Acessibilidade / Reportar erro

Hemangioma cavernoso intramedular: relato de caso

Spinal cord intramedullary cavernous haemangioma: case report

Resumos

O hemangioma cavernoso intramedular é anomalia vascular de baixo fluxo, curável através de ressecção cirúrgica. Entretanto, se não forem instituídos o diagnóstico precoce e a terapêutica adequada, pode levar à graves sequelas neurológicas. É extremamente raro a ocorrência de um angioma cavernoso intramedular. É relatado o caso de uma paciente de 33 anos, com um angioma cavernoso intramedular no nível de T6 - T7, que apresentava quadro clínico de compressão medular lenta e progressiva, com piora recente importante. A ressonância magnética da coluna torácica demonstrou, entre a sexta e a sétima vértebras dorsais, lesão expansiva intramedular que se apresentava hipointensa em T1 e discretamente hiperintensa em T2, com pequeno halo hipointenso à sua volta nas duas sequências. A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico tardio e não apresentou recuperação neurológica. Os achados clínicos, de imagem e a importância de instituir precocemente o tratamento adequado são analisados e discutidos.

angioma cavernoso; cavernoma; intramedular; malformação vascular; hemangioma cavernoso


The intramedullary cavernous haemangioma is a low flow vascular anomaly curable through surgical resection, howewer if the precocious diagnosis and the appropriate therapeutics are not done it can cause serious neurological sequels.It is extremely rare the occurrence of intramedullary cavernous haemangioma. We report the case of a 33 year-old woman patient with an intramedullary cavernous angioma at T6-T7, that presented a clinical picture of slow and progressive spinal cord compression , with an important recent worsening.The magnetic resonance of the thoracic column demonstrated a T6 - T7 a intramedullary expansive lesion wich presented hypointense on T1 and discretely hyperintense on T2 with a small hypointense area in the two sequences.The patient was submitted to late surgical treatment and did not presented neurological recovery. The clinical and imagelogy pictures, and the importance of instituing precociously the appropriate treatment of this entity is reviewed, analyzed and discussed.

cavernous angioma; cavernoma; intramedullary vascular malformation; cavernous haemangioma


Hemangioma cavernoso intramedular: relato de caso

Spinal cord intramedullary cavernous haemangioma: case report

Juliano ColonettiI; Fernando de Oliveira CostaII; André Geraldo Dal Bó LimaI; Giancarlo Bettin SanchezI

Serviço de Neurocirurgia do Hospital Santa Casa Misericórdia de Pelotas, RS, Brasil (UCPE)

IAcadêmico de Medicina

IINeurocirurgião do Serviço de Neurocirurgia e Diretor da Escola de Medicina da UCPEL

RESUMO

O hemangioma cavernoso intramedular é anomalia vascular de baixo fluxo, curável através de ressecção cirúrgica. Entretanto, se não forem instituídos o diagnóstico precoce e a terapêutica adequada, pode levar à graves sequelas neurológicas. É extremamente raro a ocorrência de um angioma cavernoso intramedular. É relatado o caso de uma paciente de 33 anos, com um angioma cavernoso intramedular no nível de T6 - T7, que apresentava quadro clínico de compressão medular lenta e progressiva, com piora recente importante. A ressonância magnética da coluna torácica demonstrou, entre a sexta e a sétima vértebras dorsais, lesão expansiva intramedular que se apresentava hipointensa em T1 e discretamente hiperintensa em T2, com pequeno halo hipointenso à sua volta nas duas sequências. A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico tardio e não apresentou recuperação neurológica. Os achados clínicos, de imagem e a importância de instituir precocemente o tratamento adequado são analisados e discutidos.

Palavras-chave: angioma cavernoso, cavernoma, intramedular, malformação vascular, hemangioma cavernoso.

ABSTRACT

The intramedullary cavernous haemangioma is a low flow vascular anomaly curable through surgical resection, howewer if the precocious diagnosis and the appropriate therapeutics are not done it can cause serious neurological sequels.It is extremely rare the occurrence of intramedullary cavernous haemangioma. We report the case of a 33 year-old woman patient with an intramedullary cavernous angioma at T6-T7, that presented a clinical picture of slow and progressive spinal cord compression , with an important recent worsening.The magnetic resonance of the thoracic column demonstrated a T6 - T7 a intramedullary expansive lesion wich presented hypointense on T1 and discretely hyperintense on T2 with a small hypointense area in the two sequences.The patient was submitted to late surgical treatment and did not presented neurological recovery. The clinical and imagelogy pictures, and the importance of instituing precociously the appropriate treatment of this entity is reviewed, analyzed and discussed.

Key words: cavernous angioma, cavernoma, intramedullary vascular malformation, cavernous haemangioma.

Hemangiomas cavernosos são malformações vasculares que ocorrem no tecido nervoso1,2. E quando intramedulares são classicamente descritas como raras3. Malformações cavernosas espinhais ocorrem usualmente nas vértebras e podem se estender para dentro do canal medular extradural4. Cavernoma extradural e intradural já foram relatados. No presente relato, descrevemos um caso de angioma cavernoso, revisamos a literatura relacionada à patologia e discorremos sobre seus aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos. A apresentação clínica mais comum é a de síndrome medular de evolução lenta e progressiva5,6. O tratamento do angioma cavernoso é cirúrgico, mas há poucos casos relatados de completa excisão cirúrgica7,8. A ressonância magnética (RM) é o exame de imagem de escolha para o diagnóstico5,9,10.

CASO

Mulher de 33 anos de idade apresentava, na admissão, história de 1 ano de evolução de dor lombar alta com piora importante recente associada a diminuição progressiva da força muscular nos membros inferiores. A paciente apresentava dificuldade para deambular com intensificação recente que culminou com plegia dos membros inferiores posteriormente. Negava qualquer tipo de traumatismo raquimedular. O exame neurológico revelou discreta paraparesia espástica e hiperreflexia nos membros inferiores, sem alteração sensorial.A RM da coluna torácica revelou, entre a sexta e sétima vértebras dorsais, lesão expansiva intramedular medindo cerca de 1,2 centímetros no maior diâmetro. Esta lesão se apresentava hipotensa na sequência ponderada em T1 e discretamente hipertensa em T2, com pequeno halo menos hipotenso à sua volta nas duas sequências. A lesão (Fig 1), após a injeção de gadolíneo não sofreu modificações significativas. Realizou-se intervenção cirúrgica com ressecção de uma massa de consistência esponjosa e coloração vinhosa. O estudo anátomo-patológico da peça revelou-se negativo para malignidade, apresentando diagnóstico definitivo posterior de angioma cavernoso. A paciente apresentou quadro de constipação intestinal e retenção urinária durante a admissão hospitalar; realizou-se sondagem vesical e a paciente recebeu alta hospitalar 10 dias após a cirurgia sem apresentar melhora clínica.Após 4 anos da cirurgia a paciente apresenta-se com plegia dos membros inferiores.


DISCUSSÃO

Os angiomas cavernosos são malformações vasculares que podem afetar qualquer área do sistema orgânico. Foram relatados casos de envolvimento do sistema nervoso central (SNC) simultaneamente com fígado, baço, rim, coração e pele11-13. Ocorrem em 0,5% a 0,7% da população, perfazendo 8% a 15% de todas as malformações vasculares do neuro-eixo. São lesões caracteristicamente intra-axiais; 78% dos casos localizam-se em região supratentorial e 22% em infra-tentorial14, podendo apresentar-se sob duas formas: esporádica e familiar15,16. Nesta, as lesões são múltiplas e atribui-se um modo de transmissão autossômico dominante com alta penetrância e expressividade variadas6. Os angiomas cavernosos perfazem 3 a 15% de todas as lesões angiomatosas no território espinhal17. Tais lesões se distinguem em lesões extradurais e lesões intradurais.As lesões extradurais podem localizar-se no corpo vertebral, no corpo vertebral com extensão epidural e lesão epidural; as lesões intradurais se dividem em extramedulares e intramedulares9. Malformações cavernosas intramedulares da coluna vertebral ocorre mais frequentemente no sexo feminino com razão aproximada de 2:14. Geralmente ocorre entre a terceira e sexta décadas de vida, apresentando paraparesia progressiva, perda sensorial, frequentemente associada com dor. Podem ser indistinguíveis de radiculomielopatia crônica progressiva4. Tem sido sugerido que os angiomas cavernosos são uma forma adulta de um hemangioma da infância18. O declínio neurológico agudo ocorre secundário a hemorragias dentro da medula espinhal. Não existem evidências de que os cavernomas aumentem de tamanho19. Os sintomas agudos da doença são provavelmente causados por novas hemorragias ocorridas dentro ou ao redor das lesões4. As complicações dos angiomas incluem hemorragia subaracnóidea, hematoma epidural, hematomielia, lesões compressivas da medula e das raízes com défices neurológicos progressivos, e alterações isquêmicas, causando radiculomielopatia crônica progressiva, denominada anteriormente Síndrome de Foix-Alajouanine.As lesões crônicas da medula e das raízes espinhais resultam de compressão, trombose dos vasos anômalos,distúrbios da drenagem venosa entre outros.

A histologia dos angiomas cavernosos revela uma malformação vascular composta de canais vasculares sinusóides irregulares, com delgadas paredes de colágeno e endotélio que variam em tamanho e calibre18. Não existe parênquima nervoso entre os sinusóides, elemento importante usado para diferenciar uma malformação cavernosa de uma telangiectasia capilar.Hemossiderina é muito frequentemente encontrado nas lesões intramedulares, porém é elemento raramente encontrado nas lesões epidurais e de corpo vertebral.

A deterioração neurológica pode apresentar alguns graus variáveis de recuperação embora a maioria dos pacientes exiba um declínio clínico gradual4. Numa correlação histopatológica, são definidos principalmente quatro exemplos clínicos: (a) episódios agudos de deterioração da marcha decorrente de pequenas mas repetidas hemorragias ou tromboses de malformações vasculares; (b) progressão lenta devido ao crescimento da espessura dos sinusóides vasculares do angioma ou das tromboses eventuais; (c) início agudo com rápida deterioração neurológica devido a hemorragia intraparenquimatosa; (d) início agudo com declínio gradual atribuído a alterações na microcirculação devido hemorragia intraparenquimatosa4. No caso presente, observamos quadro clínico de dor lombar e fraqueza muscular dos membros inferiores que culminou com deterioração completa da marcha da paciente.

A RM é considerada o método de escolha para estudo por imagem dos angiomas cavernosos9,15,20. Na tomografia computadorizada (TC), os angiomas cavernosos podem se apresentar com nódulos hiperdensos com pouca captação de contraste, podendo estar circundados por halo hipodenso que corresponde a edema15. Os angiomas cavernosos apresentam-se usualmente negativos à angiografia9, o que torna este método de pouca utilidade na investigação das lesões.Existe correlação entre os achados anátomo-patológicos e os achados de imagem por RM dos angiomas cavernosos, que se deve à presença ou ausência de fenômenos degenerativos e pigmentos de hemossiderina.

A ressecção cirúrgica total com alta ampliação usando técnicas microcirúrgicas é o procedimento de escolha para o manejo do angioma cavernoso intramedular sintomático21. A remoção parcial pode levar ao reaparecimento de sintomas e continuar com deterioração progressiva, como um resultado de sangramento originado de malformação residual22,23. A radioterapia fica reservada a casos com lesões irresecáveis, restos tumorais em ressecções parciais e a pacientes em que procedimento cirúrgico é contra-indicado por outras razões médicas, sendo o papel da radioterapia extremamente controvertido na literatura.

Neste presente relato a paciente apresentou um quadro de compressão medular progressiva com posterior incapacidade completa para deambular.A RM demonstrou alterações compatíveis com angioma cavernoso intramedular.O tratamento de escolha preconizado pela literatura , a ressecção cirúrgica, foi indicada ,entretanto, a paciente optou por esperar e só acatou a decisão dos médicos tardiamente quando, esta já apresentava quadro de plegia dos membros inferiores.Foi então realizado a cirurgia e a paciente não apresentou melhora do déficit neurológico já instalado.

Recebido 2 Janeiro 2003

Recebido na forma final 1 Abril 2003

Aceito 2 Maio 2003

Dr. Juliano Colonetti - Rua Barão de Azevedo Machado 105/203 bloco B - 96020-150 Pelotas RS - Brasil.

  • 1. Giombini S, Morello G. Cavernous angiomas of the brain: account of fourteen personal cases and review of the literature.Acta Neurochir 1978;40:61-82.
  • 2. Gordon CR, Crockard HA, Symon L. Surgical management of spinal cord cavernoma. Br J Neurosurg 1995;9:459-464.
  • 3. Greenberg MS. Cavernous Angiomas. In Handbook of neurosurgery. 5. Ed. New York: Thieme Medical Publications,1997;810-811.
  • 4. Anand S, Puri V, Sinha S, Malhotra V. Intramedullary cavernous hemamgioma.Neurology 2001;49:401-403.
  • 5. Talachi A, Spinnato S, Alessandrini F, Iuzzolino P, Bricolo A. Radiologic and surgiccal aspects of pure spinal cavernous angiomas: report of 5 cases and review of the literature.Surg Neurol 1999;52:198-203.
  • 6. Zevgaridis D, Buttner A, Weis Serge, Hamburger C, Reulen HJ. Spinal epidural cavernous hemangiomas.J Neurosurg 1998;88:903-908.
  • 7. Zentner J, Hassler W, Gawehn J, et al. Intramedullary cavernous angiomas. Surg Neurol 1989;31:64-68.
  • 8. Vaquero J, Martinez R, Martinez P. Cavernomas of the spinal cord: report of two cases. Neurosurgery 1988;22:143-144.
  • 9. Harrison MJ, Eisenberg MB, Ullman JS, Oppenheim JS, Camins MB, Post KD. Symptomatic cavernous malformations affecting the spine and spinal cord. Neurosurgery 1995;37:195-205.
  • 10. Graziani N, Bouillot P, Figarella-Branger D, Dufour H, Peragut JC, Grisoli F. Cavernous angiomas and arteriovenous malformations of the spinal epidural space: report of 11 cases. Neurosurgery 1994;35:856-864.
  • 11. Lanotte M, Massaro F, Faccani G, Forni M, Valentini MC. Dumbbel-shaped spinal cavernous angioma: case report.Ital J Neurol Sci 1994;115:429-432.
  • 12. Curling OD Jr, Kelly DL Jr, Elster AD, Craven TE. An analysis of the natural historyof cavernous angioma. J Neurosurg 1991;75:702-708.
  • 13. Cosgrove GR, Bertrand G, Fontaine S, Robitaille Y, Melanon D. Cavernous angiomas of the spinal cord. J Neurosurg 1988;68;31-36.
  • 14. Simard JM, Garcia-Bengochea F, Ballinger WE Jr, Mickle JP, Quisling RG. Cavernous angioma: a review of 126 collected and 12 new clinical cases. Neurosurgery 1986:18;162-172.
  • 15. Fobe JL, Lima JBN, Buone ML, Correa J. Angioma cavernoso familiar: relato em três gerações. Arq Neuropsiquiatr 1996;54:655-660.
  • 16. Zabramski JM, Waher TM, Setzler RF, et al. The natural history of familial cavernous malformations: results of an ongoing study. J Neurosurg 1994;80:422-432.
  • 17. Padovani R, Acciari N, Giulioni M, Pantieri R, Foschini MP. Cavernous angiomas of the spinal district: surgical treatment of 11 patients. Eur Spine J 1997;6:298-303.
  • 18. Biondi A, Clemenceau S, Dormont D, et al. Intracranial extra-axial cavernous angiomas: tumor or vascular malformations? J Neuroradiol 2002;2:91-104.
  • 19. Clatterbuck RE, Moriarity JL, Rigamonti D. Intramedullary cavernoma. J Neurosurg 2001;95:156-157.
  • 20. McCormick PC, Michelen WJ, Kalman DP, Carmel PW, Stein BM. Cavernous malformations of the spinal cord. Neurosurgery 1988;80:459-463.
  • 21. Cantore G, Delfini R, Cervoni L, et al. Intramedullary cavernous angiomas of the spinal cord; report of six cases. Surg Neurol 1995;43:448-452.
  • 22. Lopate G, Black JT, Grubb RL Jr. Cavernous hemangiomas of the spinal cord: report of two unusual cases. Neurology 1990;40;1791-1793.
  • 23. Ogilvy CS, Louis DN, Ojemann RG. Intramedullary cavernous angiomas of the spinal cord : clinical presentation, pathological features and surgical treatment. Neurosurgery 1992;31:219-230.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Aceito
    02 Maio 2003
  • Recebido
    02 Jan 2003
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org