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Destaques dos novos consensos sobre doenças da tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

EDITORIAL

Destaques dos novos consensos sobre doenças da tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

João Hamilton RomaldiniI,II; Danilo VillagelinI; Ana Beatriz Pinotti Pedro MiklosII,III

IFaculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Campinas, SP, Brasil

IIHospital do Servidor Público Estadual, Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSP), São Paulo, SP, Brasil

IIIFaculdade de Medicina do ABC (FMABC), Santo André, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Danilo Villagelin Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Faculdade de Medicina, Campus II Av. John Boyd Dunlop, s/nº 13060-904 - Campinas, SP, Brasil dvillagelin@gmail.com

Consenso é um processo de grupo em que a entrada de todos os membros é cuidadosamente considerada. É um longo processo de sintetizar a sabedoria de todos os participantes na melhor decisão possível. A raiz de consenso é o consentimento, que significa dar permissão. Quando se concorda com uma sugestão, com base nas evidências apresentadas, é dada permissão para o grupo prosseguir com a recomendação. Pode-se não concordar com a sugestão, mas, como foi alcançado um consenso, deve-se considerar a decisão de ir em frente, porque foi a melhor solução encontrada no momento atual. Esses novos consensos da diretoria de tiroide da SBEM foram o resultado de uma longa cooperação de seus membros, resultando em um excelente trabalho.

CONSENSO BRASILEIRO PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO HIPERTIREOIDISMO: RECOMENDAÇÕES DO DEPARTAMENTO DE TIREOIDE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA

O hipertireoidismo é uma doença que apresenta diversas etiologias, com quadro clínico variável dependendo da idade do paciente acometido, dos níveis dos hormônios tireoidianos e do tempo entre o início dos sintomas e o início da terapia. Está associado ao aumento da mortalidade tanto na forma aguda (crise tireotóxica) como na sua apresentação subclínica.

Os autores realizaram 53 recomendações a respeito do diagnóstico, tratamento e monitoramento das diversas formas de hipertireoidismo.

Algumas recomendações merecem destaques:

Diminuição do uso do propiltiouracil (PTU): nos últimos anos aumentaram as evidências do potencial hepatotóxico do PTU, sobretudo em crianças. Atualmente seu uso se resume quase que exclusivamente no primeiro trimestre da gestação.

O aumento do uso de metimazol: com a diminuição do uso do PTU devido aos potenciais efeitos colaterais e o aumento do uso de drogas antitireoidianas demonstrado pelas últimas pesquisas, o metimazol vem ganhando papel de destaque. Outro importante fato foram os estudos demonstrando a pequena possibilidade de teratogenecidade e seu uso seguro na gestação, particularmente após o primeiro trimestre.

Radioiodo e oftalmopatia de Graves: reconhecimento que o radioiodo pode agravar o quadro de oftalmopatia de Graves, especialmente nos pacientes com fatores de risco (tabagismo, oftalmopatia preexistente e altos títulos do TRAb).

Uso de glicocorticoides para a prevenção da oftalmopatia de Graves: indicação do uso de glicocorticoides em pacientes com oftalmopatia de Graves com fatores de risco que irão ser submetidos ao radioiodo.

Gestação e TRAb: orientação para realizar a dosagem do Trab em pacientes gestantes com doença de Graves, incluindo aquelas que já foram tratadas com iodo radioativo, com finalidade de pesquisar o hipertireoidismo fetal e neonatal.

Apesar do grande esforço da diretoria do Departamento de Tiroide da SBEM, faz-se necessário mencionar que a maioria das recomendações não foi baseada em trabalhos duplo-cegos prospectivos e randomizados. Infelizmente, para algumas das recomendações talvez isso nunca seja possível em função do número de pacientes a serem estudados e o tempo de estudo necessário.

Além desse fato, restam-nos algumas perguntas que ainda causam inquietude e não foram respondidas:

• Por quanto tempo devem ser usadas as drogas antitireoidianas no hipertireoidismo por doença de Graves?

• Existe diferença em relação à qualidade de vida entre as diferentes formas de tratamento para a doença de Graves?

A oftalmopatia da doença de Graves continua sendo um desafio para a tiroidologia, com inúmeras perguntas ainda a serem respondidas. Entre elas, não está definido qual o melhor regime do uso de glicocorticoide para a profilaxia da oftalmopatia de Graves nos pacientes que forem submetidos ao radioiodo.

CONSENSO BRASILEIRO PARA A ABORDAGEM CLÍNICA E TRATAMENTO DO HIPOTIREOIDISMO SUBCLÍNICO EM ADULTOS: RECOMENDAÇÕES DO DEPARTAMENTO DE TIREOIDE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA

O hipotireoidismo subclínico (HipoS) é hoje a alteração da função tireoidiana mais comumente observada, acometendo todas as faixas etárias, entre ambos os sexos, e está associada em alguns casos ao aumento da morbidade/mortalidade. O atual consenso vem em um excelente momento, trazendo respostas objetivas para assuntos controversos e guiando não apenas os endocrinologistas, mas grande parte dos médicos deste país diante de uma situação frequentemente encontrada na prática clínica.

Algumas recomendações de destaque entre as 29 realizadas por esse grupo de renomados endocrinologistas são:

Repetição da dosagem do TSH: o HipoS é uma situação em que existe a permanência do TSH acima do limite da normalidade e o T4 livre normal. Em algumas situações, o TSH se eleva temporariamente e, após determinado período, retorna para valores da normalidade. Sempre se deve realizar ao menos uma dosagem com intervalo de, no mínimo, 3 a 6 meses para confirmação do diagnóstico e posterior tratamento. Existem fatores de risco bem determinados que estão associados à progressão do HipoS, como o TSH > 10 mUI/L, presença de anticorpos e sexo feminino.

Classificação do HipoS: o HipoS está associado a mortalidade e a eventos cardiovasculares. Para facilitar a estratificação desses pacientes, podemos agrupá-los em formas leves a moderadas (TSH entre 4,5-9,9 mU/L) e severa (TSH > 10 mU/L).

Mortalidade cardiovascular e HipoS: associação em pacientes menores de 65 anos nessas condições, indicando o tratamento do HipoS nesses indivíduos.

Gestação e HipoS: elaboração de valores de acordo com os trimestres da gestação e tratamento do HipoS na gestação.

Apesar do extraordinário esforço desse grupo de endocrinologistas, algumas questões infelizmente não foram respondidas. Esperamos que o novo Consenso de Doenças Tireoidianas na Gestação, que está sendo elaborado pelo Departamento de Tireoide, possa responder a tais questões. Em relação ao screening do HipoS na gestação, talvez falte o rigor da evidência científica para endossar o screening universal, embora a quase totalidade dos endocrinologistas felizmente já faça uso de tal conduta.

Outro importante aspecto que talvez em um futuro próximo se compreenda melhor é de que maneira pequenas flutuações da função tiroideana, como ocorre no HipoS, interferem na qualidade de vida e na função cardíaca. Qual será a melhor forma de mensurar esses achados?

HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO: RECOMENDAÇÕES DO DEPARTAMENTO DE TIREOIDE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA

O início da triagem neonatal para hipotireoidismo congênito (HC) levou ao reconhecimento e tratamento de bebês acometidos antes do aparecimento clínico de sinais e sintomas de hipotireoidismo. Esse método, muito difundido, tem em grande parte reduzido, se não eliminado, os efeitos neurológicos adversos do HC.

Alguns importantes pontos a serem destacados nessa recomendação são:

Obrigatoriedade de toda a criança realizar o screening e instituição precoce da terapia com L-tiroxina: o principal objetivo da triagem neonatal para o HC é evitar as sequelas, principalmente o retardo mental secundário ao hipotiroidismo. A triagem deve ser realizada em toda criança e, quando necessário, o início da terapêutica deve ocorrer nas duas primeiras semanas de vida.

Diagnóstico diferencial entre formas de hipotiroidismo congênito permanente e transitório: o hipotireoidismo neonatal pode ser permanente ou transitório. Nas formas em que a etiologia do hipotireoidismo não está estabelecida, deve-se reavaliar esses pacientes após os 3 anos de idade, com a suspensão da levotiroxina (L-T4).

Necessidade de investigação de outras anomalias congênitas: o HC está associado a anormalidades cardíacas, renais e neurológicas. Deve-se realizar o screening auditivo em portadores de HC.

Todavia, alguns pontos em relação ao screening ainda estão em aberto. Não está definido qual o melhor método para a realização da triagem: TSH? TSH e T4? T4 apenas?

UTILIZAÇÃO DOS TESTES DE FUNÇÃO TIREOIDIANA NA PRÁTICA CLÍNICA

Determinação de TSH: foram feitas importantes observações, tais como a importância do uso do TSH na avaliação inicial das doenças tiroidianas e a definição de seus valores de normalidade, questionando os eventuais benefícios em se tratar pacientes com TSH > 2,5 e < 4,5 mIU/L, mas sugerindo um acompanhamento e observação desses últimos pacientes; avaliação e monitorização cuidadosa dos pacientes com TSH entre 4,5-10 mIU/L e T4L normal; utilização do TSH a cada cinco anos em mulheres acima dos 35 anos e em gestantes, além de pacientes com risco aumentado para doenças tireoidianas e as indicações pediátricas (crianças com baixa estatura e retardo de crescimento, hiperatividade, déficit de atenção e baixo rendimento escolar).

Determinação do TRAb: outro ponto importante é o uso do TRAb no final do tratamento como mais uma ferramenta para avaliar a possibilidade de remissão ou não.

Com o passar do tempo e o aumento das informações nas diversas áreas do conhecimento e da medicina, tornou-se cada vez mais difícil conseguir acompanhar todos os trabalhos e atualizações em tempo real.

Os "consensos" são ferramentas extremamente úteis para todos os profissionais e, nesse sentido, compilam, organizam e classificam, de maneira prática, as diversas perguntas que se têm feito para determinadas situações. E o mais importante: respondem a essas perguntas com base na evidência científica que existe de melhor e mais atual. Entretanto, devem servir como guias e não como verdades absolutas ou imutáveis, sendo usados aliados ao bom senso e à realidade de cada indivíduo. Com o avanço cada vez maior da medicina, das áreas do conhecimento da genética e com esses exames mais acessíveis à população, talvez se alcance uma medicina mais personalizada, ajustando a terapêutica de maneira única para cada caso.

Recebido em 7/Abr/2013

Aceito em 7/Abr/2013

  • Correspondência para:

    Danilo Villagelin
    Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Faculdade de Medicina, Campus II
    Av. John Boyd Dunlop, s/nº
    13060-904 - Campinas, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013
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