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Considerações sobre o processo de revisão pelos pares nos arquivos

EDITORIAL

Considerações sobre o processo de revisão pelos pares nos arquivos

Cicero Piva de Albuquerque* * Editor executivo

São Paulo, SP

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Cicero Piva de Albuquerque InCor – Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 Cep 05403-000 – São Paulo, SP E-mail: dclcicero@incor.usp.br

A melhora da qualidade dos Arquivos deve ser uma meta importante para toda a cardiologia nacional e, de uma maneira muito especial, no âmbito da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A revista, publicada ininterruptamente desde sua criação em 1948, é o mais importante veículo de divulgação científica de cardiologia da América do Sul. Tem seu conteúdo indexado em importantes bases de dados de amplo acesso, como MEDLINE, LILACS e está disponível de forma integral on line na Biblioteca SciELO. Atualmente, decorrente de uma política editorial que privilegia a divulgação da investigação cardiovascular inovadora1 e com a publicação, também em inglês dos artigos originais e relatos de caso, há uma melhor possibilidade de exposição internacional do conteúdo da revista e por conseqüência da produção científica cardiológica nacional. Ressaltamos também os esforços em curso para incluí-la na base de dados do ISI / Current contents o que resultará com certeza em significativo aumento do fator de impacto da Revista.

As reflexões que se seguem são resultado da experiência como editor associado e executivo ao longo dos últimos 9 anos e do relacionamento frutífero com cinco diferentes equipes que nestes anos assumiram a editoração da revista, às vezes com visões diferentes, mas sempre com o mesmo intuito do aprimoramento constante dos Arquivos. Não poderia deixar de mencionar, também, a importância do convívio com nossa assessora executiva, Dona Glória Cardoso, que com elegância e competência tantas vezes nos emprestou sua experiência de 45 anos de envolvimento íntimo com os Arquivos. Estas considerações também procuram espelhar uma busca cada vez mais ativa por parte dos editores das melhores revistas científicas internacionais de um melhor conhecimento do processo de revisão editorial e de seu aprimoramento constante. A nossa revista é plural, aceitando diversos tipos de contribuições intelectuais. Todavia, são os artigos originais que lhe conferem o maior peso científico dentre as contribuições recebidas e as seguintes considerações se aplicam naturalmente mais a estes.

Um dos primeiros marcos na procura de uma melhor e mais uniforme comunicação científica na área médica surgiu a partir do encontro de alguns dos mais importantes editores de revistas médicas em 1978, em Vancouver no Canadá que, posteriormente, se transformaria no Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas e estabeleceria normas e diretrizes para a comunicação médico-científica, seguidas hoje pela maioria das revistas médicas e, também, pelos Arquivos. Outra tentativa que merece destaque, como evolução da homogeneização da comunicação médica, foi a declaração CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials) onde investigadores, estatísticos, epidemiologistas e editores formularam um fluxograma e uma lista de itens a serem seguidos nas comunicações científicas de ensaios clínicos randomizados, a fim de garantir uma maior transparência da informação relatada, descrevendo, especialmente critérios de inclusão e alocação de pacientes, intervenções, seguimento e análise de dados. Essa padronização também resultou em significativa melhora quando avaliada de forma objetiva da qualidade dos relatos de ensaios clínicos2.

A comunicação científica deve ter como características fundamentais a clareza de exposição, a verdade dos fatos e a ética do estudo. A revisão pelos pares é o método pelo qual historicamente, nos últimos 300 anos, tem sido garantido ao leitor que o conteúdo de uma revista científica é mais claro e confiável, e pode assim ser base para a tomada de decisões pelo leitor3. Durante o processo de revisão pelos pares, um manuscrito submetido à revista é encaminhado a revisores que, normalmente, são especialistas na área do artigo em questão e que emitem um parecer sobre sua qualidade, ajudando o editor na decisão da aceitação do trabalho e contribuindo com os autores, formulando sugestões e críticas para o aprimoramento do manuscrito. Na validação do conhecimento novo os revisores são fundamentais, exercendo o papel de avalistas da seriedade do estudo, da consistência dos dados e da clareza da comunicação. O sistema de revisão pelos pares foi analisado objetivamente em estudo do material encaminhado à publicação no Annals e efetivamente se mostrou capaz de melhorar a leitura de 100 artigos originais consecutivos daquela revista4.

Entretanto, a qualidade das revisões é longe de ser homogênea, tanto entre nós como no exterior, sendo muito dependente de fatores relacionados ao revisor, como tempo disponível para revisão, experiência prévia, estímulo para revisar etc. Um problema recorrente que encontramos nos Arquivos é o encaminhamento por parte dos autores de contribuições fruto da pós-graduação stritu sensu, sem a devida transformação do formato de tese para o formato habitual de artigo de revista científica, denotando talvez a necessidade de uma melhor orientação sobre este aspecto por orientadores e co-autores seniors do manuscrito, o que causa maior desgaste durante a revisão, por vezes, não sendo suficientemente abordado nos pareceres que recebemos e conseqüente retardo significativo na publicação do material recebido.

A qualidade de muitos pareceres que recebemos é excelente, com contribuições úteis, comentários construtivos, sugestões e críticas pertinentes, consubstanciadas por observações objetivas sobre a importância do estudo, originalidade, metodologia, apresentação dos resultados e conclusões. Outras, entretanto, têm sérias deficiências. Diversas propostas foram feitas para a melhora da qualidade dos pareceres, como a realização de treinamento formal em revisão como parte integral da pós graduação em área médica5 ou como a da American Medical Association que concede créditos em programa de educação médica continuada como incentivo aos pesquisadores que realizam revisões6.

Outra possibilidade que desenvolveremos nos Arquivos a partir deste semestre, no sentido de melhor homogeneizar a qualidade dos pareceres, é a adoção do roteiro padronizado anexo a ser enviado aos revisores como sugestão na feitura dos pareceres a serem remetidos à revista. A utilização de roteiros e sistematização dos pareceres foi adotada com sucesso em várias revistas. Ensaio controlado randomizado publicado este ano no BMJ demonstrou melhora em alguns parâmetros de qualidade dos pareceres com o uso de um treinamento sistemático dos revisores7. A divulgação do presente roteiro também serve para alertar os autores durante o planejamento do estudo e na redação do seu manuscrito dos aspectos mais importantes que, provavelmente, serão levados em conta na sua análise, adquirindo também um certo cunho educativo.

A presente sugestão visa aprimorar e homogeneizar o processo de revisão por pares dos Arquivos. A participação dos revisores no processo de aprimoramento dos manuscritos encaminhados aos Arquivos é de fundamental importância, e muito cara aos editores da revista. Sabemos que múltiplas atividades exigem do revisor dedicação e tempo em meio sua rotina diária, mas salientamos sua a importância no contínuo aprimoramento da nossa revista e na construção de uma cultura cardiológica nacional melhorada. Este roteiro é de uso opcional, ficando a critério do revisor a análise da conveniência do seu uso no parecer específico que lhe é solicitado. O roteiro atual será aprimorado ao longo de seu uso. Sugestões para modificações e aprimoramento deste roteiro são bem-vindas e devem ser enviadas para arquivos@cardiol.br. É sempre oportuno enfatizar a enorme importância desta revisão servir ao autor de comentários construtivos sobre seu manuscrito.

A qualidade de uma revista é, em última instância, determinada pela qualidade da produção cultural do meio em que ela se origina. Conceitualmente, como a tradição oral se perde, o saber científico só pode ser considerado efetivamente existente na medida em que esteja publicado. O intercâmbio efetivo entre autor-revisor-editor durante a revisão por pares propicia o fortalecimento e o amadurecimento da comunicação científica e, por conseqüência, do próprio saber. Neste sentido os Arquivos devem perseguir uma escalada de qualidade compatível com a melhora dos índices de qualidade da produção científica nacional e estar apto para superar os novos desafios que se impõem na construção e difusão do conhecimento cardiológico no Brasil.

Referências

1. Mesquita ET & Silva CES. Passado, presente e futuro. Arq Bras Cardiol. 2004; 82: 109-10.

2. Moher D, Schultz KF, Altman DG et al. The CONSORT statement: revised recommendations for improving the quality of reports of parallel-group randomised trials. Lancet. 2001; 357:1191-94.

3. Kronick DA. Peer review in 18th-century scientific journalism. JAMA. 1990; 263:1321-2.

4. Roberts JC, Fletcher RH, Fletcher SW. Effects of peer review and editing on the readability of articles published in Annals of Internal Medicine. JAMA. 1994; 272:119-121.

5. Davidoff F. Improving peer review: who's responsible? BMJ. 2004; 328: 657-8.

6. Laine C, Mulrow C. Peer review: Integral to science and indispensable to Annals. Ann Intern Med. 2003; 1038-40.

7. Schoroter S, Black N, Evans S, Carpenter J, Godlee F, Smith R. Effects of training on quality of peer review: randomised controlled trial. BMJ. 2004; 328: 673-5. Moher D, Schultz KF, Altman DG et al. The CONSORT statement: revised recommendations for improving the quality of reports of parallel-group randomised trials. Lancet. 2001; 357:1191-94.

3. Kronick DA. Peer review in 18th-century scientific journalism. JAMA. 1990; 263:1321-2.

4. Roberts JC, Fletcher RH, Fletcher SW. Effects of peer review and editing on the readability of articles published in Annals of Internal Medicine. JAMA. 1994; 272:119-121.

5. Davidoff F. Improving peer review: who's responsible? BMJ. 2004; 328: 657-8.

6. Laine C, Mulrow C. Peer review: Integral to science and indispensable to Annals. Ann Intern Med. 2003; 1038-40.

7. Schoroter S, Black N, Evans S, Carpenter J, Godlee F, Smith R. Effects of training on quality of peer review: randomised controlled trial. BMJ. 2004; 328: 673-5.

  • Endereço para correspondência
    Cicero Piva de Albuquerque
    InCor – Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
    Cep 05403-000 – São Paulo, SP
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    Editor executivo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004
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