Acessibilidade / Reportar erro

A Ontologia Social Analítica: Por uma Interlocução com a Teoria Sociológica

Analytical Social Ontology: For an Interlocution with Sociological Theory

Ontologie Sociale Analytique: Pour une Interlocution avec la Théorie Sociologique

La Ontología Social Analítica: Por una Interlocución con la Teoría Sociológica

RESUMO

O propósito deste artigo é aproximar as discussões da filosofia social analítica do movimento de virada ontológica que ocorre hoje nas Ciências Sociais. Com esse fim, apresentam-se alguns dos autores mais representativos da ontologia social analítica sobre o tema da intencionalidade coletiva. Demonstra-se que, de forma similar ao que acontece na teoria sociológica, seus principais representantes divergem sobre a relação de prioridade entre o nível micro ou macro da realidade social, defendendo posições identificadas com o holismo (John Searle e Margaret Gilbert), o coletivismo moderado (Raimo Tuomela) ou o individualismo relacional (Michael Bratman). Defende-se que a similaridade dessa problemática com as discussões sociológicas, sobre a relação micro/macro, representa uma importante plataforma de interlocução entre estas tradições disciplinares.

virada ontológica; ontologia social; ontologia analítica; intencionalidade coletiva

ABSTRACT

The purpose of this article is to bring the discussions of Analytical Social Philosophy to the ontological turning point that occurs today in the Social Sciences. To that end, some of the most representative authors of the Analytical Social Ontology on the topic of collective intentionality are presented. It is shown that, similarly to what happens in sociological theory, its main representatives diverge on the priority between the micro or the macro levels of social reality, defending positions identified with holism (John Searle and Margaret Gilbert), moderate collectivism (Raimo Tuomela) or relational individualism (Michael Bratman). It is argued that the similarity of this problem with the sociological discussions on the micro/macro relationship represents an important platform for dialogue between these disciplinary traditions.

ontological turn; social ontology; analytical ontology; collective intentionality

RÉSUMÉ

Le but de cet article est de rapprocher les discussions de philosophie sociale analytique du tournant ontologique qui se produit aujourd’hui en Sciences Sociales. À cette fin, certains des auteurs les plus représentatifs de l’ontologie sociale analytique sur le thème de l’intentionnalité collective sont présentés. On montre que, à l’instar de ce qui se passe en théorie sociologique, ses principaux représentants divergent sur la relation prioritaire entre le niveau micro ou macro de la réalité sociale, défendant des positions identifiées à l’Holisme (John Searle et Margaret Gilbert), le Collectivisme Modéré (Raimo Tuomela) ou l’Individualisme Relationnel (Michael Bratman). On fait valoir que la similitude de ce problème avec les discussions sociologiques, sur la relation micro / macro, représente une plateforme importante pour le dialogue entre ces traditions disciplinaires.

tournant ontologique; ontologie sociale; ontologie analytique; intentionnalité collective

RESUMEN

El propósito de este artículo es aproximarse a las discusiones de la filosofía social analítica del movimiento de giro ontológico que ocurre hoy en las Ciencias Sociales. Con ese fin, se presentan algunos de los autores más representativos de la ontología social analítica sobre el tema de la intencionalidad colectiva. Se demuestra que, de forma similar a lo que ocurre con la teoría sociológica, sus principales representantes divergen sobre la relación de prioridad entre el nivel micro o macro de la realidad social, defendiendo posiciones identificadas con el holismo (John Searle e Margaret Gilbert), el colectivismo moderado (Raimo Tuomela) o el individualismo relacional (Michael Bratman). Se defiende que la similitud de esa problemática con las discusiones sociológicas sobre la relación micro/macro, representa una importante plataforma de interlocución entre estas tradiciones disciplinarias.

giro ontológico; ontología social; ontología analítica; intencionalidad colectiva

INTRODUÇÃO

Tal como acontece hoje no campo da filosofia, também nas ciências sociais a pergunta pela “metafísica do social” deixou de ser tabu, permitindo que se fale até de uma “virada ontológica” (Kelly, 2014KELLY, John. (2014), “Introduction: the ontological turn in french philosophical anthropology”. Journal of Ethnographic Theory, vol. 4, no 1, pp. 259-269.). Mas vencer as resistências não foi fácil. Dada a longa hegemonia do socioconstrutivismo1 1 . Em sentido amplo (filosófico), entendo o construtivismo social como uma forma de antirrealismo (Kanzian et al., 2017); (DEMMERLING, 2004). Em sentido restrito, construtivismo social designa aquela corrente de pensamento sociológico que deriva da teoria de Berger e Luckmann (1967). Neste artigo seguirei a primeira acepção. Uma análise global do construtivismo encontra-se em Collin (2008). Sobre o antirrealismo na sociologia, ver Susen (2015). , tratar de questões de caráter ontológico no âmbito das ciências sociais sempre recaiu sob a suspeita do compromisso com visões consideradas essencialistas, metafísicas, naturalistas ou reificadas do âmbito humano-cultural. Com efeito, o dogma de que tudo (e não apenas a realidade sociocultural) é socialmente construído, em resumo, o tabu contra tudo que pareça “natural”, “essencial” ou “necessário”, sempre operou como barreira a encobrir o fato de que também o construtivismo social radical carrega consigo pressupostos ontológicos, qual seja, uma determinada concepção a respeito do que consiste a “realidade” em geral e a realidade “social” em particular.

De acordo com Andina (2016)ANDINA, Tiziana. (2016), An ontology for social reality. London: Palgrave Macmillan., a expressão ontologia social pode ser encontrada, em sua primeira vez, na obra Soziale Ontologie und deskriptive Soziologie, de Edmund Husserl (1910). Não há uma definição consensual a respeito do que deve ser entendido por ontologia social. E na impossibilidade de examinar criticamente as diversas definições2 2 . Sobre o conceito de ontologia social vale a pena consultar também Wessler (2011), Lawson (2016) e Jansen (2017). adoto, para fins pragmáticos, a concetualização dada por Schmitt (2013SCHMITT, Frederick. (2013), “Recent theories of social ontology”. In: K. Byron (org.), Encyclopedia of Philosophy and Social Sciences. London: Sage.:923), para quem “a ontologia social indaga em que sentido as entidades sociais existem e qual é a sua natureza básica, bem como das relações sociais”. Ainda que sem pretensão de uma classificação exaustiva, podemos identificar três grandes orientações na ontologia social contemporânea3 3 . Por ser um movimento em curso, classificações correm o risco de ficarem rapidamente desatualizadas. Dentre os esforços recentes, conferir Testa (2017). . A primeira, de orientação analítica, possui suas raízes nas categorias lógicas de Aristóteles e tem como foco a identificação dos tipos de entidades, fenômenos e propriedades do universo social4 4 . O que não quer dizer que a ontologia analítica seja um movimento uniforme. Segundo Kanzian e Runggaldier (1998) existem, pelo menos, três tendências: a naturalista, a fenomenológica e a descritiva. . A segunda, de orientação fenomenológica, possui suas raízes em Husserl e Heidegger e propõe-se a reflexão sobre uma determinada “região” do ser. Por esse prisma, a ontologia social é uma ontologia regional que reflete sobre o social e os fenômenos sociais5 5 . Nessa perspectiva incluem-se Gerda Walther, Max Scheler e Alexander Pfänder (Schmid, 2005). Maiores detalhes em Salice e Schmid (2016). . Por fim, existe ainda gama de perspectivas relativamente difusas que, por falta de termo melhor, designarei como “processualistas” (Escobar, 2017). A característica principal dessa perspectiva, além da rejeição a qualquer forma de substância (des-essencialização), é a tese de que a configuração do real deve-se ao poder. Seus autores de referência são Spinoza e, atualmente, a dupla Deleuze e Guattari.

Meu propósito neste artigo é examinar os desenvolvimentos da ontologia social apenas na primeira destas vertentes; ou seja, no conjunto da filosofia de orientação analítica. Fundamental para tal renascimento foi o trabalho recente de John Searle (1995)SEARLE, John. (1995), The construction of social reality. New York: Free. que reativou a pergunta sobre a natureza da realidade social e devolveu ao tema da filosofia da sociedade ou filosofia social um lugar central neste campo de conhecimento6 6 . A expressão “filosofia social” é mais ampla que a denominação “filosofia das ciências sociais”, já que esta última trata, em regra, de temas epistemológicos. (área que, quando comparada à filosofia política, possui bem menos inserção no campo filosófico em geral). Com a ontologia social, a filosofia de orientação analítica finalmente defronta-se com temas sociológicos, ainda que o diálogo entre as duas áreas seja quase inexistente. Por esta razão, pergunto-me do que trata essa teoria sobre o social formulada em termos filosóficos e o que podemos aprender com ela7 7 . No Brasil, o pioneiro foi Boff (2016). . Primeiramente estabeleço brevemente um perfil e aponto alguns limites das discussões ontológicas que mais fortemente têm repercutido no âmbito das ciências sociais, em particular na antropologia e na sociologia. Após este preâmbulo crítico, examino detidamente os autores mais destacados da tradição analítica demonstrando como eles apresentam versões ontológicas diferenciadas sobre a realidade social, a depender do modo como concebem a relação entre intencionalidade no plano individual (micro) e intencionalidade coletiva (macro)8 8 . O que não quer dizer que este texto recobre todo o campo de discussões nesta área de pesquisa. No espectro do “holismo”, ver List e Petit (2011). Sobre o individualismo, ver Epstein (2015). . Na terceira parte, traço algumas linhas de aproximação que permitam aprofundar a interlocução entre a filosofia analítica do social e a teoria social contemporânea. Na conclusão, retomam-se os argumentos apresentados ao longo do texto.

LIMITES DA VIRADA ONTOLÓGICA NA ANTROPOLOGIA E NA SOCIOLOGIA

Atualmente, discussões sobre ontologia chegaram até mesmo na então impenetrável economia (Lawson, 1997LAWSON, Tony. (1997), Economics and reality. London: Routledge.), o que por si só já mostra a legitimidade que esta temática vem encontrando no âmbito das ciências humanas em geral. Em se tratando da teoria social, contudo, são duas as abordagens mais influentes.

A primeira vem sendo conduzida por vertentes da antropologia cultural9 9 . Não que devamos tomar a antropologia como um movimento uniforme, desconsiderando suas orientações de base naturalista, como em Boyd (2000) e Henrich (2016). , disciplina na qual existe um vigoroso movimento nessa direção (Holbraad e Pedersen, 2017HOLBRAAD, Martin; PEDERSEN, Axel. (2017), The ontological turn: an anthropological exposition. Cambridge: Cambridge University Press.) impulsionado pelos trabalhos de Roy Wagner (1981)WAGNER, Roy. (1981), The invention of culture. Chicago: University of Chicago Press., Marilyn Strathern (1980)STRATHERN, M. (1980), “No nature, no culture: the Hagen case”, in: C. MacCormack & M. Strathern. Nature, culture, gender. Cambridge: University Press, pp. 174-222. e, mais recentemente, Bruno Latour10 10 . Para uma leitura antirrealista, ver Elder-Vass (2008). (2012), Philipe Descola (2013)DESCOLA, Philippe. (2013), Beyond Nature and Culture. Chicago: University of Chicago Press., Tim Ingold (2011)INGOLD, Tim. (2011), Being alive: essays on movement, knowledge and description. London: Routledge. e Eduardo Viveiros de Castro (2014)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2014), Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac&Naify.. Existem diferenças fundamentais no trabalho destes autores, mas a plataforma de Latour, ao propor romper o dualismo natureza/cultura, pode ser considerado o traço principal que perpassa toda discussão. Por esta senda, toda a antropologia, como disciplina, é desconstruída. Mais recentemente, o próprio Latour (2012), cuja sequência de textos e posições dificulta uma análise sistemática de sua obra, retomou o trabalho de Gilbert Simondon (2012)SIMONDON, Gilbert. (2012), Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier. e voltou-se explicitamente para a temática ontológica. Em nome da superação da dicotomia fundadora da antropologia, Philipe Descola (2013)DESCOLA, Philippe. (2013), Beyond Nature and Culture. Chicago: University of Chicago Press. argumenta que natureza não é uma categoria universal e apresenta quatro ontologias distintas sobre o mundo: o animismo, o naturalismo, o totemismo e o analogismo. Meta similar é perseguida por Tim Ingold (2011)INGOLD, Tim. (2011), Being alive: essays on movement, knowledge and description. London: Routledge., ainda que este mova-se mais perto do polo da natureza, dado que procura uma integração entre antropologia social, psicologia cognitiva e biologia. Sua ênfase recai no lugar do ser humano no ambiente-mundo e no fluxo vital. Finalmente, Eduardo Viveiros Castro (2014), por meio do perspectivismo ameríndio e da metafísica canibal, supera o multiculturalismo da antropologia em nome de um multinaturalismo que inverte os termos. Segundo o autor, “a concepção ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do espírito e uma diversidade dos corpos. A ‘cultura’ ou o sujeito seriam aqui forma do universal, a ‘natureza’ ou o objeto, forma do particular” (Viveiros de Castro, 2014VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2014), Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac&Naify.:66).

A virada ontológica na antropologia provocou fortes reações e também uma sequência de críticas (Charbonnier, Salmon e Skafish, 2017). Para uma determinada vertente, por exemplo, o termo ontologia não passa de equivalente do conceito de cultura e, portanto, pouco acrescenta à discussão, sendo acusada de redundante (Rollason, 2008ROLLASON, William. (2008), “Ontology – just another word for culture?”. Anthropology Today, vol. 24, no 3, pp. 28-31.). Mas, do ponto de vista substantivo, a crítica mais aguda a este projeto parece ser aquela realizada por Sivado (2014), ao argumentar que tais propostas desembocam em formas renovadas de animismo. Do ponto de vista filosófico, a maioria das reações tem se preocupado com o suposto caráter essencialista desta vertente, muito embora tenda a concordar com a posição contrária defendida por Palecek e Risjord (2013). Os autores demonstram que, no subsolo da virada ontológica na antropologia, os pressupostos relativistas não apenas foram mantidos, como também foram radicalizados: mundos incomensuráveis passaram a conviver lado a lado. De todo modo, uma apreciação do tipo de abordagem ontológica praticada na antropologia ainda é uma tarefa não realizada, restando mostrar como ela se situa em uma concepção radicalmente processualista do ser.

Se na antropologia uma virada ontológica representou um desafio para esta ciência na sua totalidade, na sociologia a retomada da ontologia está circunscrita a uma vertente específica de pensamento. Com efeito, a crítica à falácia epistêmica e à inversão de prioridade entre questões epistemológicas e ontológicas vem sendo defendida, desde os anos 1970, por Harré (1993)HARRÉ, Rom. (1993), Social being: revised edition. Oxford: Blackwell. e Bhaskar (1997)BHASKAR, Roy. (1997), A realist theory of science. London: Verso.; e mais recentemente encontrou eco nos trabalhos de Giddens (1994) e Archer (1995)ARCHER, Margareth. (1995), Realist social theory: the morphogenetic approach. Cambridge: Cambridge University Press.11 11 . Recentemente a teoria morfogenética de Archer (1995) vem se aproximando da sociologia relacional (Maccarini, Morandi e Prandini, 2011). . Mas, apesar das premissas do realismo transcendental fixadas pelos dois primeiros, os dois últimos acabaram por circunscrever o tema da ontologia ao tema da metodologia12 12 . Conforme Zahle e Collin (2014), distingo entre a dimensão ontológica e a dimensão metodológica do debate entre individualismo e holismo. , na medida em que o objetivo principal do seu trabalho consiste em determinar qual a natureza lógico-explicativa da relação entre “agência” (no polo microssubjetivo) e “estrutura” (no polo macro-objetivo). O fato de que tal decisão metodológica implique a assunção de determinada concepção substantiva sobre o social não trouxe como resultado maior investimento no esclarecimento sistemático do status ontológico daqueles dois referentes empírico-sociológicos (agência e estrutura).

As contribuições do realismo crítico não devem ser desmerecidas, mas a indagação fundamental de Bhaskar (1997BHASKAR, Roy. (1997), A realist theory of science. London: Verso.:43), a respeito de “como deve ser o mundo para que a ciência seja possível?”, sugere que o tema da ontologia (o que é o social?) parece importar apenas em função da epistemologia (como explicar o social?). Portanto, a teoria de Baskhar e seus sucessores continua a ser, apesar de tudo, “transcendental”. Além disso, não há porque postular uma relação de correspondência necessária – ou de regulação, nos termos de Archer (1995)ARCHER, Margareth. (1995), Realist social theory: the morphogenetic approach. Cambridge: Cambridge University Press. – entre uma determinada ontologia e certa metodologia. A discussão ontológica possui sua própria razão de ser e não deve ser pensada apenas em função das estratégias metodológicas. Isso não significa que devemos desmerecer os esforços de Elder-Vass (2012) e Sayer (2000) que, de fato, tentam promover a reflexão sobre a dimensão intrinsecamente ontológica do realismo crítico. Também as tentativas de absorver o construtivismo no âmbito do realismo crítico merecem ser lembradas (Cruikschank, 2002CRUIKSCHANK, Justin. (2002), Realism and sociology: anti-foundationalism, ontology and social research. London: Routledge.). Não obstante, também aqui somos obrigados a apontar um bloqueio, pois a reflexão ontológica do realismo crítico, ao recorrer ao conceito de emergência, prioriza a identificação dos poderes causais inerentes à realidade social (mecanismos) – mas o faz sem necessariamente discutir a natureza intrínseca do social (Kaidesoy, 2013; Cruikschank, 2010CRUIKSCHANK, Justin. (2010), “Knowing social reality. A critique of Bhaskar and Archer‘s attempt to derive a social ontology from lay knowledge”. Philosophy of The Social Sciences, vol. 40, no 4, pp. 529-602.). Sua ontologia, por assim dizer, é incompleta.

Além da economia, da antropologia e da sociologia, outra área do saber no qual o tema da ontologia social vem ganhando desenvolvimentos notáveis é a filosofia social de orientação analítica, que será examinada a seguir.

O PROBLEMA MACRO/MICRO NA ONTOLOGIA ANALÍTICA

Neste tópico examino os quatro autores normalmente considerados como fundadores desta vertente13 13 . Note-se que a expressão “filosofia social” vai além da denominação usual de “filosofia das ciências sociais” que ainda traz a marca da sua restrição a temas epistemológicos. tomando como referência a distinção micro/macro – ou seja, discriminando suas posições a depender de como concebem a natureza ontológica da intencionalidade no plano individual ou coletivo e, a fortiori, a própria natureza última do social. Subsidiariamente, também considero como estes autores se posicionam em relação ao debate filosófico entre realistas e antirrealistas.

JOHN SEARLE

Começarei examinando a perspectiva holista, aqui entendida como aquela perspectiva que confere prioridade do nível macro sobre o nível micro da realidade social. Ou, em termos ontológicos, como aquela que sustenta “que os fenômenos sociais existem de forma sui generis, ou ainda, além e acima dos indivíduos” (Zahle e Cohlin, 2014:2-3). Dois de seus principais representantes são John Searle e Margaret Gilbert, ambos nos remetendo a uma terminologia que faz ecoar as conhecidas teses sociológicas de Durkheim: os “fatos institucionais” e o “fato social”. Não seria possível esclarecer as teses de John Searle sem nos remetermos, ainda que minimamente, aos seus pressupostos filosóficos mais amplos, que ele assim descreve:

Eis aqui, pois, o esqueleto de nossa ontologia: vivemos em um mundo composto inteiramente de partículas físicas em campos de força. Algumas delas estão organizadas em sistemas. Alguns destes sistemas são sistemas vivos, e alguns destes sistemas vivos adquiriram, ao longo da evolução, consciência. Com a consciência vem a intencionalidade, a capacidade do organismo para representar objetos e estados de coisas no mundo. A questão agora é: como podemos dar conta da existência de fatos sociais no interior dessa ontologia? (Searle, 1995SEARLE, John. (1995), The construction of social reality. New York: Free.:26-27).

Apesar de vivermos em um único mundo, sustenta Searle, nem tudo se reduz ao físico-químico. Como se relacionam, então, as partes do mundo? Ou seja, como se relacionam a realidade natural (físico-químico-biológica) e a realidade sociocultural? Para responder a esta pergunta, Searle começa por distinguir aspectos ontológicos e epistemológicos (em termos objetivos ou subjetivos). Epistemicamente falando, “objetivo” e “subjetivo” são basicamente predicados de juízos; enquanto, no sentido ontológico, “objetivo” e “subjetivo” são predicados de entidades e tipos de entidades, e imputam modos de existência. Portanto, temos de um lado uma ontologia objetiva (fatos que independem do observador) e uma ontologia subjetiva (fatos que são relativos ao observador), bem como epistemologias objetivas ou subjetivas. A partir de tais distinções não é difícil perceber que a realidade social constitui uma realidade ontológica subjetiva, mas nem por isso devemos confundi-la com uma epistemologia subjetiva. É perfeitamente possível formular enunciados epistemicamente objetivos sobre entidades que são ontologicamente subjetivas. Fatos institucionais, o principal produto social, obviamente, existem apenas por acordo humano, deixando aos indivíduos a tarefa identificar como eles são possíveis.

Para explicar quais processos estão implicados na construção da estrutura invisível da realidade social, a ontologia de Searle (1995)SEARLE, John. (1995), The construction of social reality. New York: Free. recorre a três conceitos básicos: 1) atribuição de função; 2) intencionalidade coletiva; e 3) regras constitutivas. O primeiro desses elementos consiste na capacidade dos agentes humanos de atribuir funções a objetos ou a fenômenos. Tais funções não são intrínsecas aos elementos e são atribuídas conforme os interesses dos agentes sociais. Searle distingue ainda entre funções não agentivas (a ocorrência natural das funções independe das intenções práticas ou das atividades dos agentes humanos) e funções agentivas (que necessitam, para manter-se, de uma continuada intencionalidade por parte dos usuários). Dentre estas últimas há uma categoria especial formada pelas funções agentivas simbólicas, cuja função é simbolizar, representar, valer por ou significar uma outra coisa.

O segundo conceito é a intencionalidade coletiva. Trata-se do fato de que os agentes humanos não apenas se comprometem com uma conduta cooperativa, mas também são capazes de compartilhar estados mentais, como crenças, desejos ou intenções. A intencionalidade coletiva é distinta da intencionalidade individual (Searle, 1983SEARLE, John. (1983), Intentionality. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.) e a primeira não pode ser reduzida à segunda. Contrariando o individualismo metodológico e a estratégia reducionista, Searle alega que a intencionalidade coletiva não pode ser considerada um mero agregado de intenções individuais14 14 . Searle (1998:100 e 103) é bastante claro quanto a este ponto. “Tese 1: existem ações intencionais que não são a mesma coisa que a soma de ações individuais intencionais”. Depois, prossegue: “Tese 2; Intenções coletivas não podem ser analisadas como se fossem apenas conjuntos de intenções individuais, nem como intenções individuais suplementadas por crenças, incluindo crenças compartilhadas, sobre as intenções de outros membros de um grupo. . Ao executar uma partitura em uma orquestra, por exemplo, o músico mobiliza a sua intencionalidade individual e, ao mesmo tempo, coloca-se em perspectiva coletiva. Em função dessa posição teórica, Searle denominará fato social qualquer fenômeno que requeira intencionalidade coletiva. Uma classe especial de fatos sociais são os fatos institucionais, que ao contrário dos fatos brutos (ou naturais), necessitam de instituições humanas para adquirir existência. Fatos sociais são completamente dependentes da linguagem na medida em que necessitam da capacidade humana de simbolização.

O terceiro elemento da arquitetura conceitual de Searle são as regras constitutivas. Mais do que normatizar condutas, as regras também criam a possibilidade de certas atividades. A regra constitutiva da realidade social pode ser expressa pela seguinte fórmula: “X conta como Y no contexto C”. A primeira parte da fórmula nos informa sobre os dois pressupostos básicos da realidade social, ou seja, a capacidade de atribuir funções simbólicas (Y) a fatos brutos (X), tornando-os fatos institucionais. Um exemplo recorrentemente mobilizado por Searle é a transformação de um pedaço de papel em dinheiro. Esta transformação só é possível tendo-se como precondição a capacidade humana de cooperação social (intencionalidade coletiva) e a existência prévia de instituições humanas permeadas pela linguagem (o contexto C). O elemento X nem sempre é um fato bruto, mas pode ser também um ato de fala performativo que, uma vez transformado, torna-se uma instituição social, como no caso do juramento (ato de fala X) que dá origem a instituição do matrimônio (fato institucional Y). Searle parece usar o conceito de instituição como sinônimo de regras constitutivas e faz questão de diferenciar os processos de criação inicial do fato institucional da sua existência ao longo do tempo e da sua representação oficial (codificação) na forma de indicadores de status15 15 . Em obras posteriores, Searle (2010) modifica alguns elementos de suas proposições, mas sem alterar suas premissas gerais. À fórmula acima, por exemplo, ele acrescenta a questão do poder e da autoridade (cuja fórmula é: Nós aceitamos que (S) tem (o) poder (S realiza A). .

No seu conjunto, as concepções filosóficas de Searle nos colocam em um mundo diametralmente oposto ao antirrealismo ou construtivismo social (radical), fato que a inversão de palavras escolhida por ele já nos deixa entrever, pois não se trata da “construção social da realidade”, mas da “construção da realidade social”. Pioneira na filosofia, a reflexão do autor vem sendo alvo de inúmeras discussões. Tendo em vista os interesses da teoria sociológica, creio que dois pontos merecem especial consideração. O primeiro está ligado à sua tentativa por superar oposições como mente e corpo e, especialmente, biologia e cultura. Para ele, não pode haver uma ruptura radical entre essas duas realidades. E sendo assim, propõe uma história mais ou menos contínua, que parte de uma ontologia da biologia e chega até uma ontologia que inclui as normas culturais e institucionais. De fato, Searle está convencido de que a intencionalidade coletiva é um fato biológico, mas isto não quer dizer que toda a realidade social o seja. Por outro lado, o mesmo autor que defende uma forte continuidade no que toca à relação natureza e cultura, adota um ponto de vista emergentista16 16 . “Emergência” é um conceito que designa a relação entre dois níveis da realidade e o fato de que o conjunto de propriedades que define o plano B é independente dos elementos que compõem o plano A. Nesse sentido, o nível B é considerado emergente. no que diz respeito à relação entre a intencionalidade individual e a intencionalidade coletiva. Nesse ponto, ao contrário, ele assume uma perspectiva grupal que separa a intencionalidade coletiva da individual.

MARGARET GILBERT

Se a John Searle cabe o posto de autor que verdadeiramente deflagra as discussões sobre ontologia social na filosofia contemporânea, bem poderíamos creditar a Margaret Gilbert o posto de precursora neste campo. Embora ela não tenha sido a primeira a empregar os conceitos de “ontologia social” e “intencionalidade coletiva”, não se pode negar que ela já estava à frente dessa discussão ao sugerir a existência de um sujeito plural, noção que se não é idêntica, é pelo menos muito próxima a de intencionalidade coletiva.

Existe ainda outro aspecto que singulariza a obra de Gilbert. Ela é a que dialoga mais diretamente com a tradição sociológica, pelo menos em sua obra inaugural: On social facts (1989). Nesse contexto, não esconde sua clara oposição a Max Weber, a quem atribui uma visão singularista e intencionalista do mundo social. Embora não abra mão do princípio da intencionalidade (pois, mesmo em grupos sociais objetivamente dados, os indivíduos precisam perceber-se como membros), ela também não esconde sua preferência por Émile Durkheim e pela sua concepção não agregativa do nível transindividual. Mas não é somente neste autor que Gilbert busca ferramentas para desenvolver sua teoria. Ela prefere a proposição formulada por Simmel (1992)SIMMEL, Georg. (1992), Soziologie: Untersuchungen über die Formen der Vergesellschaftung. Frankfurt am Maim: Suhrkamp., que sustenta que um dos a priori do mundo social é que os indivíduos precisam enxergar-se a si mesmos como um coletivo para que a sociedade seja possível. Para adotar a citação da autora, dirá Simmel que “a consciência de constituir com os outros uma unidade é tudo o que há de novo nesta unidade” (apudGilbert, 1989GILBERT, Margaret. (1989), On social facts. London: Routledge.:146).

Não é o caso de retomar em detalhes essas discussões de Gilbert com a teoria sociológica clássica. Antes disso, cabe discutir o núcleo analítico de sua teoria, ou seja, ao conceito de sujeito plural, que ela sintetiza com a seguinte proposição: “os indivíduos X, Y e Z constituem uma coletividade (grupo social) se, e apenas se, cada um deles imagina corretamente que tanto ele como os demais agem conjuntamente enquanto ‘nós’” (Gilbert, 1989GILBERT, Margaret. (1989), On social facts. London: Routledge.:147). Este teorema, também denominado por ela como “esquema simmeliano”, recebe logo a seguir outra formulação: “a existência de um grupo social é basicamente uma questão de os membros de um conjunto de pessoas estarem conscientes de que estão ligados por um certo laço especial” (idem:149). O elemento fundamental, portanto, é que os indivíduos devem perceber-se como uma unidade. Substancialmente, o que ela diz é que os indivíduos, enquanto membros de um grupo social, constituem uma unidade natural. E que, ao mesmo tempo, a existência do grupo social é uma simples função de sua percepção enquanto elementos constituintes desta unidade natural, tese que ela também explica da seguinte forma: “cada membro de um determinado conjunto de pessoas deve ver corretamente cada um dos demais, incluindo a si mesmo, como ‘um de nós’” (idem:152).

O sentido de “nós” é central para sua teoria, sendo definido como “um conjunto de pessoas que possui e que compartilha com as demais alguma ação, crença, atitude, ou outro atributo semelhante, isto é, em algum atributo que tradicionalmente chamamos de estado ‘mental’” (idem:153). Central nessa noção é o fato de que ela implica mais do que uma ação similar realizada por dois agentes independentes (duas pessoas caminhando na mesma direção). Trata-se antes de, como parceiros, compartilhar de uma mesma ação e de seus objetivos, como no caso de realizar uma caminhada em dupla, o principal exemplo escolhido pela autora. A noção de “nós” é a ponte que leva para o segundo elemento conceitual da teoria de Gilbert, a saber: o sujeito plural. Isso porque uma noção remete à outra, pois quem compartilha uma ação com outros indivíduos constitui um sujeito plural. Também pode-se dizer que a condição do “nós” é uma condição suficiente e necessária para a existência do sujeito plural (idem:205). Por essa mesma razão, a autora entende os grupos sociais como um conjunto de pessoas que compartilha de uma determinada noção de “nós”. Gilbert também não tem nenhuma dúvida quanto a natureza peculiar dos grupos sociais e afirma peremptoriamente: “nos termos de metafísica, o sujeito plural é uma entidade separada, independente dos sujeitos singulares, mas mantendo alguma dependência, pelo menos em nível físico, com o sujeito singular” (idem:205). Acrescenta ainda que:

Certamente um sujeito plural, como caracterizado neste livro, é o mesmo tipo de sistema que um agente singular. Seus componentes físicos são dois ou mais corpos humanos. Os movimentos do sistema ocorrem em resposta à concepção do sistema que está contido contemporaneamente em suas partes físicas, e que se baseia na percepção do que está ocorrendo em cada uma delas (Gilbert, 1989GILBERT, Margaret. (1989), On social facts. London: Routledge.:433).

Em suas obras mais recentes, as proposições de Gilbert (2003)GILBERT, Margaret. (2003), “The structure of the social atom: joint commitment as the foundation of human social behavior”, in: Frederick S. (ed.), Socializing metaphysics: The nature of social reality, Lanham, MD: Rowman & Littlefield, pp. 39-64., ainda que não se alterem substancialmente, sofrem um pequeno deslocamento conceitual na medida em que o conceito de “compromisso conjunto” passa a ocupar um lugar destacado em sua teoria. Tais desdobramentos, contudo, não poderão ser contemplados por ora. O conceito de “compromisso conjunto” é definido por Gilbert como “uma espécie de compromisso da vontade. Neste caso, ela é criada pelas vontades de duas ou mais pessoas, e duas ou mais pessoas estão comprometidas com ela” (Gilbert, 2003:134). Essa forma de comprometimento está na origem das entidades coletivas que ela chega a designar como “corpos sociais” ou, segundo suas próprias palavras: “A e B [...] constituem um sujeito plural (por definição) se, e apenas se, estiverem conjuntamente empenhados em fazer algo como um corpo – num sentido amplo do termo ‘fazer’” (Gilbert, 2003GILBERT, Margaret. (2003), “The structure of the social atom: joint commitment as the foundation of human social behavior”, in: Frederick S. (ed.), Socializing metaphysics: The nature of social reality, Lanham, MD: Rowman & Littlefield, pp. 39-64.:145).

A forte correlação entre sujeito plural e grupos sociais rendeu a Gilbert a acusação de circularidade, fato com o qual tendo a concordar. Mais importante, contudo, parece-me o fato de que, ao lado de Searle, a maneira como a autora articula a sua noção de sujeito plural a coloca fortemente no campo de uma visão holista da realidade social. E isso, apesar de a autora ter pretendido superar a oposição entre uma concepção individualista ou holista do ser social, na medida em que “indivíduos como agentes singulares e indivíduos como membros de sujeitos plurais estão ontologicamente no mesmo plano. Nenhum deles possui prioridade no que diz respeito à ontologia” (Gilbert, 1989:432). Nesse sentido, devemos ter cuidado para não igualar sua posição à reificação social de Durkheim. Mesmo assim, Gilbert não chega a traçar uma diferenciação consistente entre a perspectiva individual e a perspectiva coletiva; e tampouco esmiuça a relação entre esses dois níveis. Por fim, outro problema é que a autora não aprofunda sua teoria no seio do debate entre realistas e antirrealistas. Mas não há dúvidas quanto à sua posição, que ela assim expressa: “não existem sujeitos plurais na realidade. O que existe são somente ficções” (Gilbert, 1989GILBERT, Margaret. (1989), On social facts. London: Routledge.:433-434). No entanto, nada disso retira o pioneirismo do seu debate, cujos desenvolvimentos posteriores contemplarei a seguir.

A medida em que a temática do ser social na filosofia de tradição analítica tornou-se mais densa, ela também se concentrou cada vez mais – não sem o risco de certo estreitamento – no tema da intencionalidade coletiva (Schmid e Schweinkard, 2009). Em Searle, como vimos, o conceito ocupa um lugar decisivo, mas é apenas um elemento de uma constelação conceitual mais ampla. Já em Gilbert o conceito está implícito. Mas não é em nenhum desses dois autores que sua origem deve ser buscada. O ponto de partida do conceito de intencionalidade coletiva está em Sellars (1968), e representa um desdobramento da longa e complexa história da teoria analítica da ação e do problema da intencionalidade que, até então, vinha sendo tratado apenas no plano individual. Com a introdução do adjetivo “coletiva”, o conceito finalmente alcançou o nível do “social”. Outra mudança importante é que a geração de estudiosos posterior às obras pioneiras se afastou cada vez mais da visão coletivista presente nos precursores acima analisados. Além disso, esforça-se por qualificar, de modo mais adequado, a complexa relação entre intencionalidade no plano pessoal e no plano coletivo, elevando, sobremaneira, a complexidade da discussão.

RAIMO TUOMELA

Uma das iniciativas mais notáveis nesse sentido pode ser encontrada na obra de Raimo Tuomela. Em sua longa carreira intelectual (1985, 2000, 2003, 2017), este autor vem formulando uma ampla teoria que inclui, dentre outros temas, a teoria dos grupos, do agir como membro de um grupo, das práticas e instituições sociais, e passa também por temas normativos, como a responsabilidade (moral) coletiva. Trata-se, a bem da verdade, de uma “teoria social” completa, cuja pedra angular é uma compreensão bastante particular da intencionalidade coletiva, considerada por ele o verdadeiro cimento da vida social. Nesse quesito, a originalidade de Tuomela está não apenas na diferenciação entre dois níveis de intencionalidade – o “modo-nós” [we mode] e o “modo-eu” [I mode] –, mas também na forma como ele relaciona os dois níveis. O primeiro diz respeito à perspectiva do indivíduo como membro do grupo, enquanto o segundo diz respeito à adoção de uma perspectiva estritamente privada. A intencionalidade coletiva é um pré-requisito para uma ampla gama de fenômenos sociais, incluindo instituições, práticas sociais e grupos sociais em pequena escala que compartilham algum interesse, objetivo ou valor. Quanto ao modo de relação entre os dois níveis, Tuomela sustenta que a perspectiva coletiva não pode ser reduzida à individual, ainda que, em última instância, a realidade social seja composta apenas por indivíduos.

A teoria de Tumela presume que algumas condições precisam ser satisfeitas para que se possa falar de grupos sociais: 1) as razões do grupo; 2) a condição coletiva; e 3) o comprometimento coletivo. Esses critérios precisam ser preenchidos para que a perspectiva plural possa ser adotada, ou seja, sem eles não existiria cooperação e nem instituições sociais. O primeiro elemento é definido simplesmente como “uma razão que promove o interesse do grupo” (Tuomela, 2013TUOMELA, Raimo. (2013), Social ontology: collective intentionality and group agents. Oxford: Oxford University Press.:38). A condição coletiva implica que os membros de um determinado coletivo aceitam, enquanto indivíduos, os objetivos, crenças ou interesses desse grupo, compartilhando determinado ethos. Por fim, a relação do indivíduo com tal ethos é caracterizada como uma relação de comprometimento, ou seja, os membros da coletividade em questão precisam acreditar mutuamente que são membros do grupo e que os demais também partilham desse ethos. Trata-se, portanto, de um princípio constitutivo do próprio grupo social.

Estabelecidos esses pressupostos, vejamos como o autor entende a intencionalidade coletiva. O que diferencia claramente a tese de Tuomela da proposta de Searle é o fato de ele inserir um terceiro termo entre a perspectiva radicalmente individual [I mode] e a perspectiva radicalmente coletiva [we mode]. Trata-se do que ele denomina “agir como membro do grupo” [pro-group I-mode]. A questão é que no plano coletivo reside uma diferença entre a situação de um indivíduo que simplesmente adota o ponto de vista interno do grupo como sendo o seu, daquele que se insere enquanto pessoa privada nos objetivos do grupo. A primeira postura é chamada por Tuomela de “modo-nós no sentido forte” e a segunda [pro-group I-mode] de “modo-nós no sentido fraco”. Segundo o autor, o modo-nós em sentido forte diz respeito à atividade do indivíduo como membro do grupo. Isso deve ser diferenciado da posição fraca, cujo foco é a pessoa privada, embora ela atue no contexto grupal e em razão dos interesses do coletivo ao qual pertence. Outra forma de entender a diferença entre as duas perspectivas é que o modo-nós é top-down, ou seja, o movimento ocorre do nível do grupo para o nível individual; ao ponto que agir como membro do grupo é bottom-up, saindo do indivíduo em direção grupo. Da mesma forma, um indivíduo pode atuar em um contexto de grupo no modo-nós ou no modo-eu (incluindo atuar para o grupo no pro-group I-mode). Ou, como o autor esclarece:

A diferença mais significativa entre we-mode e pro-group I-mode é que o primeiro emprega o pensar como um nós e o raciocinar como um nós em um sentido claramente irredutível ao grupo, enquanto o segundo emprega um raciocinar em sentido individual que até pode ocasionalmente envolver uma fina noção de nós, mas não uma noção completa de “nós-juntos”, satisfazendo, portanto, a condição de coletividade e expressando a identificação social dos membros com o grupo aos quais eles se referem. Há também o modo I privado que não requer que pensemos nos interesses de nosso próprio grupo. Uma noção de “nós” pode, assim, figurar tanto no contexto do I-mode quanto do we-mode, mas deve ser interpretada de formas diferentes nestes dois casos. De forma semelhante, podemos pensar linguisticamente em termos de “eu” tanto I-mode quer no modo We-mode (por exemplo, “farei a minha parte da nossa ação conjunta X”) (Tuomela, 2013TUOMELA, Raimo. (2013), Social ontology: collective intentionality and group agents. Oxford: Oxford University Press.:24).

Tuomela também define a intencionalidade coletiva em sentido forte como um estado relacional. Neste sentido entende que sua teoria pode ser vista como “posicional”, esclarecendo que “o termo ‘posicional’ destina-se a ser aplicado a todos os grupos em we-mode, mas é especialmente ilustrativo no que diz respeito a organizações como empresas e corporações civis enquanto operam como we-mode, ou seja, como agentes grupais” (Tuomela, 2013TUOMELA, Raimo. (2013), Social ontology: collective intentionality and group agents. Oxford: Oxford University Press.:9).

A diferença entre o modo-nós na perspectiva forte ou fraca abre caminho para fundamentar a tese de que grupos sociais, enquanto coletividades, também possam ser considerados portadores de intencionalidade. Trata-se, evidentemente, de um tipo de intencionalidade de natureza própria que deve ser diferenciada da intencionalidade no nível dos agentes individuais. Enquanto esta última é uma intencionalidade “intensiva”, grupos sociais só poderiam ser portadores de propósitos em sentido “extensivo”. A intencionalidade é intensiva quando radicada no próprio indivíduo e extensiva quando derivada, ou seja, quando implica uma combinação de estados mentais. Isso envolve dizer que desejos, intenções, crenças e até responsabilidades podem ser atribuídos a grupos sociais, ainda que estes não possam ser propriamente considerados agentes intencionais (pessoas). A perspectiva grupal é vital para entender formas organizadas e hierarquizadas de interação, como corporações ou Estados. Ao mesmo tempo, coloca como desafio entender o fenômeno da autoridade – que não será abordado aqui.

Passarei agora ao segundo item da agenda: o modo de relação entre a perspectiva individual [I-mode] e a perspectiva grupal [we-mode]. Embora Tuomela tenha se apresentado como um crítico do individualismo metodológico, não é possível classificá-lo como representante da visão holista, dado que ele mesmo se define como representante de uma posição coletivista fraca. Tuomela entende que nem o coletivismo e nem o individualismo são estratégias inteiramente válidas e que, em certa medida, são complementares. Ontologicamente os indivíduos são sempre os motores primeiros da vida social, mas isso não nega a existência irredutível dos grupos sociais. O grupo social não apenas é central para identidade dos indivíduos, como também representa uma forma econômica de tomada de decisões, pois ao adotar a intencionalidade coletiva no sentido forte, o indivíduo fica dispensado da tarefa de planejar reiteradamente suas próprias decisões individuais: ele pode simplesmente adotar as razões do grupo. O modo nós também é mais econômico porque ajuda os agentes a decidirem-se, restringindo a gama de alternativas de ação viáveis, e porque limita o grau em que os indivíduos precisam estar cientes dos estados mentais dos outros para planejar suas ações individuais como membros do grupo.

Por fim, uma palavra sobre o “naturalismo filosófico” (Tuomela, 2003). Conforme o autor, a intencionalidade coletiva é produto tanto da evolução natural quanto da evolução social, a primeira operando no plano individual e a segunda no plano coletivo. É a partir da coevolução entre esses dois elementos que o autor enxerga a origem da capacidade humana de cooperação.

MICHAEL BRATMAN

Na busca pelo entendimento das formas básicas de sociabilidade, Bratman (1993BRATMAN, Michael. (1993), “Shared intention”. Ethics, no 104, pp. 97-113., 1999BRATMAN, Michael. (1999), Faces of intention. Cambridge: Cambridge University Press., 2014BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press.) situa seu projeto em clara oposição ao coletivismo de Searle e ao normativismo de Gilbert. Partindo do plano micro, no qual desenvolve uma teoria da “agência planejadora”, sustenta que há uma relação de profunda continuidade entre o plano da intencionalidade individual e o plano social. Mas, longe de pretender elaborar uma ampla teoria social, Bratman concebe seu projeto apenas como uma tentativa de demonstrar os pressupostos implícitos nas intenções compartilhadas, desembocando no que chama de uma teoria modesta da sociabilidade. Trata-se de fixar a atenção em elementos presentes nas relações sociais e grupais de curta escala para, a partir daí, plantar as bases para a compreensão das instituições sociais de larga escala.

Nesse percurso, o autor afirma claramente professar um caminho do meio denominado como “individualismo estendido”. Ipsis verbis: “é um individualismo que se baseia na rica história da nossa capacidade de planejamento individual e que vai além do modelo de crença/desejo predominante na filosofia e do modelo de utilidade-probabilidade utilizado em algumas áreas das ciências sociais” (Bratman, 2014BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press.:11). No entanto, faz questão de explicar que seu aporte distingue, no caso individual, entre a agência simples orientada por objetivos e a agência planejadora. Isso se deve ao fato de que a agência planejadora individual está dada, ao passo que a sociabilidade modesta não precisa envolver uma descontinuidade fundamental – o que não quer dizer que todos os agentes que planejam tenham capacidade para tal sociabilidade. Essa perspectiva individualista não dispensa elementos relacionais, pois a intenção compartilhada consiste primariamente em atitudes inter-relacionadas dos indivíduos, especialmente suas intenções.

Para detalhar esses elementos de forma mais vagarosa, começarei por sua pedra angular: a teoria do planejamento. Ao contrário do que esse termo pode sugerir, Bratman está longe de aderir a qualquer forma de teoria da escolha racional. Ao mesmo tempo, ele se distancia da filosofia analítica de ação e de sua tentativa de definir a intencionalidade a partir das crenças e desejos dos atores sociais. De acordo com Bratman (1985), Davidson (1963)DAVIDSON, Donal. (1963), “Actions, reasons and causes”. Journal of Philosophy, vol. 60, pp. 685-700. negligencia o lugar das intenções prospectivas na coordenação intertemporal e interpessoal. Para ele, os atores sociais sempre possuem planejamentos de longo prazo que são ajustados dependendo dos fatores contingentes em jogo. Não se trata de reduzir a intenção a outros elementos anteriores, já que as intenções dos atores estão contidas nos planos de longo prazo. Ou, sumariamente falando, intenções e planos são sinônimos. Bratman possui a clara intenção de restabelecer a prioridade da intencionalidade na teoria da ação, e por isso possui uma refinada concepção da mesma, distinguindo-a enquanto contida no processo de ação ou enquanto projeção. É especialmente esta última, que é orientada para o futuro, que o interessa. O processo de ajuste dos planos é denominado por ele de planos de curto prazo. Os planos de curto prazo, por sinal, podem ser ainda mais especificados no cotidiano através das policies.

Todo este processo de ajuste entre planos de longo e curto prazo supõe da parte do indivíduo a constante mobilização da racionalidade prática. Essa racionalidade possui duas dimensões, pois além do ajuste entre fins essenciais e secundários (consistência) e da correlação entre meios e fins (coerência), ele também contempla o papel das normas morais no processo de tomada de decisões. Nota-se que o planejamento de longo prazo é geral e contínuo e possibilita a extensão temporal das ações, enquanto os planos parciais são mais concretos respondem a nossas ações contingentes:

(...) de acordo com a teoria de planeamento, as intenções dos indivíduos consistem em planos: eles estão incorporados em formas de planejamento que são centrais para nossa agência (organizada internamente e temporalmente estendida) e para nossa capacidade para alcançar objetivos complexos ao longo do tempo, especialmente tendo em vista nossas limitações cognitivas” (Bratman, 2014BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press.:215).

Estabelecida sua compreensão da intencionalidade no plano individual, torna-se possível compreendê-la também no plano coletivo. Esse passo conduz ao segundo conceito central na economia discursiva do autor: a teoria da intenção compartilhada. Como o próprio termo indica, não se trata de crenças que transcendem o plano dos atores, mas apenas de intenções igualmente presentes em cada um dos envolvidos na ação coletiva. Para Bratman (2014)BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press., toda ação é sempre a minha própria ação. Em passos sistemática e detalhadamente trabalhados, ele entende que, no caso de uma intenção compartilhada, cinco condições precisam ser preenchidas. A primeira é a condição intencional e diz respeito ao fato de cada um dos envolvidos possuir a mesma intenção de realizar conjuntamente o objetivo em vista – ir para Nova York, por exemplo. Tal intenção, contudo, em vez de ser estritamente individual, pode estar interconectada – irmos juntos para NYC. Em função dessa escolha, cada um dos envolvidos desenhará seus próprios subplanos para realizar essa ação de maneira coletiva. Esse caráter compartilhado da intenção supõe o conhecimento mútuo de ambas as partes, ou seja, supõe que cada uma das partes acredite que há interdependência na persistência dessas intenções de cada um em favor do objetivo comum. Segue-se, como corolário, a condição de interdependência e persistência das ações dos envolvidos. Ao mesmo tempo, os envolvidos da ação têm consciência dos processos acima implicados, fato que Bratman designa como conhecimento comum. Por fim, todo este processo exige dos envolvidos um certo compromisso moral, quer dizer, um comprometimento pessoal com a intenção do parceiro.

Daí por diante não precisamos ir muito longe, pois a sociabilidade modesta é definida por Bratman (2014)BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press., em fórmula sintética, como o bom funcionamento do planejamento racional interconectado. A bem da verdade, não há como localizar em Bratman uma distinção acentuada entre a intencionalidade no plano individual e no plano coletivo, nem qualquer precedência da primeira sobre a segunda. Diferentemente de Tuomela (2013)TUOMELA, Raimo. (2013), Social ontology: collective intentionality and group agents. Oxford: Oxford University Press., sua teoria não trabalha com a distinção entre I intention e we intention. Como diz ele:

(...) minha conjectura orientadora é que a agência planejadora individual traz consigo estruturas suficientemente ricas – conceituais, metafísicas e normativas – de tal sorte que as etapas seguintes das formas básicas de sociabilidade, embora significativas e exigentes, não requerem elementos fundamentalmente novos. Existe profunda continuidade entre o indivíduo e a agência social (Bratman, 2014BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press.:4).

Ecoando as célebres teses de Weber sobre as ações e as relações sociais, a sociabilidade é definida como ajuste mútuo entre as intenções dos atores sociais. Como não existe gradação entre o planejamento racional, a conexão de intenções e o plano da sociabilidade, Bratman sustenta que existe total continuidade entre estes planos.

No entanto, se Bratman é um reducionista no que tange à relação entre o plano micro e o plano macro, ele se distancia dos demais autores da ontologia analítica por assumir explicitamente uma agenda construtivista, rejeitando a ideia de que a ação planejadora emerge a partir do processo evolucionário. Segundo ele, o plano social emerge a partir dos problemas funcionais que aparecem a partir da necessidade da coordenação das ações individuais. Nesse sentido, Bratman é o autor que está mais longe da posição de Searle, para quem a intencionalidade coletiva é, em última instância, um fenômeno biológico-evolutivo.

PONTES PARA INTERLOCUÇÃO ENTRE FILOSOFIA SOCIAL ANALÍTICA E TEORIA SOCIOLÓGICA

Tendo em vista o vigor que a virada ontológica adquiriu nas ciências sociais (em particular em determinadas linhas da antropologia e no realismo crítico da sociologia), entendo que o diálogo entre teoria sociológica e ontologia social analítica é hoje imprescindível. Existem elementos teóricos intrínsecos que me levam a sustentar que, caso se aproximasse da discussão dos filosóficos analíticos, a sociologia ampliaria o escopo e a qualidade das discussões sobre o ser social, superando alguns dos problemas que a virada ontológica nas ciências sociais levantou.

Considerando alguns dos limites que já indiquei no primeiro tópico, e ainda sem esgotar a questão, gostaria de apontar algumas pontes para articular a tradição ontológica analítica com a agenda da teoria sociológica. Ou, posto de outra forma, para que a teoria sociológica incorpore em seu campo discursivo os rendimentos teóricos oriundos da ontologia social analítica. Não pretendo, devido as restrições deste espaço, avançar prioritariamente no mérito da discussão micro/macro e nem oferecer soluções definitivas ao tema; mas apontar agendas de discussão que, além de aproximar as discussões filosóficas e sociológicas, permitam ampliar o conteúdo e as perspectivas das questões a serem tratadas no âmbito da teoria sociológica.

A primeira dessas pontes diz respeito aos seus pressupostos, pois entendo que a ontologia social analítica, longe de circunscrever-se ao âmbito da sociologia, permite um diálogo desta tanto com a antropologia (relação natureza/cultura), quanto com a epistemologia em geral (verdade cognitiva), superando o insulamento disciplinar de uma investigação que já é altamente especializada. Cabe à teoria sociológica conservar essas pontes intactas. Não obstante, como essa é uma vasta agenda, ao mesmo tempo que foge ao escopo central deste escrito, farei apenas brevíssimas indicações programáticas para este diálogo. Meu argumento é que os problemas da ontologia social analítica são formulados de tal maneira que, tanto questões de caráter filosófico/epistemológico quanto questões centrais da antropologia, encontram-se sistematicamente articuladas ao tema da intencionalidade coletiva. Trazê-las para a teoria social significaria articular tais problemáticas com o campo discursivo da sociologia. Isso quer dizer, na prática, incorporar ambas as questões no interior da disciplina como pressupostos a serem pensados explicitamente.

Todavia, não aprofundarei nessas conexões agora. Passarei, finalmente, ao âmbito da sociologia e aos problemas específicos da teoria sociológica. Se a ontologia social de orientação analítica pode ser considerada uma tentativa de aproximação da filosofia com problemáticas sociológicas, o que ela tem a oferecer, produtivamente, para esta disciplina e para os seus dilemas teóricos fundamentais?

Seu valor inicial consiste no fato de ela colocar à disposição das ciências sociais um instrumental filosófico que essas ciências, pelo menos endogenamente, ainda não possuem. Não se trata de atribuir à filosofia o velho posto de parâmetro externo da ciência, mas de apropriar-se crítica e criativamente dos seus resultados, permitindo que a ontologia social seja desenvolvida a partir de um discurso de segunda ordem. Aceitando a crítica de Elder-Vass (2008)ELDER-VASS, Dave. (2008), “Searching for realism, structure and agency in actor network theory”. The British Journal of Sociology, vol. 59, no 3, pp. 455-473., pode-se afirmar que a filosofia social analítica oferece uma ontologia profissionalizada. Não se trata, portanto, apenas de afirmar que os conceitos sociológicos possuem propriedades substantivas e efeitos reais (como no realismo crítico); mas de indicar, com base em um discurso ontológico especializado, que propriedades são essas. Trata-se, no mínimo, de um vocabulário que adiciona maior consistência teórica ao debate ontológico na teoria sociológica.

Mas, há quem sustente, não sem certa razão, o fraco contato da filosofia social analítica com o saber já acumulado na teoria sociológica convencional (Bjerre, 2015BJERRE, Jørn. (2015), “A new foundation for the social sciences? Searle’s Misreading of Durkheim”. Philosophy of the Social Sciences, vol. 45, no 1, pp. 53-82.). Não obstante, não existe barreira para este diálogo, tendo em vista que o dilema básico da ontologia social está formulado nos mesmos moldes da teoria sociológica; a saber, o conflito entre visões holistas e individualistas sobre o universo social. Pode-se ver, portanto, que a ontologia social analítica acaba replicando, ainda que com outros instrumentos teórico-conceituais, mas com ênfase estritamente ontológica (e não metodológica-explicativa), o mais clássico dos dilemas da sociologia: a relação indivíduo vs. sociedade ou ação vs. ordem. Longe de universos paralelos, tratam-se de reflexões complementares, o que nos deixa diante de uma importante plataforma de pesquisa: colocar esses dois conjuntos em relação. Ou, colocando em outros termos: como a ontologia social analítica permite avançar efetivamente na discussão do problema micro/macro? Responderei a essa pergunta tanto em um plano geral, quanto em termos mais específicos.

Falo em plano geral porque a primeira contribuição de uma ontologia social profissionalizada consiste em evitar o problema da conflação (teorização unilateral) entre dois planos diferentes em que o problema micro/macro está posto (Archer, 1995ARCHER, Margareth. (1995), Realist social theory: the morphogenetic approach. Cambridge: Cambridge University Press.). O primeiro é explicativo e diz respeito ao ponto de partida causal da análise sociológica, seja ele o plano micro, macro ou algum tipo de síntese entre ambos. No entanto, esse plano (que é metodológico-explicativo) não se confunde com o plano ontológico que diz respeito ao conteúdo substantivo de cada um deles, ou seja, às suas propriedades intrínsecas: há que se precaver contra a fusão indevida de um plano no outro.

Aceita esta distinção, o problema micro/macro não apenas se amplia, mas também se complexifica, pois coloca em tela o problema da relação entre o explicativo/ontológico. Consequentemente, pode-se postular não apenas que certas posturas explicativas supõem concepções ontológicas, mas também que, ao assumir determinada posição ontológica, acaba-se delimitando o tipo de análise metodológica possível entre macro/micro. Ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade de postular a independência analítica entre os planos. Assim, ao contrário da tese da regulação de Archer (1995)ARCHER, Margareth. (1995), Realist social theory: the morphogenetic approach. Cambridge: Cambridge University Press., podemos admitir que uma determinada concepção ontológica não implica necessariamente uma única posição metodológico-explicativa; da mesma forma que posições metodológicas distintas podem abrigar ontologias distintas (Sawyer, 2005SAWYER, Robert Keith. (2005), Social emergence: societies as complex systems. Cambridge: Cambridge University Press.). A partir daí passa a ser possível perceber – pelo menos hipoteticamente – múltiplas combinações entre os dois planos, a saber: i) ontologias holistas com metodologias holistas ou individualistas; ii) ontologias individualistas com metodologias holistas ou individualistas; e iii) ontologias que admitem a independência e complementaridade mútua dos planos micro e macro no plano substantivo e com metodologias exclusivamente holistas ou individualistas, ou mesmo que combinam ambos os procedimentos17 17 . As combinações acima elencadas são meramente formais. Maiores detalhes em Schützeichel (2008) e Albert (2008). . Nesse caso, a discussão micro/macro amplia-se em termos de complexidade e de sofisticação; quer dizer, a distinção entre o plano ontológico/epistemológico e as múltiplas combinações que se abrem contribuem para o detalhamento e para a especificação das operações lógico-teóricas envolvidas no exame das múltiplas relações entre diferentes níveis da realidade social.

Esse quadro geral já nos fornece algumas indicações das contribuições específicas que os teóricos aqui analisados oferecem para o aprofundamento do debate micro/macro em teoria sociológica. O ponto nodal da discussão entre os quatro autores reside, antes de tudo, no conceito de intencionalidade coletiva. Este conceito, uma vez importado para o campo da teoria sociológica, por si mesmo já enriqueceria em muito o debate. Mas é possível ir ainda mais longe, demonstrando o que ele aporta de originalidade ao debate em torno do problema micro/macro. Com efeito, o conceito de intencionalidade coletiva oferece, em primeiro lugar, uma nova plataforma metateórica – que vai muito além da disjuntiva redução/emergência, no qual o debate micro/macro tem se apoiado até agora. Com base neste fundamento conceitual emergem modos distintos de definição e de articulação entre o nível micro (intencionalidade no nível individual) e o nível macro (intencionalidade coletiva) da realidade social. Para explicar este ponto, remontarei, de forma comparativa, a nomenclatura proposta pelos quatro autores aqui analisados.

Do ponto de vista da definição, existem sensíveis diferenças no modo como cada um dos autores conceitua a problemática da intencionalidade coletiva. Em Searle (1995)SEARLE, John. (1995), The construction of social reality. New York: Free., trata-se do fato de que seres humanos são capazes de cooperar e de compartilhar estados mentais, como crenças, desejos ou intenções. É a partir deste fundamento que, no plano macro, emergem os “fatos institucionais”. Em Gilbert (1989)GILBERT, Margaret. (1989), On social facts. London: Routledge. a postura holista é tão forte que a distinção entre intencionalidade individual/coletiva desaparece para dar origem ao “sujeito plural” e ao “compromisso conjunto”; ambos concebidos como a consciência de constituir uma unidade. É devido a este aspecto que, em nível macro, resulta o sentido do “nós”, base de todos os “corpos sociais”. Tuomela (2013)TUOMELA, Raimo. (2013), Social ontology: collective intentionality and group agents. Oxford: Oxford University Press. insere entre a “intencionalidade individual” e a “intencionalidade coletiva”, o que ele designa por “agir como membro do grupo”. A perspectiva grupal forte é a base para entender formas organizadas e hierarquizadas de interação, como corporações ou Estados – realidades que são portadoras de uma “intencionalidade extensiva”. Também em Bratman (2014)BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press. podemos distinguir claramente um plano micro, no qual se distingue entre o “planejamento” de longo prazo e seu ajuste nos “planos” de curto prazo, do plano macro que se define pela “intenção compartilhada”.

A riqueza dessas definições conceituais e suas potenciais contribuições para a teoria sociológica já são evidentes. Mas antes de tratar de suas possíveis aproximações, esboçarei o modo como cada um dos quatro autores em discussão procedem com a articulação causal-explicativa entre o plano micro e o plano macro de análise. Afinal, é em relação a este ponto que cada um deles pode ser classificado no esquema holismo/individualismo, amplamente utilizado na teoria sociológica.

Em Searle são precondições da realidade social tanto a capacidade agentiva ou simbolizadora (no plano individual), bem como as regras constitutivas no plano coletivo. Isso supõe um conjunto de instituições já existentes, razão pela qual podemos dizer que a teoria dos fatos institucionais de Searle enquadra-se na perspectiva holista. Gllbert, por sua vez, está tão próxima de uma concepção durkheimiana do social concebido como entidade sui generis, que o plano macro só pode ser concebido como a existência real e efetiva de um sujeito plural. Talvez por essa razão ela pouco nos esclareça sobre como este corte é possível, ou seja, como se dá a transição do plano micro para o plano macro. Tuomela assume uma posição explícita que evita tanto o individualismo quanto o holismo radicais, esposando o que ele denomina de posição coletivista fraca. Também Bratman desenvolve extensamente este ponto e é, dentre os autores, o mais próximo da perspectiva individualista, dado que sua teoria modesta da sociabilidade parte da continuidade entre o plano individual/micro e o plano coletivo/macro.

Tendo em vista o caráter sintético da retomada acima, um quadro contendo os principais conceitos dos autores pode ajudar a compreender o que foi dito:

Quadro 1 Conceitos fundamentais da ontologia social analítica

Autor/a Plano micro Plano macro Modo de articulação
Searle Intencionalidade individual Função agentiva/ simbolizadora Intencionalidade coletiva Fatos institucionais Regras constitutivas
Gilbert Sujeito individual Sujeito plural (Nós) Corpos sociais Compromisso conjunto
Tuomela I mode I pro-groupe mode Intencionalidade intensiva We-mode Intencionalidade extensiva Coletivismo moderado
Bratman Planejamento/Planos Sociabilidade modesta Intenção compartilhada Continuidade Individualismo relacional
Fonte: Do autor.

Cabe destacar que, descontada certa centralidade do conceito de intencionalidade coletiva, também existem muitas discrepâncias terminológicas entre os autores, o que acaba resultando em visões diferentes sobre o estatuto do social – ou, em outros termos, sobre concepções de sociedade –, tema que requer ampla discussão. Não obstante, resta, para continuar a lançar pontes entre ontologia social analítica e teoria sociológica, olhar a questão a partir desta última. Mais especificamente, trata-se de partir da agenda da própria teoria sociológica para perguntar o que ela tem a dizer para a filosofia social analítica. E como, a partir de sua própria arquitetura teórica, questões ontológicas podem ser aprofundadas. Há, evidentemente, muitas direções a seguir, mas gostaria de sugerir, de modo exploratório, algumas agendas neste sentido.

Isso porque não se pode desprezar o longo percurso da teoria sociológica em relação à teorização do plano micro da realidade social, no qual duas estratégias conceituais principais, ainda que não mutuamente excludentes, encontram-se em confronto. De um lado, a tradição teórica que privilegia o conceito de agência ou ação social, e do outro, aquela que recorre preferencialmente ao conceito de prática ou práxis social (Rechwitz, 2005). Na tradição analítica, a maioria dos autores, dada a preferência pelo conceito de intencionalidade, parecem estar mais perto do conceito de ação – com a exceção de Bratman, que se move no interior da teoria da racionalidade prática. Já o conceito de relação social – hoje particularmente evidente na sociologia relacional (Emirbayer, 1997EMIRBAYER, Mustafa. (1997), “Manifesto for a relational sociology”. American Journal of Sociology, vol. 103, no 2, pp. 281-317.) – aparece apenas indiretamente em Tuomela (2013)TUOMELA, Raimo. (2013), Social ontology: collective intentionality and group agents. Oxford: Oxford University Press. e Bratman (2014)BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press., mas não é sistematicamente definido e explorado nas suas consequências analíticas. É visível também que a ontologia social analítica ainda não abriu espaço para se perguntar por diferentes modalidades de agências ou ação social, tal como as encontramos nos múltiplos modelos de ação de Weber, Parsons, Habermas etc. Neste sentido, a teoria sociológica, mais do que aprender, tem muita coisa a ensinar no que toca ao plano micro, ainda que ela mesmo esteja confrontada com a pergunta sobre as bases ontológicas desses conceitos.

O mesmo caminho pode ser percorrido quando passamos ao plano macro. Ainda que conceitos como intencionalidade coletiva, sujeitos plurais, modo grupal forte e fraco e intenções compartilhadas contribuam para a renovação e complexificação do léxico sociológico, a filosofia social analítica tende unilateralmente para os conceitos de “instituições” e “grupos” para se referir ao conjunto de entidades sociais existentes no nível coletivo. E, ainda que o problema da intencionalidade coletiva de grupos sociais seja uma das agendas mais fortes e promissoras da filosofia social analítica (List e Petit, 2011LIST, Christian; PETIT, Philip. (2011), Group agency: the possibility, design and status of corporate agents. Oxford: Oxford University Press.), a produção existente indica certa redução do conceito de instituição (Ludger, 2017) à sua dimensão normativa ou política (poder), ignorando suas dimensões cognitivas ou mesmo estratégico-instrumentais. Questões como estratificação social e desigualdade, de outro lado, são bastante incipientes, com a honrosa exceção de Davis (2015)DAVIS, John B. (2015), “Stratification economics and identity economics”. Cambridge Journal of Economics, vol. 39, no 5, pp. 1215-1229.18 18 . Reflexões valiosas são propostas também em Smith (2015). .

Por fim, os desenvolvimentos que o problema da articulação causal entre o plano micro/macro na sociologia vêm construindo a partir da incorporação de elementos conceituais da filosofia da mente, foram apenas escassamente explorados pelos teóricos sociais de tradição analítica. Mesmo no interior da tradição analítica, os trabalhos de Strawson (1992)STRAWSON, Peter. (1992), Analysis and metaphysics. Oxford: Oxford University Press. e Parfit (1984)PARFIT, Derek. (1984), Reasons and persons. Oxford: Clarendon Press. que debatem, ainda que em relação a outras problemáticas, a relação micro/macro, também poderiam ser mais explorados no que diz respeito ao ser social. Do lado contrário, é interessante notar que as chamadas “condições” da intencionalidade coletiva aproximam-se do que a literatura sociológica denomina de “regras de transformação” – ou seja, aproxima-se dos mecanismos sociais que explicam causalmente como passamos do plano micro ao plano macro da realidade social (Esser, 2000ESSER, Hartmut (2000), Soziologie: allgemeine grundlagen. Institutionen. Frankfurt am Main: Campus Verlag, v. 5.).

Mais do que lacunas a serem incorporadas pelos filósofos analíticos que agora aventuram-se pelo mundo social, os conceitos de teoria sociológica acima elencados devem ser vistos como questões que tornam possível que os teóricos sociais usem seu próprio arsenal epistêmico não apenas para aproximar-se da agenda da ontologia social analítica, mas também para desenvolvê-la. Tudo somado, e levando-se em consideração o papel estratégico da distinção micro/macro, existem múltiplas pontes que nos levam da ontologia social analítica para a teoria sociológica e, não menos importante, outras que nos trazem da teoria sociológica até a ontologia social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Questões de natureza ontológica adquiriram uma surpreendente atualidade no âmbito das ciências sociais. Também na filosofia de orientação analítica constata-se o desenvolvimento de uma metafísica do social cujos principais representantes divergem sobre a natureza da relação entre a intencionalidade individual e a intencionalidade coletiva – dualidade que é considerada por seus autores principais como fundamental para delimitar as propriedades inerentes da realidade social. Nessa senda, enquanto Searle e Gilbert postulam pela natureza sui generis dos fatos institucionais e dos sujeitos plurais, Tuomela e Bratman defendem um coletivismo fraco, por um lado, e uma ontologia relacional/posicional, por outro. A semelhança epistemológica entre esta discussão e a temática fundadora da teoria sociológica (o problema micro/macro) constitui uma plataforma que permite aproximar essas discussões e incorporar os temas da relação natureza/cultura e do debate realismo/antirrealismo.

A incorporação da agenda sobre a natureza do ser social, realizada pela ontologia social analítica no seio da teoria social, possibilita importantes ganhos de reflexividade filosófica e de ampliação de escopo e de conteúdo no âmbito da virada ontológica atualmente em curso nas ciências sociais. Ao postular essa tese, não defendo a concepção de que a ontologia social analítica detenha o monopólio discursivo no que toca à explicação da natureza última do social como um ente específico. Entendo que ela também é um projeto teórico que pode se mostrar estreito, na medida em que tende a se fechar no tema da intencionalidade coletiva. É muito mais a partir dos seus pressupostos e na agenda que dela deriva, que a teoria sociológica pode ser enriquecida, sem deixar de enriquecer também, a própria ontologia analítica. Um diálogo para o qual este artigo representa uma primeira aproximação e um convite para seu aprofundamento.

REFERÊNCIAS

  • ALBERT, Gert. (2008), “Sachverhalte in der Badewanne: zu den allgemeinen ontologischen Grundlagen des Makro-Mikro-Makro-Modells der soziologischen Erklärung”. In: R. Schützeichel; A. Schnabel; J. Greve (orgs.), Das Mikro-Makro-Modell der soziologischen Erklärung: Zur Ontologie, Methodologie und Metatheorie eines Forschungsprogramms. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, pp. 21-48.
  • ANDINA, Tiziana. (2016), An ontology for social reality. London: Palgrave Macmillan.
  • ARCHER, Margareth. (1995), Realist social theory: the morphogenetic approach. Cambridge: Cambridge University Press.
  • BHASKAR, Roy. (1997), A realist theory of science. London: Verso.
  • BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. (1967), The social construction of reality: A treatise in the sociology of knowledge. Garden City, NY: Anchor Books.
  • BJERRE, Jørn. (2015), “A new foundation for the social sciences? Searle’s Misreading of Durkheim”. Philosophy of the Social Sciences, vol. 45, no 1, pp. 53-82.
  • BOYD, Robert; RICHERSON, Peter. (2005), The origin and evolution of cultures. Oxford: Oxford University Press.
  • BOFF, Emmanoel de Oliveira. (2016), “Que realismo é esse? Uma análise da ontologia social de John Searle sob a ótica da arqueologia das ciências humanas de Foucault”. Trans/Form/Ação, vol. 39, no 3, pp. 121-148.
  • BRATMAN, Michael. (1993), “Shared intention”. Ethics, no 104, pp. 97-113.
  • BRATMAN, Michael. (1999), Faces of intention. Cambridge: Cambridge University Press.
  • BRATMAN, Michael. (2014), Shared agency: a planning theory of acting together. Oxford: Oxford University Press.
  • BRATMAN, Michael. (1999), Faces of intention: selected essays on intention and agency. Cambridge: Cambridge University Press.
  • CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas; SKAFISH, Peter. (2017), Comparative metaphysics: ontology after anthropology. Lanham: Rowman & Littlefield International.
  • COLLIN, Finn. (2008), Konstruktivismus. Paderborn: Fink.
  • COLLIN, Finn. (1997), Social reality. London: Routledge.
  • CRUIKSCHANK, Justin. (2002), Realism and sociology: anti-foundationalism, ontology and social research. London: Routledge.
  • CRUIKSCHANK, Justin. (2010), “Knowing social reality. A critique of Bhaskar and Archer‘s attempt to derive a social ontology from lay knowledge”. Philosophy of The Social Sciences, vol. 40, no 4, pp. 529-602.
  • DAVIDSON, Donal. (1963), “Actions, reasons and causes”. Journal of Philosophy, vol. 60, pp. 685-700.
  • DAVIS, John B. (2015), “Stratification economics and identity economics”. Cambridge Journal of Economics, vol. 39, no 5, pp. 1215-1229.
  • DEMMERLING, Christoph (2004), “Realismus und Antirealismus. Zur Anatomie einer Debatte”, in: HALBIG, Christoph Halbig e SUHM, Christian Suhm (Orgs.) Was ist wirklich? Neuere Beiträge zu philosophischen Realismusdebatten. Frankfurt am Main, pp. 29-48
  • DESCOLA, Philippe. (2013), Beyond Nature and Culture. Chicago: University of Chicago Press.
  • ELDER-VASS, Dave. (2008), “Searching for realism, structure and agency in actor network theory”. The British Journal of Sociology, vol. 59, no 3, pp. 455-473.
  • EMIRBAYER, Mustafa. (1997), “Manifesto for a relational sociology”. American Journal of Sociology, vol. 103, no 2, pp. 281-317.
  • EPSTEIN, Braian. (2015), The ant trap: rebuilding the foundations of social science. Oxford: Oxford University Press.
  • ESSER, Hartmut (2000), Soziologie: allgemeine grundlagen. Institutionen. Frankfurt am Main: Campus Verlag, v. 5.
  • GILBERT, Margaret. (2014), Joint commitment: how we make the social world. Oxford: Oxford University Press.
  • GILBERT, Margaret. (2003), “The structure of the social atom: joint commitment as the foundation of human social behavior”, in: Frederick S. (ed.), Socializing metaphysics: The nature of social reality, Lanham, MD: Rowman & Littlefield, pp. 39-64.
  • GILBERT, Margaret. (1989), On social facts. London: Routledge.
  • HARRÉ, Rom. (1993), Social being: revised edition. Oxford: Blackwell.
  • HENRICH, Joseph, (2016), The Secret of Our Success: How Culture is Driving Human Evolution, Domesticating our Species, and Making us Smarter. Princeton University Press.
  • HOLBRAAD, Martin; PEDERSEN, Axel. (2017), The ontological turn: an anthropological exposition. Cambridge: Cambridge University Press.
  • INGOLD, Tim. (2011), Being alive: essays on movement, knowledge and description. London: Routledge.
  • JANSEN, Ludger. (2017), Gruppen und institutionen: eine ontologie des sozialen. Wiesbaden: Springer.
  • KANZIAN, Christian; KLETZL, Sebastian; MITTERER, Josef; NEGES, Katharina. (2017), Realism, Relativism, Constructivism. Berlin/Boston: De Gruyter.
  • RUNGGALDIER, Edmund e KANZIAN, Christian. (1998), Grundprobleme der analytischen Ontologie. Paderborn: München, Wien, Zürich, Schöningh.
  • KELLY, John. (2014), “Introduction: the ontological turn in french philosophical anthropology”. Journal of Ethnographic Theory, vol. 4, no 1, pp. 259-269.
  • LATOUR, Bruno. (1994), Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34.
  • LATOUR, Bruno. (2012), Enquête sur les modes d’existence. Une anthropologie des Modernes. Paris: La découverte.
  • LAWSON, Tony. (1997), Economics and reality. London: Routledge.
  • LAWSON, Tony. (2016), “Comparing conceptions of social ontology”. Journal for the Theory of Social Behaviour, vol. 46, no 4, pp. 359-399.
  • LIST, Christian; PETIT, Philip. (2011), Group agency: the possibility, design and status of corporate agents. Oxford: Oxford University Press.
  • MACCARINI, Andrea; MORANDI, Emmanuele; PRANDINI, Riccardo. (2011), Sociological realism. London/New York: Routledge.
  • PARFIT, Derek. (1984), Reasons and persons. Oxford: Clarendon Press.
  • ROLLASON, William. (2008), “Ontology – just another word for culture?”. Anthropology Today, vol. 24, no 3, pp. 28-31.
  • SCHMID, Hans Bernhard (2005), Wir-Intentionalität: Kritik des Ontologischen Individualismus und Rekonstruktion der Gemeinschaft. Freiburg e München: Alber
  • SCHMITT, Frederick. (2013), “Recent theories of social ontology”. In: K. Byron (org.), Encyclopedia of Philosophy and Social Sciences. London: Sage.
  • SALICE, Alessandro; SCHMID, Hans Bernhard. (2016), The phenomenological approach to social reality: history, concepts, problems. London: Springer.
  • SAWYER, Robert Keith. (2005), Social emergence: societies as complex systems. Cambridge: Cambridge University Press.
  • SEARLE, John. (2010), Making the social world: the structure of human civilization. New York: Oxford University Press.
  • SEARLE, John. (1998), Mind, language, society: philosophy in the real world. New York: Basic Books.
  • SEARLE, John. (1995), The construction of social reality. New York: Free.
  • SEARLE, John. (1983), Intentionality. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.
  • SIMMEL, Georg. (1992), Soziologie: Untersuchungen über die Formen der Vergesellschaftung. Frankfurt am Maim: Suhrkamp.
  • SIMONDON, Gilbert. (2012), Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier.
  • SCHÜTZEICHEL, Rainer. (2008), “Methodologischer individualismus, sozialer holismus und holistischer individualismus”. In: R. Schützeichel; A. Schnabel; J. Greve (orgs.), Das mikro-makro-modell der soziologischen erklärung: zur ontologie, methodologie und metatheorie eines forschungsprogramms. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, pp. 352-371.
  • SMITH, Vernon. (2015), “Conduct, rules and the origins of institutions”. Journal of Institutional Economics, vol. 11, no 3, pp. 481-483.
  • STRATHERN, M. (1980), “No nature, no culture: the Hagen case”, in: C. MacCormack & M. Strathern. Nature, culture, gender. Cambridge: University Press, pp. 174-222.
  • STRAWSON, Peter. (1992), Analysis and metaphysics. Oxford: Oxford University Press.
  • TESTA, Italo. (2017), “Dewey’s social ontology: a pragmatist alternative to Searle’s approach to social reality”. International Journal of Philosophical Studies, vol. 25, no 1, pp. 40-62.
  • TUOMELA, Raimo. (2013), Social ontology: collective intentionality and group agents. Oxford: Oxford University Press.
  • TUOMELA, Raimo. (2007), The philosophy of sociality: the shared point of view. Oxford: Oxford University Press.
  • TUOMELA, Raimo. (2000), Cooperation: A philosophical study. Philosophical Studies Series: Kluwer Academic Publishers.
  • TUOMELA, Raimo. (1985), Science, action, and reality. Boston/Lancaster: D. Reidel Publishing Company/Dordrecht.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2014), Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac&Naify.
  • ZAHLE, Julie; COLLIN, Finn. (2014), Rethinking the individualism-holism debate. Dordrecht: Springer.
  • WAGNER, Roy. (1981), The invention of culture. Chicago: University of Chicago Press.
  • WESSLER, Ulrich. (2011), Heteronomien des Sozialen: Sozialontologie zwischen Sozialphilosophie und Soziologie. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften

NOTAS

  • 1
    . Em sentido amplo (filosófico), entendo o construtivismo social como uma forma de antirrealismo (Kanzian et al., 2017KANZIAN, Christian; KLETZL, Sebastian; MITTERER, Josef; NEGES, Katharina. (2017), Realism, Relativism, Constructivism. Berlin/Boston: De Gruyter.); (DEMMERLING, 2004DEMMERLING, Christoph (2004), “Realismus und Antirealismus. Zur Anatomie einer Debatte”, in: HALBIG, Christoph Halbig e SUHM, Christian Suhm (Orgs.) Was ist wirklich? Neuere Beiträge zu philosophischen Realismusdebatten. Frankfurt am Main, pp. 29-48). Em sentido restrito, construtivismo social designa aquela corrente de pensamento sociológico que deriva da teoria de Berger e Luckmann (1967)BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. (1967), The social construction of reality: A treatise in the sociology of knowledge. Garden City, NY: Anchor Books.. Neste artigo seguirei a primeira acepção. Uma análise global do construtivismo encontra-se em Collin (2008)COLLIN, Finn. (2008), Konstruktivismus. Paderborn: Fink.. Sobre o antirrealismo na sociologia, ver Susen (2015).
  • 2
    . Sobre o conceito de ontologia social vale a pena consultar também Wessler (2011)WESSLER, Ulrich. (2011), Heteronomien des Sozialen: Sozialontologie zwischen Sozialphilosophie und Soziologie. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, Lawson (2016)LAWSON, Tony. (2016), “Comparing conceptions of social ontology”. Journal for the Theory of Social Behaviour, vol. 46, no 4, pp. 359-399. e Jansen (2017)JANSEN, Ludger. (2017), Gruppen und institutionen: eine ontologie des sozialen. Wiesbaden: Springer..
  • 3
    . Por ser um movimento em curso, classificações correm o risco de ficarem rapidamente desatualizadas. Dentre os esforços recentes, conferir Testa (2017)TESTA, Italo. (2017), “Dewey’s social ontology: a pragmatist alternative to Searle’s approach to social reality”. International Journal of Philosophical Studies, vol. 25, no 1, pp. 40-62..
  • 4
    . O que não quer dizer que a ontologia analítica seja um movimento uniforme. Segundo Kanzian e Runggaldier (1998) existem, pelo menos, três tendências: a naturalista, a fenomenológica e a descritiva.
  • 5
    . Nessa perspectiva incluem-se Gerda Walther, Max Scheler e Alexander Pfänder (Schmid, 2005SCHMID, Hans Bernhard (2005), Wir-Intentionalität: Kritik des Ontologischen Individualismus und Rekonstruktion der Gemeinschaft. Freiburg e München: Alber). Maiores detalhes em Salice e Schmid (2016)SALICE, Alessandro; SCHMID, Hans Bernhard. (2016), The phenomenological approach to social reality: history, concepts, problems. London: Springer..
  • 6
    . A expressão “filosofia social” é mais ampla que a denominação “filosofia das ciências sociais”, já que esta última trata, em regra, de temas epistemológicos.
  • 7
    . No Brasil, o pioneiro foi Boff (2016)BOFF, Emmanoel de Oliveira. (2016), “Que realismo é esse? Uma análise da ontologia social de John Searle sob a ótica da arqueologia das ciências humanas de Foucault”. Trans/Form/Ação, vol. 39, no 3, pp. 121-148..
  • 8
    . O que não quer dizer que este texto recobre todo o campo de discussões nesta área de pesquisa. No espectro do “holismo”, ver List e Petit (2011)LIST, Christian; PETIT, Philip. (2011), Group agency: the possibility, design and status of corporate agents. Oxford: Oxford University Press.. Sobre o individualismo, ver Epstein (2015)EPSTEIN, Braian. (2015), The ant trap: rebuilding the foundations of social science. Oxford: Oxford University Press..
  • 9
    . Não que devamos tomar a antropologia como um movimento uniforme, desconsiderando suas orientações de base naturalista, como em Boyd (2000) e Henrich (2016)HENRICH, Joseph, (2016), The Secret of Our Success: How Culture is Driving Human Evolution, Domesticating our Species, and Making us Smarter. Princeton University Press..
  • 10
    . Para uma leitura antirrealista, ver Elder-Vass (2008)ELDER-VASS, Dave. (2008), “Searching for realism, structure and agency in actor network theory”. The British Journal of Sociology, vol. 59, no 3, pp. 455-473..
  • 11
    . Recentemente a teoria morfogenética de Archer (1995)ARCHER, Margareth. (1995), Realist social theory: the morphogenetic approach. Cambridge: Cambridge University Press. vem se aproximando da sociologia relacional (Maccarini, Morandi e Prandini, 2011).
  • 12
    . Conforme Zahle e Collin (2014)ZAHLE, Julie; COLLIN, Finn. (2014), Rethinking the individualism-holism debate. Dordrecht: Springer., distingo entre a dimensão ontológica e a dimensão metodológica do debate entre individualismo e holismo.
  • 13
    . Note-se que a expressão “filosofia social” vai além da denominação usual de “filosofia das ciências sociais” que ainda traz a marca da sua restrição a temas epistemológicos.
  • 14
    . Searle (1998SEARLE, John. (1998), Mind, language, society: philosophy in the real world. New York: Basic Books.:100 e 103) é bastante claro quanto a este ponto. “Tese 1: existem ações intencionais que não são a mesma coisa que a soma de ações individuais intencionais”. Depois, prossegue: “Tese 2; Intenções coletivas não podem ser analisadas como se fossem apenas conjuntos de intenções individuais, nem como intenções individuais suplementadas por crenças, incluindo crenças compartilhadas, sobre as intenções de outros membros de um grupo.
  • 15
    . Em obras posteriores, Searle (2010)SEARLE, John. (2010), Making the social world: the structure of human civilization. New York: Oxford University Press. modifica alguns elementos de suas proposições, mas sem alterar suas premissas gerais. À fórmula acima, por exemplo, ele acrescenta a questão do poder e da autoridade (cuja fórmula é: Nós aceitamos que (S) tem (o) poder (S realiza A).
  • 16
    . “Emergência” é um conceito que designa a relação entre dois níveis da realidade e o fato de que o conjunto de propriedades que define o plano B é independente dos elementos que compõem o plano A. Nesse sentido, o nível B é considerado emergente.
  • 17
    . As combinações acima elencadas são meramente formais. Maiores detalhes em Schützeichel (2008)SCHÜTZEICHEL, Rainer. (2008), “Methodologischer individualismus, sozialer holismus und holistischer individualismus”. In: R. Schützeichel; A. Schnabel; J. Greve (orgs.), Das mikro-makro-modell der soziologischen erklärung: zur ontologie, methodologie und metatheorie eines forschungsprogramms. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, pp. 352-371. e Albert (2008)ALBERT, Gert. (2008), “Sachverhalte in der Badewanne: zu den allgemeinen ontologischen Grundlagen des Makro-Mikro-Makro-Modells der soziologischen Erklärung”. In: R. Schützeichel; A. Schnabel; J. Greve (orgs.), Das Mikro-Makro-Modell der soziologischen Erklärung: Zur Ontologie, Methodologie und Metatheorie eines Forschungsprogramms. Wiesbaden: VS Verlag für Sozialwissenschaften, pp. 21-48..
  • 18
    . Reflexões valiosas são propostas também em Smith (2015)SMITH, Vernon. (2015), “Conduct, rules and the origins of institutions”. Journal of Institutional Economics, vol. 11, no 3, pp. 481-483..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    6 Set 2019
  • Revisado
    21 Fev 2020
  • Aceito
    5 Maio 2020
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) R. da Matriz, 82, Botafogo, 22260-100 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel. (55 21) 2266-8300, Fax: (55 21) 2266-8345 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: dados@iesp.uerj.br