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Efeitos hemodinâmicos da intoxicação aguda com bupivacaína, levobupivacaína e mistura com excesso enantiomérico de 50%: estudo experimental em suínos

Efectos hemodinámicos de la intoxicación aguda con bupivacaína, levobupivacaína y mezcla con exceso enantiomérico de 50%: estudio experimental en cerdos

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Até recentemente, a bupivacaína tem sido o anestésico de escolha nos bloqueios locorregionais em razão da qualidade da anestesia proporcionada e pela sua duração. Apesar disso, sua toxicidade cardiovascular preocupa os anestesiologistas que procuram novas opções farmacológicas com menor grau desse inconveniente. Uma destas é o seu isômero levógiro, a levobupivacaína, que por uma menor afinidade aos receptores dos canais de sódio da célula cardíaca, seria menos cardiotóxica. Em nosso meio está disponível a apresentação contendo 75% do isômero levógiro e 25% do isômero dextrógiro, denominada mistura com excesso enantiomérico de 50%. O objetivo deste estudo foi avaliar as repercussões hemodinâmicas da injeção intravascular de dose tóxica desses três agentes, buscando encontrar qual deles tem menor impacto em caso de acidente. MÉTODO: Suínos da raça Large White foram anestesiados com tiopental, intubados e ventilados mecanicamente, sendo em seguida instalada monitorização hemodinâmica com cateter de Swan-Ganz e pressão invasiva para estudo das variáveis hemodinâmicas. Após repouso, foram divididos de forma aleatória em três grupos e realizada intoxicação duplamente encoberta com um dos agentes na dose de 4 mg.kg-1. Os resultados hemodinâmicos foram avaliados durante 30 minutos. Aos resultados foram aplicados testes estatísticos para comparação entre os grupos. RESULTADOS: A mistura com excesso enantiomérico de 50% e a levobupivacaína causaram maiores repercussões hemodinâmicas do que a mistura racêmica, sendo estas mais pronunciadas com o primeiro agente. Esses resultados se opõem aos encontrados em humanos, sobretudo quando da utilização do isômero levógiro puro, mas estão de acordo com resultados recentes também em animais. Extrapolar dados obtidos em suínos para seres humanos exige muita cautela e novos estudos são necessários. CONCLUSÔES: Em suínos, a mistura com excesso enantiomérico de 50% particularmente, e a levobupivacaína mostraram-se mais tóxicas quando administradas por via venosa do que a bupivacaína racêmica.

ANESTÉSICOS, Local; ANIMAL; COMPLICAÇÕES


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La bupivacaína ha sido hasta hace poco tiempo el anestésico por elección en los bloqueos loco-regionales en razón de la calidad de la anestesia proporcionada y por su duración. A pesar de eso, su toxicidad cardiovascular preocupa a los anestesiólogos que buscan nuevas opciones farmacológicas con un menor grado de ese inconveniente. Una de ellas es su isómero levógiro, la levobupivacaína, que por una menor afinidad con los receptores de los canales de sodio de la célula cardiaca, sería menos cardiotóxica. En nuestro medio está disponible la presentación que contiene un 75% del isómero levógiro y un 25% del isómero dextrógiro, denominada mezcla con exceso enantiomérico de 50%. El objetivo de este estudio fue el de evaluar las repercusiones hemodinámicas de la inyección intravascular de dosis tóxica de esos tres agentes, buscando encontrar cuál de ellos registra un menor impacto en caso de accidente. MÉTODO: Cerdos de la raza Large White fueron anestesiados con tiopental, intubados y ventilados mecánicamente, siendo a continuación instalada la monitorización hemodinámica con catéter de Swan-Ganz y presión invasiva para estudio de las variables hemodinámicas. Después del reposo, fueron divididos aleatoriamente en tres grupos y realizada intoxicación doble encubierta con uno de los agentes en dosis de 4 mg.kg-1. Los resultados hemodinámicos fueron evaluados durante 30 minutos. A los resultados se les aplicó pruebas estadísticas para la comparación entre los grupos. RESULTADOS: La mezcla con exceso enantiomérico de 50% y la levobupivacaína causaron mayores repercusiones hemodinámicas que la mezcla racémica, siendo esas más fuertes con el primer agente. Esos resultados se oponen a los ya encontrados en humanos, particularmente cuando se utiliza el isómero levógiro puro, pero están a tono con los resultados recientes también obtenidos en animales. Rebasar los datos obtenidos en cerdos con los obtenidos en seres humanos, exige mucha cautela y nuevos estudios se hacen necesarios. CONCLUSIONES: En cerdos, la mezcla con exceso enantiomérico de 50% particularmente, y la levobupivacaína fueron más tóxicas cuando se administraron por vía venosa que la bupivacaína racémica.


BACKGROUND AND METHODS: Until recently, bupivacaine had been the anesthetic of choice for loco-regional blocks due to the quality and duration of the anesthesia. But its cardiovascular toxicity is a source of concern for anesthesiologists who seek new pharmacological options with a smaller degree of this problem. Its levorotatory isomer, levobupivacaine, that would be less cardiotoxic due a smaller affinity for the receptors of the sodium channels of the cardiac cell, is one of these options. In Brazil, a presentation containing 75% of the levorotatory isomer and 25% of the dextrorotatory isomer, called 50% enantiomeric excess mixture is available. The aim of this study was to evaluate the hemodynamic repercussions of the intravascular injection of a toxic dose of those three agents to determine which one has the least impact in the case of an accident. METHODS: Large White pigs were anesthetized with thiopental, intubated, and placed on mechanical ventilation. Hemodynamic monitoring was achieved with a Swan-Ganz catheter and invasive blood pressure. After a period of rest, the animals were randomly divided in three groups. The intoxication was performed, on a double-blind fashion, with 4 mg.kg-1 of one of the drugs. Hemodynamic parameters were evaluated during 30 minutes. Analytical tests were used to compare the results among the groups. RESULTS: The 50% enantiomeric excess mixture and levobupivacaine had greater hemodynamic repercussions than the racemic mixture, which were more pronounced with the first drug. These results go against those found in humans, especially regarding the pure levorotatory isomer, but are similar to recent results reported in animals. One should be careful when extrapolating the data obtained in pigs to humans and further studies are necessary. CONCLUSIONS: In pigs, the 50% enantiomeric excess mixture, in particular, and levobupivacaine were more toxic when administered intravenously than racemic bupivacaine.

ANESTHETICS, Local; ANIMAL; COMPLICATIONS


ARTIGO CIENTÍFICO

Efeitos hemodinâmicos da intoxicação aguda com bupivacaína, levobupivacaína e mistura com excesso enantiomérico de 50%. Estudo experimental em suínos* * Recebido do Laboratório de Anestesia Experimental do Núcleo de Medicina e Cirurgia Experimental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), Campinas, SP

Efectos hemodinámicos de la intoxicación aguda con bupivacaína, levobupivacaína y mezcla con exceso enantiomérico de 50%. Estudio experimental en cerdos

Artur Udelsmann, TSAI; Sílvia Elaine Rodolfo de Sá LorenaII; Samira Ubaid GirioliIII; William Adalberto SilvaIV; Ana Cristina de MoraesIV

IProfessor-Doutor do Departamento de Anestesiologia FCM/UNICAMP; Laboratório de Anestesia Experimental do Núcleo de Medicina e Cirurgia Experimental da FCM/UNICAMP

IIPós-Graduanda do Departamento de Cirurgia da FCM/UNICAMP

IIIMédica Cardiologista, Pós-Graduanda do Departamento de Farmacologia da FCM/UNICAMP

IVBiólogo do Núcleo de Medicina e Cirurgia Experimental da FCM/UNICAMP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Artur Udelsmann Av. Prof. Atílio Martini, 213 13083-830 Campinas SP E-mail: audelsmann@yahoo.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Até recentemente, a bupivacaína tem sido o anestésico de escolha nos bloqueios locorregionais em razão da qualidade da anestesia proporcionada e pela sua duração. Apesar disso, sua toxicidade cardiovascular preocupa os anestesiologistas que procuram novas opções farmacológicas com menor grau desse inconveniente. Uma destas é o seu isômero levógiro, a levobupivacaína, que por uma menor afinidade aos receptores dos canais de sódio da célula cardíaca, seria menos cardiotóxica. Em nosso meio está disponível a apresentação contendo 75% do isômero levógiro e 25% do isômero dextrógiro, denominada mistura com excesso enantiomérico de 50%. O objetivo deste estudo foi avaliar as repercussões hemodinâmicas da injeção intravascular de dose tóxica desses três agentes, buscando encontrar qual deles tem menor impacto em caso de acidente.

MÉTODO: Suínos da raça Large White foram anestesiados com tiopental, intubados e ventilados mecanicamente, sendo em seguida instalada monitorização hemodinâmica com cateter de Swan-Ganz e pressão invasiva para estudo das variáveis hemodinâmicas. Após repouso, foram divididos de forma aleatória em três grupos e realizada intoxicação duplamente encoberta com um dos agentes na dose de 4 mg.kg-1. Os resultados hemodinâmicos foram avaliados durante 30 minutos. Aos resultados foram aplicados testes estatísticos para comparação entre os grupos.

RESULTADOS: A mistura com excesso enantiomérico de 50% e a levobupivacaína causaram maiores repercussões hemodinâmicas do que a mistura racêmica, sendo estas mais pronunciadas com o primeiro agente. Esses resultados se opõem aos encontrados em humanos, sobretudo quando da utilização do isômero levógiro puro, mas estão de acordo com resultados recentes também em animais. Extrapolar dados obtidos em suínos para seres humanos exige muita cautela e novos estudos são necessários.

CONCLUSÔES: Em suínos, a mistura com excesso enantiomérico de 50% particularmente, e a levobupivacaína mostraram-se mais tóxicas quando administradas por via venosa do que a bupivacaína racêmica.

Unitermos: ANESTÉSICOS, Local: bupivacaína, mistura com excesso enantiomérico de 50%, levobupivacaína; ANIMAL: porco; COMPLICAÇÕES: hemodinâmica.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La bupivacaína ha sido hasta hace poco tiempo el anestésico por elección en los bloqueos loco-regionales en razón de la calidad de la anestesia proporcionada y por su duración. A pesar de eso, su toxicidad cardiovascular preocupa a los anestesiólogos que buscan nuevas opciones farmacológicas con un menor grado de ese inconveniente. Una de ellas es su isómero levógiro, la levobupivacaína, que por una menor afinidad con los receptores de los canales de sodio de la célula cardiaca, sería menos cardiotóxica. En nuestro medio está disponible la presentación que contiene un 75% del isómero levógiro y un 25% del isómero dextrógiro, denominada mezcla con exceso enantiomérico de 50%. El objetivo de este estudio fue el de evaluar las repercusiones hemodinámicas de la inyección intravascular de dosis tóxica de esos tres agentes, buscando encontrar cuál de ellos registra un menor impacto en caso de accidente.

MÉTODO: Cerdos de la raza Large White fueron anestesiados con tiopental, intubados y ventilados mecánicamente, siendo a continuación instalada la monitorización hemodinámica con catéter de Swan-Ganz y presión invasiva para estudio de las variables hemodinámicas. Después del reposo, fueron divididos aleatoriamente en tres grupos y realizada intoxicación doble encubierta con uno de los agentes en dosis de 4 mg.kg-1. Los resultados hemodinámicos fueron evaluados durante 30 minutos. A los resultados se les aplicó pruebas estadísticas para la comparación entre los grupos.

RESULTADOS: La mezcla con exceso enantiomérico de 50% y la levobupivacaína causaron mayores repercusiones hemodinámicas que la mezcla racémica, siendo esas más fuertes con el primer agente. Esos resultados se oponen a los ya encontrados en humanos, particularmente cuando se utiliza el isómero levógiro puro, pero están a tono con los resultados recientes también obtenidos en animales. Rebasar los datos obtenidos en cerdos con los obtenidos en seres humanos, exige mucha cautela y nuevos estudios se hacen necesarios.

CONCLUSIONES: En cerdos, la mezcla con exceso enantiomérico de 50% particularmente, y la levobupivacaína fueron más tóxicas cuando se administraron por vía venosa que la bupivacaína racémica.

INTRODUÇÃO

Alguns procedimentos anestésicos necessitam de do- ses elevadas de anestésicos locais e sempre há o risco de reações tóxicas, sobretudo nos sistemas cardiovascular e nervoso central, em caso de injeções intravasculares inadvertidas. A bupivacaína, em razão da qualidade de sua anestesia e de sua ação prolongada, é um dos anestésicos locais mais utilizados 1,2. Entretanto, desde a publicação em 1979 de editorial na revista Anesthesiology sobre os graves efeitos cardiovasculares da intoxicação com esse fármaco 3, pesquisas têm sido direcionadas no sentido de encontrar novos anestésicos locais de longa ação e com menor potencial tóxico. Embora a bupivacaína seja sintetizada na forma de dois isômeros dextrógiro R(+) e levógiro L(-) 4, até há pouco, era ela comercializada somente na forma de uma mistura racêmica contendo 50% de cada um destes isômeros. Contudo, desde 1972 já era conhecida a menor toxicidade do isômero levógiro 5,6. Recentemente esse isômero levógiro, denominado levobupivacaína, começou a ser estudado e, em modelos animais, mostrou-se que sua dose letal seria até 1,6 vez maior que a da mistura racêmica 7! Em seres humanos a levobupivacaína teria menor efeito inotrópico negativo e produziria menor prolongamento dos intervalos PR e QT do eletrocardiograma, características da intoxicação da mistura racêmica. Entretanto, esse novo agente, embora com a mesma potência analgésica 8 não é isento de inconvenientes: menor intensidade de bloqueio motor 9. Por essa razão a indústria farmacêutica fornece, além da levobupivacaína, um produto com 75% do isômero levógiro e 25% do isômero dextrógiro conhecido como "mistura com excesso enantiomérico de 50%". Por se tratar de produto genuinamente nacional, este estudo propôs-se a averiguar qual seu impacto hemodinâmico no caso de uma intoxicação acidental, comparando-o com os efeitos da intoxicação com levobupivacaína e com a mistura racêmica.

MÉTODO

Sessenta suínos da raça Large White, em bom estado de saúde após avaliação veterinária, de ambos os sexos, com peso variando entre 17 e 29 kg, foram submetidos ao seguinte protocolo após aprovação do Comitê de Ética de Experiências em Animais da UNICAMP:

  1. Jejum de véspera com livre acesso à água.

  2. Na manhã do protocolo o animal foi pesado e após acesso venoso numa das orelhas, a anestesia foi induzida com tiopental sódico 2,5% na dose

    11 de 25 mg.kg

    -1.

  3. Em seguida o animal foi intubado e conectado a um respirador pneumático através de sistema com reinalação parcial e absorvedor de CO

    2 com volume corrente de 15 mL.kg

    -1 mantendo uma freqüência respiratória adequada para obter P

    ETCO

    2 entre 32 e 34 mmHg. Ao sistema acrescentou-se fluxo adicional de O

    2 de um litro e mediu-se a saturação da hemoglobina pelo oxigênio com sensor colocado na língua do animal. O objetivo foi manter valor superior a 97%.

  4. Foi monitorizado o ECG.

  5. A manutenção da anestesia foi realizada por via venosa com infusão de 5 mg.kg

    -1.h de tiopental.

  6. Em seguida realizou-se anestesia local na face interna de uma das coxas do animal com 5 mL de lidocaína a 1% sem vasoconstritor para incisão e cateterização da artéria femoral e medida da pressão arterial. Posteriormente, e pela mesma incisão, foi dissecada a veia femoral e introduzido cateter de Swan-Ganz 7F até um dos ramos de uma das artérias pulmonares. A posição correta do cateter foi confirmada pela morfologia da curva de pressão, no monitor multiparamétrico Engstrom AS/3. Através dele foram medidos o débito cardíaco (DC) por termodiluição, a pressão arterial média (PAM), a pressão de artéria pulmonar média (PAPm), a pressão venosa central (PVC) e a pressão capilar pulmonar (PCP). Por meio de fórmulas clássicas consagradas na literatura, o monitor realizou também os cálculos dos demais parâmetros hemodinâmicos que foram: índice cardíaco (IC), índice sistólico (IS), índice da resistência vascular sistêmica (IRVS), índice da resistência vascular pulmonar (IRVP), índice do trabalho sistólico do ventrículo esquerdo (ITSVE), índice do trabalho sistólico do ventrículo direito (ITSVD). Nesse primeiro momento colheu-se amostra sangüínea para dosagem de hematócrito e hemoglobina dos animais.

  7. Calculou-se a superfície corpórea do animal (BSA) em metros quadrados através de fórmula clássica

    12: S = (9 ´ peso em gramas

    2/3) ´ 10

    -4, introduzindo-a nos parâmetros do monitor para cálculo dos valores dos índices corpóreos.

  8. Após período de cerca de 30 minutos de estabilização e repouso foi realizada a primeira série de medidas hemodinâmicas e estas foram consideradas o padrão (M1).

  9. Em seguida os animais foram aleatoriamente divididos em três grupos: grupo bupivacaína (GB), grupo mistura com excesso enantiomérico de 50% (GE), grupo levobupivacaína (GL) e neles foi administrada, por via venosa, dose tóxica de 4 mg.kg

    -1 do anestésico local

    13 correspondente.

  10. Novas medidas hemodinâmicas foram realizadas aos 1, 5, 10, 15, 20 e 30 minutos após a intoxicação (M2 a M7 respectivamente).

  11. Ao término o animal foi sacrificado, ainda sob o efeito da anestesia, com administração, por via venosa, de 10 mL de cloreto de potássio a 19,1%.

Os resultados das variáveis categóricas foram analisados através do teste de Qui-quadrado e, quando necessário, o teste Exato de Fisher. Para comparar a distribuição de variáveis contínuas, medidas em um único momento, foi utilizada a Análise de Variância simples (ANOVA one-way) e para estudo das variáveis contínuas medidas nos vários momentos foi utilizada a Análise de Variância para medidas repetidas (ANOVA). O nível de significância adotado foi de 5%, ou seja, p > 0,05; resultados entre 5% e 10% foram considerados somente como tendência.

RESULTADOS

A Tabela I apresenta a distribuição nos grupos por peso e as médias e desvios-padrão dos pesos, superfície corpórea, hematócrito e hemoglobina, encontrados.

Os grupos foram homogêneos na distribuição por sexo (p = 0,803), peso (p = 0,88), hematócrito (p = 0,58), hemoglobina (p = 0,2) e superfície corpórea (p = 0,91). Não houve diferença entre os grupos no repouso em nenhum dos parâmetros hemodinâmicos medidos.

Após a intoxicação houve diminuição do índice cardíaco (Figura 1) nos três grupos, esta porém foi mais importante nos grupos GE e GL (p = 0,0051). Os valores de GB mantiveram-se superiores aos de GE até M6 e aos de GL até M4 (p = 0,0001).


A pressão arterial média (Figura 2) teve diminuição significativa nos três grupos em M2 mas esta foi mais importante em GE e em GL. O grupo GB manteve valores superiores aos dos outros dois grupos até M7 (p = 0,0001). A pressão recuperou valores semelhantes aos de repouso em M4 no grupo GB, em M5 no grupo GL e em M6 grupo GE (p = 0,0001).


A freqüência cardíaca (Figura 3) após a intoxicação teve diminuição nos três grupos mantendo essa diferença até o fim do experimento (p = 0,0001); no Grupo GE essa diminuição apresentou diferença estatística significativa mantendo essa diferença em relação ao Grupo GB até o fim do experimento e até M3 em relação à GL (p = 0,0007).


A pressão venosa central (Figura 4) teve aumento significativo nos três grupos após a intoxicação (p = 0,0001); este foi, no entanto, mais importante nos grupos GE e GL do que no Grupo GB. Em GE a diferença em relação à GB manteve-se até o fim do experimento, enquanto em GL, a partir de M5, os valores foram semelhantes aos de GB (p = 0,0311).


A pressão média da artéria pulmonar (Figura 5) não apresentou diferença entre os grupos, porém, a partir de M4, todos os resultados diferiram dos encontrados em repouso nos três grupos (p = 0,0001).


A pressão capilar pulmonar (Figura 6) em M2 foi diferente de M1 nos três grupos; essa alteração manteve-se até o fim do experimento (p = 0,0001), mas sem diferença entre os grupos.


O índice sistólico (Figura 7) apresentou diminuição significativa nos três grupos de M2 até M5 (p = 0,0001). Na análise estatística os valores de GL foram inferiores aos de GB até M3 (p = 0,001).


O índice de resistência vascular sistêmica (Figura 8) teve variações significativas após a intoxicação nos três grupos (p = 0,0001). Em GE e em GL houve diminuição mais importante em GL; em GB, ao contrário, houve um pequeno aumento. Uma diferença significativa de GB em relação a GL e GE foi encontrada ainda em M2 e M3 (p = 0,0463).


O índice de resistência vascular pulmonar (Figura 9) a partir de M2 apresentou valores superiores aos de repouso até o fim do experimento (p = 0,0001), porém sem diferença significativa entre os grupos.


O índice de trabalho sistólico do ventrículo esquerdo (Figura 10) apresentou diminuição significativa após a intoxicação nos três grupos (p = 0,0001), esta permaneceu até M4 em GB e até M5 em GL e GE (p = 0,0001). Comparando os grupos notou-se que GB foi superior a GE até M6 e a GL até M4; ainda, GL foi superior a GE em M5 (p = 0,0005).


O índice de trabalho sistólico do ventrículo direito (Figura 11) também apresentou diminuição significativa após a intoxicação; os valores encontrados permaneceram inferiores aos de repouso em GB até M3, em GL até M4 e em GE até M5 (p = 0,0001). Os valores de GL e GE foram significativamente inferiores aos de GB até M5 (p = 0,0006).


DISCUSSÃO

A levobupivacaína proporciona menor bloqueio motor do que a mistura racêmica 7,14-17, por isso, talvez houvesse interesse na adição de pequena quantidade do isômero dextrógiro para minimizar esse efeito 16. A indústria nacional sintetizou esse produto e, desde então, tem ele tido larga utilização em nosso meio, sendo-lhe reputada, inclusive, menor toxicidade. Tratando-se de formulação existente somente em nosso país o presente estudo propôs-se a investigar sua cardiotoxicidade em suínos comparando com os efeitos da bupivacaína racêmica com os da levobupivacaína. A menor toxicidade cardíaca do isômero S(-) seria devida à sua menor afinidade pelos canais de sódio das células cardíacas, inferior àquela do isômero R(+) 18 que foi demonstrada em cobaias. Tais dados, no entanto, devem ser analisados com alguma reserva antes de serem extrapolados para seres humanos. Em consonância com o demonstrado por outros autores, também em animais, comparando levobupivacaína, bupivacaína racêmica, ropivacaína, e que observaram toxicidade semelhante 19, ou mesmo maior 20,21, da levobupivacaína, os resultados deste estudo mostraram uma maior repercussão hemodinâmica da mistura com excesso enantiomérico de 50%, seguindo-se da obtida com a levobupivacaína e, em menor grau, com a bupivacaína racêmica em caso de intoxicação aguda num modelo suíno, como a que acontece por ocasião de injeção venosa acidental na prática de uma anestesia locorregional em humanos. Tal é evidente na diminuição significativamente mais importante do índice cardíaco, da pressão arterial média, da freqüência cardíaca e do índice de trabalho sistólico do ventrículo esquerdo com esses fármacos. Esses resultados confirmam ainda os obtidos anteriormente comparando-se bupivacaína racêmica com a mistura com excesso enantiomérico de 50% em cães 22. Resultados em animais devem ser analisados com alguma cautela, pois sua extensão a humanos exige prudência; no entanto, devem permitir algumas reflexões e incentivar estudos mais aprofundados haja vista tratar-se de uma segunda série com resultados semelhantes. Acidentes por ocasião de anestesias locorregionais com injeção intravascular de doses elevadas e reações tóxicas vêm se reduzindo de forma drástica nos últimos 30 anos, diminuindo de 0,2% para 0,01% e os bloqueios nervosos periféricos ainda respondem pela maioria desses casos (7,5 por 10.000) 23. Tais reflexões devem estimular novos esforços de maneira que se obtenham fármacos e técnicas que permitam alcançar uma morbimortalidade bem pequena. Este objetivo visa a proteger os pacientes de efeitos indesejáveis e imprevisíveis das técnicas de anestesia locorregional com altas doses de anestésicos locais e assim também, proteger o médico anestesista evitando as mazelas das reclamações jurídicas, tão em voga atualmente.

AGRADECIMENTOS

Ao Laboratório Cristália

Apresentado em 08 de maio de 2006

Aceito para publicação em 27 de novembro de 2006

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Artur Udelsmann
    Av. Prof. Atílio Martini, 213
    13083-830 Campinas SP
    E-mail:
  • *
    Recebido do Laboratório de Anestesia Experimental do Núcleo de Medicina e Cirurgia Experimental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP), Campinas, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Recebido
      08 Maio 2006
    • Aceito
      27 Nov 2006
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