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Conflitos e ambiguidades de papéis no trabalho de juízes: as percepções de juízes portugueses

Conflictos y ambigüedades entre los papeles de jueces: las percepciónes de jueces de Portugal

Resumo

Reformas em judiciários de diversos países criaram um novo papel para os juízes, um papel gerencial, em que juízes assumem novas responsabilidades relacionadas com as atividades administrativas. Esse novo papel é diferente do papel tradicional, focado em tarefas judiciais, e tem gerado conflitos no trabalho de juízes. Com base nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo identificar e discutir conflitos e ambiguidades envolvendo os papéis judicial e gerencial, desempenhados por juízes de Portugal. A pesquisa foi realizada em Portugal, entre 2013 e 2014, e os dados foram coletados por meio de entrevistas em profundidade com 12 juízes. Os principais conflitos são: incompatibilidade entre a realização de atividades judiciais e administrativas; carga de trabalho elevada e equipe administrativa insuficiente e desmotivada; produtividade versus qualidade do trabalho judicial; e alta responsabilidade do cargo e baixo salário. As principais ambiguidades identificadas nas entrevistas referem-se a: relação formal entre juízes e pessoal administrativo; função do juiz no processo de planejamento dos tribunais; critério para distribuição de processos judiciais entre juízes; e critério de avaliação do desempenho de juízes. Os resultados são discutidos e são sugeridas pesquisas adicionais.

Palavras-chave:
administração da justiça; juiz; papel social; conflito de papéis; ambiguidade de papéis

Resumen

Reformas judiciales en varios países han creado un nuevo papel para los jueces, el papel de gestor, en el que los jueces asumen nuevas responsabilidades relacionadas con las actividades administrativas. Esta nueva función es diferente del papel tradicional centrado en tareas judiciales y ha generado conflicto en el trabajo de los jueces. Dentro de este contexto, el presente estudio tiene como objetivo identificar y discutir conflictos y ambigüedades entre los papeles judicial y de gestión desempeñados por jueces de Portugal. El estudio se realizó en Portugal, entre 2013 y 2014, y los datos fueron recolectados a través de entrevistas en profundidad con 12 jueces. Los principales conflictos son: incompatibilidad con el desempeño de las actividades judiciales y administrativos; alta carga de trabajo y el equipo de administración inadecuada y sin motivación; la productividad versus calidad del trabajo judicial; y la posición de alta responsabilidad y de bajos ingresos. Las principales ambigüedades detectadas en las entrevistas se refieren a: relación formal entre los jueces y personal administrativo; papel del juez en el proceso de planificación de los tribunales; o criterio para la distribución de los casos judiciales entre jueces; y o criterio de evaluación para juzgar el desempeño de jueces. Se discuten los resultados y se sugiere una agenda para futuros estudios.

Palabras clave:
administración de justicia; juez; papel social; conflicto de papeles; ambigüedad de papeles

Abstract

The reform of the judiciaries of several countries have created a new role for judges, a managerial role, in which judges assume new management responsibilities. This new role is different from the traditional one which focused on judicial tasks, and has generated conflict and ambiguity in the work of judges. This study aims to identify and discuss the conflicts and ambiguities between the judicial and administrative roles performed by Portuguese judges. The research took place in Portugal over the period between 2013 and 2014, and data was collected from in-depth interviews with 12 judges. The research identifies several areas of role conflict and ambiguity in the judges’ work. The main conflicts are: incompatibility between the carrying out of judicial and management activities; high workload and insufficient and unmotivated administrative staff; the need to maintain both productivity and judicial quality; and the great responsibility of the position but poor remuneration. The main ambiguities reported are: the formal relationship between judges and administrative officials; the judge’s function in the process of court planning; the criteria for the distribution of judicial proceedings among judges; and the criteria to evaluate judges’ performance. These results are discussed and a research agenda is suggested.

Keywords:
judicial management; judge; social role; role conflict; role ambiguity

1. Introdução

A atividade judicial é altamente institucionalizada e socialmente legitimada. Em sociedades democráticas, juízes têm a garantia de desenvolver seu trabalho de maneira independente, sem pressões políticas, sociais ou econômicas no conteúdo de suas decisões. Essa independência é importante porque existe uma expectativa de que as decisões judiciais são tomadas de maneira justa e baseadas na lei, especialmente quando os processos exigem o reconhecimento de direitos e obrigações das partes em disputa em contextos de interesses difusos (Posner, 2010POSNER, Richard. How judges think. Cambridge, EUA: Harvard University Press, 2010.).

Atividades administrativas estão cada vez mais presentes no trabalho dos juízes. Embora isso represente uma expansão no poder dos juízes, uma vez que eles se tornam responsáveis pela gestão dos tribunais e unidades de justiça, o surgimento desse novo papel gerencial, bem como as expectativas e pressões relacionados com esse papel, tem gerado conflitos. Esses conflitos ocorrem porque juízes precisam conciliar atividades judiciais e administrativas, acomodando expectativas e demandas que geralmente são conflitantes e contraditórias. Essa condição pode criar uma carga psíquica no trabalho, com consequências negativas associadas à fadiga mental, como sugerido por Dejours (1999DEJOURS, Cristophe. Conferências brasileiras. Identidade, reconhecimento e transgressão no trabalho. São Paulo: Fundap; Eaesp-FGV, 1999.) em seu estudo a respeito de identidade e sofrimento no trabalho. Além disso, muitos juízes reclamam que o novo papel gerencial e as atividades administrativas os estão afastando cada vez mais do tradicional senso de justiça (Gomes, Guimaraes e Souza, 2016GOMES, Adalmir; GUIMARAES, Tomas; SOUZA, Eda. Judicial work and judges’ motivation: the perceptions of Brazilian state judges. Law & Policy, v. 38, n. 2, p. 162-176, 2016.).

A introdução de tarefas administrativas no trabalho dos juízes faz parte de um amplo movimento de reforma em judiciários de diversos países, com tribunais adotando padrões da nova gestão pública (new public management) para gerenciar seus recursos. Como parte desse movimento, o Conselho da Europa (Council of Europe) estabeleceu em 2002 a Comissão Europeia para Eficiência da Justiça (European Commission for the Efficiency of Justice), um órgão judicial com o objetivo de melhorar a eficiência e o funcionamento dos sistemas de justiça dos países-membros, e para ajudar na implementação de instrumentos desenvolvidos pelo Conselho (Cepej, 2010CEPEJ. European Commission for the Efficiency of Justice. Handbook for conducting satisfaction surveys aimed at Court users in Council of Europe’s member states. Council of Europe: Cepej-GT-Qual, 2010.). O Judiciário português, onde a presente pesquisa foi realizada, tem passado por mudanças alinhadas com esse movimento. No entanto, existem poucos estudos que investigaram os efeitos dessas mudanças, especialmente em Portugal. No intuito de preencher essa lacuna na literatura, o objetivo deste estudo é identificar e discutir conflitos e ambiguidades envolvendo os papéis judiciais e administrativos representados pelos juízes portugueses.

Este estudo é relevante porque é importante compreender como juízes percebem sua profissão e como essa percepção influencia o gerenciamento de tribunais (Epstein, Landes e Posner, 2013EPSTEIN, Lee; LANDES, William; POSNER, Richard. The behavior of federal judges: a theoretical and empirical study of rational choice. Cambridge, USA: Harvard University Press, 2013.). Juízes conhecem melhor o Judiciário do que qualquer um, e, talvez, sejam os únicos a conhecerem como, de fato, o Judiciário funciona (Dallari, 2008DALLARI, Dalmo. O poder dos juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.). A opinião dos juízes também serve como base para o aperfeiçoamento de políticas e práticas de tribunais, incluindo políticas de gestão de recursos humanos. O estudo é importante também porque os próprios juízes têm um interesse especial em saber o que outros juízes pensam, de modo que padrões de comparação possam ser estabelecidos (Gulati e Knight, 2010GULATI, Mitu; KNIGHT, Jack. Talking judges. Duke Law Journal, 2010. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1585760>. Acesso em:26 dez. 2016.
http://ssrn.com/abstract=1585760...
).

2. O Judiciário português

A Constituição da República Portuguesa define os tribunais como órgãos soberanos, com competência para gerenciar a justiça em nome das pessoas. Na Constituição, o princípio da independência dessas instituições em relação aos demais ramos estatais está expressamente consagrado. Portugal tinha, na metade de 2014, 308 tribunais de primeira instância, quatro tribunais de segunda instância (tribunais de apelação) e o Supremo Tribunal de Justiça. Além desses tribunais, existe um Tribunal Constitucional, encarregado exclusivamente de julgar processos envolvendo a interpretação da Constituição, 18 tribunais administrativos, um Tribunal de Auditores e o Conselho Superior da Magistratura, que atua como uma agência estratégica para o Judiciário (Portugal, 2005aPORTUGAL. Lei Constitucional n. 1/2005, de 12 de agosto. Diário da República, n. 155, p. 4642-4686, de 12 de agosto de2005a.).

Segundo dados oficiais do Ministério da Justiça de Portugal, existia aproximadamente 1,55 milhão de casos pendentes nos tribunais portugueses no final de 2013, a maioria em tribunais de primeira instância. A população de Portugal em 2013 era de 10,4 milhões de habitantes (Portugal, 2014aPORTUGAL. Estimativas de população residente em Portugal — 2013. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística, 2014a.), o que significa, em média, um caso para 6,7 habitantes. Isso representa um grande acervo de processos quando comparado com a média de países europeus, por volta de um caso para cada 20 habitantes (Cepej, 2014CEPEJ. European Commission for the Efficiency of Justice. European judicial systems: efficiency and quality of justice. Council of Europe, 2014.). Por outro lado, a média de Portugal é baixa se comparada com o Judiciário brasileiro. Em 2014, existiam aproximadamente 70 milhões de casos pendentes em todos os segmentos do Judiciário brasileiro, representando uma média de um caso para cada três habitantes (CNJ, 2014CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA(CNJ). Justiça em números 2014. Conselho Nacional de Justiça. Brasília, 2014.).

Juízes são os atores centrais do Judiciário português. Eles são agentes responsáveis pela resolução de litígios e têm o poder de usar a força do aparato repressivo do Estado para fazer cumprir suas decisões. Os três tipos de juízes que atuam em Portugal, juízes de primeiro grau, juízes de segundo grau e juízes do Supremo Tribunal, devem respeitar o Estatuto Judicial da Magistratura (Lei no 21, de 30 de julho de 1985). A lei garante a segurança do mandato do juiz, de modo que ele não pode ser contestado em suas decisões. Os juízes portugueses não podem ter outro trabalho público ou privado, e também não podem ser nomeados para serviços comissionados estranhos às atividades dos tribunais, a menos que exista permissão de autoridades competentes. O Conselho Superior da Magistratura é responsável pela contratação, lotação, transferência e promoção de juízes no país, bem como pelos procedimentos disciplinares (Portugal, 2005aPORTUGAL. Lei Constitucional n. 1/2005, de 12 de agosto. Diário da República, n. 155, p. 4642-4686, de 12 de agosto de2005a.).

Em 2014, haviam 1.816 juízes ativos em Portugal, sendo 1.362 em tribunais de primeira instância, 394 na segunda instância e 60 no Supremo Tribunal. Para se tornar um juiz em Portugal, o candidato deve passar por um concurso público. O Estatuto Judicial da Magistratura especifica os seguintes requerimentos para se tornar um juiz: ser um cidadão português e apto a exercer os direitos políticos e civis; ser formado em direito; ter sido aprovado nos cursos de treinamento no Centro de Estudos Judiciais (CEJ); além de satisfazer outros requerimentos estabelecidos por lei para a seleção de agentes públicos. O período de treinamento no CEJ é de dois anos, e, após esse período, o juiz é designado para o trabalho, usualmente em cidades pequenas. As atividades iniciais de um juiz geralmente são supervisionadas por um juiz mais experiente. A promoção na carreira judicial envolve mudanças nos locais de trabalho, atuação em diferentes especialidades judiciais e indicadores positivos em cada triênio do ciclo de avaliação (Portugal, 2011PORTUGAL. Lei n. 9/2011, de 12 de abril. Diário da República, n. 72, p. 2233-2236 de 12 de abril de2011.).

Um grupo de juízes experientes, indicados pelo Conselho Superior da Magistratura, é responsável pela avaliação de desempenho dos juízes da primeira instância em Portugal. Esse processo envolve interação entre o juiz que faz a avaliação e o juiz avaliado, de acordo com o estatuto. O que se avalia é como os juízes desempenham as funções estabelecidas, a produtividade, o nível de dificuldade no trabalho, as condições de trabalho, as capacidades técnicas do juiz e a duração do serviço, os resultados de avaliações anteriores, processos disciplinares e alguma outra informação relevante relacionada com o desempenho individual (Portugal, 2011PORTUGAL. Lei n. 9/2011, de 12 de abril. Diário da República, n. 72, p. 2233-2236 de 12 de abril de2011.).

Desde a década de 2000, Portugal tem passado por diversas reformas inspiradas no movimento da nova gestão pública, que tem contribuído para o surgimento de conflitos e ambiguidades relacionados com múltiplos papéis representados pelos juízes portugueses. A mais relevante dessas reformas inclui o Procedimento Civil Piloto, aprovado pelo Decreto-Lei no 108/2006 (Portugal, 2006PORTUGAL. Decreto-Lei n. 108/2006, de 8 de junho. Diário da República, n. 111, p. 4069-4074 de 8 de junho de2006.), que concede aos juízes um papel crucial, expandindo o envolvimento desses profissionais em alguns procedimentos civis, adotando uma visão mais crítica dos procedimentos e apontando os juízes como a pessoa mais decisiva na celeridade das resoluções judiciais. Uma das alterações centrais dessa reforma é a transferência das tarefas gerenciais - juízes são responsáveis pela implementação e adaptação dos procedimentos de acordo com as especificidades de cada caso, de modo que seja resolvido da melhor maneira possível, garantindo que nenhum ato desnecessário será realizado.

O Plano de Ação para Reduzir o Acervo dos Tribunais consiste em outro pacote de reformas, aprovado pela resolução do Conselho de Ministros no 172/2007 (Portugal, 2007PORTUGAL. Resolução do Conselho de Ministros n. 172/2007, de 6 de novembro. Diário da República, n. 213, p. 8063-8064 de 6 de novembro de 2007.) e implementado em 2007 e 2008. Esse pacote incorporou mais de duas dúzias de indicadores elaborados para reduzir o acervo de processos pendentes dos tribunais. A nova legislação que acompanhou o Plano de Ação inclui leis referentes ao trabalho dos juízes, como a Lei no 42/2005 (Portugal, 2005bPORTUGAL. Lei n. 42/2005, de 29 de agosto. Diário da República, n. 165, p. 5061-5064 de 29 de agosto de2005b.), que altera o regime legal dos feriados judiciários. A Digitalização dos Procedimentos Judiciais, do Ministério da Justiça, consiste em um importante projeto alinhado com a reforma. Esse projeto buscou digitalizar todos os processos nos tribunais. A legislação relevante para esse projeto engloba diversas leis, incluindo a Lei Ordinária no 114/2008 (Portugal, 2008PORTUGAL. Portaria n. 114/2008, de 6 de fevereiro. Diário da República, n. 26, p. 928-933 de 6 de fevereiro de 2008.), que regula vários aspectos relacionados com os procedimentos eletrônicos dos processos judiciais.

A mais recente instância das reformas é a denominada Lei Organizacional do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei no 62/2013 (Portugal, 2013PORTUGAL. Lei n. 62/2013, de 26 de agosto, que aprova a Lei da Organização do Sistema Judiciário. Diário da República, n. 163, p. 5114-5145 de 26 de agosto de 2013.), que tem três objetivos principais: adotar um novo modelo de gestão de distritos, adaptar a base territorial dos distritos judiciais às necessidades da sociedade e promover a jurisdição especializada. Essas mudanças incluem “fechar tribunais pequenos (isto é, tribunais com menos de 250 novos casos por ano) e transferir seus processos para tribunais maiores e mais perto geograficamente” (Santos e Amado, 2014SANTOS, Sérgio; AMADO, Carla. On the need for reform of the Portuguese judicial system - Does Data Envelopment Analysis assessment support it? Omega, n. 47, p. 1-16, 2014.:1). Em uma fase subsequente, o Decreto-Lei no 49/2014PORTUGAL. Lei n. 49/2014, de 27 de março. Diário da República, n. 61, p. 2185-2236 de 7 de março de2014b. (Portugal, 2014PORTUGAL. Estimativas de população residente em Portugal — 2013. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística, 2014a.) estabeleceu o regime para a organização e o funcionamento dos tribunais. O foco desse novo regime são a simplificação dos procedimentos judiciais, a redução do tempo de espera de julgamentos dos processos e a melhoria qualitativa dos objetivos do sistema judicial.

3. Conflito e ambiguidade de papéis: Implicações para o trabalho dos juízes

A teoria dos papéis e sua aplicação no trabalho de juízes é o foco central desta seção. A teoria dos papéis assume que indivíduos ocupam posições que são reconhecidas socialmente, chamadas de papéis sociais, e a representação desses papéis reflete expectativas sociais a respeito de como um trabalho ou profissão específica deve ser desempenhada (Deutsch e Krauss, 1965DEUTSCH, Morton; KRAUSS, Robert. Theories in social psychology. Nova York: Basic Books, 1965.; Biddle e Thomas, 1966BIDDLE, Bruce; EDWIN Thomas. Role theory: concepts and research. Nova York: John Wiley & Sons, 1966.; Howard, 1977HOWARD, Woodford. Role perceptions and behavior in three U.S. Courts of Appeals. The Journal of Politics, n. 39, p. 916-938, 1977.). Grande parte das atividades diárias, incluindo atividades profissionais, é motivada por categorias socialmente definidas (por exemplo, professor, gestor, policial, juiz). A teoria dos papéis ajuda a explicar mudanças que têm ocorrido no perfil de juízes nas décadas recentes. A explicação dessas mudanças pode ajudar o desenvolvimento de uma teoria para o comportamento complexo dos juízes portugueses.

O papel é um “modelo de comportamento estruturado relacionado a certas posições de um indivíduo em um cenário de interações” (Yinger, 1965YINGER, John. Toward a field theory of behavior: personality and social structure. Nova York: McGraw Hill, 1965.:49), e o papel social é definido como um “sistema de expectativas no mundo social a respeito do comportamento de ocupantes de uma posição específica em relação aos ocupantes de outras posições” (Deutsch e Krauss, 1965DEUTSCH, Morton; KRAUSS, Robert. Theories in social psychology. Nova York: Basic Books, 1965.:175). Cada papel é construído por um conjunto de direitos, deveres, expectativas, normas e comportamentos que uma pessoa representa. Essa representação dos papéis sociais pode envolver ambiguidades e gerar diversos tipos de conflitos (Jackson e Schuler, 1985JACKSON, Susan; SCHULER, Randall. A Meta-analysis and conceptual critique of research on role ambiguity and role conflict in work settings. Organizational Behavior and Human Decision Processes, n. 36, p. 16-78, 1985.).

Conflitos e ambiguidades de papéis são importantes conceitos da teoria dos papéis e representam dois dos principais componentes do stress no trabalho (Jackson e Schuler, 1985JACKSON, Susan; SCHULER, Randall. A Meta-analysis and conceptual critique of research on role ambiguity and role conflict in work settings. Organizational Behavior and Human Decision Processes, n. 36, p. 16-78, 1985.). Conflito de papéis pode ser definido como a ocorrência simultânea de dois ou mais requerimentos organizacionais, e o desempenho de um requerimento torna mais difícil o desempenho de outro (Katz e Kahn, 1970KATZ, Daniel; KAHN, Robert. Psicologia social das organizações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1970.). Conflito de papéis tem sido definido como as pressões que uma pessoa experimenta em um papel e que são incompatíveis com as pressões advindas de outro papel (Kopelman, Greenhaus e Connolly, 1983KOPELMAN, Richard; GREENHAUS, Jeffrey; CONNOLY, Thomas. A model of work, family, and interrole conflict: a construct validation study. Organizational Behavior and Human Performance, n. 32, p. 198-215, 1983.). No contexto da administração pública, isso pode envolver as pressões de o indivíduo ser um servidor público (isto é, pressões advindas da comunidade) conflitando com pressões advindas do governo (isto é, pressões políticas).

Conflitos podem surgir em diversas situações; por exemplo, quando novas habilidades são exigidas de uma pessoa pelo fato de essa pessoa ter assumido novos papéis, uma vez que existem pressões para lidar com novas tecnologias, ou regulações governamentais, ou quando os treinamentos profissionais se mostram inadequados, impedindo que o profissional se adapte efetivamente às mudanças (Tarrant e Sabo, 2010TARRANT, Theresa; SABO, Carolyn. Role conflict, role ambiguity, and job satisfaction in nurse executives. Nursing Administration Quarterly, v. 1, n. 34, p. 72-82, 2010.). Operacionalmente, conflitos de papéis podem ser entendidos em termos de congruências-incongruências e compatibilidades-incompatibilidades, com base nos seguintes critérios: (a) padrões profissionais, valores e comportamentos definidos para um papel específico; (b) tempo, recursos, habilidades e comportamentos definidos para o desempenho de um papel; (c) múltiplos papéis que um único profissional deveria desempenhar; e (d) os vários recursos organizacionais inseridos nas políticas e regras organizacionais (Rizzo, House e Lirtzman, 1970RIZZO, John; HOUSE, Robert; LIRTZMAN, Sidney. Role conflict and ambiguity in complex organizations. Administrative Science Quarterly, v. 2, n. 15, p. 150-163, 1970.).

A ambiguidade de papel consiste na falta de informação por parte da organização a respeito de oportunidades de progressão, leque de responsabilidades e expectativas de superiores (Katz e Kahn, 1970KATZ, Daniel; KAHN, Robert. Psicologia social das organizações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1970.). A ambiguidade de papel existe quando pessoas focais, denominadas de titulares do papel, estão incertas a respeito das contingências do processo de produção. Geralmente, essas pessoas estão incertas a respeito de suas próprias incertezas (Naylor, Pritchard e Ilgen, 1980NAYLOR, James; PRITCHARD, Robert; ILGEN, Daniel. A theory of behavior in organizations. Nova York: Academic Press, 1980.). A ambiguidade de papéis ocorre quando um ou mais papéis não estão claramente articulados e nem comunicados pela organização em termos de comportamentos e desempenhos esperados (Kahn et al., 1964KAHN, Robert et al. Occupational stress: studies in role conflict and ambiguity. Nova York: Wiley, 1964.). Para Singh e Rhoads (1991SINGH, Jagdip; RHOADS, Gary. Boundary role ambiguity in marketing oriented positions: A multidimensional, multifaceted operationalization. Journal of Marketing Research, n. 28, p. 328 -338, 1991.), ambiguidade de papéis é um problema mais fácil de ser resolvido por meio de intervenções gerenciais. Nesse sentido, a implementação de programas para diminuir as ambiguidades de papéis tende a ser menos complicada do que intervenções para reduzir o conflito de papéis.

Existe uma grande literatura a respeito de conflito e ambiguidade de papéis em áreas específicas, como educação (Rizzo, House e Lirtzman, 1970RIZZO, John; HOUSE, Robert; LIRTZMAN, Sidney. Role conflict and ambiguity in complex organizations. Administrative Science Quarterly, v. 2, n. 15, p. 150-163, 1970.; Schwab e Iwanicki, 1981SCHWAB, Richard; IWANICKI, Edward. The effect of role conflict and role ambiguity on perceived levels of teacher burnout. In: ANNUAL MEETING OF THE AMERICAN EDUCATIONAL RESEARCH ASSOCIATION, 1981, Los Angeles, CA.; Beck e Gargiulo, 1983BECK, Cynthia; GARGIULO, Richard. Burnout in teachers of retarded and non-retarded children. Journal of Educational Research, v. 3, n. 76, p. 169-173, 1983.; Ehly, 1992EHLY, Stewart. Review of crisis in education: stress and burnout in the American teacher. Psyccritiques, v. 4, n. 37, p. 381-391, 1992.; Kaufhold, Alverez e Arnold, 2006KAUFHOLD, John; ALVEREZ, Velma; ARNOLD, Mitylene. Lack of school supplies, materials, and resources as an elementary cause of frustration and burnout in south Texas special education teachers. Journal of Instructional Psychology, v. 3, n. 33, p. 159-161, 2006.; McCarthy et al., 2009MCCARTHY, Cristopher et al. The relation of elementary teachers’ experience, stress, and coping resources to burnout symptoms. Elementary School Journal, v. 3, n. 109, p. 282-300, 2009.; Gavish e Friedman, 2010GAVISH, Bella; FRIEDMAN, Isaac. Novice teachers’ experience of teaching: a dynamic aspect of burnout. Social Psychology of Education, v. 2, n. 13, p. 141-167, 2010.; Çelik, 2013ÇELIK, Kazrm. The effect of role ambiguity and role conflict on performance of vice-principals. The mediating role of burnout. Eurasian Journal of Edicational Research, n. 51, p. 195-214, 2013.) e saúde (Rizzo, House e Lirtzman, 1970; Kaufert e Koolage, 1984KAUFERT, Joseph; KOOLAGE, William. Role conflict among ‘culture brokers’: the experience of native Canadian medical interpreters. Social Science and Medicine, v. 3, n. 18, p. 283-286, 1984.; Comerford e Abernethy, 1999COMERFORD, Sue; ABERNETHY, Margaret. Budgeting and the management of role conflicts in hospitals. Behavioral Research in Accounting, n. 11, p. 93-110, 1999.; Piko, 2006PIKO, Bettina. Burnout, role conflict, job satisfaction and psychosocial health among Hungarian health care staff: a questionnaire Survey. International Journal of Nursing Studies, v. 3, n. 43, p. 311-318, 2006.; Tarrant e Sabo, 2010TARRANT, Theresa; SABO, Carolyn. Role conflict, role ambiguity, and job satisfaction in nurse executives. Nursing Administration Quarterly, v. 1, n. 34, p. 72-82, 2010.; Khamisa, Peltzer e Oldenburg, 2013KHAMISA, Natasha; PELTZER, Karl; OLDENBURG, Brian. Burnout in relation to specific contributing factors and health outcomes among nurses: a systematic review. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 6, n. 10, p. 2214-2240, 2013.). Entretanto, conflito e ambiguidade de papéis no trabalho de juízes raramente têm recebido atenção na área de administração pública.

Juízes ocupam importantes posições sociais, e seus comportamentos, de acordo com a teoria dos papéis, são definidos pelas expectativas e demandas da sociedade. O leque de expectativas sociais a respeito do trabalho judicial representa um spectrum que vai desde a estrita aplicação da lei até o ativismo social (Roach Anleu e Mack, 2007ROACH ANLEU, Sharyn; MACK, Kathy. Magistrates, courts, and social change. Law & Policy, v. 2, n. 29, p. 183-209, 2007.). Em décadas recentes, no Judiciário brasileiro, bem como em Judiciários de diversos outros países, a percepção social e a expectativa a respeito do comportamento geral dos juízes têm mudado da tradicional imagem do juiz restrito às atividades legais para uma imagem de um profissional mais ativo, responsável por outras tarefas, como a resolução de problemas administrativos e o engajamento em problemas sociais (CNJ, 2015CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA(CNJ). Trabalhar na magistratura, construção da subjetividade, saúde e desenvolvimento profissional. Série Justiça e Pesquisa. Brasília: CNJ, 2015.; Gomes et al., 2016GOMES, Adalmir; GUIMARAES, Tomas; SOUZA, Eda. Judicial work and judges’ motivation: the perceptions of Brazilian state judges. Law & Policy, v. 38, n. 2, p. 162-176, 2016.). Diante dessas novas expectativas, juízes têm sido forçados a assumir novos papéis, e talvez o mais notável desses novos papéis seja o papel gerencial.

Com o novo papel gerencial assumido pelos juízes, em adição às atividades legais, como audiências, julgamentos e resolução de litígios, espera-se também que esses profissionais administrem os tribunais. A atividade judicial é de responsabilidade exclusiva dos juízes, o que confere à sociedade o benefício dos serviços judiciais. As atividades administrativas são de responsabilidade de todos os empregados da unidade judicial, mas são os juízes que coordenam o processo. Essas atividades são necessárias para manter a operação dos tribunais e incluem a gestão dos recursos disponíveis, como recursos financeiros, pessoal e instalações. Como apontado por Mendes (2010MENDES, Luís. Uma linha de vida: organização judiciária e gestão processual nos tribunais judiciais. Julgar, n. 10, p. 105-122, 2010.), as atividades judiciais e administrativas possuem uma relação interdependente e são influenciadas por decisões tomadas em um ambiente institucional mais amplo.

Uma vez que tribunais são organizações complexas, responsáveis por providenciar uma variedade de serviços essenciais à sociedade, a gestão dessas organizações exige que juízes tenham múltiplas capacidades e conhecimentos, por exemplo, em psicologia, economia, sociologia e administração (CNJ, 2015CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA(CNJ). Trabalhar na magistratura, construção da subjetividade, saúde e desenvolvimento profissional. Série Justiça e Pesquisa. Brasília: CNJ, 2015.). Dessa forma, diferentes tipos de conhecimentos são necessários para que os juízes possam representar adequadamente os papéis associados aos desafios do trabalho. No entanto, existe uma necessidade de conciliar esses diferentes papéis, especialmente os papéis judicial e gerencial. A busca por essa conciliação pode resultar em diversos conflitos, como tem sido apontado em estudos realizados no Brasil a respeito do trabalho dos juízes (Teixeira, 2012TEIXEIRA, Anderson. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Revista Direito GV, v. 1, n. 8, p. 37-58, 2012.; Vieira e Costa, 2013VIEIRA, Luciano; COSTA, Silvia. Liderança no Judiciário: o reconhecimento de magistrados como líderes. Rev. Adm. Pública, v. 4, n. 47, p. 927-948, 2013.; CNJ, 2015CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA(CNJ). Trabalhar na magistratura, construção da subjetividade, saúde e desenvolvimento profissional. Série Justiça e Pesquisa. Brasília: CNJ, 2015.; Gomes et al., 2016GOMES, Adalmir; GUIMARAES, Tomas; SOUZA, Eda. Judicial work and judges’ motivation: the perceptions of Brazilian state judges. Law & Policy, v. 38, n. 2, p. 162-176, 2016.).

Alguns dos conflitos vivenciados pelos juízes têm origem no que ficou conhecido como “quantificação do trabalho”, que consiste na tendência de transformar tudo que é feito no Judiciário em objetivos mensuráveis, incluindo o trabalho realizado pelos juízes (CNJ, 2015CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA(CNJ). Trabalhar na magistratura, construção da subjetividade, saúde e desenvolvimento profissional. Série Justiça e Pesquisa. Brasília: CNJ, 2015.). Gomes e Guimaraes (2013GOMES, Adalmir; GUIMARAES, Tomas. Desempenho no Judiciário. Conceituação, estado da arte e agenda de pesquisa. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 47, n. 2, p. 379-402, mar./abr. 2013.) mostraram que os indicadores de desempenho judicial mais utilizados na literatura são relacionados com produtividade e eficiência. A busca por um Judiciário mais eficiente é uma meta assumida em vários países. Uma das consequências desse movimento tem sido a adoção de indicadores quantitativos para avaliar o desempenho de juízes, o que pode ser apontado como uma das razões para o surgimento de conflitos no trabalho dos juízes. Outro problema na utilização de indicadores objetivos é que a cúpula organizacional pode ignorar o fato de que alguns procedimentos são mais complexos do que outros.

A complexidade de um processo judicial é um dos fatores determinantes da produção judicial, uma vez que essa complexidade define o tempo e a atenção requerida pelos juízes (Voigt, 2016VOIGT, Stefan. Determinants of judicial efficiency: a survey. European Journal of Law and Economics, n. 42, p. 183-208, 2016.).

Em termos gerais, juízes são profissionais qualificados que adquiriram o conhecimento da lei, mas que frequentemente são despreparados para enfrentar as atividades administrativas. Essa lacuna de preparação resulta de diversos fatores, incluindo a falta de iniciativa dos próprios juízes em buscar aperfeiçoamento das capacidades administrativas, treinamento inadequado ou políticas de treinamento de juízes inexistentes (Vieira e Costa, 2013VIEIRA, Luciano; COSTA, Silvia. Liderança no Judiciário: o reconhecimento de magistrados como líderes. Rev. Adm. Pública, v. 4, n. 47, p. 927-948, 2013.). Apesar da falta de treinamento para lidar com tarefas administrativas, os juízes precisam desempenhar as atividades associadas ao papel gerencial. Alguns estudos mostram que alguns juízes ainda resistem em assumir as atividades administrativas (CNJ, 2015CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA(CNJ). Trabalhar na magistratura, construção da subjetividade, saúde e desenvolvimento profissional. Série Justiça e Pesquisa. Brasília: CNJ, 2015.; Gomes et al., 2016GOMES, Adalmir; GUIMARAES, Tomas; SOUZA, Eda. Judicial work and judges’ motivation: the perceptions of Brazilian state judges. Law & Policy, v. 38, n. 2, p. 162-176, 2016.). Uma das principais razões para esse comportamento é que a realização dessas tarefas não está diretamente relacionada com as atividades judiciais.

Acreditamos que a maioria dos conflitos e ambiguidades de papéis existentes no trabalho dos juízes portugueses está associada à falta de clareza na definição dos papéis que devem ser desempenhados, bem como a regras e critérios usados na avaliação do trabalho realizado por esses profissionais. Algumas mudanças institucionais que ocorreram no Judiciário brasileiro, como as que resultaram da Emenda Constitucional no 45, também ocorreram no Judiciário de Portugal, como mostrado na seção 2. Por causa disso, acreditamos que as mudanças que ocorreram no papel dos juízes brasileiros, conforme apontado em estudos apresentados nessa seção, também foram sentidas no contexto do trabalho dos juízes portugueses.

4. Método

A pesquisa foi realizada em Portugal no período de 2013 a 2014. Os dados foram coletados por meio de entrevistas em profundidade com 12 juízes portugueses. Documentos oficiais do Judiciário de Portugal também foram consultados para contextualizar os relatos dos juízes. Dos 12 respondentes, seis eram homens e seis, mulheres; 10 trabalhavam em tribunais de primeira instância, um na segunda instância e um no Supremo Tribunal. Os juízes entrevistados trabalhavam em tribunais localizados nas regiões Norte, Centro e Sul de Portugal. O tempo médio de carreira dos entrevistados era de 16 anos, variando de quatro a 39 anos. Três dos 12 juízes trabalhavam em tribunais criminais, três em tribunais cíveis, dois em tribunais da família e outros quatro em tribunais mistos. A duração média das entrevistas foi de 58 minutos; a mais curta durou 37 minutos e a mais longa, 87 minutos.

As primeiras duas entrevistas foram conduzidas com juízes que tinham algum tipo de contato profissional com algum dos membros da equipe de pesquisa. Foi solicitado a cada respondente indicar um ou mais colegas juízes para as entrevistas sequentes, sempre tendo em vista manter a diversidade dos respondentes em termos de especialidade judicial e localização geográfica. Conforme as entrevistas foram sendo realizadas, foi observada saturação teórica nas respostas, de modo que as últimas entrevistas adicionaram poucas informações novas. Onze entrevistas foram gravadas, com a autorização prévia dos respondentes. Quatro dos cinco autores deste artigo participaram das entrevistas, simultaneamente ou em grupos de dois ou três.

As entrevistas foram conduzidas com base em um roteiro de perguntas abertas. Inicialmente, os respondentes foram solicitados a explicar as razões que os levaram a entrar na magistratura, suas carreiras profissionais e como eles percebiam o trabalho que realizam. Em seguida, eram solicitados a identificar diferentes papéis que eram desempenhados, especialmente os papéis judicial e gerencial. Algumas questões no roteiro de entrevistas enfatizavam conflitos e ambiguidades no trabalho dos entrevistados; no entanto, os entrevistadores foram orientados a não usarem esses termos explicitamente para não direcionar as respostas.

As entrevistas foram transcritas e analisadas por meio da técnica de análise de conteúdo, seguindo um processo de duas etapas: decifração estrutural focada em cada uma das entrevistas e análise de temas transversais (Bardin, 2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 4. ed. Lisboa: Edições 70, 2011.). Os temas mais frequentes e relevantes em cada uma das categorias investigadas foram apresentados e discutidos, incluindo os principais conflitos e ambiguidades associados às atividades judiciais e administrativas, na opinião dos juízes entrevistados. Passagens relacionadas com os conflitos e ambiguidades foram selecionadas e divididas em categorias para cada tópico. Seguindo esse procedimento, foi possível construir uma estrutura analítica de opiniões capaz de identificar a essência de cada entrevista, e obter uma representação geral de cada tópico, categoria e significado.

Uma segunda parte do tratamento dos dados coletados consistiu em analisar os relatos de cada um dos entrevistados. Diferente da etapa anterior, o objetivo aqui foi compreender como os conflitos surgem no trabalho dos juízes. O objetivo não foi identificar a existência de conflitos entre os juízes entrevistados, mas conflitos entre diferentes papéis que os juízes devem representar em seus trabalhos. Dessa forma, procuramos identificar os conflitos nas narrativas por meio da descrição de eventos, transições e mudanças de significados.

5. Resultados e discussão

Para contextualizar os resultados relativos aos conflitos presentes na narrativa dos juízes entrevistados, a primeira parte desta seção descreve como os entrevistados percebem sua profissão e o trabalho que realizam. Uma visão compartilhada pelos entrevistados foi a importância social do papel desempenhado pelos juízes. Os 12 respondentes declararam, direta ou indiretamente, que o juiz é um funcionário público especial, portador de uma das maiores responsabilidades entre todas as profissões da sociedade. Os entrevistados afirmaram que “o trabalho dos juízes tem um impacto dramático na vida das pessoas”, uma vez que cabe a esses profissionais “resolver problemas que vão desde disputas simples, como disputas sobre bens materiais, até disputas que envolvem bens mais complexos, como a liberdade dos indivíduos”. Um entrevistado resumiu esse ponto de vista: “O trabalho realizado pelos juízes envolve muita responsabilidade e muito valor social porque o juiz lida com a vida de outros. Isso quer dizer que a profissão pode ter um enorme impacto na vida de outras pessoas, e pode causar estresse a sofrimento nas decisões tomadas pelos juízes”.

Para a maioria (sete) dos entrevistados, um dos aspectos atrativos da carreira é exatamente esse alto grau de responsabilidade, e os juízes apreciam e valorizam o impacto de seu trabalho na vida dos outros. Muitos entrevistados admitiram que gostam do “senso de poder para mudar algo na vida dos outros”, bem como “tomar decisões com grande impacto sobre os indivíduos e a sociedade”. Como um juiz sublinhou: “Por mais simples que possa ser, eu gostaria de chegar ao fim do dia e concluir que minhas decisões mudaram algo na vida de alguém”. A vontade de decidir e fazer a diferença na vida das pessoas é apenas uma das motivações dos juízes. Outros fatores motivacionais estão relacionados com prestígio (Cooter, 1983COOTER, Robert. The objectives of private and public judges. Public Choice, v. 1, n. 41, p. 107-142, 1983.), poder no sistema judicial (Macey, 1989MACEY, Jonathan. The internal and external cost and benefits of stare decisis. Chicago-Kant Law Review, v. 63, n. 65, p. 110-121, 1989.), promoção aos tribunais superiores (Cohen, 1990COHEN, Mark. Explaining judicial behavior or what’s ‘unconstitutional’ about the Sentencing Commission? Journal of Law, Economics & Organization, v. 1, n. 7, p. 183-199, 1990.), exposição profissional (Schauer, 2000SCHAUER, Frederick. Incentives, reputation, and the inglorious determinants of judicial behavior. University of Cincinnati Law Review, v. 615, n. 68, p. 627-634, 2000.), popularidade e respeito (Baum, 2006BAUM, Lawrence. Judges and their audiences: a perspective on judicial behavior. Princeton: Princeton University Press, 2006.).

As pessoas comprometidas com o Judiciário, na opinião da maioria (oito) dos entrevistados, se privam de muitas coisas na vida com o objetivo de dar à sociedade um exemplo de boa conduta moral. Conforme relatado por um dos entrevistados, “existe uma postura moral que é necessária para julgar, e essa postura exige que os juízes tenham sempre em mente que precisam dar um exemplo em todas as atividades que realizam”. Essa atitude exemplar é explicada em termos da autoridade e poder que o juiz exerce na sociedade, tal como assinalado por um entrevistado: “As pessoas em geral veem o juiz como o último estágio para a resolução de conflitos e pacificação social. Se, por alguma razão, o juiz tiver sua imagem e reputação manchada na comunidade onde ele trabalha, suas decisões dificilmente serão legitimadas”.

Por outro lado, uma postura moral exemplar requer muitos sacrifícios pessoais por parte dos juízes. Os maiores sacrifícios envolvem a falta de tempo para ficar com a família e os amigos, lazer e ganhos financeiros (atuando como advogados, por exemplo, os juízes poderiam ganhar muito mais do que ganham). A maioria dos entrevistados deu a impressão de que o trabalho é a principal prioridade em suas vidas. A escolha pela carreira judicial é até expressa com algum humor, como um entrevistado explicou: “Eu me casei com minha carreira (risos); muitas vezes sacrificava a minha vida familiar, e muitas outras coisas que considero importantes, devido à carreira que escolhi”.

Alguns respondentes sublinharam a importância do trabalho dos juízes por meio de metáforas religiosas. Este recurso mostra o alto nível de consideração que os juízes têm pelo trabalho que realizam. Muitos dos entrevistados disseram que se juntaram ao Judiciário como um ato de “puro idealismo, vontade de seguir um chamado, uma vocação”, e veem o trabalho como um “sacerdócio”. Para um dos entrevistados, o papel do juiz na sociedade é quase “divino”. Em suas palavras: “Minha mãe, que era muito religiosa, disse algo que marcou minha vida: ‘A função de julgar é a que mais aproxima o homem de Deus’. E minha vida como juiz tem sido sempre guiada por esse pensamento”.

Na opinião da maioria (nove) dos entrevistados, a magistratura é uma profissão elitista, que seleciona aqueles que realmente querem ser juízes, impedindo assim a entrada de pessoas que querem uma profissão apenas devido ao salário ou outros incentivos econômicos. O seguinte testemunho, de um dos entrevistados, mostra como os juízes se percebem como uma “elite profissional”: “Juízes formam uma elite profissional; para entrar na carreira os candidatos são testados por uma seleção rigorosa, além de treinamento e avaliação adicional. Aqueles que conseguem se manter em meio a demandas tão rigorosas da carreira são aqueles que realmente cumprem suas tarefas”.

O fato de que os juízes formam uma elite profissional pode aumentar o isolamento do juiz do resto da sociedade. Ao mesmo tempo que exalta o papel do juiz e reforça sua importância na sociedade, o elitismo distancia o juiz do usuário dos serviços judiciais. Por outro lado, alguns (três) dos juízes entrevistados percebem a magistratura como uma profissão como qualquer outra, sem nenhuma característica notável. Esses pontos de vista dão um caráter mais humano aos juízes. Assim, ao invés de se considerarem “divinos”, ou parte de uma “elite”, os juízes devem se aproximar da sociedade e procurar, acima de tudo, responder às demandas por justiça. Conforme apontado por um dos entrevistados, apesar das dificuldades e peculiaridades do trabalho, o juiz não deve ficar isolado em seu escritório:

Aos juízes é exigido trabalharem em diferentes regiões, o que significa que precisam enfrentar deslocamentos constantes que os distanciam de suas famílias e amigos. Por outro lado, os deslocamentos contribuem para a formação individual como ser humano e como juiz. Essa é uma oportunidade para experimentar diferentes realidades; o juiz não pode ver a vida somente pelas janelas de seu escritório. Precisamos estar perto das pessoas, da sociedade.

Entre os 12 entrevistados, cinco afirmaram que a busca pela justiça social é o principal objetivo em suas carreiras. Conforme relatado por um dos entrevistados: “sempre me dediquei à minha carreira como missão e sempre com a preocupação de fazer justiça, especialmente às comunidades mais pobres e isoladas”. Muitas vezes os juízes preocupados com questões sociais estão envolvidos em problemas da comunidade local, abraçando algum tipo de trabalho voluntário ou integrando programas sociais que vão além de seus deveres formais (Gomes et al., 2016GOMES, Adalmir; GUIMARAES, Tomas; SOUZA, Eda. Judicial work and judges’ motivation: the perceptions of Brazilian state judges. Law & Policy, v. 38, n. 2, p. 162-176, 2016.).

5.1 Conflitos e ambiguidades

Todos os entrevistados relataram que o papel gerencial tem sido cada vez mais enfatizado em sua profissão. Isso significa que os juízes estão sendo pressionados a assumir esse novo papel, e a maioria dos entrevistados está conformada com essa situação. Isso pode indicar que as tarefas relacionadas com o novo papel já fazem parte da rotina de muitos juízes portugueses. Portanto, em vez de apontar conflitos entre papéis judiciais e gerenciais, a maioria dos entrevistados apontou para os conflitos inerentes ao papel gerencial. Ou seja, a preocupação de legitimar o papel gerencial, que antes era uma prioridade, foi agora transformada em preocupação em como desempenhar adequadamente o novo papel. Isso pode indicar que a maioria dos juízes entrevistados efetivamente internalizou o novo papel gerencial.

A internalização de um novo papel pelos juízes portugueses significa a incorporação de certos padrões, ideias, atitudes, práticas ou valores que esses profissionais passam a considerar como seus. Algumas evidências das entrevistas sustentam o argumento de que o novo papel gerencial foi internalizado por muitos juízes portugueses. Para muitos dos entrevistados, as principais preocupações profissionais giram em torno de problemas gerenciais e não de problemas judiciais. Isso significa que a maioria dos entrevistados não discute se o papel gerencial é legítimo e, portanto, deve ser assumido pelos juízes, mas como desempenhar esse novo papel de maneira adequada.

Se o papel gerencial foi mesmo internalizado por muitos juízes portugueses, pode-se argumentar que não há mais conflitos, apenas dificuldades e/ou problemas operacionais relacionados com o desempenho desse novo papel. No entanto, é importante considerar que, além do papel gerencial, o juiz também precisa desempenhar outras funções em seu trabalho. Como sugerido por Katz e Kahn (1970KATZ, Daniel; KAHN, Robert. Psicologia social das organizações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1970.), o conflito de papéis é a ocorrência simultânea de dois ou mais requisitos organizacionais, de tal forma que o desempenho de um torna o desempenho dos outros mais difícil. Os juízes portugueses precisam gerenciar pressões de diferentes fontes associadas a papéis distintos. O problema é que as pressões dentro de um papel podem ser incompatíveis com as pressões que surgem dentro de outro papel (Kopelman et al., 1983KOPELMAN, Richard; GREENHAUS, Jeffrey; CONNOLY, Thomas. A model of work, family, and interrole conflict: a construct validation study. Organizational Behavior and Human Performance, n. 32, p. 198-215, 1983.).

Além do principal conflito entre atividades judiciais e administrativas, os juízes entrevistados identificaram outros conflitos específicos ou incompatibilidades. O primeiro diz respeito ao aumento da carga de trabalho e à redução dos salários dos magistrados portugueses. A segunda refere-se à elevada carga de trabalho e à insuficiência de mão de obra para apoiar o trabalho dos juízes. E o terceiro abrange indicadores objetivos de desempenho e a qualidade judicial. Para a maioria dos entrevistados, o excesso de trabalho tem um “efeito negativo” e “pode interferir na vida pessoal e familiar dos juízes”. Alguns juízes dizem que a carga de trabalho é tão alta que o ritmo de trabalho precisa ser muito intenso, como mostrado na seguinte passagem: “Eu tenho um horário de trabalho das

9h às 21h”. E trabalhando nestas condições:

O juiz não tem tempo para se especializar em sua área prática, o que seria necessário para adquirir conhecimentos importantes em suas rotinas diárias. O juiz não tem tempo para participar de atividades locais. Pior ainda, o juiz não tem tempo para sua família e para atividades de lazer.

Além da pesada carga de trabalho judicial relatada pelos juízes, quase todos os entrevistados afirmaram que a carga administrativa também é pesada, incluindo um “conjunto de atividades burocráticas ao lado dos processos judiciais”, bem como a gestão das unidades judiciais e dos recursos disponíveis nessas unidades. O trabalho excessivo relatado pelos juízes consiste tanto num número excessivo de processos judiciais como na incorporação do papel gerencial.

Para agravar a situação, segundo os entrevistados, o pessoal administrativo disponível no sistema Judiciário português é insuficiente e desmotivado. Consequentemente, na opinião de um dos juízes, “um funcionário tem que fazer o trabalho de dois ou três e, portanto, as coisas são feitas com grande dificuldade”. Outro entrevistado aponta que a falta de pessoal “provoca uma sobrecarga no trabalho dos juízes”, uma vez que eles precisam realizar certas atividades que não fazem parte da descrição de seus trabalhos. Um entrevistado resume a falta de funcionários da seguinte forma:

Mesmo se o juiz despachar rapidamente seus processos, quando eles chegam à execução não existem funcionários suficientes para tornar as decisões eficazes, e, assim, as coisas não fluem. Nessa situação, o juiz torna-se sobrecarregado e o número de processos do tribunal continua aumentando constantemente.

Alguns entrevistados relataram que “devido às restrições orçamentárias do governo, houve uma redução de pessoal no sistema judiciário”, e que “os trabalhadores que se aposentam ou os que deixam o trabalho por algum outro motivo não são substituídos”. Por isso, o Judiciário português “atingiu níveis alarmantes de escassez de pessoal”. Em alguns tribunais, simplesmente não há pessoal de apoio, como relatado por um dos entrevistados: “eu não tenho escritório, não tenho ninguém para me ajudar a fazer relatórios, não tenho nada; assim, meu trabalho é feito à mão”.

Alguns juízes mencionaram que muitos dos funcionários existentes estão desmotivados. Os juízes estão preocupados com o fato de que, apesar de o número de novos funcionários judiciais ter sido muito baixo na última década, “a carreira permanece congelada” e “os funcionários não têm oportunidade de crescer”, “gerando sofrimento físico e emocional”. As palavras de um dos entrevistados resumem a percepção geral: “como regra, os funcionários já são muito velhos, insatisfeitos com seus empregos e sem motivação para estudar”.

Outro conflito destacado pelos entrevistados é a incompatibilidade entre produtividade e qualidade do trabalho judicial. Muitos entrevistados se posicionaram contra o predomínio de critérios quantitativos para avaliar o trabalho dos juízes, particularmente aqueles relacionados com eficiência e produtividade. Eles argumentam que o uso de critérios quantitativos para avaliar o trabalho dos juízes representa uma simplificação do trabalho da magistratura, descrito na literatura como um processo de quantificação do trabalho dos juízes. Como um entrevistado colocou: “A experiência produz um círculo vicioso no qual o conhecimento adquirido pelo juiz ao longo dos anos permite uma maior velocidade na execução de seu trabalho. No entanto, essa mesma rapidez implica mais trabalho. Por isso temos uma espécie de espiral sem fim”.

A crença de que o trabalho judicial pode ser medido e quantificado pode levar a distorções, uma vez que dados e números não dizem nada a respeito dos procedimentos judiciais. É importante enfatizar a crítica de Han (2015HAN, Byung-Chul. Psicopolítica. Lisboa: Relógio D’Água, 2015.) ao uso do conceito de desempenho nas sociedades modernas, de que os números não são uma narrativa. Nesse sentido, a avaliação de desempenho é um conflito identificado pela maioria dos entrevistados. A quantificação do trabalho dos juízes é reforçada pelas expectativas institucionais a respeito dos critérios de avaliação de desempenho. Para um dos juízes, “avaliação de desempenho exige que os juízes sacrifiquem suas atividades judiciais em nome de atividades gerenciais”. Isto indica que, independentemente da aceitação pelos juízes portugueses de seu novo papel gerencial, eles ainda estão relutantes em aceitar todas as responsabilidades e deveres inerentes a essa mudança.

O salário dos juízes portugueses foi reduzido durante a segunda década do século XXI, num contexto de redução geral dos salários dos funcionários públicos do país. No entanto, nesse mesmo período, a carga de trabalho dos juízes aumentou, principalmente em função do aumento das atividades gerenciais. Alguns dos entrevistados ressaltam a “inconsistência em exigir que os juízes assumam novas tarefas e responsabilidades” associadas ao novo papel gerencial e, ao mesmo tempo, “retornar para casa com um corte nos salários”. O conflito a respeito dos salários é reforçado quando juízes portugueses comparam seus ganhos com os ganhos de juízes de outros países. Dados oficiais mostram que os salários dos juízes portugueses estão entre os salários mais baixos entre os juízes europeus (Cepej, 2014PORTUGAL. Estimativas de população residente em Portugal — 2013. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística, 2014a.). O trecho a seguir ilustra esse sentimento: “Os juízes portugueses têm sido muito penalizados em sua remuneração nos últimos anos, ao contrário do que ocorreu em outros países com problemas econômicos, como é o caso, por exemplo, dos juízes italianos”.

Alguns juízes afirmaram que a situação salarial é crítica porque “drena, do juiz, a boa energia para o trabalho” e, portanto, “diminui o compromisso do juiz para o trabalho”, uma vez que “o trabalho já não oferece segurança e conforto esperado”. Um dos respondentes sugere que “a independência do Judiciário está ameaçada quando há juízes recebendo salários muito baixos, como está acontecendo nesse momento”.

Os conflitos descritos neste artigo referem-se às incompatibilidades entre exigências decorrentes dos diferentes papéis desempenhados pelos juízes. De acordo com os critérios sugeridos por Rizzo e colaboradores (1970RIZZO, John; HOUSE, Robert; LIRTZMAN, Sidney. Role conflict and ambiguity in complex organizations. Administrative Science Quarterly, v. 2, n. 15, p. 150-163, 1970.), esses conflitos são classificados como: (a) padrões e valores profissionais definidos no papel tradicional dos juízes (conflito atividades administrativas/judiciais); (b) recursos e habilidades necessárias para desempenhar um papel específico (conflito carga de trabalho/mão de obra); e (c) diferentes requisitos organizacionais embutidos em políticas e leis (conflitos produtividade/qualidade e responsabilidade/salário). O quadro 1 resume os principais conflitos apresentados e discutidos.

Quadro 1
Conflitos de papéis referentes ao trabalho dos juízes portugueses

Os resultados da pesquisa também indicaram quatro ambiguidades de papéis presentes no trabalho dos juízes portugueses. A ambiguidade de papel ocorre quando as organizações não definem claramente os papéis e as responsabilidades de seus empregados (Katz e Kahn, 1970KATZ, Daniel; KAHN, Robert. Psicologia social das organizações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1970.). As ambiguidades de papéis presentes nas narrativas dos juízes, conforme discutido, derivam de incertezas ou falta de clareza quanto: (a) à relação hierárquica entre juízes e funcionários administrativos; (b) à função dos juízes no processo de planejamento judicial; (c) aos critérios de repartição dos processos judiciais entre juízes; e (d) aos critérios de avaliação do desempenho dos juízes.

O pessoal administrativo do Judiciário português está hierarquicamente ligado e gerido pelo Ministério da Justiça, um departamento do Executivo. Essa situação reduz a autonomia e a autoridade dos juízes para administrar seus assistentes administrativos, mesmo que o juiz seja um presidente do tribunal, cargo ocupado por um dos entrevistados. Alguns entrevistados enfatizaram que devido a essa situação “os juízes não podem escolher, gerenciar ou avaliar seu próprio pessoal”, resultando em “problemas de compromisso, liderança e até mesmo autoridade [...] entre juízes e assistentes”. Conforme relatado por um dos entrevistados:

O juiz deve ter autonomia sobre o pessoal de apoio, porque ninguém sabe melhor do que o juiz o que pode ser feito com o pessoal disponível, por exemplo, se determinados atos podem ser realizados. No entanto, o fato dos funcionários não estarem subordinados ao juiz acaba gerando problemas de autoridade.

A diferença de autoridade entre os juízes e seus assistentes administrativos gera claramente insatisfação entre os juízes. Quase todos os entrevistados mencionaram desapontamento e frustração com a situação atual. Como o pessoal administrativo não está formalmente subordinado aos juízes, surgem dúvidas a respeito de como deve ser a relação entre eles. Essa falta de informação prejudica tanto os juízes como os funcionários administrativos, e é especialmente grave porque envolve aspectos centrais na vida de um trabalhador, como oportunidades de progresso, amplitude de responsabilidade e expectativas dos superiores (Katz e Kahn, 1970KATZ, Daniel; KAHN, Robert. Psicologia social das organizações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1970.).

Outra ambiguidade refere-se ao papel dos juízes no processo de planejamento judicial. Uma percepção predominante entre os entrevistados é que o planejamento realizado nos tribunais portugueses é falho e que não há controle sobre os resultados. Um entrevistado afirmou que “não há objetivos integrados definidos nos tribunais, [...] cada tribunal tem seus próprios objetivos”. Como cada juiz define seus próprios objetivos, os componentes necessários para a gestão judicial, como indicadores de produção, eficiência e qualidade, não são padronizados ou podem não existir. Isso torna a gestão do tribunal uma tarefa muito difícil. Um dos entrevistados afirmou: “Na verdade, não há evidência que sugira que estamos trabalhando bem ou mal. Não há informações para comparação, e, talvez por isso, não existam planos. Só tentamos não deixar o tribunal pior do que quando entramos”.

A definição de planos de trabalho ainda é uma prática incomum nos tribunais portugueses, como sugerem alguns entrevistados. Isso se deve, em primeiro lugar, à “dificuldade de estabelecer metas, dada a natureza do trabalho judicial” e, segundo, ao ambiente organizacional em que cada juiz atua, “com alto grau de independência e autonomia sobre o seu trabalho”. Os entrevistados descreveram os recentes esforços para modernizar vários aspectos da gestão dos tribunais. Uma das estratégias recentes para melhorar a qualidade dos serviços judiciais prestados à sociedade é coletar as opiniões dos usuários de serviços judiciais (Cepej, 2010CEPEJ. European Commission for the Efficiency of Justice. Handbook for conducting satisfaction surveys aimed at Court users in Council of Europe’s member states. Council of Europe: Cepej-GT-Qual, 2010.).

Outra ambiguidade frequentemente abordada nas entrevistas foi a distribuição de processos judiciais entre juízes. Para alguns entrevistados, a distribuição de processos é desigual e deveriam ser criadas regras adicionais para conseguir uma melhor distribuição. Essas regras devem ser claras, com “algum tipo de limite numérico no número de processos por juiz”. Uma resposta ilustra a ideia de que os processos judiciais estão mal distribuídos e que essa situação gera insatisfação entre alguns juízes: “É necessário encontrar uma divisão justa e equitativa da carga de trabalho dos juízes. Não faz sentido, por exemplo, um juiz ter 3.000 processos e ter que trabalhar dia e noite, ganhando como outros que têm apenas 200 ou 300 processos”.

Uma ideia compartilhada pela maioria dos entrevistados é que “todos os juízes trabalham duro, mas alguns juízes trabalham mais do que outros”. A suspeita de que a carga de trabalho não está sendo distribuída de forma justa cria conflitos entre os próprios juízes e entre juízes e gestores responsáveis pela distribuição de processos judiciais. Esse é outro exemplo da falta de clareza na comunicação entre as autoridades que definem as regras de distribuição do trabalho e os juízes que realizam esse trabalho.

Quanto à avaliação do trabalho, a maioria dos entrevistados reconhece que a avaliação de desempenho dos juízes é um procedimento necessário e importante por diversas razões, como: “ajudar a melhorar a qualidade dos serviços”, “aumentar a transparência nos tribunais por meio da divulgação de informações à sociedade”, “pressionar juízes com baixo desempenho”, “gerar parâmetros que possam ser utilizados na comparação de juízes e unidades judiciais”, e “gerar concorrência entre os tribunais”. No entanto, alguns entrevistados destacaram a dificuldade de avaliar o trabalho dos juízes. Um entrevistado afirmou que “a avaliação ideal do juiz não é viável [...], pois o avaliador deve verificar o que foi feito em cada um dos processos, algo que levaria muito tempo”. Um dos juízes tem a opinião radical de que “o trabalho feito pelo juiz não deve ser avaliado” ou, em última instância, “avaliado apenas em termos disciplinares”.

A avaliação do desempenho dos juízes é uma questão em aberto devido às questões de legitimidade a respeito de quem pode avaliar o desempenho desses profissionais. A independência dos juízes implica uma forma difusa de poder onde nenhum juiz ou tribunal individual tem autonomia hierárquica para instruir outros juízes a respeito de como fazer o seu trabalho ou o que fazer no seu trabalho. Em termos formais, apenas outro juiz de um tribunal superior pode avaliar o mérito da decisão de um juiz. Como regra geral, os juízes não gostam de ser avaliados (Choi e Gulati, 2005CHOI, Stephen; GULATI, Mitu. Which judges write their opinion (and should we care?). Florida State University Law Review, n. 32, p. 1077-1122, 2005.). Isso é devido à natureza do trabalho que esses profissionais realizam, com resultados subjetivos que muitas vezes não podem ser simplesmente considerados bons ou maus. Lienhard (2014LIENHARD, Andreas. Performance assessment in courts — the Swiss Case — constitutional appraisal and thoughts as to its organization. International Journal for Court Administration, v. 6, n. 2, p. 26-42, 2014.:31) sugere que a avaliação do desempenho dos juízes é uma questão que surge do conflito entre garantir a justiça e proteger o Judiciário.

A maioria dos entrevistados se mostrou muito desconfortável com os critérios de avaliação utilizados pelo Judiciário português para gerir a progressão da carreira. Existe um receio entre os juízes de que o governo português possa começar a adotar políticas que liguem o salário dos juízes à produtividade. Se isso acontecer, como um dos entrevistados disse, “o magistrado pode se transformar em uma fábrica de decisões”. Parte do problema ocorre porque nem mesmo os juízes estão certos a respeito de quais critérios e indicadores mais apropriados devem ser usados para avaliar seu trabalho. Os juízes estão incertos quanto às contingências dos processos de produção e, muitas vezes, estão conscientes de sua própria incerteza (Naylor, Pritchard e Ilgen, 1980NAYLOR, James; PRITCHARD, Robert; ILGEN, Daniel. A theory of behavior in organizations. Nova York: Academic Press, 1980.). Em outras palavras, mesmo que desafiem os critérios de avaliação atuais, a maioria dos juízes reconhece a dificuldade em definir critérios adequados para avaliar seu trabalho.

Todas as ambiguidades de papel descritas nas entrevistas abrangem lacunas na comunicação das organizações responsáveis pela gestão do Judiciário junto aos juízes. Esse fato reforça o entendimento de que tal comunicação deve ser claramente articulada pelas organizações em termos de comportamento e desempenho (Kahn et al., 1964KAHN, Robert et al. Occupational stress: studies in role conflict and ambiguity. Nova York: Wiley, 1964.). O quadro 2 apresenta um resumo das principais ambiguidades no trabalho, mencionadas pelos juízes entrevistados. Também são apresentadas as incertezas que caracterizam as ambiguidades, bem como uma descrição de cada ambiguidade.

Quadro 2
Ambiguidadesde papéis referentes ao trabalho dos juízes portugueses

6. Considerações finais

Este trabalho procurou identificar e discutir percepções de juízes portugueses a respeito de conflitos e ambiguidades resultantes do novo papel gerencial que lhes foi atribuído. Foram entrevistados 12 juízes, de tribunais distintos, que trabalhavam em todas as regiões portuguesas na época das entrevistas. A análise dos relatos dos juízes mostra que há vários conflitos e ambiguidades presentes no trabalho desses profissionais.

Os conflitos relatados envolvem incompatibilidades entre: (a) atividades judiciais e administrativas; (b) carga de trabalho elevada e mão de obra insuficiente; (c) produtividade e qualidade judicial; e (d) alta responsabilidade e salário baixo. As ambiguidades relatadas envolvem as seguintes incertezas: (a) na relação formal entre juízes e pessoal administrativo; (b) na função dos juízes nos processos de planejamento judicial; (c) nos critérios de repartição dos processos judiciais; e (d) nos critérios de avaliação dos juízes. Esses conflitos e ambiguidades de papéis foram descritos e discutidos de acordo com o quadro teórico apresentado.

Vários aspectos destacados na análise são contraditórios. Por exemplo, a maioria dos juízes entrevistados ressalta que seu papel na sociedade pode ser considerado como parte de uma “elite”. Ao mesmo tempo, os juízes queixam-se de seus salários como qualquer outro profissional, argumentando em favor de uma melhor remuneração, dado seu papel proeminente na comunidade. Outro exemplo de contradição está associado ao exercício da profissão como vocação ou “sacerdócio”, mencionado por alguns juízes, e seu foco em como os salários e os incentivos baseados na produtividade afetam sua motivação no trabalho. Por outro lado, como sugerido por Posner (2010POSNER, Richard. How judges think. Cambridge, EUA: Harvard University Press, 2010.), a abordagem homo economicus poderia ser usada para analisar os juízes como profissionais. Nesse caso, essas supostas contradições não são contradições. Essas dissonâncias cognitivas, trazidas à luz pelo presente estudo, devem fazer parte de pesquisas adicionais que busquem esclarecer as tensões relatadas e os aparentes paradoxos.

É necessário esclarecer um dos pontos mais mencionados nas entrevistas, os salários dos juízes. A Lei 55-A/2010 (Lei do Orçamento do Estado para 2011) resultou numa redução de 3,5% a 10% dos salários dos servidores públicos portugueses, incluindo juízes e membros do Ministério Público. No período de 2015 a 2016, após a coleta de dados, ocorreram importantes alterações na política econômica de Portugal. Os salários dos juízes foram reajustados, de modo que houve um nivelamento com os salários dos juízes de outros países europeus. Conforme relatado pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça, o salário bruto dos juízes no início da carreira em Portugal (€ 35.699) é ligeiramente inferior à média dos países europeus (€ 36.698). Quanto ao salário bruto dos juízes no Supremo Tribunal, a média em Portugal (€ 85.820) é bem superior à média dos países europeus (€ 65.760). A partir de 2016, os cortes feitos nos salários dos juízes começaram a ser corrigidos (Cepej, 2016CEPEJ. European Commission for the Efficiency of Justice. European judicial systems: efficiency and quality of justice. Council of Europe, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.coe.int/t/dghl/cooperation/cepej/evaluation/2016/publication/CEPEJ%20Study%2023%20report%20EN%20web.pdf >. Acesso em: 26 dez. 2016.
http://www.coe.int/t/dghl/cooperation/ce...
).

Os resultados da pesquisa fornecem informações importantes para a melhoria da gestão judicial. Em termos teóricos, o estudo sugere uma classificação dos conflitos no trabalho dos juízes portugueses. Além disso, os resultados confirmam os achados de estudos realizados no Brasil, indicando que juízes portugueses e brasileiros compartilham conflitos de trabalho semelhantes. Em termos práticos, o estudo mostra que os juízes portugueses têm percepções e atitudes diferentes em relação ao seu novo papel gerencial, que deve ser tratado de forma específica e diferenciada. Isso pode contribuir, por exemplo, para uma melhor distribuição dos juízes nos tribunais, de modo que os juízes com um “perfil de gestão” possam ser alocados em tribunais com uma carga administrativa mais elevada.

Para que os conflitos e as ambiguidades de papéis não prejudiquem a prestação de serviços judiciais é importante monitorar o fenômeno. Como alguns conflitos estão associados a ambiguidades no nível institucional, conforme indicado pelos resultados deste e de outros estudos, os gestores judiciais devem primeiro enfrentar o problema da ambiguidade. Geralmente, a ambiguidade de papéis é mais suscetível à intervenção gerencial, portanto implementar programas para reduzir a ambiguidade pode ser menos difícil do que intervenções para reduzir os conflitos de papéis (Singh e Rhoads, 1991SINGH, Jagdip; RHOADS, Gary. Boundary role ambiguity in marketing oriented positions: A multidimensional, multifaceted operationalization. Journal of Marketing Research, n. 28, p. 328 -338, 1991.).

As limitações deste estudo são as seguintes: em primeiro lugar, a impossibilidade de generalizar os resultados, devido à pequena dimensão da amostra e ao método de pesquisa e, segundo, dada a dificuldade de entrevistar os juízes, os critérios de seleção dos entrevistados podem ter produzido alguns vieses. Essas limitações foram parcialmente atenuadas pela realização de entrevistas em todas as regiões portuguesas, com juízes de diferentes especializações judiciais e associados a todos os três graus, ou instâncias, do Judiciário português.

A replicação do estudo em outros países é recomendada, especialmente naqueles países que compartilham laços culturais e geográficos com Portugal, como é o caso dos países da América Latina, especialmente o Brasil. Recomenda-se também a extensão do âmbito deste tipo de análise a outras profissões jurídicas, a fim de examinar, por exemplo, se procuradores públicos enfrentam problemas semelhantes. Os resultados também são úteis para fornecer uma lista de itens que poderiam ser incluídos em um questionário com foco em “trabalho judicial”, para ser usado em pesquisas com amostra ampliada, em Portugal e em outros países. Esse tipo de pesquisa poderia produzir conhecimentos generalizáveis a respeito do assunto. Sugere-se também a realização de estudos adicionais em Portugal para identificar e comparar as questões emergentes resultantes da nova organização do sistema judiciário português, a partir de setembro de 2014 (Portugal, 2013PORTUGAL. Lei n. 62/2013, de 26 de agosto, que aprova a Lei da Organização do Sistema Judiciário. Diário da República, n. 163, p. 5114-5145 de 26 de agosto de 2013.).

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  • Pesquisa realizada com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 7
    Os autores agradecem as valiosas críticas e sugestões dos avaliadores da RAP (blind review) que contribuíram para melhorias significativas no conteúdo do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2015
  • Aceito
    10 Abr 2017
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