of the Twenty-First Century? London/New York: Zed Books, 2014.; Petras e Veltmeyer, 2015PETRAS, James & VELTMEYER, Henry. (Orgs.). Extractive Imperialism in the Americas: Capitalism’s New Frontier. Chicago: Haymarket Books, 2015.). O “novo extrativismo” é uma política que combina ativismo estatal e uma estratégia de crescimento fundada na exploração de recursos naturais com o objetivo de ampliar a inclusão social. Para tanto, estes governos entendem que os recursos naturais seriam uma verdadeira benção, gerando rendas facilmente tributáveis que poderiam ser utilizadas para financiar as políticas sociais. A extração de recursos foi entendida como uma mera questão da capacidade do Estado regular as operações de mineração ou exploração petrolífera ou o agronegócio para conseguir acordos melhores com as agências financiadoras internacionais e tentar aplicar às empresas regras de controle em relação aos seus impactos sociais e ambientais. O pressuposto do “novo extrativismo” é um Estado mais intervencionista e um regime regulatório mais forte.

A demanda da China e do Leste Asiático por produtos agrícolas e florestais, combustíveis fósseis e outras fontes de energia e por minerais industriais estratégicos acarretou a ampliação do investimento estrangeiro nos setores agrícola e minerário e consagrou, com as políticas do “novo extrativismo”, a reprimarização das economias latino-americanas, impedindo a recuperação das políticas industriais abandonadas nos anos 1990. O “novo extrativismo” não passa, assim, de uma nova forma de subordinação da estratégia de desenvolvimento dos países latino-americanos aos fluxos do comércio internacional.

O reflexo destas transformações na estrutura do Estado brasileiro e nas suas formas de atuação econômica se dá na esfera do constitucionalismo com a tentativa de vários autores em fazer prevalecer, nas palavras de Cláudio Pereira de Souza Neto e José Vicente Santos de Mendonça, uma interpretação constitucional “fundamentalista” do princípio da livre iniciativa (artigos 1º, IV e 170, caput). Esta interpretação “fundamentalista” insere no debate constitucional uma doutrina política particular como se fosse impossível qualquer outro conteúdo, ou seja, os seus propugnadores “tornam constitucionalmente necessário o que é politicamente contingente” (Souza Neto & Mendonça, 2007SOUZA Neto, Cláudio Pereira de & MENDONÇA, José Vicente Santos de. “Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa”. In: SOUZA Neto, Cláudio Pereira de & SARMENTO, Daniel (Coords.). A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 709-741.: 721-722, 740). Esta perspectiva persiste, inclusive, em criticar o modelo constitucional de 1988 por ser detalhista ou buscar vincular o sistema político em excesso, o que geraria “ingovernabilidade”. Para estes autores “fundamentalistas” de mercado (Barroso, 2001BARROSO, Luís Roberto. “A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços”. Revista de Direito Administrativo nº 226, 2001, pp. 187-212.: 200-201; Barroso, 2002BARROSO, Luís Roberto. “Modalidades de Intervenção do Estado na Ordem Econômica. Regime Jurídico das Sociedades de Economia Mista. Inocorrência de Abuso de Poder Econômico”. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, Tomo I, 2002, pp. 389-457.: 393-395, 421-422, 431; Barroso, 2003eBARROSO, Luís Roberto. “Regime Constitucional do Serviço Postal: Legitimidade da Atuação da Iniciativa Privada”. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, Tomo II, 2003e, pp. 145-188.: 150-152), a previsão constitucional da livre iniciativa significou a opção da Constituição de 1988 por um “modelo privatista”, condicionado pelos fins públicos previstos no próprio texto constitucional. Como princípio fundamental, a livre iniciativa deve, assim, fundar a compreensão do intérprete, não podendo ser minimizado ou interpretado de forma antagônica ao seu conteúdo, pois sua efetivação não pode ser frustrada, salvo em exceção expressa, não presumida, da própria constituição. Portanto, a livre iniciativa não seria um instrumento da realização dos objetivos constitucionais, mas um princípio inviolável em sua essência e conteúdo.

Para a interpretação “fundamentalista” da livre iniciativa na Constituição de 1988, o papel do Estado na economia estaria limitado negativamente pela livre iniciativa, princípio constitucional que vincularia “automaticamente” a intervenção estatal à “subsidiariedade”. O setor privado teria o principal papel na busca do desenvolvimento e da produção de riquezas. O Estado auxiliaria e supriria a iniciativa privada em suas deficiências e carências, só a substituindo excepcionalmente. A atividade econômica do Estado seria a exceção, ela não se auto justificaria, consagrando-se o “princípio da subsidiariedade”. O texto constitucional, assim, teria reduzido as hipóteses de atuação do Estado, e as reformas da ordem econômica constitucional, a partir de 1995, teriam reforçado ainda mais o “Estado subsidiário”. A própria atividade reguladora do Estado também estaria submetida ao “princípio da subsidiariedade” que serviria de parâmetro para conferir legitimidade à regulação estatal (Barroso, 2001BARROSO, Luís Roberto. “A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços”. Revista de Direito Administrativo nº 226, 2001, pp. 187-212.: 198-200, 205-206; Barroso 2002BARROSO, Luís Roberto. “Modalidades de Intervenção do Estado na Ordem Econômica. Regime Jurídico das Sociedades de Economia Mista. Inocorrência de Abuso de Poder Econômico”. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, Tomo I, 2002, pp. 389-457.: 407-409; Barroso, 2003eBARROSO, Luís Roberto. “Regime Constitucional do Serviço Postal: Legitimidade da Atuação da Iniciativa Privada”. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, Tomo II, 2003e, pp. 145-188.: 153-154, 170; Marques Neto, 2003MARQUES Neto, Floriano de Azevedo. “Limites à Abrangência e à Intensidade da Regulação Estatal”. Revista de Direito Público da Economia nº 1, 2003, pp. 69-93.:79-84).

Na realidade, a Constituição de 1988 não incorporou, explícita ou implicitamente, o chamado “princípio da subsidiariedade”, como querem os intérpretes “fundamentalistas” da livre iniciativa. O texto constitucional abriga, inclusive, inúmeros princípios ideologicamente contrapostos ao credo liberal. Por mais que estes autores “fundamentalistas” desejem, a ordem econômica constitucional brasileira não é liberal, tendo incorporado elementos liberais, sociais, intervencionistas, nacionalistas, desenvolvimentistas, cooperativistas, entre outros. A ideologia e o juízo político anti-intervencionista ou anti-estatal não podem ser transformados em uma imposição constitucional simplesmente pela vontade de seus defensores. O Estado não só pode como deve atuar na esfera econômica e social, legitimado por toda uma série de dispositivos constitucionais. Defender a existência e preponderância do “princípio da subsidiariedade” na Constituição de 1988 nada mais é do que uma “captura ideológica do texto” (Souza Neto & Mendonça, 2007SOUZA Neto, Cláudio Pereira de & MENDONÇA, José Vicente Santos de. “Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa”. In: SOUZA Neto, Cláudio Pereira de & SARMENTO, Daniel (Coords.). A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 709-741.: 734-741; Bercovici, 2011BERCOVICI, G. Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais. São Paulo: Quartier Latin, 2011.: 260-285).

5. A Fraude à Constituição e a Dualidade Constitucional

Desde a promulgação da constituição já se sabia das dificuldades estruturais para seu cumprimento, apesar do avançado texto constitucional que foi produzido. E se sabia ainda que a nova constituição teria no poder judiciário a fonte de quase todos seus martírios. Um dos mais significativos integrantes do Supremo Tribunal Federal e responsável por obstaculizar novos direitos e garantias, como o mandado de injunção, foi o então ministro Moreira Alves. É conhecida sua afirmação de que a aplicação da constituição traria muitos problemas ao país, e que, com o tempo, o Supremo Tribunal Federal cuidaria de “corrigir suas imperfeições” (Medeiros, 1993MEDEIROS, Humberto Jacques de. Realização Constitucional do Mandado de Injunção. Mimeo. Dissertação (mestrado). Faculdade de Estudos Sociais Aplicados da Universidade de Brasília. Brasília, 1993.: 26). Parece que o Supremo Tribunal Federal adotou de forma entusiasmada essa “missão” até os dias atuais.

Do ponto de vista histórico, a crítica à esperança no constitucionalismo e nas constituições não representa a menor novidade, ainda mais em sociedades que mantiveram a ilusão de que efetivas transformações poderiam decorrer e seriam realizadas sem resistências. Em 1895, Friedrich Engels advertiu que:

A ironia da história mundial tudo revolve. Nós, os ‘revolucionários’, os ‘agitadores’ temos muito mais a ganhar através dos métodos legais, do que pela ilegalidade e agitação. Os partidos da ordem, como eles se denominam, perecem diante da legalidade por eles próprios estabelecida e clamam desesperados com Odilon Barrot: la légalité nous tue, a legalidade é a nossa morte (...)16 16 No original: „Die Ironie der Weltgeschichte stellt alles auf den Kopf. Wir, die „Revolutionäre“ die „Umstürzler“, wir gedeihen weit besser bei den gesetzlichen Mitteln als bei den ungesetzlichen und dem Umsturz. Die Ordnungsparteien, wie sie sich nennen, gehen zugrunde an dem von ihnen selbst geschaffenen gesetzlichen Zustand. Sie rufen verzweifelt mit Odilon Barrot: la légalité nous tue, die Gesetzlichkeit ist unser Tod (...)“. (Engels, 1963ENGELS, Friedrich. “Einleitung zu Marx’ “Klassenkämpfe in Frankreich”. In: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Werke. Vol. 22. Berlin: Dietz Verlag, 1963, pp. 506-527.: 525).

O contorcionismo praticado por juízes e tribunais atualmente para a aplicação seletiva da constituição e das leis, e o esforço para insistir na justeza de tal aplicação perante a opinião pública são denunciadores da suspensão do texto constitucional, bem como da sobreposição institucional de suas jurisprudências sobre o que o texto constitucional estabelece. Assim, a liberdade de ação para a utilização do direito como arma política – a mais “perniciosa” das armas da disputa política (Neumann, 1998NEUMANN, F. Behemot – Struktur und Praxis des Nationalsozialismus 1933-1944. Frankfurt am Main: Fischer Verlag, 1998.: 44) – tem sido decisiva para o desgaste da constituição. Justamente para a constituição que entregou sua própria guarda à última instância do poder judiciário; o qual se encarregou de esvaziá-la. Percebe-se uma dualidade existente no âmbito da aplicação constitucional, o que se deixa revelar, antes de mais nada, pelo enfraquecimento não somente de qualquer constituição, que se submeta a esta realidade, como do sistema jurídico que teria por função primordial a regulação de todas relações sociais, privadas e públicas.

No século XX, esse fenômeno da dualidade foi estudado na conhecida obra de Ernst Fraenkel, The Dual State. Escrito em inglês e publicado primeiramente em 1938, a obra alcançou proeminência intelectual também após sua publicação no idioma alemão, em 1974. Fraenkel, apesar de judeu e socialdemocrata, conseguiu exercer a advocacia na Alemanha mesmo após 1933, quando Hitler foi nomeado Chanceler do Reich, e organizou sua percepção da Constituição de Weimar e das leis na Alemanha a partir de uma dualidade: o “Estado de prerrogativa” (“prerrogative State”) e o “Estado normativo” (“normative State”).

O primeiro seria caracterizado pela vigência das leis de exceção impostas pelos nazistas a partir de 28 de fevereiro de 1933. Aqui, valeria a prerrogativa do Estado, agora nazista, o que contou com o apoio decisivo e a participação do poder judiciário: “No doubt, the National-Socialist coup d’état of 1933 was, at least technically, facilitated by the executive and judicial practice of the Weimar Republic” (Fraenkel, 2017FRAENKEL, Ernst. The Dual State – A Contribution to the Theory of Dictatorship. Oxford/New York: Oxford University Press, 2017.: 5). O segundo, “Estado normativo”, consistia, para Fraenkel, na articulação da lei existente e sua relação com a nova legalidade do nazismo (Morris, 2013MORRIS, Douglas G. “The Dual State Reframed: Ernst Fraenkel’s Political Clients and his Theory of Nazi Legal System”. Leo Baeck Institute Year Book, vol. 58, nº 1, 2013, pp. 5-21.: 7). Responde por esta estrutura dual não somente o uso da violência, porém uma transição ordenada (orderly transition), como explica Meierhenrich (2018MEIERHENRICH, J. The Remnants of the Rechtsstaat: An Ethnography of Nazi Law. Oxford/New York: Oxford University Press, 2018.: 181), perpetrada por atores e forças políticas e que se realizava igualmente na forma de um diálogo entre o “Estado de prerrogativa” e o “Estado normativo”. Assim, relações jurídicas do cotidiano, como uma cobrança de aluguel, uma alegação de herança, o exercício do direito de propriedade ou mesmo uma agressão, eram resolvidas normalmente, sem maiores problemas na vida da população. Por outro lado, uma vez encontrando-se nestas relações alguém que fosse considerado “inimigo” do partido nazista, o “Estado de prerrogativa” invadia o “Estado normativo”, que se deixava invadir, realizando-se a totalidade da nova orientação política da Alemanha.

Por mais que pareça uma forte contradição entre a existência de um sistema normativo e regimes como o nacional-socialismo alemão, trata-se de uma única realidade, sobreposta por uma vigente constituição e um sistema normativo que se tinham como integrados, na expectativa de seu cumprimento. A expectativa do cumprimento da Constituição de Weimar não se tornou viável ante a conformação política e social de uma dada sociedade em razão dos limites do direito constitucional e da constituição no contexto das disputas internas e seus vínculos externos em torno de sua organização econômica e social. Ainda que se tratasse da Constituição de Weimar, com seus direitos fundamentais, ou da Constituição de 1988 com semelhantes direitos, um limite estava acima da força destas constituições, como anota Karl Marx, a partir do exemplo da segurança. Estatuída como um direito, seja a segurança jurídica, ou a segurança pessoal, ou ainda aquela da propriedade, o conceito constitucional adotado de segurança traduz mais a garantia do egoísmo de uns contra os outros, do que a possibilidade de convivência em conjunto: “O conceito de segurança não faz com que a sociedade burguesa supere seu egoísmo. A segurança surge bem mais como a garantia do seu egoísmo” (Marx, 1977MARX, Karl. Zur Judenfrage. In: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Werke. Vol. 1. Berlin: Dietz Verlag, 1977, pp. 347-477.: 366)17 17 No original: “Durch den Begriff der Sicherheit erhebt sich die bürgerliche Gesellschaft nicht über ihren Egoismus. Die Sicherheit ist vielmehr die Versicherung ihres Egoismus“. .

Desta maneira, chega quase a surpreender que o aparecimento dos limites de forma tão explícita contra a Constituição de 1988 somente tenham se manifestado de forma mais concreta e incisiva nos últimos cinco anos, quando se alcançou uma tímida fronteira de aceitação, dotada de mais pluralismo de atores e forças políticas e sociais dantes não visíveis. A incapacidade de atuar de forma equânime da parte do poder judiciário, a forte monopolização do controle da esfera pública por poucas famílias, a concentração de renda e de propriedade num país como o Brasil parecem demonstrar, sem equívocos, que não serão assimiladas modificações do status quo por meio de simples aparatos ou disposições constitucionais.

Ao mesmo tempo em que se tolera discursivamente uma constituição moderna, tolera-se também uma infindável discussão abstrata sobre sua efetivação ou não, ou, com maior requinte, abre-se todo o espaço para formulações em tribunais de debates e reinvenções “iluministas”, já previamente sabidas incapazes de interferirem no concreto das relações, e de integrarem as contradições existentes em toda substância. Por outro lado, são ainda organizadas todas as forças capazes de bloquear esta moderna constituição, corporificando uma dualidade entre as poderosas prerrogativas de quem já dispõe das vantagens materiais e imateriais de uma sociedade de consumo, e a fraca normatividade para quem pouco ou nada tem. Ou seja, privilégios que aprofundam as diferenças sociais e desprezam as possibilidades da realização da igualdade.

No instante em que se abre de forma mais direta o já existente conflito, ou mesmo deste se aproxime, a teoria constitucional tradicional recorre a um suposto universal sentimento jurídico - ou sentimento pelo direito -, como se tal em abstrato existisse imutavelmente em todos os seres humanos, em todas as épocas e lugares. A alegada “ideia eterna” da teoria da justiça (Gojchbarg, 1972GOJCHBARG, Alexander Grigorjewitsch. “Einige Bermekungen über das Recht”. In: REICH, Norbert. (Org.). Marxistische und sozialistische Rechtstheorie. Frankfurt am Main: Athenäum Verlag, 1972, pp. 87-92.: 89) surge como força impeditiva da própria realização de justiça para todos, o que redunda no ataque à constituição e às leis, de forma a se garantir que a legalidade criada não passe de mera legalidade criada novamente, o que transforma todos não em sujeitos de direito, mas em objetos de direito (Loick, 2017LOICK, Daniel. “Abhängigkeitserklärung – Rechts und Subjektivität”. In: JAEGGI, Rahel & LOICK, Daniel. (Orgs.). Nach Marx: Philosophie, Kritik, Praxis. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2017, pp. 296-318.: 299) e da apreciação livre de órgãos institucionais que vinculam-se à vontade constitucional por eles mesmos criada e definida.

6. A Quebra e a Suspensão da Constituição

O esgarçamento do texto constitucional de 1988 ganhou ímpeto e velocidade com o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff em 2016, que configurou verdadeira “quebra constitucional” (“Verfassungsdurchbrechung”) (Leibholz, 1974LEIBHOLZ, Gerhard. “Die Verfassungsdurchbrechung”. In: LEIBHOLZ, Gerhard. Strukturprobleme der modernen Demokratie. Reimpr. da 3ª ed. Frankfurt-am-Main: Athenäum Fischer Taschenbuch Verlag, 1974, pp. 185-198.; Haug, 1947HAUG, H. Die Schranken der Verfassungsrevision: Das Postulat der richtigen Verfassung als normative Schranke der souveränen verfassunggebenden Gewalt (Betrachtung zum Wiederaufbau einer materialen Rechtslehre). Zürich: Schulthess & CO. AG, 1947.: 166-168; Loewenstein, 1961LOEWENSTEIN, K. Über Wesen, Technik und Grenzen der Verfassungsänderung. Berlin: Walter de Gruyter, 1961.: 40-41; Ehmke, 1981EHMKE, Horst. “Verfassungsänderung und Verfassungsdurchbrechung”. In: EHMKE, Horst. Beiträge zur Verfassungstheorie und Verfassungspolitik. Königstein: Athenäum Verlag, 1981, pp. 142-172.; Hesse, 1999HESSE, K. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Reimpr. da 20ª ed. Heidelberg: C. F. Müller Verlag, 1999.: 29-30, 290-292). O impeachment nada mais é que um processo de apuração de responsabilidade política do Presidente da República. Não se trata de um instrumento passível de ser utilizado em virtude da baixa popularidade de um governo ou da sua falta de apoio parlamentar. Portanto, não se pode confundir o impeachment com o voto de desconfiança, existente nos países de sistema parlamentarista, ou com outros institutos como o recall de cargos eletivos, presente em alguns Estados dos EUA, como a Califórnia, ou como o referendo revogatório de mandato, previsto no artigo 72 da Constituição da Venezuela de 1999, ou mesmo como o instrumento de democracia direta da revocatoria de mandato, constante nos artigos 11 e 157 da Constituição da Bolívia de 2009, e no artigo 105 da Constituição do Equador de 2008. Por se tratar de um processo de apuração de responsabilidade política do Chefe do Executivo, o impeachment deve observar rigorosamente as exigências determinadas no texto da Constituição, no caso brasileiro, as previstas particularmente nos artigos 85 e 86 do texto constitucional de 1988.

Os crimes de responsabilidade são atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição, devendo ser previamente definidos em lei especial federal. Não são ilícitos penais propriamente ditos, mas atos cuja sanção é, em princípio, política, não penal. Isto não impede que a legislação preveja, em certos casos, a dupla sanção, implicando em um processo penal paralelamente ao processo político. A função do impeachment não é punir indivíduos, mas proteger o país de danos ou ameaças por parte de um governante que abusa do seu poder ou subverte a Constituição (Brossard, 1992BROSSARD, P. O Impeachment: Aspectos da Responsabilidade Política do Presidente da República. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992.: 71-75, 127-128).

Este conjunto de crimes de responsabilidade foi regulamentado pela Lei nº 1.079, de 10 de abril de 195018 18 A recepção da maior parte do texto da Lei nº 1.079/1950 pela Constituição de 1988 foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em várias ocasiões, notadamente nos mandados de segurança impetrados pelo ex-Presidente Fernando Collor de Mello durante o seu processo de impeachment (MS nº 21.564 – DF, MS nº 21.623 – DF e MS nº 21.689 - DF). Para uma análise profunda das decisões do Supremo Tribunal Federal durante o processo de impeachment do ex-Presidente Collor, vide Lima, 1999: 149-151, 161-178. A discussão ocorrida no Supremo Tribunal Federal durante o processo de impeachment de 2016 foi analisada em Bahia, Bacha e Silva e Cattoni de Oliveira, 2016. . Todas as condutas listadas pelo artigo 85 da Constituição de 1988 e pela Lei nº 1.079/1950 são atos funcionais de responsabilidade do Presidente da República em virtude de suas competências e prerrogativas constitucionais de chefe de Estado e de governo. Ou seja, o Presidente da República, no exercício do cargo, pode incorrer em crime de responsabilidade se afrontar a ordem constitucional vigente em vários de seus aspectos, definidos pelo artigo 85 da Constituição e pela Lei nº 1.079/1950. Não são situações que comportam a omissão ou a culpa, mas a atuação deliberada (e dolosa) do Chefe do Poder Executivo em contraposição direta à Constituição da República. Não por acaso, o artigo 85 da Constituição explicitamente menciona que são crimes de responsabilidade do Presidente da República determinados “atos” que atentem contra a Constituição. Não se trata de omissão ou inação, mas de ação deliberada do Chefe do Executivo.

Um parecer do Tribunal de Contas da União, rejeitando ou aprovando as contas anuais da Presidência da República, nada mais é que um documento elaborado por uma assessoria, em princípio, técnica. Ele só tem efeitos jurídicos se for aprovado pelo Congresso Nacional no exercício de sua competência constitucional exclusiva de julgamento das contas presidenciais. A decisão sobre as contas do Presidente da República cabe tão somente ao Congresso Nacional, e não está vinculada ao parecer do Tribunal de Contas da União. O Congresso Nacional pode acatar ou rejeitar o parecer do Tribunal de Contas da União, total ou parcialmente. A Constituição não determina a necessidade de quórum qualificado para a apreciação das contas presidenciais pelos membros do Congresso Nacional, o que deve ser feito, portanto, por maioria de votos, com a presença da maioria absoluta dos congressistas (artigo 47). A eventual rejeição das contas presidenciais pelo Congresso Nacional não configura crime de responsabilidade.

O processo de impeachment é um processo político, mas depende de sólida fundamentação jurídica. O Brasil vivencia desde 2016 o que autores como Paulo Bonavides denominam de “golpe de Estado institucional” (Bonavides, 1999BONAVIDES, P. Do País Constitucional ao País Neocolonial: A Derrubada da Constituição e a Recolonização pelo Golpe de Estado Institucional. São Paulo: Malheiros, 1999.: 19-31), ou seja, o regime mantém as aparências democráticas, mas as instituições mudam em sua essência, promovendo a derrubada da Constituição de 1988 para a implementação das políticas econômicas neoliberais, anunciadas no programa denominado “Uma Ponte para o Futuro” pelo grupo ligado a Michel Temer (Mascaro, 2018MASCARO, A. L. Crise e Golpe. São Paulo: Boitempo, 2018.: 69-93).

Não são necessários sofismas ou de exercícios retóricos para disfarçar a realidade. Impeachment sem fundamento jurídico nada mais é do que um golpe de Estado. Um golpe patrocinado por parcela do Poder Legislativo, o que não lhe confere legitimidade alguma. Mas, para vários juristas, ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, inclusive e especialmente os defensores da “doutrina brasileira da efetividade”, todo esse processo de quebra constitucional não significou nada. Todos vieram a público defender a argumentação cabotina de que o processo de impeachment estava previsto na Constituição, portanto, não poderia ser um golpe.

Na prática, a “doutrina brasileira da efetividade” produz como resultados a negação e a suspensão da constituição, o que reforça o descompasso entre teoria e prática, normatividade e realidade. Após a exposição do que é a “doutrina brasileira da efetividade”, quem a representa, qual a sua proposta teórica e qual a sua agenda, cabe agora abordar a sua aplicação na prática através de alguns elementos interligados: (i) a ilusão da ausência de efetividade, a vigência de um estado de exceção e a onda de retrocessos de direitos fundamentais; e (ii) o congelamento por vinte anos de investimentos do governo federal em investimentos em políticas públicas de direitos sociais, especialmente as relacionadas à saúde e à educação (Emenda Constitucional nº 95, de 2016).

O primeiro elemento analisado é o da falácia da premissa de ausência de efetividade das normas constitucionais, especialmente as relativas aos direitos e garantias fundamentais. Essa premissa vem sendo reiteradamente invocada por Luís Roberto Barroso, que entende terem as supremas cortes e os tribunais constitucionais assumido os papéis contramajoritário, representativo e de “vanguarda iluminista”, cabendo ao Supremo Tribunal Federal “em situações excepcionais (…) promover, em nome de valores racionais, certos avanços civilizatórios e empurrar a história19 19 Para além do seu déficit democrático e da sua abundância egóica, o autor da expressão “vanguarda iluminista” se demonstra progressista nos costumes - interrupção de gravidez de feto anencéfalo (ADPF 54), cotas raciais em universidades públicas (ADPF 186), aborto (HC 124.306 e ADPF 442), descriminalização do porte de drogas para consumo próprio (RE 635.659) - e conservador na economia - quebra do monopólio do serviço postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ADPF 46), flexibilização das relações de trabalho e terceirização (ADPF 324 e RE 958.252), bem como adepto fervoroso da redução do tamanho do Estado e favorável às privatizações (Barroso, 2003c: 6-8; Barroso, 2003d: 16-26, 30-33, 61-66). (Barroso, 2016BARROSO, Luís Roberto. “Contramajoritário, Representativo e Iluminista: Os Papéis das Cortes Constitucionais nas Democracias Contemporâneas”. 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/notas-palestra-luis-robertobarroso.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
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: 4) (grifamos). Isso mesmo sem os membros da corte serem investidos por voto popular e sem estarem sujeitos a mandato ou qualquer controle social.

Aliás, os magistrados em geral, e os ministros do Supremo Tribunal Federal em específico, têm se mostrado verdadeiros políticos vitalícios dotados de privilégios estamentais, e, quando ocorre qualquer tentativa minimamente crítica de se apontar esses privilégios do judiciário, desencadeiam reações retóricas em defesa do protagonismo judicial, como se não houvessem instâncias democráticas de representação popular. Um exemplo desse tipo de comportamento são as afirmações públicas de Luís Roberto Barroso e de Luiz Fux: “Estamos tentando refundar o País” (FecomercioSP, 2017FECOMERCIOSP. “Estamos tentando refundar o País”, diz Luís Roberto Barroso. 28 abr. 2017, 2017. Disponível em: <http://www.fecomercio.com.br/noticia/estamos-tentando-refundar-o-pais-diz-luis-roberto-barroso>. Acesso em 20 set. 2018.
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) e “Só o poder judiciário pode levar nossa nação a um porto seguro” (Souza, 2017SOUZA, André de. ‘Só o Poder Judiciário pode levar nossa nação a um porto seguro’, diz Fux. O Globo. 04 set. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/so-poder-judiciario-pode-levar-nossa-nacao-um-porto-seguro-diz-fux-21783898>. Acesso em: 20 set. 2018.
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). Posturas moralistas e nitidamente antidemocráticas, mera pirotecnia retórica destinada à satisfação de vaidades pessoais e/ou à legitimação das decisões do Supremo Tribunal Federal na sua cruzada moralista e seletiva contra a “corrupção” para agradar aos controladores dos meios de comunicação de massa. Confirma-se, no Brasil, o que Millheiser afirma sobre os magistrados da Suprema Corte dos EUA: “the closest thing America has to actual royalty” (Millheiser, 2015MILLHEISER, I. Injustices – The Supreme Court’s History of Comforting the Comfortable and Afflicting the Afflicted. New York: Nation Books, 2015.: XIV).

De um ponto de vista crítico e comprometido com a democracia e a igualdade materiais, cumpre asseverar que a principal questão das normas constitucionais no Brasil não é de efetividade, mas de seletividade. O discurso de ausência de efetividade é formulado pela “doutrina brasileira da efetividade” de forma genérica e não enfoca esse ou aquele tipo de direitos fundamentais, muito menos seus sujeitos em concreto. Todavia, a prática da “doutrina brasileira da efetividade” demonstra haver muita efetividade das normas constitucionais, porém de forma seletiva. O direito não incide de mesma maneira em relação a cidadãos de diferentes classes sociais, etnias, gêneros, graus de escolaridade.

Um exemplo emblemático é dado pelo próprio ministro Barroso quando afirmou que “O direito penal brasileiro é ineficiente e não consegue atingir aqueles que ganham mais de cinco salários mínimos” (Rodas, 2017RODAS, Sergio. “Normas sem Efeito. Direito Penal Ineficiente Tornou Brasil um “País de Ricos Delinquentes”, diz Barroso. Conjur. 17 mar. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-17/ineficiencia-penal-gerou-pais-ricos-delinquentes-barroso>. Acesso em: 20 set. 2018.
https://www.conjur.com.br/2017-mar-17/in...
). Exatamente por isso, mesmo após a sua constitucionalização de 1988 para cá, o direito penal brasileiro continua muito eficiente e cumpre seu real propósito, o de punir os pobres e manter a posição de classe dominante da elite branca e “iluminista”. Não à toa a maioria da “população carcerária” brasileira (726.712 pessoas) é composta por jovens (55%), negros (64%), pobres e de baixa escolaridade (75%) (Brasil, 2017BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), 2017. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil/relatorio_2016_junho.pdf>. Acesso em 20 set. 2018.
http://www.justica.gov.br/news/ha-726-71...
). No mesmo diapasão, outro exemplo simbólico de efetividade seletiva das normas jurídicas é o advento da lei do feminicídio (Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015) no mesmo ano em que “o Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), apontou um aumento de 54% em dez anos no número de homicídios de mulheres negras, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. No mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013” (ONU Mulheres Brasil, 2015ONU MULHERES BRASIL. “Homicídio contra Negras aumenta 54% em 10 Anos, Aponta Mapa da Violência 2015”. 09 nov. 2015. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/noticias/homicidio-contra-negras-aumenta-54-em-10-anos-aponta-mapa-da-violencia-2015/>. Acesso em 20 set. 2018.
http://www.onumulheres.org.br/noticias/h...
)20 20 Ainda segundo o Mapa da Violência (2015): “(…) Cor das vítimas – As taxas das mulheres e meninas negras vítimas de homicídios cresce de 22,9% em 2003 para 66,7% em 2013. Houve, nessa década, um aumento de 190,9% na vitimização de negras, índice que resulta da relação entre as taxas de mortalidade brancas e negras, expresso em percentual”. .

Em geral, quando alguém insiste em negar algo, é porque isso existe. Essa lição é aplicável para a rotina do ministro Barroso em negar a existência de um estado de exceção no Brasil contemporâneo: “O Brasil é um Estado Democrático de Direito. Não estamos sob regime de exceção. Todas as instituições estão em funcionamento regular” (Ramalho & Oliveira, 2018RAMALHO, Renan & OLIVEIRA, Mariana. “TSE Decide por 6 votos a 1 Rejeitar a Candidatura de Lula a Presidente”. 31 ago. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/31/maioria-dos-ministros-do-tse-vota-pela-rejeicao-da-candidatura-de-lula.ghtml>. Acesso em: 20 set. 2018.
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2...
). Aliás, como mencionado acima, o próprio ministro Barroso defende caber ao Supremo Tribunal Federal “empurrar a história” em “situações excepcionais”.

O que o ministro Barroso parece desconhecer ou ignorar é que a dinâmica do estado de exceção é perfeitamente conciliável com o arquétipo formal do Estado Democrático de Direito; aliás, a Constituição de 1988 tem dispositivos destinados exatamente para isso (estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal). Como demonstram os debates contemporâneos a partir da releitura da obra de Carl Schmitt por Giorgio Agamben (2004)AGAMBEN, G. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. e pelo constitucionalismo crítico brasileiro (Bercovici, 2004BERCOVICI, G. Constituição e Estado de Exceção Permanente: Atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.; Bercovici, 2008aBERCOVICI, G. Soberania e Constituição: Para uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008a., Valim, 2017VALIM, R. Estado de Exceção: A Forma Jurídica do Neoliberalismo. São Paulo: Contracorrente, 2017.), não há mais necessidade de suspensão formal da vigência do ordenamento jurídico para a caracterização do estado de exceção, que é permanente em razão de constante negativa de aplicação de direitos e garantias fundamentais, nos aspectos políticos e econômicos, para a maioria da população. Também por isso, no século XXI, os golpes de Estado e as deposições de governantes democraticamente eleitos não ocorrem mais necessariamente com tanques e rupturas institucionais, mas através de novos atores como o judiciário, em articulação com a mídia e o empresariado. Não por acaso, Michel Temer e Luís Roberto Barroso afirmam reiteradamente que “as instituições estão funcionando”.

A situação no Brasil dos trinta anos de vigência formal da Constituição de 1988 é inusitada: convivem simultânea e harmonicamente uma intervenção federal formalmente decretada - o que, entre outras consequências, impede emendas à Constituição (artigo 60, §1º) - e reiteradas decisões do Congresso e do Supremo Tribunal Federal que restringem materialmente diversos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.

Em 16 de fevereiro de 2018, foi decretada intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, com vigência prevista até 31 de dezembro de 2018. Os militares substituíram o governador do Estado apenas no âmbito temático delimitado à segurança pública, eximindo-se os interventores militares de responsabilidade por outras mazelas fluminenses (finanças públicas, déficit orçamentário, folha de servidores, previdência de aposentados e pensionistas, entre outras), para as quais certamente não trariam soluções e teriam sua imagem arranhada. Por esses motivos, o PSOL ajuizou a ADI 5.915/DF (relator ministro Lewandowski) contra o Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, e até setembro de 2018 não havia sido apreciado o pedido de liminar, nem levado o caso ao plenário. Fica evidente a omissão e conivência do Supremo Tribunal Federal com um estado de coisas que custou pelo menos R$ 1,2 bilhão à União Federal e não apresentou resultados concretos em termos de redução dos índices de violência; pelo contrário (Observatório da Intervenção, 2018OBSERVATÓRIO DA INTERVENÇÃO. “Cinco Meses de Intervenção Federal: Muito Tiroteio, Pouca Inteligência”. Rio de Janeiro: UCAM. Disponível em: <http://observatoriodaintervencao.com.br/wp-content/uploads/2018/08/RELATORIO_04_observ-interv_FINAL_com-isp1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
http://observatoriodaintervencao.com.br/...
).

No sentido econômico, a suspensão das normas constitucionais de direitos sociais foi definida pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir o chamado “Novo Regime Fiscal”, que, entre outras medidas, determina o congelamento por vinte anos de investimentos do governo federal nas áreas de saúde e educação. Ausente nas constituições de quaisquer outros países, tal medida de exceção foi justificada pela necessidade de recomposição das finanças do governo federal em razão de grave crise econômica.

Curiosamente, logo após a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, o governo federal despendeu R$ 32,1 bilhões em emendas parlamentares para agradar a base parlamentar e garantir a obstrução de dois processos de impeachment propostos contra Michel Temer (Frazão, 2017FRAZÃO, Felipe. “Custo de Denúncias contra Temer Alcança R$ 32,1 Bilhões”. UOL Notícias. 25 out. 2017. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/10/25/custo-de-denuncias-contra-temer-alcanca-r-321-bilhoes.htm>. Acesso em: 20 set. 2018.
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noti...
). Falta de recursos parece não haver, ainda mais se considerarmos a prioridade do governo federal em alocar recursos para amortização de dívidas (públicas e privadas), em detrimento de investimentos em direitos sociais. Neste caso, mais uma vez, não se trata de uma questão de efetividade, mas de seletividade na concretização ou não de direitos fundamentais dos cidadãos.

A Emenda Constitucional nº 95 consiste em ditame antidemocrático da sociedade neoliberal, que promove o chamado fenômeno da precificação ou mercantilização de direitos, assim explicado por Rene Keller (2018KELLER, Rene José. “Direito, Estado e Relações Econômicas: a Mercantilização Jurídica como Forma de Priva(tiza)ção do Direito à Cidade”. In: BELLO, Enzo; KELLER, Rene José. (Orgs.). Curso de Direito à Cidade: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, pp. 25-42.: 35):

Quando o Estado fornece determinado direito por meio das políticas públicas, os usuários acessam os direitos apenas sob a veste de valor de uso. Isto é, quem se gradua em uma instituição de ensino pública acessou o bem “educação” apenas sob a veste do valor de uso, da utilidade que terá para a sua formação por motivos variados, no entanto, sem ser tratado o direito como valor de troca. Por outro lado, quando o acesso a determinado direito ocorre pela via concorrencial privada, o bem é obtido a partir do seu valor de troca, abrindo espaço à acumulação privada de capital sob a esfera dos direitos. Com isso, há um processo em curso de privatização ou mercantilização dos direitos que, com a sua precificação, passam a ser fruídos com base no seu valor de troca. O reflexo dessa equação é que o ditame liberal de garantia dos direitos pela via individual privada exime o Estado do seu fornecimento, mercantilizando um bem que de- veria ser alcançado apenas como valor de uso.

A constatação do fracasso da constituição financeira de 1988 em dar suporte para a implementação da constituição econômica (Bercovici & Massonetto, 2006BERCOVICI, Gilberto & MASSONETTO, Luís Fernando. 2006. “A Constituição Dirigente Invertida: A Blindagem da Constituição Financeira e a Agonia da Constituição Econômica”. Boletim de Ciências Económicas, vol. XLIX, 2006, pp. 57-77.) se dá com a Emenda Constitucional nº 95. Um dos motivos deste fracasso é a separação que a doutrina constitucional pós-1988 promoveu entre a constituição financeira e a constituição econômica, como se uma não tivesse nenhuma relação com a outra e como se ambas não fizessem parte da mesma Constituição de 1988. A constituição financeira passou a ser interpretada e aplicada como se fosse “neutra”, meramente processual (Torres, 2000TORRES, R. L. O Orçamento na Constituição (Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. V). 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.: 2-3, 5-6, 25-28, 54-58), com diretrizes e lógica próprias, separada totalmente da ordem econômica e social, esterilizando, assim, a capacidade de intervenção do Estado na economia. Separada da constituição financeira, a constituição econômica de 1988 foi transformada em mera “norma programática”21 21 A expressão “norma programática” é aqui utilizada propositadamente no sentido difundido por José Afonso da Silva, como a norma que depende de regulamentação posterior, portanto, não passível de ser imediatamente concretizada (Silva, 1998: 135-164). .

A adoção das políticas ortodoxas de ajuste fiscal e a implementação das medidas de redução do papel do Estado na economia e de atração de investimentos estrangeiros fez com que se tornasse necessário garantir determinadas medidas de política econômica mesmo contra as maiorias políticas, gerando um processo de reformas constitucionais em vários países, cujo objetivo foi “constitucionalizar a globalização econômica” (Schneiderman, 2008SCHNEIDERMAN, David. Constitutionalizing Economic Globalization: Investment Rules and Democracy's Promise. Cambridge/New York: Cambridge University Press, 2008.). Com a garantia dos investimentos constitucionalizada e a retórica sobre “segurança jurídica”, “regras claras”, “respeito aos contratos”, “Estado de direito” (ou “Rule of Law”) sendo utilizada contra qualquer atuação estatal que contrarie os interesses econômicos dominantes, instituiu-se um fenômeno denominado “blindagem da constituição financeira”, ou seja, a preponderância das regras vinculadas ao ajuste fiscal e à manutenção da política monetária ortodoxa que privilegia os interesses econômicos privados sobre a ordem constitucional econômica e as políticas distributivas e desenvolvimentistas.

A Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que instituiu o “Novo Regime Fiscal” e suspendeu a Constituição de 1988 por vinte anos, se insere neste fenômeno, que ocorre em um contexto de estado de exceção econômico permanente (Bercovici, 2004BERCOVICI, G. Constituição e Estado de Exceção Permanente: Atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.: 171-180; Bercovici, 2008aBERCOVICI, G. Soberania e Constituição: Para uma Crítica do Constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008a.: 327-343; Mascaro, 2018MASCARO, A. L. Crise e Golpe. São Paulo: Boitempo, 2018.: 97-102; Cabral, 2018CABRAL, M. A. M. Subdesenvolvimento e Estado de Exceção: O Papel da Constituição Econômica e do Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.: 15-28), em que se utilizam as medidas emergenciais a todo o momento para salvar os mercados, caracterizando uma subordinação do Estado ao mercado, com a exigência constante de adaptação do direito interno às necessidades do capital financeiro, que busca reduzir a deliberação democrática ao mínimo necessário, como se esta fosse uma mera formalidade.

No sentido de reforçar o estado de exceção econômico, dois novos golpes foram desferidos contra a Constituição de 1988: (i) a promulgação da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que descaracteriza a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), reduzindo uma série de direitos trabalhistas (férias, décimo terceiro salário, entre outros) ao instituir mecanismos jurídicos (“pejotização”, terceirização, contrato intermitente, entre outros) que viabilizam modalidades de trabalho flexível e temporário; (ii) o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em 30 de agosto de 2018, da ADPF 324 e do RE 958.252, no qual a corte terminou de dizimar juridicamente o direito fundamental ao trabalho ao reconhecer a possibilidade (e a “constitucionalidade”!) de terceirização de atividades (meio e fim) de empresas para outras empresas.

O voto condutor foi proferido pelo ministro relator, Luís Roberto Barroso, o principal propugnador da “doutrina brasileira da efetividade”, que, novamente, comprova não haver na prática qualquer problema de efetividade, mas de seletividade na concretização de normas constitucionais de direitos fundamentais. Em suas “Anotações para Voto Oral” (Barroso, 2018bBARROSO, Luís Roberto. “Anotações para Voto Oral (ADPF 324 / RE 958.252)”. 30/08/2018. 2018b. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2018/8/art20180823-04.pdf>.
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2018...
), o relator aborda as transformações na economia de forma prosaica, não traz dados relevantes da realidade social nem faz referência a obras da sociologia do trabalho. Promove um salto histórico de mais de 70 mil anos em menos de uma lauda, para embasar sua “compreensão do mundo atual”, do “direito do trabalho no contexto atual”, das “mudanças no mundo do trabalho no Brasil e no mundo”, e para justificar que o Brasil está na era da economia digital e da revolução tecnológica, e, portanto, precisa se adequar aos novos tempos (“Temos que ser passageiros do futuro e não prisioneiros do passado”). Em suma, entende a terceirização como “uma estratégia de produção imprescindível para a sobrevivência e competitividade de muitas empresas brasileiras, cujos empregos queremos preservar” (Barroso, 2018bBARROSO, Luís Roberto. “Anotações para Voto Oral (ADPF 324 / RE 958.252)”. 30/08/2018. 2018b. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2018/8/art20180823-04.pdf>.
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2018...
).

Curiosamente, a narrativa sobre o processo produtivo é unilateral do ponto de vista das empresas, dos negócios e das mercadorias, surgindo os trabalhadores a reboque, com “benefícios” na medida do que “a economia comporte”. Quando muito, o voto “enfrenta alguns argumentos contrários à terceirização”22 22 São eles: redução do curso da mão de obra, precarização da relação de emprego e de submissão dos terceirizados a condições adversas de saúde e segurança, alta rotatividade no emprego e de sobrecarga dos sistemas de previdência e assistência social, oferecimento de salários e benefícios inferiores. , para, enfim, chegar na sua argumentação jurídica pela inconstitucionalidade da vedação à terceirização, adotando uma visão de mundo individualista como fundamento de sua interpretação das normas constitucionais. Como de praxe, a fundamentação de Barroso está situada na teoria dos princípios, afirmando a primazia dos princípios da livre iniciativa (artigo 170, caput) e da livre concorrência (artigo 170, IV), da segurança jurídica, abrangendo a dignidade humana do trabalhador (artigo 1º), os direitos trabalhistas (artigo 7º), e os direitos à previdência social, à saúde e à segurança no trabalho. Direitos estes que, segundo ele, estariam preservados em razão dos “ganhos de eficiência proporcionados pela terceirização”, cuja projeção não faz.

7. Conclusão

Há duas questões que não podem deixar de serem feitas na atual conjuntura. Há futuro para a Constituição de 1988? O que fazer?

Não somos os primeiros a denunciar o golpe institucional contra a Constituição de 1988 (Bonavides, 1999BONAVIDES, P. Do País Constitucional ao País Neocolonial: A Derrubada da Constituição e a Recolonização pelo Golpe de Estado Institucional. São Paulo: Malheiros, 1999.), nem os primeiros a declarar a sua morte (Comparato, 1997COMPARATO, Fábio Konder. “Réquiem para uma Constituição”. Revista Trimestral de Direito Público nº 20, 1997, pp. 5-11.). A diferença, talvez, se dê no fato de que Paulo Bonavides e Fábio Konder Comparato escreveram suas análises no contexto do processo de desfiguração constitucional levado a cabo pelo governo de Fernando Henrique Cardoso em que havia um embate claro entre os defensores do texto constitucional e os seus oponentes neoliberais. A partir dos anos 2000, esse embate arrefeceu, o que não significa que não continuaram existindo disputas entre os vários grupos políticos e econômicos em torno da constituição. O recrudescimento do ataque à constituição, no entanto, mudou de lugar e, embora continue contando com apoio no Congresso Nacional e no Poder Executivo, passou a ser desferido preponderantemente a partir do Supremo Tribunal Federal. Com o golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016 e as contínuas violações ao texto constitucional por parte de todos os poderes, o sistema constitucional brasileiro de 1988 simplesmente colapsou.

Infelizmente, a Constituição de 1988 não fará parte de qualquer que seja o caminho para a resolução da atual crise nacional, pois ela perdeu o potencial de limitar e orientar a composição e dinâmica das relações políticas e sociais. De tanto ser desrespeitada a céu aberto, seja pelo golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016, seja por reiteradas decisões contrárias ao seu texto tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, seja pelos falsos argumentos da “governabilidade” que tanto utilizam nossos auto intitulados juristas, ficou só a folha de papel, descolada dos fatores reais de poder (Lassalle, 1907LASSALLE, F. “Über Verfassungswesen”. In: LASSALLE, Ferdinand. Gesamtwerke: Politische Reden und Schriften. Leipzig: Verlag von Karl Fr. Pfau., vol. 1, 1907, pp. 40-69.).

Diante desse cenário, o que fazer? A pergunta formulada por Lênin, em panfleto de 1902 (Lênin, 2015LÊNIN, V. I. Que fazer? Problemas Candentes do Nosso Movimento. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.), é pertinente no atual momento de atropelo conservador e impasse no campo progressista no Brasil dos 30 anos da Constituição de 1988. Não há resposta pronta e acabada. Do ponto de vista crítico, não há como se defender soluções formuladas de cima para baixo, por elites e sujeitos “iluminados” do mundo abstrato das teorias, mas desde abajo, a partir da materialidade da vida social e através das resistências das lutas anticapitalistas nos campos da política, da economia e da cultura. A compreensão das questões do Brasil e do mundo para além do campo jurídico, em si, já é uma providência considerável e permite a construção coletiva e democrática de alternativas, tendo-se clara a complexidade do funcionamento do capitalismo e o papel do direito na sua manutenção, reprodução e instrumentalização, que geram e mantêm mazelas como pobreza, fome, desigualdades sociais, concentração de riquezas, superexploração do trabalho, entre outras.

Como vimos, os guardiões formalistas do rito simulam conservar a utilidade da Constituição como orientadora da composição institucional do aparelho de Estado, afirmando reiteradamente que “as instituições estão funcionando”. Isso não é verdade. O texto constitucional de 1988 foi perdendo força e resiliência; o tecido constitucional esgarçou-se. Um dos resultados desse lento e doloroso processo é a impossibilidade de identificar, hoje, elementos capazes de orientar um projeto nacional e articular uma agenda positiva reconstitutiva de um pacto social sensível às transformações da composição de forças, interesses e compreensão de mecanismos adequados de governo e administração. Com a vitória do golpe de Estado de 2016 e a morte matada da Constituição de 1988, adentramos no século XXI já vencidos, retrocedendo a passos largos rumo ao século XIX. A impressão que fica destes trinta anos de vigência meramente formal da Constituição de 1988 é que não passaram de uma “ilusão constitucional” (Lênin, 1985LÊNIN, V. I. Ilusões Constitucionalistas. 2ª ed. São Paulo: Kairós, 1985.), ecoando as considerações feitas há cerca de um século pelo grande escritor Lima Barreto: “A Constituição é lá pra você?” (Barreto, 2010BARRETO, Lima. O Cemitério dos Vivos. São Paulo: Cosac Naify, 2010.: 245).

  • 1
    Artigo 3º da Constituição do Brasil de 1988: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I — construir uma sociedade livre, justa e solidária; II — garantir o desenvolvimento nacional; III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
  • 2
    Devemos destacar o texto pioneiro de José Horácio Meirelles Teixeira (Teixeira, 1991TEIXEIRA, J. H. M. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.: 295-362), em que Crisafulli é constantemente citado. Parte das ideias do jurista italiano vão ser incorporadas, posteriormente, à tese de José Afonso da Silva sobre a "aplicabilidade das normas constitucionais".
  • 3
    Particularmente, este é o caso de Vezio Crisafulli, que admitiu expressamente que a concepção de norma programática acabou consistindo em um equívoco, pois, embora tinha sido elaborada para estender o campo da juridicidade, terminou justificando a não concretização das normas constitucionais, notadamente as de cunho social (Crisafulli, 1952bCRISAFULLI, Vezio. “L’art. 21 della Costituzione e l’Equivoco delle Norme ‘Programmatiche’”. In: CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio. Milano: Giuffrè, 1952b, pp. 99-111.: 101).
  • 4
    De acordo com Barroso (2003a)BARROSO, L. R. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003a., os elementos da “frustração constitucional” são a “inflação jurídica”, a “insinceridade normativa” e a “jurisdicização do fato político”.
  • 5
    Para a crítica desta concepção de princípios, entendidos como obrigações prima facie, na medida em que poderiam ser superadas por outros princípios colidentes, vide Ávila, 2008ÁVILA, H. Teoria dos Princípios: Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.: 44-51.
  • 6
    Para um levantamento desses modelos constitucionais asiáticos (especialmente indiano), africanos e latino-americanos e suas similaridades e diferenças em relação ao modelo constitucional brasileiro, vide Bercovici, 2013bBERCOVICI, Gilberto. “A Constituição Brasileira de 1988, as “Constituições Transformadoras” e o “Novo Constitucionalismo Latino-Americano”. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais nº 26, 2013b, pp. 285-305., Tavares, 2014TAVARES, André Ramos. Direito Econômico Diretivo: Percursos das Propostas Transformativas. Mimeo. Tese (titularidade). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014., e Bello, 2018BELLO, E. A Cidadania no Constitucionalismo Latino-Americano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018..
  • 7
    A perspectiva de que para um Estado só existe uma nação foi confirmada pelo STF no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Pet. 3.388/RR), tendo a corte negado expressamente a possibilidade de reconhecimento do pluralismo jurídico no Brasil.
  • 8
    A noção de “dignidade da pessoa humana” consta no art. 1º, III, da Constituição de 1988, e tem origem normativa na Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã de 1949). Trata-se de matriz axiológica moderna, europeia, individualista e racionalista que permeia a atuação de inúmeros magistrados brasileiros como uma espécie de “coringa” para a fundamentação de decisões em quaisquer searas e temas (desde brigas de vizinhos até as formas de intervenção do Estado na economia), supostamente para a ampliação da pretensa efetividade dos direitos fundamentais.
  • 9
    A expressão “neoconstitucionalismo" ganhou notoriedade no Brasil no início da década de 2000, com a divulgação do livro de Miguel Carbonell (2003)CARBONELL, M. (Org.). Neoconstitucionalismo(s)? Madrid: Trotta, 2003., que traz artigos de autores europeus críticos ao positivismo jurídico e defensores de uma reconexão do direito com a moral. Vide, ainda, a precisa crítica ao "neoconstitucionalismo" de Dimitri Dimoulis (2008DIMOULIS, Dimitri. “Uma Visão Crítica do Neoconstitucionalismo”. In: LEITE, George Salomão & LEITE, Glauco Salomão (Coords.). Constituição e Efetividade Constitucional. Salvador: Editora JusPODIVM, 2008, pp. 43-59.: 43-59).
  • 10
    Mandados de Segurança 30.260/DF e 30.272/DF.
  • 11
    Para Ian Millhiser, a restauração das premissas da igualdade, liberdade de expressão e fair justice constitui uma anomalous phase na história da Suprema Corte dos EUA; a representar ainda verdadeiro acidente histórico em sua trajetória de “confortar os confortáveis e afligir os aflitos”. (Millheiser, 2015MILLHEISER, I. Injustices – The Supreme Court’s History of Comforting the Comfortable and Afflicting the Afflicted. New York: Nation Books, 2015.: XIV).
  • 12
    Além da mutação por práticas estatais contrárias à constituição, Hsü Dau-Lin descreve outras três modalidades de mutação constitucional: “1. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal que não viola formalmente a Constituição; 2. Mutação da Constituição mediante a impossibilidade de exercer certos direitos estatuídos constitucionalmente; (...) 4. Mutação da Constituição mediante sua interpretação” (Hsü Dau-Lin, 1932HSÜ DAU-LIN. 1932. Die Verfassungswandlung. Berlin/Leipzig: Walter de Gruyter, 1932.: 19).
  • 13
    Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, ambas sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, requeridas pelo então Partido Ecológico Nacional (atualmente partido Patriotas), e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, respectivamente.
  • 14
    No julgamento de caso análogo (HC 126.292/SP), o ministro Barroso chegou a fundamentar em "dados" do que ele chama de “parecer artesanal”, elaborado por sua assessoria, para eliminar a presunção de inocência asseverando serem raríssimos os casos de absolvição de réus nos tribunais superiores, devendo ser autorizada a prisão de condenados em segundo grau de jurisdição mesmo sem decisão transitada em julgado.
  • 15
    Para uma crítica mais aprofundada à reforma do Estado da década de 1990, vide Nohara, 2012NOHARA, I. P. Reforma Administrativa e Burocracia: Impacto da Eficiência na Configuração do Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2012..
  • 16
    No original: „Die Ironie der Weltgeschichte stellt alles auf den Kopf. Wir, die „Revolutionäre“ die „Umstürzler“, wir gedeihen weit besser bei den gesetzlichen Mitteln als bei den ungesetzlichen und dem Umsturz. Die Ordnungsparteien, wie sie sich nennen, gehen zugrunde an dem von ihnen selbst geschaffenen gesetzlichen Zustand. Sie rufen verzweifelt mit Odilon Barrot: la légalité nous tue, die Gesetzlichkeit ist unser Tod (...)“.
  • 17
    No original: “Durch den Begriff der Sicherheit erhebt sich die bürgerliche Gesellschaft nicht über ihren Egoismus. Die Sicherheit ist vielmehr die Versicherung ihres Egoismus“.
  • 18
    A recepção da maior parte do texto da Lei nº 1.079/1950 pela Constituição de 1988 foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em várias ocasiões, notadamente nos mandados de segurança impetrados pelo ex-Presidente Fernando Collor de Mello durante o seu processo de impeachment (MS nº 21.564 – DF, MS nº 21.623 – DF e MS nº 21.689 - DF). Para uma análise profunda das decisões do Supremo Tribunal Federal durante o processo de impeachment do ex-Presidente Collor, vide Lima, 1999LIMA, M. M. B. Staat und Justiz in Brasilien: Zur historischen Entwicklung der Justizfunktion in Brasilien - Kolonialgerichtsbarkeit in Bahia, Richterschaft im Kaiserreich und Verfassungsgerichtsbarkeit in der Republik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 1999.: 149-151, 161-178. A discussão ocorrida no Supremo Tribunal Federal durante o processo de impeachment de 2016 foi analisada em Bahia, Bacha e Silva e Cattoni de Oliveira, 2016BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; BACHA E SILVA, Diogo & CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O Impeachment e o Supremo Tribunal Federal: História e Teoria Constitucional Brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2016..
  • 19
    Para além do seu déficit democrático e da sua abundância egóica, o autor da expressão “vanguarda iluminista” se demonstra progressista nos costumes - interrupção de gravidez de feto anencéfalo (ADPF 54), cotas raciais em universidades públicas (ADPF 186), aborto (HC 124.306 e ADPF 442), descriminalização do porte de drogas para consumo próprio (RE 635.659) - e conservador na economia - quebra do monopólio do serviço postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ADPF 46), flexibilização das relações de trabalho e terceirização (ADPF 324 e RE 958.252), bem como adepto fervoroso da redução do tamanho do Estado e favorável às privatizações (Barroso, 2003cBARROSO, Luís Roberto. “Prefácio: O Estado que Nunca Foi”. In: MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório: A Alternativa Participativa e Flexível para a Administração Pública de Relações Setoriais Complexas no Estado Democrático. Rio de Janeiro: Renovar, pp. 1-9, 2003c.: 6-8; Barroso, 2003dBARROSO, Luís Roberto. “Introdução: Aspectos Constitucionais”. In: MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório: A Alternativa Participativa e Flexível para a Administração Pública de Relações Setoriais Complexas no Estado Democrático. Rio de Janeiro: Renovar, pp. 15-66, 2003d.: 16-26, 30-33, 61-66).
  • 20
    Ainda segundo o Mapa da Violência (2015): “(…) Cor das vítimas – As taxas das mulheres e meninas negras vítimas de homicídios cresce de 22,9% em 2003 para 66,7% em 2013. Houve, nessa década, um aumento de 190,9% na vitimização de negras, índice que resulta da relação entre as taxas de mortalidade brancas e negras, expresso em percentual”.
  • 21
    A expressão “norma programática” é aqui utilizada propositadamente no sentido difundido por José Afonso da Silva, como a norma que depende de regulamentação posterior, portanto, não passível de ser imediatamente concretizada (Silva, 1998SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.: 135-164).
  • 22
    São eles: redução do curso da mão de obra, precarização da relação de emprego e de submissão dos terceirizados a condições adversas de saúde e segurança, alta rotatividade no emprego e de sobrecarga dos sistemas de previdência e assistência social, oferecimento de salários e benefícios inferiores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2018
  • Aceito
    02 Out 2018
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