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Melanocitoma associado à membrana neovascular sub-retiniana

Melanocytoma associated to subretinal neovascular membrane

Resumos

Relatamos caso de melanocitoma de disco óptico associado à membrana neovascular sub-retiniana. O paciente apresentava diminuição da visão, presença de descolamento seroso de retina, com hemorragia e exsudação e foi encaminhado com o diagnóstico de melanoma de coróide e sugestão de enucleação. São discutidas as principais características dos dois tumores e os detalhes do diagnóstico diferencial.

Neoplasias do nervo óptico; Neoplasias do nervo óptico; Melanoma; Neovascularização coroidal


We report a case of optic disc melonocytoma associated to subretinal neovascular membrane. The patient presented with low visual acuity, serous retinal detachment with haemorrhage and exudates and was referred with the diagnosis of melanoma and an orientation to enucleate the eye. We discuss the major aspects of both tumors and the details of differential diagnostic.

Optic nerve neoplasms; Optic nerve neoplasms; Melanoma; Choroidal neovascularization


ARTIGO ORIGINAL

Melanocitoma associado à membrana neovascular sub-retiniana

Melanocytoma associated to subretinal neovascular membrane

Eduardo F. MarbackI; Fernanda Fernandes PereiraII; Cláudia GalvãoIII; Otacílio de Oliveira Maia JrIV; Roberto L. MarbackV

IDoutor, Médico Oftalmologista do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia; Médico Oftalmologista do Hospital São Rafael, Fundação Monte Tabor - Salvador BA, Brasil

IIAluna do Curso de Especialização em Oftalmologia da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador - BA, Brasil

IIIMédica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador- BA, Brasil

IVDoutor, Professor Substituto de Oftalmologia da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador - BA, Brasil; Médico Oftalmologista do Hospital São Rafael, Fundação Monte Tabor - Salvador (BA), Brasil

VProfessor Titular de Oftalmologia da Universidade Federal da Bahia UFBA - Salvador - BA, Brasil; Chefe do Serviço de Oftalmologia do Hospital São Rafael, Fundação Monte Tabor - Salvador (BA), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para Correspondência: Eduardo F Marback Rua Eduardo José dos Santos, 147, sala 808, Ondina Salvador (BA), Brasil. CEP 41940-455 Tel 71 3235-9368

RESUMO

Relatamos caso de melanocitoma de disco óptico associado à membrana neovascular sub-retiniana. O paciente apresentava diminuição da visão, presença de descolamento seroso de retina, com hemorragia e exsudação e foi encaminhado com o diagnóstico de melanoma de coróide e sugestão de enucleação. São discutidas as principais características dos dois tumores e os detalhes do diagnóstico diferencial.

Descritores: Neoplasias do nervo óptico; Neoplasias do nervo óptico/complicações; Melanoma/diagnóstico; Neovascularização coroidal

ABSTRACT

We report a case of optic disc melonocytoma associated to subretinal neovascular membrane. The patient presented with low visual acuity, serous retinal detachment with haemorrhage and exudates and was referred with the diagnosis of melanoma and an orientation to enucleate the eye. We discuss the major aspects of both tumors and the details of differential diagnostic.

Keywords: Optic nerve neoplasms; Optic nerve neoplasms/complications; Melanoma/diagnosis; Choroidal neovascularization

INTRODUÇÃO

Melanocitoma do disco óptico é um tumor benigno raro, usualmente assintomático e estacionário. Habitualmente seu diagnóstico é feito durante exame de rotina ou por queixas não relacionadas ao tumor, sendo mais comum em indivíduos de raças pigmentadas(1-4).

Quando ocorre diminuição de visão é usualmente causada por necrose espontânea do tumor, levando a exsudação e neuroretinite, compressão do nervo óptico e oclusão venosa(1,3,4). A transformação maligna de um melanocitoma, embora possível, é extremamente rara ocorrendo entre 1 a 2 % dos casos(2-4).

Relatamos um caso de melanocitoma do disco óptico em paciente com membrana neovascular sub-retiniana encaminhado como melanoma uveal.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, pardo, 40 anos, com queixa de diminuição da visão progressiva em olho direito (OD) há nove meses. Foi encaminhado ao nosso serviço com suspeita de melanoma de coróide e sugestão de enucleação do olho afetado.

Ao exame apresentava melhor acuidade visual corrigida de 0,1 em OD e 1,0 em olho esquerdo (OE). À oftalmoscopia observava-se tumor densamente pigmentado em metade superior do nervo óptico com bordas de aspecto aveludado. Exibia descolamento plano de retina em polo posterior com exsudação e hemorragia sub-retinianas, área espessada e de coloração amarelada em região macular, além de intenso pregueamento da membrana limitante interna (Figura 1A).


A ecografia do OD evidenciou lesão sobrelevada em área papilar, com extensão temporal, além de aparente elevação focal da retinia perilesional. O tumor media 2,4 mm de altura e 11,3 X 6,6mm de base. A angiofluoresceinografia (AFG) revelou hipofluorescência por bloqueio na topografia da lesão de nervo óptico e presença de área de hiperfluorescência precoce com limites bem definidos na região adjacente ao tumor no feixe papilo-macular. Na fase tardia do exame foi observado borramento dos limites da lesão, aspecto compatível com membrana neovascular do tipo clássica, adjacente ao tumor (Figura 1B-E).

O diagnóstico clínico foi de membrana neovascular sub-retiniana associada à melanocitoma. Devido ao estado avançado da membrana neovascular, já com aspecto cicatricial, optou-se pelo acompanhamento da mesma. Após um mês, paciente retornou exibindo absorção do fluído sub-retiniano com lesão pigmentada sobre o disco óptico estável (Figura 1F), sendo programado acompanhamento fotográfico semestral.

DISCUSSÃO

Apesar da natureza benigna do melanocitoma de disco óptico, pacientes com este tumor frequentemente são encaminhados para afastar a possibilidade de melanoma. No passado, muitos destes pacientes foram submetidos a enucleação com diagnóstico de melanoma de disco óptico(1). A elucidação da natureza benigna do tumor se deve aos estudos histopatológicos destes olhos e ao acompanhamento de pacientes que se recusaram a fazer enucleação, comprovando que muitos destes tumores permaneciam estáveis ao longo dos anos(1).

O melanocitoma do nervo óptico pode causar diminuição da visão em até 25% dos pacientes(1-4). Tipicamente a baixa de visão é causada por exsudação sub-retiniana e necrose tumoral, levando a neuroretinite ou oclusões vasculares(2-4) . Crescimento tumoral documentado pode ser visto em aproximadamente 15% dos casos(1-4). A transformação maligna é bastante rara, com ocorrência estimada entre 1 a 2% dos casos(1-4) .

No caso descrito, a diminuição da acuidade visual, o descolamento seroso de retina e hemorragia, e exsudação sub-retinianas em um olho que exibia tumor pigmentado sobre o disco óptico motivou o encaminhamento com o suposto diagnóstico de melanoma. A AFG, embora não seja exame fundamental para o diagnóstico de melanoma uveal, em casos difíceis como este, pode se mostrar de grande valia ao evidenciar lesão pigmentada sobre o disco, com total bloqueio da fluorescência associada à membrana neovascular sub-retiniana. Assim, foi possível especular que a exsudação e a baixa de visão estavam sendo causadas pela membrana e não pelo crescimento do tumor pigmentado de disco óptico. O aparecimento de membrana neovascular sub-retiniana é uma complicação possível em qualquer do polo posterior sendo relacionada a ruptura na membrana de Bruch e possível produção de fatores angiogênicos pelo tumor. Na série de 115 melanocitomas descrita por Shields e colaboradores, neovascularização sub-retiniana foi encontrada em apenas um paciente(3). Em dois outros relatos, o quadro clínico foi muito similar ao do nosso paciente, com início de sintomatologia na 5ª década de vida, presença de exsudatos e hemorragia sub-retiniana(5,6). Em um dos relatos o paciente foi submetido à remoção cirúrgica da membrana neovascular com bom resultado funcional final(6). Chalam e colaboradores descrevem um caso tratado de maneira bem-sucedida com terapia fotodinâmica(7). Não encontramos referência ao uso de injeção intravítrea de antiangiogênicos para tratamento da membrana associada ao melanocitoma. Em nosso paciente, devido ao estado avançado da membrana com aparente gliose retiniana, optamos apenas pelo acompanhamento.

Chama a atenção o encaminhamento com suspeita de melanoma uveal e sugestão de enucleação. A diferenciação entre um melanocitoma causando baixa de visão e um pequeno melanoma peripapilar com invasão de nervo óptico pode ser difícil. A invasão do nervo óptico por melanoma uveal é evento raro, com ocorrência estimada em apenas 0,8 a 3,7% dos casos, podendo acontecer tanto em tumores negligenciados, que preenchem toda a cavidade vítrea, como em pequenos melanomas peripapilares(8-11). Para dificultar ainda mais, sempre devemos lembrar que a transformação maligna em um melanocitoma embora rara, pode ocorrer existindo até mesmo a descrição de tumores com uma porção benigna e outra maligna, o que pode inclusive resultar em interpretação errônea em biópsia de aspiração por agulha fina (2,3,12).

Apesar das dificuldades no diagnóstico diferencial entre melanocitoma com baixa de visão e pequeno melanoma com invasão de nervo óptico, alguns dados podem ser úteis. O aspecto oftalmoscópico do melanocitoma é de tumor densamente pigmentado, com aspecto negro ou castanho, superfície aveludada, com frequente componente retiniano(1-4). Já o melanoma usualmente exibe pigmentação menos densa e menos homogênea, com predominância do componente coroidal(10). A AFG no melanocitoma mostra intensa hipofluorescência por bloqueio devido à densa pigmentação do tumor, enquanto o melanoma costuma exibir vascularização intrínseca(3,4,10). A ecografia, de grande valia no diagnóstico diferencial dos tumores oculares, tem papel limitado nesta situação devido às pequenas dimensões das lesões. Um pequeno melanoma com invasão de nervo óptico poderia apresentar aspecto oftalmoscópico (exsudação e descolamento de retina) e sintomatologia (baixa visual), muito similares aos do caso em questão(10). Os achados que mais contribuíram para a elucidação diagnóstica em nosso caso foram ausência de dupla circulação à AFG e presença de membrana neovascular justificando a baixa de visão. Frente a tal dúvida diagnóstica, uma alternativa é observar a evolução do tumor em um período relativamente curto, como fizemos. Caso se tratasse de melanoma, poderíamos esperar uma evolução do quadro com aumento do tumor e piora da acuidade visual, orientando de forma correta o tratamento.

Recebido para publicação em: 8/6/2009

Aceito para publicação em 10/9/2009

Trabalho realizado no Hospital Universitário Prof. Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador - BA, Brasil

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  • Endereço para Correspondência:
    Eduardo F Marback
    Rua Eduardo José dos Santos, 147, sala 808, Ondina
    Salvador (BA), Brasil.
    CEP 41940-455
    Tel 71 3235-9368
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Set 2009
    • Recebido
      08 Jun 2009
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