Acessibilidade / Reportar erro

Linfoma de células B tipo MALT, de baixo-grau, primitivo da dura-máter: relato de caso

Primary low grade B-cell lymphoma MALT type of the duramater: case report

Resumos

Relatamos um caso raro de linfoma maligno não-Hodgkin, nodular e de baixo grau, tipo MALT, com aspecto morfológico e imuno-histoquímico linfoplasmocitóide (classificação de REAL), de imunofenótipo de linfócitos B e monoclonalidade para a cadeia leve de imunoglobulina Kappa, com índice de proliferação < 10% (baixo grau). O tumor era primitivo da dura-máter parietal esquerda, em mulher de 36 anos de idade, cujos sintomas neurológicos surgiram quatro meses antes da cirurgia. Após a cirurgia, foi tratada com quimioterapia e radioterapia, com bom resultado.

dura-máter; linfoma MALT primário


We describe a rare case of nodular and low grade non-Hodgkin malignant lymphoma, MALT type, with morphological and immunohistochemical features of lymphoplasmocytic (REAL classification), of immunophenotype of B lymphocytes and detecded monoclonal of immunoglobulin kappa light chains, with low proliferation grade (<10%). The tumor was primitive of the left parietal duramater in a 36 years old woman, who presented neurological clinical symptoms four months before the surgery. After surgery, she was submitted to chemotherapy and radiotherapy with good results.

duramater; primary lymphoma MALT


Linfoma de células B tipo MALT, de baixo-grau, primitivo da dura-máter: relato de caso

Primary low grade B-cell lymphoma MALT type of the duramater: case report

Pedro RasoI; Eduardo Rossi MonteiroII; Alexandre TafuriIII

IProfessor Emérito de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte MG, Brasil

IINeurocirurgião do Hospital Santana, Belo Horizonte MG, Brasil

IIIPatologista do Laboratório Tafuri de Patologia, Belo Horizonte MG, Brasil

RESUMO

Relatamos um caso raro de linfoma maligno não-Hodgkin, nodular e de baixo grau, tipo MALT, com aspecto morfológico e imuno-histoquímico linfoplasmocitóide (classificação de REAL), de imunofenótipo de linfócitos B e monoclonalidade para a cadeia leve de imunoglobulina Kappa, com índice de proliferação < 10% (baixo grau). O tumor era primitivo da dura-máter parietal esquerda, em mulher de 36 anos de idade, cujos sintomas neurológicos surgiram quatro meses antes da cirurgia. Após a cirurgia, foi tratada com quimioterapia e radioterapia, com bom resultado.

Palavras-chave: dura-máter, linfoma MALT primário.

ABSTRACT

We describe a rare case of nodular and low grade non-Hodgkin malignant lymphoma, MALT type, with morphological and immunohistochemical features of lymphoplasmocytic (REAL classification), of immunophenotype of B lymphocytes and detecded monoclonal of immunoglobulin kappa light chains, with low proliferation grade (<10%). The tumor was primitive of the left parietal duramater in a 36 years old woman, who presented neurological clinical symptoms four months before the surgery. After surgery, she was submitted to chemotherapy and radiotherapy with good results.

Key words: duramater, primary lymphoma MALT.

Consideram-se como linfoma primário do sistema nervoso central (SNC) tumores linfáticos do cérebro ou do canal medular e/ou da parte interna do olho, não acompanhados de tumores semelhantes em outras localizações. São raros, constituindo 0,3 a 1,5 % de todas as neoplasias intracranianas e 0,7 a 0,9 % dos linfomas de todas as sedes1,2.

A maioria dos casos descritos é de linfoma não-Hodgkin de tipo agressivo3,4 ou de grau intermediário5, muitas vezes como manifestação de doença disseminada, sobretudo em doentes com AIDS e em indivíduos com imunodeficiência congênita, iatrogênica ou por outras causas6. Por outro lado, o linfoma primário de células B das meninges é excepcional7-9. Kumar et al.10 descrevem cinco casos do ponto de vista clínico e histológico, sugerindo que esses tumores fazem parte do linfoma tipo MALT, representando muitos, senão a maioria dos casos de localização extra-nodal do linfoma de baixo grau de células B11-13. Do ponto de vista histológico, é idêntico ao linfoma tipo MALT do tubo digestivo e de outras sedes. É composto por células semelhantes aos pequenos centrócitos ou células B monocitóides, com formação de centros germinativos que podem conter numerosos grandes linfócitos transformados14. A definição histopatológica e imuno-histoquímica deste tipo de tumor é extremamente importante devido à implicação terapêutica. Os linfomas de tipo B de baixo grau respondem bem à quimioterapia e à radioterapia local e têm prognóstico favorável, ao contrário dos outros tipos de linfomas com envolvimento do sistema nervoso.

CASO

Mulher de 36 anos, melanoderma, internou-se em 15/06/2001 no Hospital Santana, Belo Horizonte, queixando-se de cefaléia frontal intensa com irradiação para a região occipital, com quatro meses de evolução e sem melhora com medicação sintomática; tinha náuseas e vômitos freqüentes e episódios paroxísticos de alteração do sensório. Ressonância magnética (RM) mostrou lesões em placa, na meninge, isointensas em T2, impregnadas, localizadas nas convexidades parietais e porção posterior da foice cerebral. Havia, ainda, edema na substância branca profunda cerebral, com hiposinal em T1 e hipersinal em T2. Estes achados sugeriram as hipóteses diagnósticas de meningeoma ou metástase (Fig 1). Em 16/ Junho/2001 foi feita remoção microcirúrgica do tumor, que iniciava-se na meninge da região parietal esquerda e formava grande massa irregular, de limites imprecisos, infiltrando o cérebro. A paciente, clinicamente estável, recebeu alta hospitalar em uso de fenitoina (200 mg/dia) e foi encaminhada para tratamento radioterápico e quimioterápico. O tratamento radioterápico instituído foi de irradiação por cobalto 60 de todo o cérebro, através de campos paralelos e opostos (dose inicial de 120 cGy e, após 4 semanas, elevada para 180 cGy; dose total 4.200 cGy, no período de 24/01/2002 a 12/03/2002) e o tratamento quimioterápico foi feito com metrotrexate, 5 g, em 23/12/2001 e resgate com 12 doses de leucovorin, 68 mg.


A tomografia computadorizada (TC) em 26/Fevereiro/ 2002 revelou dilatação do corno posterior do ventrículo lateral esquerdo e área hipodensa correspondente à lacuna cirúrgica (Fig 2). Exames clínicos recentes mostraram paciente clinicamente curada.


Exame histopatológico - Foram recebidos para exames fragmentos irregulares de dura-máter medindo em conjunto 5,0 X 5,0 X 3,0 cm e fragmentos de parênquima cerebral medindo 4,5 X 3,5 X 2,5 cm. Aos cortes ambos eram brancacentos e macios. O material foi fixado em formol a 10%, incluído em parafina, corado com hematoxilina e eosina (HE) e submetido a estudo imuno-histoquímico. Os cortes histológicos de várias áreas dos fragmentos enviados para exame mostraram neoplasia caracterizada pela proliferação difusa de linfócitos e células plasmocitóides, monomórficas e com discretas atipias (núcleos irregulares, levemente aumentados de volume, com cromatina densa) e pela formação de folículos linfáticos, de diversos tamanhos, com centros germinativos bem desenvolvidos. Havia, também, hiperemia e pequenos focos de hemorragia e de fibrose (Fig 3). O parênquima cerebral apresentava edema e degeneração vacuolar da substância branca e pequenos focos de hemorragia recente perivasculares. Ausência de infiltração tumoral. O estudo imuno-histoquímico, sumariado na Tabela 1, mostrou massa nodular meníngea com aspectos morfológico e imuno-histológico consistentes com linfoma maligno, não-Hodgkin, padrão linfoplasmocitóide (classificação REAL), revelando imunofenótipo de linfócitos B e monoclonalidade para cadeia leve de imunoglobulina Kappa, com índice de proliferação < 10% (baixo grau).


DISCUSSÃO

São poucos os linfomas não-Hodgkin primitivos do SNC, sendo a maioria representada pelo linfoma de tipo B (LB) agressivo, de alto e médio grau, descrito especialmente em indivíduos do sexo masculino, portadores de AIDS ou de imunossupressão por outras causas. Na revisão de Fine e Mayer15 haviam sido publicados 792 casos (40 séries) de linfomas em pacientes sem AIDS e 315 (32 séries) em aidéticos, entre 1980 e 1992. Já o LB tipo MALT é excepcional, como demonstra a revisão de literatura feita por Itoh et al.16 (oito casos originados da dura-máter e um do ângulo pontocerebelar).

Nosso caso se assemelha a outros descritos recentemente na literatura17-19 por ter ocorrido em paciente imunocompetente, sem doença sistêmica e por ter sido negativa a expressão imuno-histoquímica de BCL-2. Neste aspecto difere de outros linfomas tipo MALT das meninges que, em geral, se acompanham de algum comprometimento auto-imune, como a síndrome de Sjögren16. Parece existir certo parentesco entre o linfoma folicular cutâneo e da dura-máter em relação ao comportamento do BCL-2. Em ambos a expressão deste anticorpo é negativa20,21.

Diante do resultado de LB tipo MALT, de baixa malignidade, a primeira preocupação foi afastar de modo conclusivo a existência desse tumor em outras sedes. Para isso nos valemos de exame clínico e laboratorial rigoroso, destacando-se, entre estes, o resultado negativo do mielograma e da endoscopia do tubo digestivo, seguida de biópsia. Assim procedemos porque a maioria dos LB tipo MALT no Brasil ocorre no estômago e, em segundo lugar, no intestino delgado. A endoscopia revelou gastrite crônica moderada, em atividade, Helicobacter pylori (Hp) positivo (++/+++).

Se de um lado aceita-se existir elo entre a infecção pelo Hp e o linfoma gástrico, do outro permanece obscura a etiologia do linfoma primitivo do SNC. O primeiro tende à regressão, com desaparecimento do clone neoplásico de células B, após a erradicação da bactéria. As células T e B seriam recrutadas para a mucosa gástrica como parte da resposta imunológica ao Hp. Casos raros teriam uma alteração genética (Trissomia 3?), que lhes confeririam vantagens proliferativas, resultando na expansão monoclonal com auxílio das células T dependentes do Hp. Outras alterações genéticas, ainda não identificadas, poderiam resultar num escape da dependência das células T, resultando no crescimento autônomo. A transformação do linfoma de baixo em alto grau poderia estar ligada a outros eventos sucessivos, como mutações e deleções do gene P5322.

O tecido original ou células do linfoma não-Hodgkin do sistema nervoso central ainda não foi identificado, porque não há sistema linfático no cérebro. Shibata23 acha razoável presumir a origem do linfoma não-Hodgkin do sistema nervoso central nos linfócitos do plexo coróide. Por outro lado, no nosso caso como nos descritos na literatura, não foram reconhecidos fatores predisponentes para o LB tipo MALT da dura-máter14. Sequências do ácido nucléico do vírus de Epstein-Barr foram reconhecidas e imputadas como responsáveis pela imortalização das células B in vitro24,25.

Independentemente do fator desencadeante, poder-se-ia admitir o início do tumor nas chamadas ''milk spots'' ou ''manchas de leite'' identificadas em processos inflamatórios pelo S. mansoni no peritônio26 e no coração, na doença de Chagas27.

Essas manchas têm função hematopoiética, com produção de linfócitos, neutrófilos, plasmócitos e hemocitoblastos26. Este fato nos autorizaria a levantar a hipótese da existência dessas formações também na dura-máter, de onde poderia surgir a neoplasia. Se verdadeira esta assertiva, ela viria reforçar a idéia da ocorrência de processo inflamatório prévio pelo vírus de Epstein-Barr, conforme admitem alguns autores24,25, seguida da imortalização das células B, tal qual foi demonstrado in vitro.

Recebido 2 Maio 2003, recebido na forma final 12 Agosto 2003

Aceito 22 Setembro 2003

Dr. Pedro Raso - Rua São Paulo 893/1009 - 30170-131 Belo Horizonte MG - Brasil. E-mail: latafuri@terra.com.br

  • 1. Henry JM, Heffner RR, Dillard SH, Earle KM, Davis RL. Primary malignant lymphomas of the central nervous system. Cancer 1974;34:12931302.
  • 2. Jellinger K, Radaskiewicz T, Slowikk. Primary malignant lymphoma of the central nervous system in man. Acta Neuropathol (Berl) 1975; Suppl 6:95-102.
  • 3. Herman TS, Hammond N, Jones SE, Butler JJ, Byrne GE, Mckelvey EM. Involvement of the central nervous system by non- Hodgkin's lymphoma. Cancer 1979;43:390-397.
  • 4. Oneill BP, Illig JJ. Primary central nervous system lymphoma. Mayo Clin Proc 1989;64:1005-1020.
  • 5. Nakhleh RE, Manivel JC, Hurd D, Sung JH. Central nervous system lymphomas. Arch Pathol Lab Med 1989;113:10501056.
  • 6. Schneck SA, Pen I. De-novo brain tumours in renal transplant recipients. Lancet 1972;1:983-986.
  • 7. Jazy FK, Shehata VM, Tew JM, Meyer RL, Boss HH. Primary intracranial lymphoma of the dura. Arch Neurol 1980;37:528-529.
  • 8. Miranda RN, Glantz L, Myint MA, Glantz MJ, Levy N, Medeiros LJ. Stage IE non-Hodgkin lymphoma involving the dura (Abstract). Lab Invest 1995,72:117.
  • 9. Nguyen D, Nathwani BN. Primary meningeal small lymphocytic lymphoma. Am J Surg Pathol 1989;13:67-70.
  • 10. Kumar S, Kumar D, Kaldijian EP, Bauserman S, Raffeld M, Jaffe ES. Primary low-grade B-cell lymphoma of the dura. Am J Surg Pathol 1997;21:81-87.
  • 11. Hans NL. Low-grade B-cell lymphoma of mucosa associated lymphoid tissue and monocytoid B-cell lymphoma. Related entities that are distinct from other low-grade B-cell lymphoma. Arch Pathol Lab Med 1993;117:771-775.
  • 12. Parveen T, Navarro-Roman L, Medeiros IJ, Raffeld M, Jaffe ES. Low-grade B-cell lymphoma of mucosa-associated lymphoid tissue arising in the kidney. Arch Pathol Lab Med 1993;117:780-783.
  • 13. Pelstring RJ, Essell JH, Kurtin PJ, Cohen AR, Banks PM. Diversity of organ site involvement among malignant lymphomas of mucosa-associated tisses. Am J Clin Pathol 1991;96:738-745.
  • 14. Kambham N, Chang Y, Matsushima AY. Primary low-grade B-cell lymphoma of mucosa-associated lymphoid tissue (MALT) arising in dura. Clinical Neuropathology 1998;17:311-317.
  • 15. Fine HA, Mayer RJ. Primary central nervous system lymphoma. Ann Int Med 1993;119:1093-1104.
  • 16. Itho T, Shimizu M, Kitami K, et al. Primary extranodal marginal zone B-cell lymphoma of the mucosa-associated lymphoid tissue type in the CNS. Neuropathology 2001;21:174-180.
  • 17. Beriwal S, Hou Js, Miyamoto C, Garcia-Young JA. Primary dural low grade BCL-2 negative follicular lymphoma case report. J Neuro-Oncol 2003;61:23-25.
  • 18. Estevez M, Chu C, Pless M. Small B-cell lymphoma presenting as diffuse dural thickening cranial neuropathies. J Neuro-Oncol 2002;59:243-247.
  • 19. Altundag MK, Ozisik Y, Yalcin S, Akyol F. Uner A. Primary low grade B-cell lymphoma of the dura in an immunocompetent patient. J Exp Clin Cancer Res 2000;19:249-251.
  • 20. Level L, Harris NL, Longtine J, Ferry JA, Duncan LM. Cutaneous b-cell lymphomas of follicular and marginal zone types: use of Bcl-6, CD10, Bcl-2, and CD21 in differencial diagnosis and classification. Am J Pathol 2001;25:732-741.
  • 21. Pimpinelli N, Santucci M. The skin-associated lymphoid tissue-related B-cell lymphomas. Semin Cutan Med Surg 2000;19:124-129.
  • 22. Isaacson PG. Recent developments in our understanding of gastric lymphomas. Am J Surg 1996;20 (Supll I):51-57.
  • 23. Shibata S. Site of origin of primary intracerebral malignant lymphoma. Neurosurgery 1989;25:14-19.
  • 24. De Angelis LM, Wong E, Rosemblum M, Furneaux H. Epstein-Barr virus in acquired immune deficiency syndrome (AIDS) and non-AIDS primary central nervous system lymphoma. Cancer 1992;70:1607-1611.
  • 25. Rovah E, Rogers BB, Wilson DR, Kirkpatrick JB, Buffone GJ. Demonstration of Epstein-Baar virus in primary central nervous system lymphomas by polymerase chain reaction and in situ hybridization. Hum Pathol 1990;21:545-550.
  • 26. Lenzi Hl. A dinâmica da resposta hematológica e celular na esquistossomose mansônica murina, com ênfase nas séries eosinofílica e mastocitária. Tese, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1991.
  • 27. Raso P, Tafuri WL. Alterações do pericárdio na fase crônica da tripanossomíase cruzi humana e nas fases aguda e crônica da moléstia experimental. Rev Soc Bras Med Trop 1971;5:135-153.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Mar 2004

Histórico

  • Aceito
    22 Set 2003
  • Revisado
    12 Ago 2003
  • Recebido
    02 Maio 2003
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org