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Síndrome hipereosinofílica idiopática manifestando-se como endocardite de loefller grave

RELATO DE CASO

Síndrome hipereosinofílica idiopática manifestando-se como endocardite de loefller grave

Hari Krishan AggarwalI; Deepak JainI; Vipin KaverappaI; Promil JainII; Ashwani KumarI; Sachin YadavI

IDepartment of Medicine, Pt. B.D. Sharma University of Health Sciences, Haryana

IIDepartment of Pathology, Pt. B.D. Sharma University of Health Sciences, Haryana - Índia

Correspondência Correspondência: Deepak Jain 157-L1, Model Town 124001, Rohtak - Índia E-mail: jaindeepakdr@gmail.com, jaindeepakdr@yahoo.co.in

Palavras-chave: Cardiomiopatia Restritiva, Síndrome Hipereosinofílica, Mesilatos.

Introdução

A endocardite de Loeffler, também conhecida como doença endomiocárdica de Loeffler foi descrita pela primeira vez por Wilhelm Loeffler em um paciente com insuficiência cardíaca progressiva devido a infiltração de eosinófilos do endo-miocárdio, secundária à eosinofilia periférica1. Parece ser um subconjunto da síndrome hipereosinofílica (HES), na qual o coração está predominantemente envolvido, caracterizada por espessamento fibroso do endocárdio de um ou ambos os ventrículos, levando a uma obliteração apical e patofisiologia restritiva resultando em complicações cardiovasculares múltiplas.

Relato do Caso

Uma dona de casa de 42 anos idade apresentava tosse não produtiva persistente e dispneia de esforço com duração de sete meses, que gradualmente evoluiu para dispneia em repouso associada a ortopneia nas últimas duas semanas. Havia um histórico de medicamentos antialérgicos utilizados no início dos sintomas e os registros médicos da paciente revelaram um aumento da contagem de eosinófilos periféricos (7,8 × 109/l). Exame físico detalhado revelou pressão venosa jugular elevada, 6 cm acima do ângulo de Louie, que foi depois elevada sob inspiração profunda. A paciente também apresentava edema pedal bilateral, murmúrio pansistólico sobre o ápice irradiando para a axila, crepitações finas inspiratórias sobre a base dos pulmões e sensibilidade leve sobre o hipocôndrio direito. Sua contagem de sangue revelou eosinofilia periférica (12 × 109/l) que se manteve persistentemente elevada >10 × 109/l na contagem de sangue em série (Figura 1A). Sua CPK-MB estava elevada, mas os níveis de troponina cardíaca estavam dentro dos limites normais. O eletrocardiograma mostrou alterações não específicas da onda ST-T com condução intraventricular em atraso compatível com miocardite. A radiografia de tórax revelou infiltrados envolvendo zonas basais bilaterais que se estendiam até a região peri-hilar, juntamente com efusão pleural. A ecografia documentou veia cava inferior e veia hepática proeminentes. Sua glicemia estava normal, assim como suas funções tireoidiana, renal e hepática.


 




O seu exame do esfregaço de sangue periférico não revelou qualquer parasita. O exame de fezes de rotina não detectou a presença de ovos ou cisto. Estudos imunológicos, incluindo níveis de anticorpos anti-nucleares e níveis séricos de IgE estavam dentro dos limites normais. O exame da medula óssea revelou medula celular normal com células mieloides vistas em todas as fases de maturação junto com proeminência de precursores eosinofílicos e nenhuma evidência de quaisquer células imaturas ou parasitas. (Figura 1B).

Em ecocardiografia transtorácica 2-D, os átrios esquerdo e direito foram marcadamente dilatados comparados ao tamanho dos ventrículos próximo do normal. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi de 65%; no entanto, o ventrículo esquerdo estava hipertrofiado perto da parede ápice e posterior. Um espessamento do folheto mitral posterior foi visto junto com efusão pericárdica mínima. Estudos de velocidade de influxo mitral mostraram uma razão E/A de 3,5 com um tempo de desaceleração de 95 mseg sugerindo disfunção diastólica grave. Doppler colorido mostrou regurgitação mitral significativa juntamente com regurgitação tricúspide, sem evidência de qualquer trombo dentro do endocárdio. Os resultados foram consistentes com cardiomiopatia restritiva grave (Figura 2). A tomografia computadorizada de alta resolução excluiu o envolvimento de parênquima e nódulos linfáticos no pulmão.


Com base em avaliação clínica detalhada, contagens persistentemente elevadas de easinófilos por mais de seis meses, apoiadas pelos achados eletrocardiográficos sugestivos de miocardite e os achados clássicos no ecocardiograma 2-D de acordo com cardiomiopatia restritiva grave, estabeleceu-se o diagnóstico de endocardite secundária da Síndrome hipereosinofílica de Loeffler. A paciente foi tratada com corticosteroides orais (1 ;mg ;/ ;kg/d), agentes anticoagulantes, juntamente com diuréticos para sintomas de congestão. A paciente obteve alívio sintomático no segundo dia de tratamento, mas a eosinofilia periférica persistiu. A dosagem oral de corticosteroides foi, então, mudada para 2mg/kg/dia e a paciente respondeu bem, com sua contagem eosinofílica reduzindo-se para a faixa normal dentro das 48 horas seguintes. Alterações eletrocardiográficas começaram a reverter para normalidade ainda antes do final da primeira semana. Os anticoagulantes tiveram que ser descontinuados em vista de INR lábil e ausência de trombos no interior do endocárdio, e a paciente foi então iniciada com um inibidor da agregação plaquetária (Aspirina). Uma nova ecocardiografia foi realizada três semanas mais tarde e não apresentou melhora significativa na disfunção diastólica e a paciente recebeu alta dos corticosteroides orais e diuréticos, e foi orientada a realizar um seguimento ambulatorial.

Discussão

A Síndrome Hipereosinofílica Idiopática é caracterizada por uma elevação persistente da contagem absoluta dos eosinófilos para 1,5 × 109/l ou superior, por um período de pelo menos seis meses, quando a causa subjacente não pode ser encontrada apesar de uma avaliação detalhada. Essa condição está associada a lesão de órgãos-alvo mediada por eosinófilos, manifestando-se como o acometimento pulmonar, cardíaco e/ou neurológico.

HES é um grupo heterogêneo de condições amplamente classificadas como (A) Primária, que é sinônimo de HES idiopática, (B) Secundária - causada por infecções (mais comumente parasitas e helmintos), distúrbios alérgicos, medicamentos, doenças autoimunes, endocrinopatias e doenças malignas metastáticas, e (C) Clonal - que inclui leucemias agudas, disfunções crônicas mieloides e doenças mieloproliferativas.

O envolvimento cardíaco é a manifestação extra-hematológica mais comum da HES (50-60%). A doença endomiocárdica de Loeffler é uma subcategoria da síndrome hipereosinofílica onde o coração é o órgão predominantemente envolvido. Os eosinófilos podem sobreviver nos tecidos durante semanas e a desgranulação dos eosinófilos ativados é tida como responsável pelo dano tóxico para o coração. Toxinas liberadas pelos eosinófilos incluem neurotoxina derivadas de eosinófilos, proteína catiônica, proteína básica principal, e as espécies reativas de oxigênio. Envolvimento valvular pode se manifestar como regurgitação envolvendo as válvulas mitral e tricúspide secundárias a intensas alterações inflamatórias dentro do endocárdio e disfunção do músculo papilar. Além disso, pode ser acrescentada a formação de trombos, resultando em manifestações cardio-embólicas.

O quadro clínico é caracterizado por uma lenta e progressiva insuficiência cardíaca, secundária ao comportamento restritivo do ventrículo, causado pela fibrose e obliteração das cavidades ventriculares. Esse quadro pode complicar-se com a ocorrência de episódios de fibrilação atrial, fenômenos tromboembólicos ou cardite aguda. A ecocardiografia em 2D é a principal forma de imagem para o diagnóstico e seguimento desses pacientes. A marca ecocardiográfica característica da endocardite de Loeffler inclui um padrão restritivo de enchimento com função sistólica ventricular esquerda relativamente preservada3. Outros achados característicos incluem espessamento da parede do ventrículo esquerdo posterio-basal, movimento restrito do folheto posterior da válvula mitral, obliteração apical de um ou ambos os ventrículos e contração hiperdinâmica das paredes ventriculares poupadas com alargamento atrial bilateral. O cateterismo cardíaco revela pressões de enchimento ventricular marcadamente elevadas com regurgitação mitral ou tricúspide. A ressonância magnética cardíaca (MRI) permite um estudo preciso da anatomia e função, e discrimina a composição dos tecidos. A MRI realçada por gadolínio identifica com precisão regiões de fibrose miocárdica e pode ser útil no diagnóstico quando há suspeita de trombo ventricular. A biópsia percutânea endomiocárdica muitas vezes confirma o diagnóstico; no entanto, devido à participação irregular do endo-miocárdio, os resultados podem ser inconsistentes.

A abordagem terapêutica para essa doença é a normalização da eosinofilia periférica, uma vez que tem sido postulado que o dano cardíaco é secundário à toxicidade relacionada à desgranulação dos eosinófilos em vez do próprio processo da doença subjacente. Os corticosteroides são medicamentos de primeira linha. A resposta pode ocorrer tão cedo quanto cinco a seis horas após o início do tratamento, que se apresenta como uma diminuição na contagem de eosinófilos. Em pacientes resistentes a esteroides, fármacos citotóxicos, tais como hidroxiureia e interferon-a são uma abordagem terapêutica alternativa. Recentemente, o imatinib, inibidor de tirosinequinase, surgiu como mais uma alternativa eficaz causando a regressão rápida tanto da proliferação eosinofílica como da endo-miocardiopatia, especialmente quando mutações genéticas da fusão de FIPIL1-PDGFRA estão presentes5. Todos esses indivíduos alcançam uma remissão hematológica e molecular completa dentro de semanas ou meses do início do tratamento com imatinib.

O prognóstico geral para pacientes com endocardite de Loeffler é insuficiente e depende do local de envolvimento no coração. Tratando a eosinofilia é possível interromper o avanço da doença, mas o dano já feito pode ser o suficiente para resultar em consequências letais. A insuficiência cardíaca pode ser administrada convencionalmente com diuréticos e vasodilatadores. Uma terapia adequada de anticoagulação juntamente com um corticosteroide ou um agente citotóxico não só previne eventos embólicos pulmonares ou sistêmicos e crescimento de trombos, como também limita a obliteração da cavidade ventricular, induzindo assim uma remodelagem do ventrículo esquerdo favorável no longo prazo6. Com um processo restritivo avançado e insuficiência cardíaca congestiva refratária, a única abordagem possível é a endocardiectomia; contudo, está associada a alta morbidade e mortalidade e não previne a recorrência da doença. Uma alternativa pode ser o reparo ou substituição das válvulas mitral e tricúspide, dependendo da gravidade da insuficiência valvular.

A endocardite de Loeffler é essencialmente confinada aos cinturões temperados com uma predileção para o sexo masculino. O presente caso, uma mulher de meia-idade de região tropical, representa uma apresentação incomum dessa rara doença. Essa doença pode ser agressiva e fatal. Uma melhor compreensão do processo patofisiológico é essencial para formular planos de tratamento eficazes, e para reduzir significativamente as taxas de mortalidade associadas.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Aggarwal HK, Jain D; Obtenção de dados: Jain D, Kaverappa V, Jain P; Análise e interpretação dos dados: Jain D, Kaverappa V, Jain P, Kumar A; Análise estatística: Jain D, Kaverappa V, Jain P, Kumar A, Yadav S; Redação do manuscrito: Kaverappa V, Jain P, Kumar A, Yadav S.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 02/05/12, revisado em 05/10/12, aceito em 04/12/12.

  • 1. Loeffler W. Endocarditis parietalis fibroplasticamit Bluteosinophilie, Eineigenartiges Krankheitshild. Schweiz Med Wochenschr. 1936;66:817-20.
  • 2. Weller PF, Bubley GJ. The idiopathic hypereosinophilic syndrome. Blood. 1994;83(10):2759-79.
  • 3. Parrillo JE. Heart disease and the eosinophil. N Engl J Med. 1990;323(22):1560-1.
  • 4. Schandene L, Roufosse F, de Lavareille A, Stordeur P, Efira A, Kennès B, et al. Interferon alpha prevents spontaneous apoptosis of clonal Th2 cells associated with chronic hypereosinophilia. Blood. 2000;96(13):4285-92.
  • 5. Cools J, DeAngelo DJ, Gotlib J, Stover EH, Legare RD, Cortes J, et al. A tyrosine kinase created by fusion of the PDGFRA and FIP1L1 genes as a therapeutic target of imatinib in idiopathic hypereosinophilic syndrome. N Engl J Med. 2003;348(13):1201-14.
  • 6. Lofiego C, Ferlito M, Rocchi G, Biagini E, Perugini E, Branzi A, et al. Ventricular remodeling in Loeffler endocarditis: implications for therapeutic decision making. Eur J Heart Fail. 2005;7(6):1023-6.
  • Correspondência:

    Deepak Jain
    157-L1, Model Town
    124001, Rohtak - Índia
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013
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