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Revista da Escola de Enfermagem da USP
Print version ISSN 0080-6234
Rev. esc. enferm. USP vol.48 no.3 São Paulo June 2014
https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300018
Original Article
Influência de fatores de estresse e características sociodemográficas na qualidade do sono de estudantes de enfermagem
Objetivo: Analisar a influência dos fatores de estresse e das características sociodemográficas na qualidade do sono de discentes de enfermagem. Método: Estudo analítico, transversal e quantitativo, realizado com 151 discentes de enfermagem de São Paulo entre março e abril de 2012. Aplicaram-se um Formulário para caracterização sociodemográfica, o Instrumento Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem e o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh. Resultados: Verificou-se predomínio de muito alto estresse no Gerenciamento do Tempo (27,8%) e Formação Profissional (30,5%) e de baixa qualidade do sono (78,8%). A Comunicação Profissional, a Formação Profissional e a Atividade Teórica correlacionaram-se positivamente à qualidade do sono. A atividade de trabalho, o ano acadêmico e o tempo de estudos diários contribuíram para a baixa qualidade do sono. Conclusão: Alguns fatores de estresse do ambiente acadêmico e algumas características sociodemográficas contribuem para a redução da qualidade do sono do estudante.
Palavras-Chave: Estudantes de enfermagem; Estresse psicológico ; Privação do sono ; Transtornos do sono ; Educação em enfermagem
Objective:To analyze the influence of stress factors and socio-demographic characteristics on the sleep quality of nursing students. Method: An analytical cross-sectional and quantitative study, conducted with 151 nursing students in São Paulo between March and April of 2012. A form for socio-demographic characteristics, the Instrument to Evaluate Stress in Nursing Students and the Pittsburgh Sleep Index were applied. Results: High levels of stress was predominant for Time Management (27.8%) and Professional Training (30.5%) and low sleep quality (78.8%). The Professional Communication, Professional Training and Theoretical Activity are positively correlated to sleep quality. Work activity, academic year and time for daily studies contributed to a low quality of sleep. Conclusion: Few stress factors from the academic environment and some socio-demographic characteristics contributed to the reduction of sleep quality in students.
Key words: Students, nursing; Stress, psychological ; Sleep deprivation ; Sleep disorders ; Education, nursing
Objetivo: Analizar la influencia de los factores de estrés y de las características sociodemográficas en la calidad del sueño de estudiantes de enfermería. Método: Estudio analítico, transversal y cuantitativo, realizado con 151 alumnos de pregrado en enfermería de São Paulo entre marzo y abril del año 2012. Los instrumentos utilizados fueron: un formulario para la caracterización sociodemográfica, el instrumento de Evaluación del Estrés en Estudiantes de Enfermería y el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh. Resultados: Se verificó predominio de estrés de nivel muy alto en la Gestión del Tiempo (27,8%) y en la Formación Profesional (30,5%), y de baja calidad de Sueño (78,8%). La Comunicación Profesional, la Formación Profesional y la Actividad Teórica se correlacionaron positivamente con la calidad del sueño. La actividad laboral, el año académico y el tiempo diario de estudio contribuyeron para la disminución de la calidad del sueño. Conclusión: Algunos factores de estrés del ambiente académico y algunas características sociodemográficas contribuyen a la disminución de la calidad del sueño del estudiante de enfermería.
Palabras-clave: Estudiantes de enfermería; Estrés psicológico ; Privación de sueño ; Trastornos del sueño ; Educación en enfermería
Introdução
Os estudantes de enfermagem enfrentam diferentes estressores ao longo da vida universitária, incluindo aqueles que estimulam o desenvolvimento e amadurecimento profissional(1) e aqueles que ameaçam o bem-estar(2), a saúde e a qualidade de vida(3).
Nesse sentido, na literatura, identificam-se diferentes situações relativas ao âmbito acadêmico, clínico, interpessoal, financeiro e pessoal que são percebidas como estressoras(4-10). No âmbito acadêmico, são apontados como estressores a realização de provas, a sobrecarga de trabalhos, a entrega de relatórios e o excesso de responsabilidade(4-6). No aspecto clínico, destacam-se o medo das situações desconhecidas, o uso de termos médicos, o diagnóstico e tratamento dos pacientes, a oferta do cuidado, a possibilidade de erro na assistência, o manuseio dos equipamentos e a falta de conhecimento e habilidades profissionais(4-7). Já no aspecto interpessoal, pontuam-se a relação com os amigos, professores e profissionais de saúde(4-5). No âmbito pessoal, encontra-se a dificuldade para o controle das emoções, a baixa autoconfiança, a dificuldade de administração do tempo e o medo de emitir opiniões(7-9). No contexto financeiro, a falta de recursos econômicos é um estressor identificado por diferentes pesquisadores(7,10).
Somado a isso, ressalta-se que as características sociodemográficas desses estudantes, tais como sexo, idade, situação conjugal, presença de filhos e meios de transporte, são fatores que podem levar à ocorrência do estresse(11).
Assim, distintas pesquisas evidenciam que os estudantes de enfermagem apresentam altos níveis de estresse(12-17). Em decorrência desse fenômeno, é possível a ocorrência de manifestações físicas e psicológicas(18-19), dentre as quais, a cefaleia, a depressão e a ansiedade que podem comprometer o desempenho acadêmico(20) e o relacionamento entre amigos e familiares(4,20). Assim, espera-se impacto à qualidade de vida(21) e à qualidade do sono(22) dos discentes de enfermagem.
Sobre o sono, em estudo transversal com 364 estudantes de enfermagem italianos, foi observado que a alteração do padrão de sono foi frequente, sendo a prevalência de insônia de 26,7% e ocorrendo aumento dessa alteração com o avançar da idade dos estudantes(23). Ademais, a demanda imposta pelas atividades universitárias favorece o aumento da ocorrência de alterações na qualidade do sono(23-24). Sobre isso, em estudo exploratório descritivo realizado em estudantes do primeiro ano do curso graduação em enfermagem, foi identificado que, após o início das aulas, houve predomínio de má qualidade de sono e indisposição diurna(24). Além disso, em estudo longitudinal realizado na Suécia, no qual se analisou o padrão de sono dos estudantes na transição entre o último ano do curso de graduação em enfermagem e os três primeiros anos da sua inserção na atividade profissional, foi observado que a má qualidade de sono iniciou no último semestre da graduação e continuou durante os anos da vida laboral analisada(22). Dessa forma, evidencia-se que a má qualidade do sono ocorre também na fase de transição entre a vida acadêmica e a vida profissional do enfermeiro.
Sobre a relação entre estresse e sono, em pesquisa realizada com estudantes de enfermagem de Taiwan, foi verificada correlação significativa entre o estresse na prática clínica e a qualidade de sono(25). Ainda, a duração do sono dos estudantes foi, em média, de 5 horas por dia, com relato de má qualidade de sono por 80,9% dos participantes(25).
No entanto, em ampla busca realizada na literatura, verificou-se escassez de estudos que associam os fatores de estresse do meio acadêmico de enfermagem com a qualidade do sono. Esses fatores são essenciais para compreender o impacto da vida acadêmica na qualidade de sono do estudante de enfermagem, considerando-se suas peculiaridades como indivíduo na fase de formação acadêmica. Com base nestes conhecimentos, será possível reorganizar a dinâmica do ensino e propor intervenções que modifiquem o contexto vivido pelo aluno de enfermagem com foco nos fatores de maior estresse.
A partir do exposto, analisou-se a influência dos fatores de estresse e das características sociodemográficas na qualidade do sono de discentes de enfermagem.
Nesse contexto, defende-se a hipótese de que os estudantes que vivenciam maior estresse apresentam piora na qualidade do sono e que algumas variáveis sociodemográficas características desta amostra influenciam na diminuição da qualidade de sono.
Método
Trata-se de um estudo analítico, transversal e com abordagem quantitativa, conduzido no período de março a abril de 2012 na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Na amostra, foram incluídos todos os discentes matriculados no curso de Graduação em Enfermagem, com a exclusão dos alunos que estavam fazendo intercâmbio em outros países e daqueles menores de 18 anos.
Para definição do tamanho amostral, utilizou-se o critério de proporcionalidade, considerando-se a relação entre o número de alunos em cada semestre e o total de graduandos matriculados no ano corrente, sendo o coeficiente arbitrário para um risco α ≤ 0,05 e risco β ≤ 0,20 e acima de 0,9 como poder de predição. Dessa maneira, 151 estudantes conformaram a amostra da pesquisa, da seguinte forma: 40 do primeiro ano, 37 do segundo ano, 36 do terceiro ano e 38 do quarto ano.
Em atendimento à Resolução 466/08/2011, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sob protocolo nº 1100/2011/CEP-EEUSP – SISNEP CAAE: 0101.0.196.000-11. Assim, os estudantes foram abordados entre os intervalos de aula e convidados a participar da pesquisa, sendo informados sobre os objetivos do estudo e da garantia de sigilo quanto às respostas. Desta forma, seu consentimento foi registrado mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, em seguida, iniciou-se a coleta dos dados.
Os instrumentos de coleta de dados foram: formulário de características sociodemográficas, instrumento de Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem (AEEE) e do Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (IQSP).
O formulário de características sociodemográficas foi construído a fim de caracterizar a amostra de estudo. Assim, ele envolveu as seguintes informações: sexo, idade, semestre escolar, estado civil, presença de filho(s), auxílio financeiro (bolsa acadêmica), tempo do trajeto casa-universidade e casa-campos de estágios, participação em grupo de pesquisa, com quem mora, atividade de trabalho, meios de transporte utilizados e tempo dedicado semanalmente aos estudos.
O instrumento para Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem (AEEE), construído e validado para a realidade brasileira em 2009, permite avaliar a intensidade dos fatores de estresse em estudantes de enfermagem(26). Ele é composto por 30 itens em escala tipo Likert, alocados em seis domínios: Realização das Atividades Práticas (RAP), que se refere às atividades que envolvem o conhecimento instrumental para a realização dos procedimentos e sentimentos relacionados ao cuidado do paciente; Ambiente (AMB), que aborda o grau de dificuldade no acesso aos campos de estágio ou universidade, assim como os meios de transporte; Comunicação Profissional (CP), que retrata a dificuldade relacionada à comunicação, ao convívio profissional e às situações conflitantes; Gerenciamento do Tempo (GT), que envolve as dificuldades para conciliar as atividades acadêmicas com as responsabilidades pessoais; Formação Profissional (FP), que contempla a preocupação com o conhecimento adquirido e seu impacto sobre o desenvolvimento profissional; e Atividade Teórica (AT), que aborda o grau de dificuldade em relação ao conteúdo programático das disciplinas e à metodologia adotada. O instrumento original teve sua consistência interna avaliada pelo Alfa de Cronbach, que variou de 0,71 a 0,87(26). Na pesquisa atual, o Alfa de Cronbach dos domínios variou de 0,68 a 0,81 e, para os 30 itens da escala, foi de 0,88.
O Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh (IQSP) permite avaliar a qualidade do sono em indivíduos de diferentes amostras e foi validado no Brasil por Bertolazi(27). Esse instrumento é composto por dez questões, distribuídas em sete componentes, da seguinte forma: Duração do sono, Qualidade subjetiva do sono, Latência do sono, Eficiência habitual de sono, Distúrbios do sono, Uso de medicações para dormir, e Sonolência diurna e Distúrbios durante o dia. A pontuação total do instrumento varia de 0 a 21 pontos, e quanto maior a pontuação, menor a qualidade do sono. Os escores superiores a cinco pontos indicam má qualidade de sono. Na validação da versão brasileira, o instrumento apresentou Alfa de 0,82(27). Na pesquisa atual, o Alfa de Cronbach foi de 0,65.
Os dados foram organizados e armazenados em uma planilha eletrônica no programa Excel 2007 do Windows XP. A análise estatística foi realizada no programa estatístico R, versão 3.0.0. As variáveis qualitativas foram apresentadas em valores absolutos e relativos. As variáveis quantitativas foram expostas em medidas descritivas: média e desvio-padrão. A análise da consistência interna do instrumento foi realizada por meio do coeficiente Alfa de Cronbach. Para avaliar a relação entre o estresse e a qualidade de sono, foi utilizado o teste de correlação de Pearson. Para a análise da influência das variáveis sociodemográficas sobre a qualidade do sono, foi utilizada a regressão linear múltipla. Valores de p<0,05 foram considerados estaticamente significativos, com intervalo de confiança de 95%.
Resultados
Dos 151 alunos que participaram da pesquisa, há predomínio daqueles do sexo feminino (94,7%), com idade média de 20,93 anos (Dp= 2,71) e que moram com a família (79,5%). Verifica-se que os discentes dispensam, em média, 63 minutos (Dp= 32,29) para o deslocamento casa-escola. Como meios de transporte, 80,8% utilizam ônibus e 73,5% o metrô para chegar à universidade. Ademais, observa-se que os estudantes dedicam em média 2,14 horas (Dp= 1,58) ao estudo e 13,3% referem realizar estágios extracurriculares.
Na Tabela 1, evidencia-se que os domínios que representam, com maior frequência, muito alto nível de estresse aos alunos são: a Formação Profissional (30,5%) e o Gerenciamento do Tempo (27,8%). Ainda, a Comunicação Profissional representa alto nível de estresse para 25,2% dos alunos.
Tabela 1 Distribuição dos níveis de estresse segundo os fatores de estresse do AEEE entre estudantes de enfermagem - São Paulo, SP, 2012
Nível de estresse | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Baixo | Médio | Alto | Muito Alto | |||||
Domínios do AEEE | N | % | N | % | N | % | N | % |
Realização de Atividades Práticas | 50 | 33,1 | 53 | 35,1 | 28 | 18,5 | 20 | 13,2 |
Ambiente | 76 | 50,3 | 26 | 17,2 | 33 | 21,9 | 16 | 10,6 |
Comunicação Profissional | 74 | 49,0 | 36 | 23,8 | 38 | 25,2 | 3 | 2,0 |
Gerenciamento do Tempo | 56 | 37,1 | 37 | 24,5 | 16 | 10,6 | 42 | 27,8 |
Formação Profissional | 58 | 38,4 | 14 | 9,3 | 33 | 21,9 | 46 | 30,5 |
Atividade Teórica | 69 | 45,7 | 43 | 28,5 | 26 | 17,2 | 13 | 8,6 |
Na Tabela 2, observa-se que os estudantes dormem, em média, 6,07 horas (Dp= 1,09), 92,7% não necessitam de medicamentos para dormir e 84% referem ter eficiência de sono acima de 85%. Em contrapartida, 50,3% avaliam a qualidade subjetiva de sono como ruim. Ainda, houve predomínio da má qualidade de sono (78,8%).
Tabela 2 Distribuição dos discentes de enfermagem segundo a qualidade do sono e os componentes do sono - São Paulo, 2012
Variáveis (n=151) | N | % | |
---|---|---|---|
Duração de sono Média (Dp)=6,07 (1,09) | Mais de 7 horas | 14 | 9,3 |
6-7 horas | 93 | 61,6 | |
5-6 horas | 30 | 19,9 | |
Menos de 5 horas | 14 | 9,3 | |
Latência do sono | ≤15 min. | 40 | 26,5 |
16-30 min. | 66 | 43,7 | |
31-60 min. | 36 | 23,8 | |
>60 min. | 9 | 6,0 | |
Eficiência habitual do sono | >85% | 127 | 84,1 |
75-84% | 19 | 12,6 | |
65-74% | 4 | 2,6 | |
<65% | 1 | 0,7 | |
Distúrbios do sono | Nenhuma vez | 2 | 1,3 |
Menos de 1 vez/sem. | 114 | 75,5 | |
1 a 2 vezes/sem. | 35 | 23,2 | |
3 vezes/sem ou mais | 0 | 0,0 | |
Qualidade subjetiva do sono | Muito boa | 14 | 9,3 |
Boa | 55 | 36,4 | |
Ruim | 76 | 50,3 | |
Muito ruim | 6 | 4,0 | |
Disfunção durante o dia | Nenhuma vez | 11 | 7,3 |
Menos de 1 vez/sem. | 73 | 48,3 | |
1a 2 vezes/sem. | 45 | 29,8 | |
3 vezes/sem. ou mais | 22 | 14,6 | |
Uso de medicações para dormir | Nenhuma vez | 140 | 92,7 |
Menos de 1 vez/sem. | 5 | 3,3 | |
1a 2 vezes/sem. | 6 | 4,0 | |
3 vezes/sem. ou mais | 0 | 0,0 | |
Escore da qualidade de sono Média (SD)= 7,28 (2,26) | Boa (≤5 pontos) | 32 | 21,19 |
Má (>5 pontos) | 119 | 78,81 |
Nota:Frequência absoluta (N) e relativa (%)
Na Tabela 3, observa-se que a qualidade de sono apresenta correlação positiva com o domínio Comunicação Profissional (CP) (r=0,21, p<0,01), Formação Profissional (FP) (r=0,21, p<0,01) e Atividade Teórica (AT) (r=0,23, p<0,01), isto é, quanto maior o estresse acadêmico, menor a qualidade de sono. Os demais domínios (RAP- Realização de Atividades Práticas; AMB- Ambiente; e GT- Gerenciamento do Tempo) não apresentam correlação significativa com o PSQI.
Tabela 3 Correlação entre a qualidade de sono e os fatores de estresse do AEEE entre estudantes de enfermagem - São Paulo, 2012
PSQI | RAP | AMB | CP | GT | FP | AT | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
PSQI | 1 | ||||||
RAP | 0,13 | 1 | |||||
AMB | 0,06 | 0,69*** | 0,18* | ||||
CP | 0,21** | 0,16* | 0,26*** | 1 | |||
GT | 0,09 | 0,23* | 0,65*** | 0,29*** | 1 | ||
FP | 0,21** | 0,73*** | 0,18* | 0,26*** | 0,15 | 1 | |
AT | 0,23** | 0,23** | 0,18* | 0,43*** | 0,2** | 0,32*** | 1 |
***p<0,0001
**p<0,01
*p<0,05
Ao analisar os dados mediante o modelo de regressão múltipla lineal, com R2=0,4527 e R2 ajustado=0,3674 com p<0,0001(Tabela 4), observa-se que as variáveis que diminuem a qualidade de sono são: perceber o domínio Formação Profissional como estressante (β=0,27; p=0,00), cursar o primeiro ano acadêmico (β=2,75; p=0,00), trabalhar (β=1,86; p=0,01) e dedicar mais horas ao estudo (β=0,67; p=0,01).
Tabela 4 Influência dos fatores de estresse e variáveis sociodemográfica na qualidade de sono de estudantes de enfermagem (Regressão linear múltipla) - São Paulo, 2012
β | EP** | t-Valor | p-Valor | |
---|---|---|---|---|
(Intercept) | 2,97 | 2,66 | 1,12 | 0,27 |
Idade (anos) | -0,13 | 0,08 | -1,65 | 0,10 |
Estado civil | ||||
Casado | Referência | |||
Solteiro | 0,48 | 1,15 | 0,42 | 0,68 |
União Estável | -3,26 | 1,77 | -1,84 | 0,07 |
Ano acadêmico | ||||
Segundo | Referência | |||
Primeiro | 2,75 | 0,78 | 3,51 | 0,00* |
Terceiro | 0,15 | 0,63 | 0,23 | 0,82 |
Quarto | -0,02 | 0,65 | -0,04 | 0,97 |
Domínios do Estresse | ||||
Domínio 5 - Formação Profissional | 0,27 | 0,08 | 3,37 | 0,00* |
Meios de transporte | ||||
Ônibus | ||||
Não | Referência | |||
Sim | 1,03 | 0,56 | 1,85 | 0,07 |
Locomoção | ||||
Casa-Campo de estágio (minutos) | 0,00 | 0,01 | 0,08 | 0,93 |
Trabalha | ||||
Não | Referência | |||
Sim | 1,86 | 0,67 | 2,75 | 0,01* |
Grupo de Pesquisa | ||||
Não participa | Referência | |||
Participa | 0,91 | 0,49 | 1,87 | 0,06 |
Tempo de estudo (h/semana) | 0,67 | 0,25 | 2,69 | 0,01* |
*Valor estatisticamente significativo (p<0,05)
**EP = Erro Padrão
Discussão
Nesta pesquisa, verificou-se que a Formação Profissional e o Gerenciamento do Tempo representaram, com maior frequência, muito alto nível de estresse aos estudantes de enfermagem, assim como a Comunicação Profissional representou alto nível de estresse para esses indivíduos.
A Formação Profissional, entendida como a preocupação com o conhecimento adquirido na fase de formação acadêmica e o seu impacto na vida profissional também é percebida como estressante por estudantes de enfermagem de contextos socioculturais diferentes. Uma investigação entre 373 discentes de enfermagem do Egito evidenciou que o medo do futuro profissional foi um estressor para 82,6% dos alunos e a carga acadêmica para 59,8% da amostra(18). Outra investigação conduzida entre 130 alunos de enfermagem do Rio Grande do Sul identificou que a Formação Profissional representou alto nível de estresse para 20% dos discentes e médio nível para 40,77% dessa população(11).
Quanto ao gerenciamento do tempo, observou-se que os estudantes sentem dificuldades para conciliar as atividades curriculares com as demandas pessoais, emocionais e sociais. Nesse sentido, ao ingressar no ensino superior, o aluno vivencia a intensificação das exigências acadêmicas, as diferentes oportunidades na área de pesquisa e ensino, a necessidade de trabalhar para a própria manutenção e, muitas vezes, o deslocamento até o campus universitário. Nesse contexto, o estudante precisa administrar as distintas demandas diárias e conciliá-las ao convívio familiar e social, o que contribui para a elevação do nível de estresse dos alunos. Em uma pesquisa realizada com 100 estudantes de enfermagem da Arábia Saudita, foi verificado que o excesso de responsabilidades acadêmicas foi o estressor mais frequente entre esses indivíduos(5). Em outro estudo, envolvendo alunos do 4º ano da graduação em enfermagem de Campinas, foi verificado que conciliar trabalho e curso (63,6%) e dificuldade de conciliar estudo e lazer (40,9%) foram consideradas as atividades mais desgastantes pelos discentes(27).
Somado a isso, a comunicação e a relação com os colegas e profissionais de saúde representa alto nível de estresse aos discentes. Tendo em vista que os discentes de enfermagem são, em geral, jovens, é possível que apresentem menos experiência no trato direto com pessoas e maior dificuldade para lidarem com as questões assistenciais junto à equipe de saúde. Além disso, é possível que a competitividade na busca pelo conhecimento e as diferenças individuais entre os colegas de curso sejam causas de conflitos no ambiente assistencial. Nesse sentido, pesquisa com 343 alunos de enfermagem do Egito verificou que o relacionamento conflituoso com colegas de curso foi um dos estressores de maior frequência(18). Em investigação conduzida entre 366 estudantes de enfermagem do Irã, foi observado que o conflito com colegas (52,2%), os problemas no relacionamento com os pais (20,2%) e cônjuge (31,1%) e a convivência com situações novas e não familiares (64,2%) foram considerados os estressores mais pontuados pelos sujeitos(20).
Frente a esse contexto, é possível a ocorrência do estresse em estudantes de enfermagem inseridos no ambiente acadêmico e a influência desse fenômeno na qualidade de sono dos estudantes. Neste estudo, identificou-se que 78,8% dos alunos apresentam baixa qualidade do sono e que o nível de estresse interfere na qualidade do sono (p=0,016), de maneira que, quanto maior o nível de estresse, menor a qualidade do sono. Sobre isso, destaca-se que, muitas vezes, os alunos utilizam parte do período de sono para atender às demandas acadêmicas (estudo e leituras) e sociais (encontros com amigos e eventos familiares). Por consequência, o estudante dorme mais tarde e acorda cedo para chegar ao local de atividade acadêmica, o que implica um menor tempo de sono ao longo da noite, geralmente abaixo do necessário para o restabelecimento orgânico. Sobre isso, pesquisa entre 234 estudantes de enfermagem do Peru identificou que 62% dos estudantes apresentam mudanças no hábito de sono após o ingresso no curso(14).
Nesta pesquisa, foi encontrada correlação positiva entre os fatores de estresse Comunicação profissional, Formação Profissional e Atividade Teórica e a qualidade de sono. Ainda, na regressão linear (Tabela 4), atestou-se que a Formação Profissional impactou positivamente na qualidade do sono. Sobre isso, destaca-se que os conflitos presentes nas relações com colegas e profissionais de saúde, as preocupações do discente com a aquisição de conhecimento, sua inserção no mercado de trabalho, bem como a dificuldade em relação aos conteúdos apreendidos e às metodologias de ensino excedem os recursos cognitivos dos discentes. Por consequência, muitas vezes, o aluno leva mais tempo para iniciar o sono, dorme um tempo total menor ou não consegue dormir durante a noite, o que leva à baixa qualidade de sono. Em pesquisa com 44 estudantes universitários do Brasil, verificou-se que a redução do período de sono associou-se ao aumento do número de sujeitos com pontuação indicativa de má qualidade de sono e indisposição moderada ou severa para o desenvolvimento de atividades diárias. Ainda, o horário de início das atividades acadêmicas contribuiu para antecipação no horário de despertar, o que pareceu agravar a má qualidade do sono(24).
Além dos fatores de estresse apresentados, é importante considerar que algumas características sociodemográficas podem influenciar na qualidade do sono do discente. Nesse sentido, verificou-se que estar no primeiro ano acadêmico, realizar atividade de trabalho e dispensar mais tempo aos estudos contribui para a diminuição da qualidade de sono. O fato de estar no primeiro ano implica um considerável volume de disciplinas teóricas e na necessidade de adaptação a um novo ambiente, com exigências e carga de atividades superiores àquelas do ensino médio(26). Isso exige que o aluno estude mais tempo diariamente, substituindo parte do tempo de sono para tal tarefa, o que repercute na qualidade do sono, fato este verificado em 50,3% dos alunos que apresentaram má qualidade subjetiva de sono. Sobre isso, pesquisa realizada entre 44 estudantes universitários de São Paulo identificou que, após o início das aulas, houve maior número de alunos com má qualidade de sono e indisposição durante o dia quando comparado ao período de férias(24). Os autores acreditam que isso decorra da sujeição dos estudantes aos horários rígidos adotados para o início das atividades acadêmicas ou da adoção de hábitos irregulares de sono incorporado pelos estudantes no período letivo(24).
Ainda, exercer atividade de trabalho concomitantemente ao curso de graduação exige que o discente atenda, além das demandas acadêmicas, as exigências e horários de trabalho, o que pode levar à sobrecarga e repercutir na qualidade e duração do sono do aluno. Quanto a isso, em investigação com 30 estudantes de enfermagem de São Paulo que trabalhavam no período noturno, foi verificada a presença de sonolência diurna excessiva nos alunos(28). Os autores concluem que o trabalhador noturno, que sofre privação do sono, tem um acréscimo das horas de vigília devido ao estudo. Isso ocasiona níveis mais elevados de sonolência, o que pode prejudicar seu desempenho escolar e laboral(28).
Conclusão
O Gerenciamento do Tempo e a Formação Profissional representaram muito alto estresse aos discentes de enfermagem e a Comunicação Profissional representou alto nível de estresse a esses indivíduos. Os alunos apresentaram má qualidade do sono e houve correlação significativa positiva entre o nível de estresse e a qualidade do sono, sendo que a Formação Profissional contribuiu para a má qualidade do sono. Somado a isso, o tempo dispensado aos estudos, o vínculo empregatício e estar no primeiro semestre do curso de graduação foram aspectos que influenciaram negativamente na qualidade do sono.
Dessa forma, evidencia-se que os fatores do ambiente acadêmico e algumas características sociodemográficas interferem no cotidiano do aluno de enfermagem, contribuindo para a redução da qualidade do sono, o que confirma a hipótese desta investigação. Por conseguinte, há possível impacto ao aprendizado do estudante e à qualidade do cuidado de enfermagem quando da sua inserção no ambiente de cuidado clínico.
Nessa perspectiva, sugere-se a reorganização da dinâmica de ensino e a proposição de ações com foco nos fatores de maior estresse e nos que contribuem para a má qualidade do sono a fim de auxiliar os estudantes no desenvolvimento das atividades acadêmicas.
Esta investigação apresentou um panorama que permite repensar a formação em enfermagem a fim de minimizar o estresse e melhorar a qualidade do sono dos discentes.
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Recebido: 08 de Janeiro de 2014; Aceito: 01 de Maio de 2014