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Coroidite multifocal

Resumo

A coroidite multifocal é uma doença inflamatória idiopática pouco comum na prática oftalmológica, que usualmente acomete mulheres jovens. Os autores visam relatar um caso de coroidite multifocal em seguimento ambulatorial em que o paciente foi submetido a injeção subtenoniana de triancinolona associada a corticoterapia via oral com manejo da terapia imunossupressiva. São discutidos os aspectos clínicos, diagnósticos e tratamento. A injeção de triancinolona subtenoniana apresentou bons resultados quando associada à terapia imunossupressiva via oral sobre o edema macular, em consonância com os registros obtidos na literatura médica atual.

Descritores:
Uveíte; Coroidite; Epitélio pigmentado da retina; Tomografia de coerência óptica

Abstract

Multifocal choroiditis is an uncommon idiopathic inflammatory ophthalmological disease, which usually affects young women. The authors report a case of multifocal choroiditis in which patient underwent subtenonian triamcinolone injection associated with oral corticosteroid and management of immunosuppressive therapy. The clinical, diagnostic and treatment aspects are discussed. The subtenonian triamcinolone injection presented good results on macular edema when associated with oral imunosuppressive therapy, in agreement with the records obtained in the current medical literature.

Keywords:
Uveitis; Choroiditis; Retinal pigment epithelium; Optical, coherence tomography

Introdução

A coroidite multifocal é uma doença inflamatória idiopática pouco comum na prática oftalmológica que usualmente acomete mulheres jovens. É caracterizada pela presença de múltiplas lesões esbranquiçadas em nível de coroide e epitélio pigmentado da retina, apresenta caráter crônico, progressivo, comumente bilateral e leva a baixa acuidade visual relacionada às suas complicações.(11 Tavallali A, Lawrence AY. Idiopathic multifocal choroiditis. J Ophthal Vis Res. 2016;11(4):429-32.

2 Fung A, Pal S, Yannuzzi N, Christos P, Cooney M, Slakter J, et al. Multifocal choroiditis without panuveitis: clinical characteristics and progression. Retina. 2014;(34):98-107.

3 Amer R, Lois N. Punctate inner choroidopathy. Surv Ophthalmol. 2011;(56):36-53.
-44 Crawford CM, Igboeli O. A review of the inflammatory chorio-retinopathies: the white dot syndromes. ISRN Inflammation; 2013. Article ID 783190. 9p.) No presente artigo relataremos caso de coroidite multifocal submetido a injeção subtenoniana de triancinolona associada a corticoterapia via oral com manejo da terapia imunossupressiva.

Relato de Caso

JLC, paciente do sexo feminino, 43 anos, referindo dor ocular bilateral há mais de um mês, embaçamento visual e mosca volante há cerca de 5 meses, bem como cefaléia associada. Nega comorbidades, cirurgias oftalmológicas prévias, antecedente de trauma ou infecção ocular. Na admissão: acuidade visual de olho direito 20/100, olho esquerdo 20/70. Biomicroscopia de ambos os olhos evidenciando olho calmo, córnea transparente, reação de câmara anterior com celularidade 1-2+/4+ e flare de 1-2+/4+, pigmentos irianos em cápsula anterior do cristalino. Fundoscopia de ambos os olhos: aumento da celularidade vítrea (moderada), papila com discreto edema, mácula com edema cistóide, múltiplas lesões cinza amareladas de aspecto exsudativo em periferia. A pan uveíte dificultava melhor avaliação das lesões. Paciente já em tratamento de toxoplasmose na admissão, em uso de sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico, bem como prednisona via oral 1mg/kg/dia, acetato de prednisolona e cicloplégico colírios. Solicitados exames laboratoriais, Radiografia de tórax e exames de imagem oftalmológicos. (Figura 1)

Figura 1
Angiofluoresceinografia e Retinografia - Terceira semana após a admissão

Em acompanhamento ambulatorial semanal, apresenta melhora da pan uveíte, sendo possível melhor avaliação da fundoscopia, que revelou algumas lesões cinza amareladas e outras pigmentadas em periferia de ambos os olhos. Suspenso esquema para toxoplasmose por que as lesões não eram características de tal etiologia. Mantida prednisona em regressão de 10mg/semana, e colírio de corticoide também em regressão.

A tentativa de diminuição da prednisona via oral foi sucedida de piora do quadro clínico e aumento de lesões, com necessidade adequação da corticoterapia. A paciente evoluiu com piora de acuidade visual, chegando a 20/150 de olho direito e 20/200 de olho esquerdo, mantendo fundoscopia com sinais edema de papila e edema macular cistoide, bem como as lesões em nível de coroide e de epitélio pigmentado da retina. (Figura 2)

Figura 2
Tomografia de Coerência Óptica de Nervo e de Mácula - Três meses após admissão

Submetida à avaliação reumatológica devido à queixa de poliartralgia quando questionada sobre sintomas sistêmicos e investigação clínica em busca de diagnóstico. Avaliação neurológica com punção liquórica sem alterações significativas, RM de crânio não apresentou alterações. Exames laboratoriais: ANTICCP negativo; PCR: 0,39 (0,00-0,50); FAN: não reagente; Fator Reumatoide: 0,3 (0-14); HLA-B27: ausente; VHS 27; Ig CMV IGM: não reagente/ IGG: reagente; Ig TOXO IGM: não reagente/ IGG: reagente; TOXO PCR negativo; Ht: 38,4 (36-47); Hb: 13,0 (12-16); leuco: 8590 (4.000-11.000); plaquetas: 266.000 (150.000-450.000); ANTIHIV negativo; HBSAG negativo; ANTIHBC negativo; ANTIHCV negativo; VDRL negativo; P-anca negativo e C-anca negativo; PPD não reator; Enzima Conversora da Angiotensina 28,60 (20-70). Radiografia de tórax sem alterações.

Fechado diagnóstico de coroidite multifocal, que se dá na maioria dos casos por exclusão de outras etiologias, optou-se pela realização de injeção subtenoniana de triancinolona em ambos os olhos. Após um mês, paciente apresenta acuidade visual com correção de 20/40 parcial em ambos os olhos; PIO 13mmHg em ambos os olhos; biomicroscopia sem alterações; fundoscopia de ambos os olhos: edema de papila em regressão, mácula atrófica, lesões em periferia de aspecto não exsudativo 360°, ausência de vitreíte. Paciente em uso de prednisona via oral 60mg/dia. Optada por tentativa de regressão da mesma em 10mg/ semana. Cerca de 2 meses após injeção, fundoscopia revelou sinais de retinite e vitreíte discreta, com necessidade de adequação da corticoterapia, sendo introduzido metotrexate via oral 15mg/semana com manejo da prednisona via oral. Paciente em seguimento com retorno ambulatorial previsto.

Discussão

A coroidite multifocal é uma doença inflamatória idiopática pouco comum na prática oftalmológica, que usualmente acomete mulheres jovens. É caracterizada pela presença de múltiplas lesões esbranquiçadas em nível de coroide e epitélio pigmentado da retina, apresenta caráter crônico, progressivo e mais comumente bilateral. Reação de câmara anterior e vitreíte podem ser observadas. O paciente tipicamente apresenta queixa de embaçamento visual, aumento da mancha cega e/ou fotopsia. O paciente apresentado neste caso clínico compara-se, em muito, aos dados epidemiológicos descritos para coroidite multifocal. Apesar de a etiologia permanecer desconhecida, alguns estudos sugerem que a manifestação autoimune/inflamatória possa ser subjacente à existência de gatilhos exógenos, e para tanto se fazem necessários mais estudos na área. O seguimento em longo prazo se faz necessário e o prognóstico visual costuma ser bom.(11 Tavallali A, Lawrence AY. Idiopathic multifocal choroiditis. J Ophthal Vis Res. 2016;11(4):429-32.

2 Fung A, Pal S, Yannuzzi N, Christos P, Cooney M, Slakter J, et al. Multifocal choroiditis without panuveitis: clinical characteristics and progression. Retina. 2014;(34):98-107.

3 Amer R, Lois N. Punctate inner choroidopathy. Surv Ophthalmol. 2011;(56):36-53.
-44 Crawford CM, Igboeli O. A review of the inflammatory chorio-retinopathies: the white dot syndromes. ISRN Inflammation; 2013. Article ID 783190. 9p.) No relato apresentado, o prognóstico visual a princípio foi favorável (acuidade visual de 20/40 pela tabela de Snellen), porém em decorrência da recidiva do quadro inflamatório após desmame da medicação, o prognóstico visual mostra-se incerto.

As complicações mais comuns são fibrose subretiniana e neovascularização coroideana. Papilite é observada com menor frequência. Como no caso relatado neste trabalho, outros autores também evidenciaram que o edema macular cistoide é uma das complicações, e está associado a piora de acuidade visual, bem como a atrofia macular.(55 Campos J, Campos A, Mendes S, Neves A, Beselga D, Sousa Jc. Punctate inner choroidopathy: a systematic review. medical hypothesis, discovery and innovation. Ophthalmology. 2014;3(3):76-82.

6 Jung J, Khan S, Mrejen S, Gallego-Pinazo R, Cunningham E, Freund K, et al. Idiopathic multifocal choroiditis with outer retinal or chorioretinal atrophy. Retina. 2014;(34):1439-50.
-77 Koop A, Ossewaarde A, Rothova A. Peripheral multifocal chorioretinitis. Acta Ophthalmol. 2013;(91):492-7.) Alguns estudos evidenciam ainda o glaucoma, a catarata e a atrofia de nervo óptico como complicações com prevalência considerável.(88 Ossewaarde-Van NJ, Ten Dam-Von Loon N, De Boer JH, Rothova A. A long-term visual prognosis of peripheral multifocal chorioretinitis. Am J Ophthalmol. 2015;159(4):690-7.) Em outras pesquisas acerca de coroidite multifocal, os exames de imagem como a Angiografia Fluorescente e a Tomografia de Coerência Óptica, são utilizados para avaliar grau de atividade de doença bem como a resposta à terapia, reforçando os achados aqui descritos, como atrofia de nervo óptico e mácula.(99 Spaide R, Goldberg N, Freund K. Redefining multifocal choroiditis and panuveitis and punctate inner choroidopathy through multimodal imaging. Retina. 2013;(33):1315-24.

10 Haen SP, Spaide RF. Fundus autofluorescence in multifocal choroiditis and panuveitis. Am J Ophthalmol. 2008;145(5):847-53.
-1111 Hirooka K, Saito W, Hashimoto Y, Saito M, Ishida S. Increased macular choroidal blood flow velocity and decreased choroidal thickness with regression of punctate inner choroidopathy. BMC Ophthalmol. 2014;(14):73.)

A corticoterapia sistêmica e/ou regional já é descrita como tratamento de escolha para o manejo do quadro inflamatório. Estudos mostram os resultados efetivos da injeção intravítreo, subconjutival ou subtenoniana aliadas a imunossupressão sistêmica sobre o edema macular. A injeção intravítreo de anti-VEGF vem se mostrando eficaz opção no tratamento da neovascularização coroideana e do edema de mácula. O caso apresentado evidencia boa resposta ao manejo de coroidite multifocal com injeções subtenonianas associados à imunossupressão oral: observou-se regressão da inflamação ocular após administração da medicação, conforme documentado através da melhora de acuidade visual, bem como regressão do edema de papila, da vitreíte e das lesões em periferia.(55 Campos J, Campos A, Mendes S, Neves A, Beselga D, Sousa Jc. Punctate inner choroidopathy: a systematic review. medical hypothesis, discovery and innovation. Ophthalmology. 2014;3(3):76-82.,1212 Tomkins-Netzer O, Lightman S, Drye L, Kempen J, Holland GN, Rao NA, Stawell RJ, Vitale A, Jabs DA; Multicenter Uveitis Steroid Treatment Trial Research Group. Outcome of treatment of uveitic macular edema: the multicenter uveitis steroid treatment (Must) trial 2-year results. Ophthalmology. 2015;122(11):2351-9.

13 Habot-Wilner z, Sallam A, Pacheco PA, Do H, Mccluskey P, Lightman S. Intravitreal triamcinolone acetonide as adjunctive treatment with systemic therapy for uveitic macular edema. Eur J Ophthalmol. 2011;21(Supl 6):56-61.
-1414 Fardeau C, Champion E, Massamba N, Lehoang P. Uveitic macular edema. Eye (Lond). 2016;30(10):1277-92.)

É importante ressaltar que, conforme se encontra descrito na literatura, em vista do caráter inflamatório idiopático, a coroidite multifocal é considerada diagnóstico de exclusão, sendo necessária pesquisa de outras patologias que possam vir a causar quadro semelhante. A investigação etiológica no presente caso foi sucintamente descrita no relato acima.

Conclusão

No caso relatado a injeção de triancinolona subtenoniana apresentou bons resultados quando associada à terapia imunossupressiva via oral sobre o edema macular e sobre o quadro de coroidite, em consonância com os registros obtidos na literatura médica atual. O seguimento ambulatorial se faz mandatório e a paciente tem retornos previstos, com manejo do tratamento baseado no quadro clínico e nos exames de imagem oftalmológicos.

Referências

  • 1
    Tavallali A, Lawrence AY. Idiopathic multifocal choroiditis. J Ophthal Vis Res. 2016;11(4):429-32.
  • 2
    Fung A, Pal S, Yannuzzi N, Christos P, Cooney M, Slakter J, et al. Multifocal choroiditis without panuveitis: clinical characteristics and progression. Retina. 2014;(34):98-107.
  • 3
    Amer R, Lois N. Punctate inner choroidopathy. Surv Ophthalmol. 2011;(56):36-53.
  • 4
    Crawford CM, Igboeli O. A review of the inflammatory chorio-retinopathies: the white dot syndromes. ISRN Inflammation; 2013. Article ID 783190. 9p.
  • 5
    Campos J, Campos A, Mendes S, Neves A, Beselga D, Sousa Jc. Punctate inner choroidopathy: a systematic review. medical hypothesis, discovery and innovation. Ophthalmology. 2014;3(3):76-82.
  • 6
    Jung J, Khan S, Mrejen S, Gallego-Pinazo R, Cunningham E, Freund K, et al. Idiopathic multifocal choroiditis with outer retinal or chorioretinal atrophy. Retina. 2014;(34):1439-50.
  • 7
    Koop A, Ossewaarde A, Rothova A. Peripheral multifocal chorioretinitis. Acta Ophthalmol. 2013;(91):492-7.
  • 8
    Ossewaarde-Van NJ, Ten Dam-Von Loon N, De Boer JH, Rothova A. A long-term visual prognosis of peripheral multifocal chorioretinitis. Am J Ophthalmol. 2015;159(4):690-7.
  • 9
    Spaide R, Goldberg N, Freund K. Redefining multifocal choroiditis and panuveitis and punctate inner choroidopathy through multimodal imaging. Retina. 2013;(33):1315-24.
  • 10
    Haen SP, Spaide RF. Fundus autofluorescence in multifocal choroiditis and panuveitis. Am J Ophthalmol. 2008;145(5):847-53.
  • 11
    Hirooka K, Saito W, Hashimoto Y, Saito M, Ishida S. Increased macular choroidal blood flow velocity and decreased choroidal thickness with regression of punctate inner choroidopathy. BMC Ophthalmol. 2014;(14):73.
  • 12
    Tomkins-Netzer O, Lightman S, Drye L, Kempen J, Holland GN, Rao NA, Stawell RJ, Vitale A, Jabs DA; Multicenter Uveitis Steroid Treatment Trial Research Group. Outcome of treatment of uveitic macular edema: the multicenter uveitis steroid treatment (Must) trial 2-year results. Ophthalmology. 2015;122(11):2351-9.
  • 13
    Habot-Wilner z, Sallam A, Pacheco PA, Do H, Mccluskey P, Lightman S. Intravitreal triamcinolone acetonide as adjunctive treatment with systemic therapy for uveitic macular edema. Eur J Ophthalmol. 2011;21(Supl 6):56-61.
  • 14
    Fardeau C, Champion E, Massamba N, Lehoang P. Uveitic macular edema. Eye (Lond). 2016;30(10):1277-92.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2017
  • Aceito
    21 Maio 2018
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