Acessibilidade / Reportar erro

Fatores de risco para hipertensão arterial e diabete melito em trabalhadores de empresa metalúrgica e siderúrgica

Resumos

OBJETIVO: Estudar os fatores associados à hipertensão arterial (HA) e ao diabete melito (DM) em trabalhadores de empresa metalúrgica e siderúrgica com unidades em São Paulo e Rio de Janeiro, mediante um modelo hierárquico de risco. MÉTODOS: Este é um estudo transversal. Foram obtidas informações sobre variáveis demográficas, ocupacionais, do estilo de vida, perfil lipídico, glicemia de jejum e pressão arterial de 3.777 empregados, e realizadas análise estatística descritiva e análise de regressão logística múltipla hierarquizada. RESULTADOS: A prevalência de HA foi de 24,7%, e a análise de regressão hierarquizada indicou que sexo masculino e idade acima de quarenta anos apresentaram risco estatisticamente significativo. Independentemente das características demográficas, trabalhar em metalurgia, estresse intenso no trabalho, sedentarismo, consumo de álcool, índice de massa corporal superior a 25, colesterol alterado e triglicérides alterados estiveram associados com a HA. A prevalência de DM foi de 11,5%, e a análise de regressão hierarquizada indicou que sexo masculino e idade acima de quarenta anos apresentaram risco estatisticamente significativo. Independentemente das características demográficas, as mesmas condições estiveram associadas com a DM. CONCLUSÃO: Os dados evidenciaram que o trabalhador acima de quarenta anos é uma prioridade para ações de intervenção que possam favorecer a prevenção dos dois agravos. Nessas ações, deve-se dar atenção especial à alimentação e à prática de exercícios físicos, que favoreceriam o controle da obesidade e da alteração do perfil lipídico.

Hipertensão; diabete melito; saúde do trabalhador; saúde ocupacional; fatores de risco


OBJECTIVE: To study the factors associated with arterial hypertension (AH) and diabetes mellitus (DM) in a metal and steel industry's workers with units in São Paulo and Rio de Janeiro, using a hierarchical risk model. METHODS: This is a cross-sectional study. We obtained information on demographic, occupational and lifestyle variables, in addition to the lipid profile, fasting glycemia and blood pressure of 3,777 employees, and we carried out descriptive statistical analysis and hierarchical multiple logistic regression analysis. RESULTS: The prevalence of AH was 24.7% and the hierarchical regression analysis indicated that male gender and age above 40 years presented statistically significant risk. Regardless of demographic characteristics, working in the metal industry, intense stress at work, sedentary lifestyle, alcohol consumption, body mass index above 25, altered cholesterol and altered triglycerides were associated with AH. The prevalence of DM was 11.5% and the hierarchical regression analysis indicated that male gender and age above 40 years presented statistically significant risk. Regardless of demographic characteristics, the same conditions were associated with DM. CONCLUSION: The data evidenced that workers above 40 years are a priority for intervention actions aimed at improving the prevention of these two conditions. These actions should focus especially on eating habits and the practice of physical exercise, which could improve the control of obesity and of alterations in the lipid profile.

Hypertension; diabetes mellitus; worker's health; occupational health; risk factors


ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco para hipertensão arterial e diabete melito em trabalhadores de empresa metalúrgica e siderúrgica

Maria Carmen Martinez; Maria do Rosário Dias de Oliveira Latorre

Faculdade de Saúde Pública - USP - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Maria Carmen Martinez Depto de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP Av. Dr. Arnaldo, 715 01246-904 – São Paulo, SP E-mail: mcmarti@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar os fatores associados à hipertensão arterial (HA) e ao diabete melito (DM) em trabalhadores de empresa metalúrgica e siderúrgica com unidades em São Paulo e Rio de Janeiro, mediante um modelo hierárquico de risco.

MÉTODOS: Este é um estudo transversal. Foram obtidas informações sobre variáveis demográficas, ocupacionais, do estilo de vida, perfil lipídico, glicemia de jejum e pressão arterial de 3.777 empregados, e realizadas análise estatística descritiva e análise de regressão logística múltipla hierarquizada.

RESULTADOS: A prevalência de HA foi de 24,7%, e a análise de regressão hierarquizada indicou que sexo masculino e idade acima de quarenta anos apresentaram risco estatisticamente significativo. Independentemente das características demográficas, trabalhar em metalurgia, estresse intenso no trabalho, sedentarismo, consumo de álcool, índice de massa corporal superior a 25, colesterol alterado e triglicérides alterados estiveram associados com a HA. A prevalência de DM foi de 11,5%, e a análise de regressão hierarquizada indicou que sexo masculino e idade acima de quarenta anos apresentaram risco estatisticamente significativo. Independentemente das características demográficas, as mesmas condições estiveram associadas com a DM.

CONCLUSÃO: Os dados evidenciaram que o trabalhador acima de quarenta anos é uma prioridade para ações de intervenção que possam favorecer a prevenção dos dois agravos. Nessas ações, deve-se dar atenção especial à alimentação e à prática de exercícios físicos, que favoreceriam o controle da obesidade e da alteração do perfil lipídico.

Palavras-chave: Hipertensão, diabete melito, saúde do trabalhador, saúde ocupacional, fatores de risco.

A hipertensão arterial (HA) e o diabete melito (DM) configuram importantes problemas de saúde coletiva no Brasil, pelas suas elevadas prevalências, pelas complicações agudas e crônicas a que dão origem e por representarem fatores de risco associados às doenças cardiovasculares, condicionando elevadas taxas de morbidade e mortalidade e custos sociais e econômicos decorrentes do uso de serviços de saúde, absenteísmo, aposentadoria precoce e incapacidade para o trabalho1-3.

Além de sua importância isolada, a hipertensão arterial e a alteração da glicemia também têm papel relevante como componentes da síndrome metabólica, apontada como responsável pelo aumento da mortalidade geral e mortalidade cardiovascular4.

As ações preventivas têm demonstrado impactos positivos na redução da morbidade e mortalidade associada a hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares1,5. Para planejar, desenvolver e avaliar ações de prevenção e desses agravos, é necessário o conhecimento da distribuição e do papel conjunto dos fatores de risco. Vários estudos têm sido voltados à população em geral, com ênfase nos idosos. No entanto, há pouca discussão sobre os fatores associados a esses agravos em trabalhadores brasileiros. Considerando esse fato, este estudo tem por objetivo estudar os fatores associados à HA e ao DM em trabalhadores de empresa metalúrgica e siderúrgica com unidades em São Paulo e Rio de Janeiro, por meio de um modelo hierárquico de risco.

Métodos

Este é um estudo transversal e foi realizado, em 1997, junto aos trabalhadores de uma empresa dos ramos metalúrgico e siderúrgico com unidades fabris e postos de atendimento em diferentes cidades no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro, Brasil. O estudo foi divulgado aos empregados por meio de boletim informativo e a participação foi voluntária. Houve adesão de 3.996 voluntários. Desse número, foram excluídos aqueles com dados incompletos ou errados, passando a amostra a ser constituída por 3.777 pessoas, correspondendo a 50,0% da população total de empregados. Os trabalhadores responderam questionário com questões sobre características demográficas, ocupacionais e do estilo de vida e, a seguir, foram verificados peso e altura e coletada amostra de sangue. A coleta do material para exame foi realizada por profissionais de saúde treinados para tal, e todo o processo de análise dos exames laboratoriais foi realizado por um único laboratório, com exceção dos postos de atendimento onde foram utilizados laboratórios diversos.

As variáveis dependentes analisadas foram a HA e a DM, definidas a partir dos parâmetros da diretriz da Sociedade Brasileira de Hipertensão para diagnóstico e tratamento da síndrome metabólica4. Foi considerada hipertensão (Y=1) a pressão arterial diastólica > 85 mmHg ou a pressão arterial sistólica > 130 mmHg, e sem hipertensão (Y=0) caso contrário. Foi considerado DM (Y=1) o trabalhador com glicemia de jejum > 110 mg/dl.

As variáveis independentes estudadas foram: as características demográficas sexo (masculino e feminino) e idade (< 41, 41-50 e > 50 anos); as características funcionais ramo (siderúrgico e metalúrgico), atividade (administrativa e operacional) e estresse no trabalho (sensação de estresse referida: ausente/leve/moderada e intensa); as características do estilo de vida atividade física (nenhum tipo de atividade e algum tipo de atividade), tabagismo (não-tabagistas, tabagistas) e consumo de álcool (não usa, uso esporádico, consumo diário de álcool); e as características clínicas excesso de peso (índice de massa corporal > 25), colesterol total – CT > 200 mg/dl (limítrofe ou alto), fração LDL-C ou lipoproteínas de baixa densidade – LDL > 130 mg/dl (limítrofe, alta ou muito alta), fração HDL-C ou lipoproteína de alta densidade – HDL < 40 mg/dl (baixa) e triglicérides – TG > 150 mg/dl (limítrofe, alto ou muito alto). Para classificação do perfil lipídico dos trabalhadores os pontos de corte foram estabelecidos com base nos parâmetros da Sociedade Brasileira de Cardiologia6, sendo categorizados como alterações os valores limítrofes ou elevados.

Foi feita a análise descritiva dos dados e, em seguida, foram elaborados modelos de regressão logística univariada para verificar a associação entre as variáveis dependentes (hipertensão arterial e diabete melito) com as independentes. Finalmente, foi realizada a análise de regressão logística múltipla não condicional hierarquizada seguindo o esquema apresentado na figura 1. A medida de risco utilizada foi o odds ratio (OR), e em todas as análises foi utilizado o nível de significância de 5%.


Resultados

Caracterização dos trabalhadores e das variáveis de estudo - Os 3.777 trabalhadores estudados estavam distribuídos pelas diversas unidades de trabalho: São Paulo (38,7%), Pindamonhangaba (12,6%), Rio de Janeiro (11,2%), Mogi das Cruzes (11,0%), Sumaré (10,4%), Sorocaba (6,6%), Postos de Atendimento (5,2%), Diadema (2,6%) e São Caetano do Sul (1,8). A maior proporção de trabalhadores desenvolvia atividade operacional (74,5%): 55,0% eram do ramo metalúrgico e o restante, do ramo siderúrgico, e houve predominância do sexo masculino (93,7%) (tab. 1). A maior parte dos trabalhadores tinha até quarenta anos de idade, a média de idade observada foi de 36,2 anos, com desvio padrão de 9,3 anos.

O gráfico 1 e a tabela 2 mostram as prevalências encontradas de HA e DM e dos fatores de risco referentes ao estilo de vida e às variáveis clínicas. A prevalência de trabalhadores apresentando alteração da pressão arterial foi 24,7%, e apresentando alteração da glicemia de jejum foi de 11,5%. Entre as variáveis clínicas, observou-se que 42,7% dos trabalhadores apresentaram sobrepeso ou obesidade e que ocorreram elevadas prevalências de dislipidemia (alterações de 39,8% para a fração HDL-c, 35,5% para o colesterol total, 34,1% para a fração LDL-c e 26,9% para os triglicérides). No que diz respeito às características do estilo de vida, verificou-se que 63,6% dos trabalhadores não praticam nenhum tipo de atividade física, 23,3% são tabagistas, 9,4% referem estresse intenso no trabalho, e 3,6% referem fazer uso diário de bebida alcoólica.


Fatores associados à hipertensão arterial - A análise univariada mostrou que, com exceção do tipo de atividade laboral e fração HDL-c, os demais fatores de risco analisados estiveram associados à alteração da pressão arterial. Chances mais elevadas de apresentar hipertensão arterial foram observadas entre os homens, acompanhando a elevação da idade, no trabalho em metalurgia, em pessoas com percepção de estresse intenso no trabalho, entre os sedentários, em tabagistas, acompanhando o aumento do consumo de álcool, em pessoas com excesso de peso e em trabalhadores com alteração do colesterol total, da fração LDL-c ou dos triglicérides (tab. 3).

Os resultados da análise múltipla hierarquizada estão na tabela 3 e mostraram que os homens tiveram 2,93 vezes a chance de apresentar hipertensão arterial, quando comparados às mulheres; e as pessoas com idade entre 41 e 50 e com mais de 50 anos tiveram, respectivamente, 2,14 e 3,92 vezes a chance, quando comparadas aos mais jovens.

Entre as características ocupacionais que estiveram associadas à hipertensão arterial, após ajuste pelas características demográficas, ficou evidenciado que as pessoas com percepção de estresse intenso no trabalho têm maior risco para alteração da pressão arterial, e que os trabalhadores de siderurgia estão em menor risco que os metalúrgicos.

Entre as características do estilo de vida, após ajuste pelas variáveis demográficas e ocupacionais, o sedentarismo e o consumo de álcool estiveram estatisticamente associados à hipertensão arterial. Os trabalhadores sedentários apresentaram 1,29 vez a chance de terem HA, quando comparados com aqueles com algum tipo de prática de atividade física. O aumento do risco para ocorrência de HA acompanhou a elevação do consumo de álcool, e os trabalhadores que faziam uso de bebida alcoólica diariamente apresentaram 3,01 vezes a chance de estarem hipertensos quando comparados aos abstêmios.

As características clínicas índice de massa corporal, colesterol total e triglicérides permaneceram estatisticamente associadas à alteração da pressão arterial após ajuste pelas demais variáveis; e os trabalhadores com excesso de peso, alteração do colesterol total e dos triglicérides apresentaram, respectivamente, 2,37, 1,38 e 1,58 vezes a chance de ter hipertensão arterial.

Fatores associados ao diabete melito - A análise univariada mostrou que os fatores de risco que estiveram associados à alteração da glicemia de jejum foram sexo, idade, atividade ocupacional, tabagismo, atividade física, consumo de álcool, índice de massa corporal, colesterol total, fração LDL-c e triglicérides. Chances mais elevadas de apresentar DM foram observadas entre os homens, acompanhando a elevação da idade, entre os trabalhadores com atividade operacional, entre os sedentários, em tabagistas, acompanhando o aumento do consumo de álcool, pessoas com excesso de peso e em trabalhadores com alteração do colesterol total, da fração LDL-c ou dos triglicérides (tab. 4).

Os resultados da análise múltipla hierarquizada estão na tabela 4 e mostraram que os homens tiveram 2,00 vezes a chance de apresentar alteração da glicemia quando comparados às mulheres, e as pessoas com idade entre 41 e 50 e com mais de 50 anos tiveram, respectivamente, 3,10 e 5,43 vezes a chance, quando comparados aos mais jovens.

Entre as características ocupacionais que estiveram associadas ao DM, após ajuste pelas características demográficas, restaram o tipo de atividade ocupacional e o ramo de trabalho, e os trabalhadores com atividade operacional mostraram ter 1,35 mais chance do que aqueles com atividade administrativa, e os trabalhadores de siderurgia estiveram em menor risco que os metalúrgicos.

Entre as características do estilo de vida, após ajuste pelas variáveis demográficas e ocupacionais, o sedentarismo e o consumo de álcool permaneceram estatisticamente associados ao DM. Os trabalhadores sedentários apresentaram 1,28 vez a chance de terem DM, quando comparados com aqueles que referem algum tipo de prática de atividade física. O aumento do risco para ocorrência de DM acompanhou a elevação do consumo de álcool: os trabalhadores que referiram uso esporádico de bebida alcoólica apresentaram 1,10 vez a chance de alteração da glicemia, e os trabalhadores que referiram consumo diário apresentaram 2,50 vezes a chance quando comparados aos que informaram não fazer uso de álcool.

Todas as características clínicas estiveram estatisticamente associadas à alteração da glicemia de jejum após ajuste pelas demais variáveis, e os trabalhadores com excesso de peso, alteração do colesterol total e dos triglicérides apresentaram, respectivamente, 1,93, 1,30 e 1,88 vezes a chance de ter DM.

Discussão

As prevalências de HA e de DM identificadas neste estudo foram de, respectivamente, 24,7% e 11,5%. A prevalência de HA foi inferior à observada em outros estudos7,8, mas a comparação se torna difícil pela adoção de diferentes critérios para definir hipertensão arterial. A prevalência de DM foi semelhante à observada na cidade de São Paulo, onde 11,0% dos homens na faixa etária de trinta a 39 anos, e 11,3% dos homens na faixa de quarenta a 49 anos apresentam alteração da glicemia8.

As prevalências identificadas neste estudo podem estar sofrendo impacto do "efeito do trabalhador sadio", em que ocorre uma seleção progressiva das pessoas mais sadias e aptas ao trabalho com exclusão da força de trabalho pela demissão ou afastamento daqueles com piores condições de saúde. Outro aspecto é que o grupo de trabalhadores estudado conta com respaldo de plano de saúde e de serviço de saúde no local de trabalho, o que facilita o acesso ao diagnóstico precoce e tratamento adequado dos agravos à saúde. Dessa forma, a validade dos resultados deste estudo para uso em outras populações deve ser avaliada com cautela em razão das características específicas da inserção laboral desses trabalhadores.

Mais um aspecto a considerar é a taxa de adesão de 50,0% dos trabalhadores ao estudo: uma vez que as taxas mais elevadas foram observadas nos locais onde houve maior envolvimento e colaboração das chefias, pode-se considerar a possibilidade de vieses de amostragem.

No que diz respeito às dislipidemias, foram identificadas prevalências elevadas de alterações do CT, HDL-c, LDL-c e TG. Comparando-se esses resultados com outros estudos brasileiros9,10-14, observou-se grande variabilidade nos resultados, uma vez que os pontos de corte adotados para categorizar dislipidemias variaram entre os diversos estudos dificultando comparações.

No bloco das características demográficas, as maiores prevalências de HA e de DM observadas entre os homens também têm sido relatadas na literatura3,15. Deve ser lembrado que a população deste estudo tem, predominantemente, idade abaixo dos cinqüenta anos, e sabe-se que as prevalências desses agravos são mais elevadas nos homens até a quarta década de vida e, após essa idade, com as mudanças hormonais relacionadas ao climatério, as prevalências nas mulheres sofrem elevação3,15.

A idade, entre todas as variáveis, foi a que apresentou maior impacto sobre a HA e o DM, situação essa compatível com a literatura que demonstra que o aumento do risco para HA e para DM acompanha a elevação da idade1,8,16.

O ramo siderúrgico mostrou ser um fator de proteção contra a HA e o DM. A explicação não parece estar relacionada às condições físicas do trabalho, uma vez que os trabalhadores de siderurgia sofrem, em geral, maiores exigências de ordem física do que os metalúrgicos, por conta de maior exposição a fatores de risco como calor, ruído e transporte de cargas. Uma possibilidade de explicação para o efeito protetor da atividade siderúrgica seria o ambiente psicossocial do trabalho com melhores condições no que concerne a relações interpessoais, remuneração, responsabilidades, autonomia, estabilidade no emprego e políticas da empresa, entre outros fatores. Porém, para confirmar essa hipótese, é necessária uma análise que foge às possibilidades deste estudo. Da mesma forma, o maior risco para DM observado entre os trabalhadores com atividade operacional não tem uma explicação clara, uma vez que o atual conhecimento epidemiológico do diabetes não aponta para questões relacionadas ao trabalho como fatores de risco. Pode-se, entretanto, considerar que questões relacionadas às condições e organização de trabalho tenham um efeito indireto na prevalência do DM da mesma forma que na HA.

Ainda em relação ao trabalho, a percepção de estresse intenso apareceu associada à hipertensão arterial. Esse achado é coerente com a literatura que mostra que o estresse decorrente das condições e da organização do trabalho pode atuar em conjunto com outros fatores de risco favorecendo o desenvolvimento da hipertensão arterial17,18.

No bloco das características do estilo de vida, após ajuste pelas variáveis demográficas e características ocupacionais, o sedentarismo e o consumo de álcool mostraram ser fator de risco para HA e para DM. O sedentarismo é fator de risco reconhecido e a prática de atividade física é recomendada para a prevenção e controle da HA, do DM e da síndrome metabólica1,4,19.

Apesar da interferência de múltiplas variáveis (como padrão de consumo, características clínicas, presença de estresse, entre outras) e de mecanismos pelos quais o álcool induz à hipertensão arterial ainda não estarem esclarecidos, a associação entre consumo de álcool e hipertensão arterial tem sido demonstrada indicando que o aumento do consumo é acompanhado pela elevação da pressão arterial, em especial em pessoas com consumo elevado de etanol20,21,22. A associação entre consumo de álcool e DM observada neste estudo pode ser explicada pelo conteúdo calórico do álcool fazendo que o consumo excessivo favoreça o aumento do peso, a hiperlipidemia e a elevação da glicemia, de forma que o consumo excessivo deve ser evitado em pessoas com hipertrigliceridemia, obesidade ou mau controle metabólico2,23.

Um aspecto que deve ser considerado é que o consumo de bebidas alcoólicas é uma prática que faz parte dos hábitos culturais da população brasileira. Paradoxalmente, assim como é estimulado de modo social, esse mesmo consumo é camuflado quando ocorre no ambiente de trabalho ou quando se torna abusivo, fazendo que sua mensuração seja difícil. Portando, as baixas prevalências observadas de consumo esporádico e, principalmente, diário podem estar subestimadas e esse pode ser um problema com magnitude maior do que a aparente.

As alterações lipídicas mais freqüentes no diabético são a hipertrigliceridemia, as baixas taxas de fração HDL e formações de partículas LDL pequenas e densas; por sua ação aterogênica, caracterizam um dos principais fatores de risco para doença cardiovascular em pacientes diabéticos1. Entre os trabalhadores da população de estudo, o colesterol total e os triglicérides representaram fatores de risco para DM.

O colesterol total e os triglicérides também representaram fatores de risco para a HA, e esse risco pode ser entendido por meio do aumento de peso decorrente das dislipidemias. A associação entre obesidade e hipertensão arterial é consistentemente demonstrada3,19. Entre outros mecanismos, o nível de leptina em obesos tem sido apontado como de particular importância tanto por ativação do sistema nervoso simpático como por efeito direto sobre os rins, resultando em aumento da absorção de sódio que leva à elevação da pressão arterial24.

Para o DM, após ajuste pelas demais variáveis, o excesso de peso foi a variável que apresentou maior impacto sobre o DM. O excesso de peso – em especial, a obesidade abdominal – representa um fator de risco maior para o desenvolvimento do diabetes, visto que o acúmulo do tecido adiposo está associado à intolerância a glicose e hiperinsulinemia. Pequenas reduções de peso (5% a 10%) associam-se à melhora do controle metabólico e à diminuição da mortalidade relacionada ao DM25.

No bloco das variáveis clínicas, a frações HDL-c e LDL-c foram excluídas da análise conjunto por apresentarem forte correlação com o colesterol total.

As prevalências de hipertensão arterial, de diabetes e de dislipidemias observadas neste estudo, em uma população de trabalhadores relativamente jovens, justificam que a atenção a essas condições não deva ser descuidada, uma vez que elas estão relacionadas a morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares. A hipertensão arterial é uma condição que responde por grande parte da morbidade e mortalidade cardiovascular dos países industrializados, sendo um dos principais fatores de risco para desenvolvimento de doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e doença arterial periférica3. Barroso e cols.26 salientam que o risco para doenças cardiovasculares em pessoas com diabete melito do tipo II é muito aumentado, estimando-se que quatro de cada cinco portadores irão desenvolver doença cardiovascular, e o risco de morte por esse tipo de doença após seguimento de doze anos é três vezes maior quando comparado aos não-diabéticos. Some-se a tudo isso a freqüente associação de hipertensão arterial, diabete melito e dislipidemias em um mesmo indivíduo, caracterizando a síndrome plurimetabólica, aumentando muito o risco para morbidade e mortalidade2,26.

O Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Hipertensão, considerando a possibilidade de associação das duas doenças em torno de 50,0% e a existência de aspectos comuns na etiopatogenia, fatores de risco, evolução e tratamento das duas doenças, indicam que a abordagem seja conjunta4,27. O Ministério da Saúde ressalta, ainda, a importância de ações nos níveis de prevenção primordial (ações que despertem a cidadania), primária (remoção dos fatores de risco), secundária (detecção e tratamento precoces) e terciária (redução das complicações)27. O controle rigoroso tanto da pressão arterial quando dos níveis de glicemia e lipídios é capaz de reduzir significativamente os eventos cardiovasculares, a progressão da doença renal, a lesão retiniana e a doença vascular periférica26.

Os dados deste estudo evidenciaram que o trabalhador acima de quarenta anos é uma prioridade para ações de intervenção que possam favorecer a prevenção primária e secundária dos dois agravos. Nessas ações, deve-se dar atenção especial à alimentação e à prática de exercícios físicos, favorecendo o controle da obesidade e da dislipidemia. Os dados também evidenciaram a existência de fatores comuns associados à HA e ao DM, caracterizando a ocorrência da síndrome metabólica entre os trabalhadores estudados, o que significa aumento da probabilidade de desenvolver doença cardiovascular. Além disso, se, por um lado, os trabalhadores com mais idade apresentam maiores prevalências e maior risco, por outro lado, os trabalhadores mais jovens apresentam potencial para o desenvolvimento dos agravos. Essas características justificam a implementação na empresa, de programas sistematizados de prevenção e controle desses agravos.

Considerando as recomendações de abordagem conjunta, as informações obtidas e os limites de atuação dos serviços de saúde no contexto do ambiente de trabalho, ficam sugeridas as seguintes estratégias: desenvolvimento de ações de educação em saúde com ênfase na alimentação saudável, controle de peso, atividade física e combate à dependência química de álcool; manutenção do enfoque preventivo que direciona o PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional desenvolvido pela empresa; implantação de protocolos para diagnóstico e tratamento da hipertensão arterial e diabete melito nos serviços de saúde da empresa; e implementação de grupos especiais de controle (como hipertensos, diabéticos, dislipidêmicos ou obesos).

Além disso, apesar de o papel dos aspectos relacionados ao trabalho analisados não terem aparecido como os fatores com maior magnitude de risco para a hipertensão arterial e para o diabete melito entre os trabalhadores estudados, as questões relacionadas ao trabalho não devem ser desconsideradas, uma vez que, além dos efeitos diretos decorrentes das condições do trabalho, a forma como ele está organizado pode agir como fonte de estresse e, ainda, influenciar hábitos e comportamentos dos trabalhadores.

Também deve ser considerado que, dado o período transcorrido a partir da época da coleta de dados, podem ter ocorrido alterações nas condições de trabalho, o que justificaria uma nova avaliação do ambiente e da organização do trabalho.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 14/03/05

Aceito em 28/12/05

  • 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Plano de reorganização da atenção à hipertensão arterial e ao diabete mellitus. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001.
  • 2. SBD. Sociedade Brasileira de Diabetes. Consenso brasileiro sobre diabetes. São Paulo (Brasil): SBD; 2002.
  • 3. Brandão AP, Brandão AA, Magalhães MEC, et al. Epidemiologia da hipertensão arterial. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003; 13 (1): 7-19.
  • 4. SBH. Sociedade Brasileira de Hipertensão. I Diretriz brasileira de diagnóstico e tratamento da síndrome metabólica. Rev Bras Hipertens 2004; 4: 123-59.
  • 5. CDC. Centers for Disease Control and Prevention; National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion; U.S. Department of Health and Human Services. The power of prevention: reducing the health and economic burden of chronic disease. Atlanta (GA): CDC; 2003.
  • 6. SBC. Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretrizes brasileiras sobre dislipidemias e diretriz de prevenção da aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2001; 77 (Suppl 3).
  • 7. Martins IS, Marucci MFN, Velásquez-Meléndez GV, et al. Doenças cardiovasculares ateroscleróticas, dislipidemias, hipertensão, obesidade e diabetes melito em população da área metropolitana da região Sudeste do Brasil. III Hipertensão. Rev Saúde Pública 1997; 31 (5): 466-71.
  • 8. Marcopito LF, Rodrigues SSF, Pacheco MA, et al. Prevalência de alguns fatores de risco para doenças crônicas na cidade de São Paulo. Rev Saúde Pública 2005; 39 (5): 738-45.
  • 9. Luz PL, Carvalho MEA, Cardoso RHE, et al. Incidência de dislipidemias e sua relação com doença arterial coronária em populações brasileiras. Arq Bras Cardiol 2001; 54 (4): 257-64.
  • 10. Giannini SD, Deveriacki BE, Góis JM, et al. Prevalência de dislipidemias primárias em indivíduos com e sem história familiar de coronariopatia, tendo como referência os valores do "National Cholesterol Education Program" (NCEP). Arq Bras Cardiol 1992; 58 (4): 281-7.
  • 11. Bertolami MC, Faludi AA, Latorre MRDO, et al. Perfil lipídico de funcionários de indústria metalúrgica e sua relação com outros fatores de risco. Arq Bras Cardiol 1993; 60 (5): 293-9.
  • 12. Lessa I, Conceição JL, Mirabeau L, Carneiro J, Melo J, Oliveira V, et. al. Prevalência de dislipidemias na demanda laboratorial de três diferentes prestadores de assistência. Arq Bras Cardiol 1998; 70 (5): 331-5.
  • 13. Fischmann A, Medina CAB, Gus I. Prevalência de fatores de risco para a doença arterial coronariana no Estado do Rio Grande do Sul. [monografia on line]. Rio Grande do Sul (Brasil): Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, Fundação Universitária de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia e Secretarias Municipais de Saúde; 2002. [2003 Jul 16]. Disponível em: http:/www.saude.rs.gov.br/dac.htm> [2003 Jul 16].
  • 14. Souza LJ, Souto Filho JTD, Souza TF, et al. Prevalence of dyslipidemia and risk factors in Campos dos Goytacazes in the brazilien state of Rio de Janeiro. Arq Bras Cardiol 2003; 81 (3): 257-64.
  • 15. Souza LJ, Chalita FEB, Reis AFF, et al. Prevalência de Diabetes mellitus e fatores de risco em Campos de Goytacazes, RJ. Arq Bras Endocrinol Metab. 2003; 47 (1): 69-74.
  • 16. SBH, SBC e SBN. Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Nefrologia. III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial. Campos do Jordão (Brasil): SBH, SBC e SBN; 1998.
  • 17. Karasek R, Theorell T. Psychosocial job characteristics and heart disease. In: Karasek R, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. United States of America: Basic Books; 1990. p. 117-57.
  • 18. Rocha R, Porto M, Morelli MYG, et al. Efeito de estresse ambiental sobre a pressão arterial de trabalhadores. Rev Saúde Pública 2002; 36 (5): 568-75.
  • 19. SBH, SBC e SBN. Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Nefrologia. IV Diretrizes brasileiras de hipertensão arterial. Campos do Jordão (Brasil): SBH, SBC e SBN; 2002.
  • 20. Carvalho JGR, Mulinari RA, Laffitte A. Álcool, hipertensão arterial e sistema cardiovascular. Hiperativo 1995; 2 (1): 26-33.
  • 21. Fuchs FD, Chambless LE, Whelton PK, Javier Nieto F, Heiss G. Alcohol consumption and the incidence of hypertension. Hypertension. 2001; 37: 1242-50.
  • 22. Xin X, He J, Frontini MG, Ogden LG, Motsamai OI, Whelton PK. Effects of alcohol reduction on blood pressure. Hypertension 2001; 81: 1112-17.
  • 23. Smeltzer SC, Bare BG. Avaliação e conduta de pacientes com Diabetes Mellitus. In: Brunner / Suddarth Tratato de Enfermagem Médico-Cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1994. p. 873-915.
  • 24. Aneja A, El-Atat F, McFarlane SI, et al. Hypertension and obesity. Recent Prog Horm Res 2004; 59: 169-205.
  • 25. Scarsella C, Després JP. Tratamiento de la obesidad: necesidad de centrar la atención em los pacientes de alto riesgo caracterizados por la obesidad abdominal. Cad Saúde Pública 2003; 19 (Suppl 1): S7-S19.
  • 26. Barroso WKS, Jardim PCBV, Jardim TSV, et al. Hipertenso diabético. Diretrizes de atuação e suas dificuldades. Arq Bras Cardiol 2003; 81 (2): 137-42.
  • 27
    Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Plano de reorganização da atenção à hipertensão arterial e ao diabete mellitus: manual de hipertensão arterial e diabete mellitus. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002.
  • Correspondência:

    Maria Carmen Martinez
    Depto de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP
    Av. Dr. Arnaldo, 715
    01246-904 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006

    Histórico

    • Aceito
      28 Dez 2005
    • Recebido
      14 Mar 2005
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br