Acessibilidade / Reportar erro

Descolamento seroso de coroide como manifestação tardia da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada

Resumo

Relatamos um caso atípico de uma paciente de 40 anos com apresentação completa da Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (SVKH) que após 17 anos do diagnóstico inicial evoluiu com descolamento seroso de coroide. A paciente procurou atendimento com queixa de dor em olho esquerdo (OE). O exame oftalmológico revelou acuidade visual (AV) igual a de movimento de mãos, à biomicroscopia foi observada reação inflamatória granulomatosa na câmara anterior, a tonometria foi igual a 0 mmhg, e a fundoscopia indevassável pela pouca midríase e turvação de meios em OE. O descolamento seroso de coroide foi avaliado através de ultrassonografia ocular. A abordagem terapeutica intituida para paciente consistiu em prednisona 1mg/kg/dia via oral, dexametasona 1mg/mL e atropina 1% colírios. A evolução do quadro foi satisfatória, com melhora da AV para 20/40, ausência de reação inflamatória em câmara anterior, normalização da pressão intraocular e resolução do descolamento seroso de coroide em OE. Concluimos que a fase crônica da SVKH, apesar da manifestação classicamente descrita ser uveíte anterior, pode ter outras apresentações e o descolamento seroso da coroide é uma rara complicação.

Descritores:
Panuveíte; Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada; Doenças da coroide; Síndrome uveomeningoencefalite; Relato de casos

Abstract

We report an atypical case of a 40-year-old woman with complete presentation of Vogt-Koyanagi-Harada Syndrome (VKH) who presented with unilateral serous choroidal detachment 17 years after the diagnosis. The patient complained of pain in the left eye, the ophthalmologic examination revealed visual acuity (VA) equal to hand motion; biomicroscopy revealed a granulomatous inflammatory reaction in the anterior chamber, tonometry was equal to 0 mmhg, and the fundoscopy was impracticable. Serous choroidal detachment was assessed by ocular ultrasonography. The therapeutic approach proposed for the patient consisted of prednisone 1mg / kg / day orally, dexamethasone 1mg / mL and atropine 1% eye drops. The evolution of the condition was satisfactory, with VA improvement to 20/40, absence of inflammatory reaction in anterior chamber, normalization of intraocular pressure and resolution of serous choroidal detachment in OS. We conclude that the chronic phase of VKH, although classically described as anterior uveitis, may have other presentations and the serous choroid detachment is a rare complication.

Keywords:
Panuveitis; Syndrome, Vogt-Koyanagi-Harada; Choroid diseases; Uveomeningoencephalitic syndrome; Case reports

Introdução

A Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (SVKH) é uma doença autoimune dirigida aos antígenos de melanócitos uveais. Caracteriza-se por panuveíte granulomatosa bilateral aguda com descolamentos de retina exsudativo, associada ao envolvimento dos sistemas auditivo, cutâneo e/ou sistema nervoso central.(11 Abouammoh MA, Gupta V, Hemachandran S, Herbort CP, Abu El- Asrar AM. Indocyanine green angiographic findings in initial-onset acute Vogt-Koyanagi-Harada disease. Acta Ophthalmol. 2016 ;94(6):573-8.

2 Agrawal R, Li LK, Nakhate V, Khandelwal N, Mahendradas P. Choroidal Vascularity Index in Vogt-Koyanagi-Harada Disease: An EDI-OCT derived tool for monitoring disease progression. Transl Vis Sci Technol. 2016;5(4):7. ECollection.

3 Miura M, Makita S, Yasuno Y, Tsukahara R, Usui Y, Rao NA et al. Polarization-sensitive optical coherence tomographic documentation of choroidal melanin loss in chronic Vogt-Koyanagi-Harada Disease. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2017;58(11):4467-76..

4 Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.

5 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.
-66 da Silva FT, Hirata CE, Sakata VM, Olivalves E, Preti R, Pimentel SL, et al. Indocyanine green angiography findings in patients with long-standing Vogt-Koyanagi-Haradadisease: a cross-sectional study. BMC Ophthalmol. 2012 ;12:40.)

A prevalência da doença é variada de acordo com população estudada, entretanto, geralmente é mais comum em indivíduos de pele pigmentada, tais como asiáticos e hispânicos, e em pacientes com predisposição genética.(11 Abouammoh MA, Gupta V, Hemachandran S, Herbort CP, Abu El- Asrar AM. Indocyanine green angiographic findings in initial-onset acute Vogt-Koyanagi-Harada disease. Acta Ophthalmol. 2016 ;94(6):573-8.,44 Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.) Juntamente com a doença de Behçet, é uma das causas mais prevalentes uveíte não infecciosa no Brasil.(77 da Silva FT, Damico FM, Marin ML, Goldberg AC, Hirata CE, Takiuti PH, et al. Revised diagnostic criteria for vogt-koyanagi-harada disease: considerations on the differentdisease categories. Am J Ophthalmol. 2009;147(2):339-345.e5.) A VKH é mais frequente em uma população adulta (entre terceira e quinta década de vida), acomete principalmente mulheres (55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.,88 Lodhi SA, Reddy JL, Peram V. Clinical spectrum and management options in Vogt-Koyanagi-Harada disease. Clin Ophthalmol. 2017;11:1399-406.) e é rara em caucasianos.(55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.)

O diagnóstico da SVKH deve ser baseado nos critérios diagnósticos divulgados pelo Comitê de Internacional de Nomenclaturas em 2000 e incluem: 1- ausência de história prévia de trauma ou cirurgia ocular; 2- ausência de evidência de doença ocular concomitante; 3- envolvimento ocular bilateral precoce (com áreas focais de fluido subrretiniano ou descolamento seroso de retina) ou tardio (despigmentação, fundo de olho em pôr-do-sol, cicatrizes coriorretinianas despigmentadas de Dalen-Fuchs, e migração ou acúmulo de epitélio pigmentar da retina); 4- história ou apresentação de sintomas auditivos e/ou neurológicos; 5- alterações cutâneas que apareçam durante ou após as manifestações neurológicas e oculares. Pode ser classificada em completa, quando todos os critérios estão presentes, incompleta, quando há ausência do critério 4 ou 5, e provável, quando há ausência dos critérios 4 e 5.(44 Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.)

O curso clínico clássico da SVKH pode ser dividido em 4 estágios. O estágio prodrômico, precede o estágio uveítico agudo em alguns dias, e simula uma infecção viral. O estágio uveítico agudo se manifesta após alguns dias e tem como marco clínico uma panuveíte difusa bilateral, com descolamentos serosos da retina, hiperemia de discos ópticos e redução importante da acuidade visual. A seguir, ocorre o estágio de convalescença, marcado por sinais de despigmentação coroideana, e posteriormente o estágio crônico recorrente, evidenciado pela presença de uveíte anterior.(99 Damico FM, Bezerra FT, Silva GC, Gasparin F, Yamamoto JH. New insights into Vogt-Koyanagi-Harada disease. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(3):413-20.) Embora incomum, o envolvimento posterior durante fase crônica recorrente foi relatado baseado em evidência clínica e subclínica de exames de imagem.(55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.,66 da Silva FT, Hirata CE, Sakata VM, Olivalves E, Preti R, Pimentel SL, et al. Indocyanine green angiography findings in patients with long-standing Vogt-Koyanagi-Haradadisease: a cross-sectional study. BMC Ophthalmol. 2012 ;12:40.)

Este relato descreve um caso de descolamento seroso de coroide no estágio crônico da SVKH, achado raro nesta fase da afecção.

Relato de Caso

ESO, 40 anos, sexo feminino, parda, natural do Rio de Janeiro, com diagnóstico de SVKH forma completa em 1998, caracterizada por zumbido prévio, panuveíte granulomatosa bilateral e vitiligo (Figura 1), tratada na ocasião com corticoterapia em dose imunossupressora seguida de desmame lento. A doença foi complicada por catarata secundária em ambos os olhos (AO) e glaucoma secundário em olho esquerdo (OE), tratados cirurgicamente em 1999-2000 e 2002, respectivamente. Ao longo do acompanhamento oftamológico (1998-2015), apresentou episódios esparsos de recorrência caracterizados por uveíte anterior e piora da acuidade visual, tratados com corticoides e midriáticos tópicos. No intercurso da doença não fez uso de imunossupressor sistêmico.

Figura 1
Manchas acrômicas em região mentoniana e malar esquerda.

Em 2015, a paciente retornou ao setor de uveíte queixando-se de dor ocular e piora da acuidade visual em OE. O exame oftalmológico revelou acuidade visual (AV) com correção igual a 20/40 em olho direito (OD) e movimentos de mãos em OE. A biomicroscopia revelou precipitados ceráticos granulomatosos antigos em terço inferior de córnea sem sinais de inflamação em OD, e hiperemia conjuntival, precipitados ceráticos granulomatosos em terço inferior, celularidade 2+/4+, flare 1+/4+, lente intraocular tópica e bolha de trabeculectomia em OE. A tonometria foi igual a 9/0 mmHg. A fundoscopia revelou disco ótico regular, corado, com bordas nítidas, reflexo foveal reduzido, tortuosidade vascular e coroidose difusa em OD e indevassável pela pouca midríase e turvação de meios em OE. A ultrassonografia (USG) ocular demonstrou descolamento seroso de coroide em OE (Figura 2) caracterizado por membranas espessas, com formato cupuliforme, de alta refletividade, pouca mobilidade e conteúdo hiporrefletivo. Foi iniciado prednisona 1mg/kg/dia via oral, dexametasona 1mg/mL colírio de 1/1h em esquema de desmame e atropina 1% colírio 12/12h.

Figura 2
Ultrassonografia do olho esquerdo (baseline) evidenciando membranas espessas, com formato cupuliforme, de alta refletividade, pouca mobilidade, conteúdo hiporrefletivo, correspondendo ao descolamento seroso de coroide (setas vermelhas). A. Corte transversal 3h; B. Corte transversal 6h; C. Corte transversal 9h; D. Corte transversal 12h.

Duas semanas após o inicio dos sintomas o exame oftalmológico revelou AV igual a 20/70 em OE, à USG ocular demonstrou ausência de membranas relacionadas ao descolamento de coroide (Figura 3) e tonometria foi igual a 12mmHg. Foi realizado o desmame gradual da corticoterapia tópica e sistêmica. Um mês depois, a AV foi igual a 20/40 em OE e biomicroscopia apresentou células 0,5+ em OE, com resolução do quadro.

Figura 3
Ultrassonografia do olho esquerdo (follow up) evidenciando ausência de membranas de formato cupuliforme, indicando resolução do descolamento seroso de coroide. A. Corte transversal 3h; B. Corte transversal 6h; C. Corte transversal 9h; D. Corte transversal 12h.

Discussão

A SVKH ocorre em quatro estágios clínicos. A fase prodrômica, cursa com sintomas vagos e sistêmicos5, 9, 10, incluindo manifestações neurológicas e auditivas, como cefaléia, zumbido, rigidez de nuca e perda auditiva.(55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.,88 Lodhi SA, Reddy JL, Peram V. Clinical spectrum and management options in Vogt-Koyanagi-Harada disease. Clin Ophthalmol. 2017;11:1399-406.,1010 Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.,1111 Sil A, Chatrath P, Gatland DJ. Deafness in Vogt-Koyanagi-Harada syndrome. J Laryngol Otol. 2006;120:416-8.)

O estágio uveítico agudo dura várias semanas e caracteriza-se por uma uveíte granulomatosa bilateral com vitreíte, exsudatos branco-amarelados no epitélio pigmentar da retina (EPR), descolamento de retina seroso multifocal e edema de disco óptico (DO). A inflamação principalmente envolve o estroma coroideano com posterior envolvimento do EPR e retina externa.(44 Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.,55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.,88 Lodhi SA, Reddy JL, Peram V. Clinical spectrum and management options in Vogt-Koyanagi-Harada disease. Clin Ophthalmol. 2017;11:1399-406.,1010 Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.,1212 Giannakouras P, Andreanos K, Giavi B, Diagourtas A. Optical coherence tomography angiography: employing a novel technique for Investigation in Vogt-Koyanagi-Harada Disease. Case Rep Ophthalmol. 2017 ;8(2):362-9 .,1313 Nakai K, Gomi F, Ikuno Y, Yasuno Y, Nouchi T, Ohguro N et al. Choroidal observations in Vogt-Koyanagi-Harada disease using high penetration optical coherence tomography. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2012;250(7):1089-95.)

O estágio uveítico é seguido pelo estágio de convalescença, em que predomina a despigmentação dos tecidos.(55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.,99 Damico FM, Bezerra FT, Silva GC, Gasparin F, Yamamoto JH. New insights into Vogt-Koyanagi-Harada disease. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(3):413-20.) Ocorre perda de pigmentação coroideana, responsável pelo fundo de olho em sunset glow (coloração vermelho-alaranjada devido à despigmentação da coroide, presente em 60-70% dos pacientes nesse estágio), atrofia peripapilar, despigmentações no limbo (Sinal de Sugiura) e vitiligo(1414 Hirooka K, Saito W, Namba K, Mizuuchi K, Iwata D, Hashimoto Y, Ishida S. Early posttreatment choroidal thickness to alert sunset glow fundus in patients with Vogt-Koyanagi-Harada disease treated with systemic corticosteroids. PLoS One. 2017 Feb 27;12(2):e0172612.), poliose e alopecia.(44 Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.,55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.,1010 Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.,1212 Giannakouras P, Andreanos K, Giavi B, Diagourtas A. Optical coherence tomography angiography: employing a novel technique for Investigation in Vogt-Koyanagi-Harada Disease. Case Rep Ophthalmol. 2017 ;8(2):362-9 .)

No presente relato, a paciente apresentou manifestações relacionadas às fases prodrômica (zumbido), uveítica (panuveíte graulomatosa bilateral) e de convalescença (vitiligo), sem, no entanto apresentar perda de pigmentação coroideana.

Alguns pacientes entram no estágio recorrente crônico, em sua maioria com episódios recorrentes de uveíte anterior,(99 Damico FM, Bezerra FT, Silva GC, Gasparin F, Yamamoto JH. New insights into Vogt-Koyanagi-Harada disease. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(3):413-20.) sendo comumente tratada com medicação tópica (corticoide, cicloplégico e midriático).(1010 Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.) Nesta fase ocorrem ainda complicações como catarata, glaucoma e neovascularização de coroide.(44 Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.,88 Lodhi SA, Reddy JL, Peram V. Clinical spectrum and management options in Vogt-Koyanagi-Harada disease. Clin Ophthalmol. 2017;11:1399-406.,1414 Hirooka K, Saito W, Namba K, Mizuuchi K, Iwata D, Hashimoto Y, Ishida S. Early posttreatment choroidal thickness to alert sunset glow fundus in patients with Vogt-Koyanagi-Harada disease treated with systemic corticosteroids. PLoS One. 2017 Feb 27;12(2):e0172612.,1515 Rieger R, Keitzer R, Pleyer U. The Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: a rare differential diagnosis of uveitis in childhood. A case report taking into account therevised diagnostic criteria. Klin Monatsbl Augenheilkd. 2005;222:919-22.)

Neste manuscrito, a paciente apresentou, além de catarata e glaucoma secundário, recorrências de uveíte anterior durante seguimento da doença.

Estudos através de angiografia com indocianina verde (AIV) demostraram ocorrência de inflamação coroideana subclínica concomitantemente com a recorrência do segmento anterior,(66 da Silva FT, Hirata CE, Sakata VM, Olivalves E, Preti R, Pimentel SL, et al. Indocyanine green angiography findings in patients with long-standing Vogt-Koyanagi-Haradadisease: a cross-sectional study. BMC Ophthalmol. 2012 ;12:40.,1616 Bacsal K, Wen DS, Chee SP. Concomitant choroidal inflammation during anterior segment recurrence in Vogt-Koyanagi-Harada disease.Am J Ophthalmol. 2008;145(3):480-6.) abaulamentos na coroide(1717 Sakata VM, da Silva FT, Hirata CE, Takahashi WY, Costa RA, Yamamoto JH. Choroidal bulging in patients with Vogt-Koyanagi-Harada disease in the non-acute uveitic stage. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2014;4(1):6.) e descolamento seroso de retina no estágio de uveíte não agudo visto na tomografia de coerência óptica (Optical coherence tomography, OCT).(55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.) A AIV pode detectar sinais subclínicos (dark dots e fuzzy vessels) na fase crônica da uveíte posterior.(1010 Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.)

A OCT garante obtenção de informações mais aprimoradas da retina, EPR, espessura coroidiana e características qualitativas e quantitativas da vasculatura coroidiana em quadros de panuveítes.(22 Agrawal R, Li LK, Nakhate V, Khandelwal N, Mahendradas P. Choroidal Vascularity Index in Vogt-Koyanagi-Harada Disease: An EDI-OCT derived tool for monitoring disease progression. Transl Vis Sci Technol. 2016;5(4):7. ECollection.,1010 Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.) A espessura da coroide foi considerada como um marcador de atividade da VKH, contudo, essa ferramenta não tem sido amplamente utilizada visto que diversos fatores oculares e sistêmicos interferem neste parâmetro, como por exemplo o comprimento axial, myopia, idade e sexo.(33 Miura M, Makita S, Yasuno Y, Tsukahara R, Usui Y, Rao NA et al. Polarization-sensitive optical coherence tomographic documentation of choroidal melanin loss in chronic Vogt-Koyanagi-Harada Disease. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2017;58(11):4467-76..) Não se sabe ao certo quais estruturas da coroide aumentam de volume em pacientes com VKH e o que acontece com estas na progressão ou resolução da doença.(22 Agrawal R, Li LK, Nakhate V, Khandelwal N, Mahendradas P. Choroidal Vascularity Index in Vogt-Koyanagi-Harada Disease: An EDI-OCT derived tool for monitoring disease progression. Transl Vis Sci Technol. 2016;5(4):7. ECollection.) Porém, estudos histopatológicos mostraram que a coroide torna-se mais espessa com infiltração linfocítica.(1313 Nakai K, Gomi F, Ikuno Y, Yasuno Y, Nouchi T, Ohguro N et al. Choroidal observations in Vogt-Koyanagi-Harada disease using high penetration optical coherence tomography. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2012;250(7):1089-95.) Logo, sabe-se que a espessura da coroide está aumentada na fase aguda, diminui progressivamente na evolução da doença (devido cicatrização de estroma, fibrose, necrose perda de melanócitos), e aumenta novamente em fases de exacerbação.(1313 Nakai K, Gomi F, Ikuno Y, Yasuno Y, Nouchi T, Ohguro N et al. Choroidal observations in Vogt-Koyanagi-Harada disease using high penetration optical coherence tomography. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2012;250(7):1089-95.) Infiltração linfocítica da coroide é observada durante a fase de convalescença, demostrando inflamação silenciosa nesse estágio.(1313 Nakai K, Gomi F, Ikuno Y, Yasuno Y, Nouchi T, Ohguro N et al. Choroidal observations in Vogt-Koyanagi-Harada disease using high penetration optical coherence tomography. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2012;250(7):1089-95.) O espessamento difuso da coroide

já foi descrito nos estágios precoce e convalescente / crônico de VKH, e sugeriu-se que represente um sinal de doença atividade.(1717 Sakata VM, da Silva FT, Hirata CE, Takahashi WY, Costa RA, Yamamoto JH. Choroidal bulging in patients with Vogt-Koyanagi-Harada disease in the non-acute uveitic stage. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2014;4(1):6.)

Este caso apresenta como limitação a não documentação do status do segmento posterior com AIV ou OCT durante estas recorrências.

Pouco se sabe sobre estágios de convalescença e crônica da VKH. As recorrências completas são raras após o fim do estágio agudo.(99 Damico FM, Bezerra FT, Silva GC, Gasparin F, Yamamoto JH. New insights into Vogt-Koyanagi-Harada disease. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(3):413-20.)

Estudos sugerem que o acometimento ocular da SVKH ocorra principalmente na parte posterior da úvea, com predileção a região justapapilar, e reduza progressivamente em direção ao equador, periferia da coroide e tecido uveal anterior. Durante a fase não aguda, a recidiva ocorre como uveíte anterior, direcionado aos melanócitos uveiais remanescentes, visto que os melanócitos da coroide foram destruídos previamente. Todavia, em casos supostamente quiescentes, acredita-se na existência de atividade inflamatória no segmento posterior não identificada, concomitante a presença de células em câmara anterior. Isso caracterizaria a recidiva como um comprometimento inflamatório mais extenso do que o pressuposto, sendo inapropriadamente tratada com corticóide tópico.(1010 Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.)

Uma vez diagnosticada, a SVKH pode ser tratada com diversos esquemas terapêuticos, incluindo corticoesteroides, terapia imunossupressora não esteroidal, modificadores de resposta biológica e anti VEGF (fator de crescimento vascular endotelial),(55 Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.) sendo a terapêutica mais eficaz a que traz menos risco de complicações a longo prazo.(44 Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.) No caso relatado, apaciente foi tratada com corticoesteoroide via oral em dose imunossupressora, corticoesteroide e midriático tópicos, e mesmo após resolução do descolamento seroso, foi mantida em uso de prednisona oral em dose menor que 10mg/dia.

Apesar de classicamente descrita como uma uveíte anterior isolada, a fase crônica da SVKH pode ter outras apresentações e o descolamento seroso da coroide é uma rara complicação, descrita na literatura por Sil et al.(1111 Sil A, Chatrath P, Gatland DJ. Deafness in Vogt-Koyanagi-Harada syndrome. J Laryngol Otol. 2006;120:416-8.) e Yamoto et al.,(1818 Yamoto N, Naito K. Annular choroidal detachment in a patient with Vogt Koyanagi- Harada disease. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2004;242(3): 355-8.) porém sem explicitar em qual estágio da doença ocorreu tal achado. Não existem estudos demonstrando a prevalência de tal complicação na SVKH.

De forma semelhante ao presente relato, Yamoto et al.(1818 Yamoto N, Naito K. Annular choroidal detachment in a patient with Vogt Koyanagi- Harada disease. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2004;242(3): 355-8.) descreveram o caso de uma mulher de 59 anos com diagnóstico de SVKH que evoluiu com descolamento anular de coróide devido à provável inflamação coroideana severa, sem descolamento seroso de retina associado. A paciente foi tratada com esteroide sistêmico, evoluindo com êxito, sem recorrência do quadro após 4 anos de acompanhamento. Entretanto os autores não relacionaram o descolamento de coroide a nenhum estágio da SVKH. O tratamento instituido para a paciente do presente relato foi similiar ao encontrado na literatura e apresentou evolução favorável.

Referências

  • 1
    Abouammoh MA, Gupta V, Hemachandran S, Herbort CP, Abu El- Asrar AM. Indocyanine green angiographic findings in initial-onset acute Vogt-Koyanagi-Harada disease. Acta Ophthalmol. 2016 ;94(6):573-8.
  • 2
    Agrawal R, Li LK, Nakhate V, Khandelwal N, Mahendradas P. Choroidal Vascularity Index in Vogt-Koyanagi-Harada Disease: An EDI-OCT derived tool for monitoring disease progression. Transl Vis Sci Technol. 2016;5(4):7. ECollection.
  • 3
    Miura M, Makita S, Yasuno Y, Tsukahara R, Usui Y, Rao NA et al. Polarization-sensitive optical coherence tomographic documentation of choroidal melanin loss in chronic Vogt-Koyanagi-Harada Disease. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2017;58(11):4467-76..
  • 4
    Read RW, Holland GN, Rao NA, Tabbara KF, Ohno S, Arellanes-Garcia L, et al. Revised diagnostic criteria for Vogt-Koyanagi-Harada disease: report of an international committee on nomenclature. Am J Ophthalmol. 2001;131(5):647-52.
  • 5
    Silpa-Archa S, Silpa-Archa N, Preble JM, Foster CS. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: Perspectives for immunogenetics, multimodal imaging, and therapeutic options. Autoimmun Rev. 2016;15(8):809-19.
  • 6
    da Silva FT, Hirata CE, Sakata VM, Olivalves E, Preti R, Pimentel SL, et al. Indocyanine green angiography findings in patients with long-standing Vogt-Koyanagi-Haradadisease: a cross-sectional study. BMC Ophthalmol. 2012 ;12:40.
  • 7
    da Silva FT, Damico FM, Marin ML, Goldberg AC, Hirata CE, Takiuti PH, et al. Revised diagnostic criteria for vogt-koyanagi-harada disease: considerations on the differentdisease categories. Am J Ophthalmol. 2009;147(2):339-345.e5.
  • 8
    Lodhi SA, Reddy JL, Peram V. Clinical spectrum and management options in Vogt-Koyanagi-Harada disease. Clin Ophthalmol. 2017;11:1399-406.
  • 9
    Damico FM, Bezerra FT, Silva GC, Gasparin F, Yamamoto JH. New insights into Vogt-Koyanagi-Harada disease. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(3):413-20.
  • 10
    Sakata VM. Análise integrada de parâmetros clínicos, estruturais e funcionais nas fases aguda e não aguda da doença de Vogt-Koyanagi-Harada: estudo longitudinal [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Programa de Oftalmologia; 2015.
  • 11
    Sil A, Chatrath P, Gatland DJ. Deafness in Vogt-Koyanagi-Harada syndrome. J Laryngol Otol. 2006;120:416-8.
  • 12
    Giannakouras P, Andreanos K, Giavi B, Diagourtas A. Optical coherence tomography angiography: employing a novel technique for Investigation in Vogt-Koyanagi-Harada Disease. Case Rep Ophthalmol. 2017 ;8(2):362-9 .
  • 13
    Nakai K, Gomi F, Ikuno Y, Yasuno Y, Nouchi T, Ohguro N et al. Choroidal observations in Vogt-Koyanagi-Harada disease using high penetration optical coherence tomography. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2012;250(7):1089-95.
  • 14
    Hirooka K, Saito W, Namba K, Mizuuchi K, Iwata D, Hashimoto Y, Ishida S. Early posttreatment choroidal thickness to alert sunset glow fundus in patients with Vogt-Koyanagi-Harada disease treated with systemic corticosteroids. PLoS One. 2017 Feb 27;12(2):e0172612.
  • 15
    Rieger R, Keitzer R, Pleyer U. The Vogt-Koyanagi-Harada syndrome: a rare differential diagnosis of uveitis in childhood. A case report taking into account therevised diagnostic criteria. Klin Monatsbl Augenheilkd. 2005;222:919-22.
  • 16
    Bacsal K, Wen DS, Chee SP. Concomitant choroidal inflammation during anterior segment recurrence in Vogt-Koyanagi-Harada disease.Am J Ophthalmol. 2008;145(3):480-6.
  • 17
    Sakata VM, da Silva FT, Hirata CE, Takahashi WY, Costa RA, Yamamoto JH. Choroidal bulging in patients with Vogt-Koyanagi-Harada disease in the non-acute uveitic stage. J Ophthalmic Inflamm Infect. 2014;4(1):6.
  • 18
    Yamoto N, Naito K. Annular choroidal detachment in a patient with Vogt Koyanagi- Harada disease. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2004;242(3): 355-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2018
  • Aceito
    30 Mar 2018
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br