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Da hospitalização ao luto: significados atribuídos por pais aos relacionamentos com profissionais em oncologia pediátrica * * Extraído da tese: “Relacionamentos entre pais e profissionais da saúde no final de vida da criança com câncer hospitalizada: encontros que sobrevivem ao tempo”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2016.

RESUMO

Objetivo

Compreender os significados atribuídos por pais enlutados aos relacionamentos com profissionais da saúde durante a hospitalização do filho em final de vida.

Método

Estudo qualitativo-interpretativo, baseado na hermenêutica. Os dados foram coletados a partir de entrevistas com pais enlutados pela morte de um filho com câncer no hospital e de observação participante em unidade oncológica. Seguiram-se passos da análise temática dedutiva para a interpretação dos dados.

Resultados

A experiência dos pais é a soma de todos os relacionamentos durante o tratamento, e, portanto, os significados formam um emaranhado de sentidos inter-relacionados e construídos não apenas na interação com os profissionais, mas também com o filho e com o próprio luto. Nos relacionamentos com os profissionais foram identificados significados relacionados às memórias do filho, emoções negativas e arrependimento.

Conclusão

As experiências e os significados do luto são moldados pelos processos sociais e interacionais vividos pela família no hospital. O relacionamento com os profissionais representa parte do suporte no enfrentamento do luto após a morte da criança no hospital, pela perpetuidade do amor demonstrado ao filho como um legado possível na legitimidade das interações vividas.

Criança Hospitalizada; Neoplasias; Relações Profissional-Família; Enfermagem Familiar; Morte; Luto

ABSTRACT

Objective

To understand the meanings assigned by bereaved parents to their relationships with healthcare professionals during the end-of-life hospitalization of their child.

Method

Qualitative-interpretative study based on hermeneutics. Data were collected from interviews with parents who were grieving the death of a child with cancer in the hospital and participant observation in an oncology ward. Deductive thematic analysis for data interpretation ensued.

Results

The experience of parents is the sum of all relationships during treatment. Therefore, meanings form a tangle of interrelated senses built not only in the interaction with these professionals, but also with the child and with grief itself. In relationships with professionals, meanings related to the memories of the child, negative emotions and regret were identified.

Conclusion

The experiences and meanings of grief are shaped by the social processes and interactions experienced by the family in the hospital. The relationship with the professionals represents part of the support in coping with the grief after the child’s death in the hospital, due to the perpetuity of the love shown for the child as a possible legacy in the legitimacy of the experienced interactions.

Child, Hospitalized; Neoplasms; Professional-Family Relations; Family Nursing; Death; Bereavement

RESUMEN

Objetivo

Comprender los significados atribuidos por los padres en duelo a las relaciones con profesionales sanitarios durante la hospitalización del hijo en final de vida.

Método

Estudio cualitativo interpretativo, basado en la hermenéutica. Los datos fueron recogidos mediante entrevistas con padres en duelo por la muerte de un hijo con cáncer en el hospital y de observación participante en unidad oncológica. Se siguieron los pasos del análisis deductivo para la interpretación de los datos.

Resultados

La experiencia de los padres es la suma de todas las relaciones durante el tratamiento, por lo que los significados forman un enmarañado de sentidos interrelacionados y construidos no solo en la interacción con los profesionales, sino también con el hijo y con el mismo duelo. En las relaciones con los profesionales fueron identificados significados relacionados con las memorias del hijo, emociones negativas y arrepentimiento.

Conclusión

Las experiencias y los significados del duelo los moldean los procesos sociales e interactivos vividos por la familia en el hospital. La relación con los profesionales representa parte del soporte al enfrentamiento del duelo después de la muerte del niño en el hospital, por la perpetuidad del amor demostrado al hijo como un legado posible en la legitimidad de las interacciones vividas.

Niño Hospitalizado; Neoplasias; Relaciones Profesional-Familia; Enfermería de la Familia; Muerte; Aflicción

INTRODUÇÃO

O câncer é a doença que causa o maior número de mortes de crianças e adolescentes entre 1 e 19 anos de idade no Brasil (11. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva . Incidência de câncer no Brasil: estimativa 2016 [ Internet ]. Rio de Janeiro : INCA ; 2015 [ citado 2018 maio 10 ]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/wcm/dncc/2015/index.asp
http://www.inca.gov.br/wcm/dncc/2015/ind...
) . A doença e morte de uma criança afeta diversos membros na família, provocando reações intensas e problemas de ajustamento e adaptação familiar após a perda (22. Mendes-Castillo AMC , Bousso RS . The experience of grandmothers of children with cancer . Rev Bras Enferm [ Internet ]. 2016 [ cited 2018 Oct 10 ]; 69 ( 3 ): 559 - 65 . Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-71672016000300559&script=sci_arttext&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S003...
-33. Albuquerque S , Pereira M , Narciso I . Couple’s relationship after the death of a child: a systematic review . J Child Fam Stud . 2016 ; 25 ( 1 ): 30 - 53 . DOI: https://doi.org/10.1007/s10826-015-0219-2
https://doi.org/10.1007/s10826-015-0219-...
) .

Apesar da carência de estatísticas que mensurem o impacto da morte de uma criança para o meio social, é reconhecido que o luto pela morte de um filho é altamente devastador e impactante (44. Proulx MC , Martinez AM , Carnevale F , Legault A . Father’s experience after the death of their child (aged 1-17 years) . Omega J Death Dying . 2016 ; 73 ( 4 ): 308 - 25 . DOI: https://doi.org/10.1177/0030222815590715
https://doi.org/10.1177/0030222815590715...
-55. Zetumer S , Young I , Shear MK , Skritskaya N , Lebowitz B , Simon N , et al . The impact of losing a child on the clinical presentation of complicated grief . J Affect Disord . 2015 ; 170 : 15 - 21 . DOI: https://doi.org/10.1016/j.jad.2014.08.021
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) . Mais especificamente, o luto por um filho aumenta a mortalidade e a incidência de sintomas psicossociais que afetam a continuidade das atividades após a perda (55. Zetumer S , Young I , Shear MK , Skritskaya N , Lebowitz B , Simon N , et al . The impact of losing a child on the clinical presentation of complicated grief . J Affect Disord . 2015 ; 170 : 15 - 21 . DOI: https://doi.org/10.1016/j.jad.2014.08.021
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-66. Wikman A , Mattsson E , Von Essen L , Hovén E . Prevalence and predictors of symptoms of anxiety and depression, and comorbid symptoms of distress in parents of childhood cancer survivors and bereaved parents five years after end of treatment or a child’s death . Acta Oncol . 2018 ; 57 ( 7 ): 950 - 7 . DOI: https://doi.org/10.1080/0284186X.2018.1445286
https://doi.org/10.1080/0284186X.2018.14...
) .

Diversas áreas de investigação sobre a adaptação de enlutados após a perda de um ente querido produziram novas perspectivas sobre o luto e suas complicações. A conceitualização mais aceita é o Modelo do Processo Dual (77. Stroebe M , Schut H . Overload: a missing link in the dual process model? Omega J Death Dying . 2016 ; 74 ( 1 ): 96 - 109 . DOI: https://doi.org/10.1177/0030222816666540
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) . Além de esclarecer a necessidade do “trabalho de luto”, esse modelo enfatiza o movimento de envolver-se e, ao mesmo tempo, afastar-se dele. Desta forma, o enlutado oscila entre o enfrentamento da perda e o enfrentamento da restauração. A oscilação entre ambos os movimentos, ainda que não ocorram em progressão linear, retrata o processo de elaboração do luto.

A análise de significados associados às perdas inerentes à vida humana evidencia processos importantes para a vivência do luto, da morte e do morrer. O significado está relacionado ao sentido encontrado ou construído nas experiências vividas, e sabe-se que é fundamental para o ajustamento do indivíduo à perda (88. Neimeyer RA , Klass D , Dennis MR . A social constructionist account of grief: loss and the narration of meaning . Death Stud . 2014 ; 38 ( 6-10 ): 485 - 98 . DOI: https://doi.org/10.1080/07481187.2014.913454
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) . Sabendo que esses significados podem ser mutáveis à medida que novas experiências e novos sentidos são vivenciados, compreender esse processo perpassa pelo estudo dos relacionamentos, da linguagem e dos diálogos construídos na interação do ser com o mundo (99. Moules NJ , Jardine DW , McCaffrey GP , Brown C . “Isn’t all of oncology hermeneutic?” J Appl Hermeneut [ Internet ]. 2013 [ cited 2018 Oct 10 ]; 3 : 1 - 10 . Available from: http://jah.journalhosting.ucalgary.ca/jah/index.php/jah/article/view/43/pdf
http://jah.journalhosting.ucalgary.ca/ja...
) .

A literatura de enfermagem carece da aproximação dos processos de construção de significado relacionado ao luto na abordagem prática de cuidado do paciente e da família. Este estudo buscou avanços para o planejamento do cuidado das famílias que vivenciam o final de vida do filho no hospital, a partir de uma análise dos significados atribuídos por pais enlutados aos relacionamentos com os profissionais de saúde durante a hospitalização de uma criança com câncer. Sabendo que as impressões dos pais sobre o cuidado recebido podem durar longos anos após a interrupção do tratamento (1010. Ljungman L , Boger M , Ander M , Ljótsson B , Cernvall M , Von Essen L , et al . Impressions that last: particularly negative and positive experiences reported by parents five years after the end of a child’s successful cancer treatment or death . PLoS One . 2016 ; 11 ( 6 ): e0157076 . DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0157076
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) , e que o luto não é algo que simplesmente acaba com o tempo, mas envolve um processo psíquico (88. Neimeyer RA , Klass D , Dennis MR . A social constructionist account of grief: loss and the narration of meaning . Death Stud . 2014 ; 38 ( 6-10 ): 485 - 98 . DOI: https://doi.org/10.1080/07481187.2014.913454
https://doi.org/10.1080/07481187.2014.91...
,1111. Bellet BW , Neimeyer RA , Berman JS . Event centrality and bereavement symptomatology: the moderating role of meaning made . Omega J Death Dying . 2018 ; 78 ( 1 ): 3 - 23 . DOI: https://doi.org/10.1177/0030222816679659
https://doi.org/10.1177/0030222816679659...
) , este estudo buscou responder ao objetivo de compreender os significados atribuídos por pais enlutados aos relacionamentos com profissionais da saúde durante a hospitalização do filho.

MÉTODO

DESENHO DO ESTUDO

Trata-se de um estudo qualitativo-interpretativo, guiado pela hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer (1212. Gadamer HG . Verdade e método . Petrópolis : Vozes ; 2015 .) , acerca dos significados atribuídos por pais enlutados aos relacionamentos com profissionais da saúde no final de vida da criança com câncer hospitalizada.

CENÁRIO

Foram realizadas observação de campo em uma unidade de internação e terapia intensiva de um hospital especializado em oncologia pediátrica e entrevistas semiestruturadas com pais enlutados.

POPULAÇÃO

O recrutamento dos participantes foi realizado pela indicação de profissionais de saúde de unidades de oncologia pediátrica, seguindo a técnica bola de neve, em que os primeiros entrevistados indicam os próximos, e assim por diante. Outra estratégia utilizada foram as mídias sociais para a divulgação e troca de informações com interessados a respeito do estudo. As duas estratégias de captação ajudaram na diversificação do contexto de cuidado de final de vida, visando à compreensão abrangente dos relacionamentos. Depois de identificar os participantes, procedemos a uma primeira abordagem, com uma breve apresentação pessoal e do grupo de pesquisa, explicação do motivo para o contato e da forma de obtenção da indicação da família. Incentivamos os contatados a conversar com outros membros da família sobre a participação no estudo e retornamos o contato em outro momento que, se confirmado o interesse em participar, agendávamos um encontro em data e local de escolha do participante.

Foram identificadas 42 famílias (30 por profissionais da saúde e 12 pela divulgação on-line ). Destas, sete aceitaram participar do estudo, oito se recusaram, e o restante não foi possível contatar. Entre as recusas, alguns referiram os seguintes motivos: não estou pronto para falar sobre isso ; ainda dói muito falar ; talvez mais para frente eu consiga participar, mas agora não me sinto à vontade .

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Os critérios de seleção variaram de acordo com a fonte de dados: observação participante em hospitais especializados em oncologia ou entrevistas semiestruturadas com pais enlutados pela perda de um filho no hospital.

Para as entrevistas, os critérios de inclusão foram: pais que tivessem acompanhado o filho falecido no hospital, com idade superior a 18 anos, residindo no estado de São Paulo e sofrido a perda do filho há pelo menos 6 meses. O tempo de 6 meses foi determinado considerando que, no início do processo, o enlutado encontra-se extremamente vulnerável e tomado pela dor da perda (1313. Butler AE , Copnell B , Hall H . Researching people who are bereaved: managing risks to participants and researchers . Nurs Ethics . 2019 ; 26 ( 1 ): 224 - 34 . DOI: 10.1177/0969733017695656
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) . Foram excluídos participantes que apresentassem situação de maior vulnerabilidade, como tratamento para doenças potencialmente fatais, doenças mentais, gravidez ou abuso de substâncias.

O critério de inclusão para as observações foi a avaliação de pelo menos dois médicos responsáveis pela criança sobre a possibilidade de o falecimento ocorrer dentro de 6 meses. Depois da avaliação dos critérios de inclusão das observações, nos apresentávamos à família, pais e criança, como pesquisadores da Universidade, esclarecendo nossa presença na unidade e ressaltando a ausência de vínculo de trabalho com o hospital.

COLETA DE DADOS

Os dados foram coletados no período de novembro de 2013 a junho de 2016. A coleta de dados foi realizada por dois dos autores com experiência prévia em entrevista em pesquisas qualitativas e gerou 150 horas de observações de campo e 11 horas de entrevistas com pais enlutados pela perda de um filho por câncer no hospital.

As observações participantes em unidades de oncologia pediátrica justificam-se para que os dados sejam refinados pela inserção do pesquisador no contexto de final de vida, em que os relacionamentos ocorrem. Os pesquisadores não tinham vínculo com a instituição. Para realização das observações de campo, a pesquisa foi apresentada aos enfermeiros e médicos – gestores, responsáveis e funcionários. Semanalmente eram realizadas visitas ao hospital. Foram observadas as interações entre pais, crianças e profissionais de saúde dentro dos quartos e o conteúdo das reuniões multidisciplinares e passagem de plantão a respeito de crianças em situação de final de vida.

As entrevistas ocorreram, majoritariamente, na casa dos participantes. Iniciávamos com a apresentação do grupo de pesquisa, dos objetivos da pesquisa e esclarecimento sobre a participação, aspectos esses que haviam sido conversados na ocasião do recrutamento. Seguimos com a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo participante. Após a autorização, foi realizada a caracterização da família, com a construção de genograma. Essas etapas objetivaram estabelecer o rapport entre entrevistador e entrevistado. Posteriormente, realizávamos uma rápida contextualização das motivações do estudo, seguido das questões norteadoras: Como foi o seu relacionamento com os profissionais durante os últimos dias que você esteve com o(a) (nome da criança) no hospital? Hoje, ao se lembrar dos profissionais que cuidaram do seu filho, o que você sente?

A coleta de dados foi realizada até a obtenção da saturação teórica do fenômeno estudado, ou seja, suficiente densidade teórica para atingir o objetivo proposto (1414. Minayo MCS . Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias . Rev Pesq Qual [ Internet ]. 2017 [ citado 2018 out. 10 ]; 5 ( 7 ): 1 - 12 . Disponível em: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
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) .

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Diferentemente de outros métodos de pesquisa qualitativa, a hermenêutica não objetiva formar temas, categorias, construtos teóricos ou teorias, mas focalizar o aprofundamento da compreensão do fenômeno para apresentá-la de forma diferente, lógica e aplicável no contexto que se almeja. Apesar disso, a formação de temas, categorias ou teorias pode ser bem-vinda se facilitar a apresentação e a explicação das interpretações realizadas (1515. Moules NJ , Field JC , McCaffrey GP , Laing CM . Conducting hermeneutic research: from philosophy to practice . New York : Peter Lang ; 2015 .) .

Neste estudo, foram realizados agrupamentos de frases com sentidos semelhantes para compreender os significados dos relacionamentos com profissionais de saúde atribuídos por pais enlutados pela perda de um filho com câncer no hospital. Assim, unidades de sentido foram identificadas e agrupadas em categorias.

Para clarificar e evidenciar os significados presentes na experiência dos pais, essas categorias foram dedutivamente analisadas conforme o livro de códigos de significados de luto criado por Gillies, Niemeyer e Milman (1616. Gillies J , Neimeyer RA , Milman E . The meaning of loss codebook: construction of a system for analyzing meanings made in bereavement . Death Stud . 2014 ; 38 ( 1-5 ): 207 - 16 . DOI: https://doi.org/10.1080/07481187.2013.829367
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) . Esses autores propuseram um sistema de codificação abrangente para analisar os significados construídos após a morte de um ente querido, produzindo um livro de códigos de 30 categorias com temas negativos e positivos que surgem enquanto o enlutado tenta dar sentido à perda. As categorias deste estudo foram articuladas aos códigos propostos por esses autores.

Com o intuito de garantir a fidedignidade dos resultados, a codificação e categorização inicial foi realizada por dois pesquisadores de forma independente. As discrepâncias foram discutidas com outros pesquisadores, especialistas em pesquisa qualitativa, para atestar que as categorias analíticas estavam de acordo com os dados e com os objetivos do estudo.

ASPECTOS ÉTICOS

Este estudo fundamentou-se na resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde e em considerações éticas de pesquisas com enlutados (1313. Butler AE , Copnell B , Hall H . Researching people who are bereaved: managing risks to participants and researchers . Nurs Ethics . 2019 ; 26 ( 1 ): 224 - 34 . DOI: 10.1177/0969733017695656
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) , recebendo parecer favorável para a coleta de dados pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da USP sob o Parecer 486.204, de 10/12/2013) e pelo Comitê da instituição participante do estudo Parecer 504.822, de 22/01/2014). As entrevistas foram realizadas após a concordância dos participantes mediante a assinatura do TCLE. Os participantes foram identificados com a letra M (mãe) ou P (pai) seguido de algarismos arábicos, conforme a sequência das entrevistas.

RESULTADOS

Uma análise retrospectiva da experiência de pais que perderam um filho por câncer no hospital permitiu compreender os significados sobre os relacionamentos com os profissionais. Os participantes foram 6 mães e 1 pai com idade entre 21 e 54 anos. Esses pais perderam filhos entre 3 e 17 anos, com diferentes diagnósticos e tempo variado do curso da doença. O período entre o diagnóstico da doença e o óbito da criança variou de 1 ano e 11 dias a 7 anos. O tempo entre a morte da criança e a realização da entrevista variou de 11 meses a 10 anos e 6 meses.

A análise das narrativas dos pais resulta de um constante esforço para atingir a fusão de horizontes, conceito fundamental para a hermenêutica, o qual significa unir o horizonte de compreensão com o de outra pessoa para ver novas possibilidades de interpretação (1212. Gadamer HG . Verdade e método . Petrópolis : Vozes ; 2015 .,1515. Moules NJ , Field JC , McCaffrey GP , Laing CM . Conducting hermeneutic research: from philosophy to practice . New York : Peter Lang ; 2015 .) . Embora tivéssemos como foco inicial de investigação o relacionamento entre pais e profissionais de saúde nos últimos dias de vida da criança, os participantes nos guiaram para um ponto fundamental da análise, revelando que a experiência dos pais é a soma de todos os relacionamentos vividos no hospital durante todo o tratamento. Desse modo, apenas olhar para as interações ocorridas no final de vida ou para um único profissional, como enfermeiros, não capturaria a amplitude e a impermanência que a subjetividade presume aos relacionamentos no contexto do luto. Assim, imbricados às narrativas dos pais sobre acontecimentos, passagens e lembranças dos relacionamentos vividos no tempo em que estavam no hospital foram evidenciados significados construídos não apenas no relacionamento com os profissionais, mas também com o filho e com o próprio luto da família, conforme demonstrado no Quadro 1 .

Quadro 1
– Categoria de significados atribuídos por pais enlutados aos relacionamentos com profissionais da saúde durante a hospitalização do filho – São Paulo, SP, Brasil, 2016.

Os significados construídos por meio dos relacionamentos com os profissionais foram: memórias do filho, emoção negativa e arrependimento, conforme mostrado no Quadro 2 . A categoria de significado memórias do filho evidenciou o relacionamento com os profissionais enquanto lembrança da vida do filho e identidade permanente da criança. Dentro dessa categoria, perpetuando a memória do filho , evocando sentimentos positivos e deixando um legado foram significados atribuídos aos relacionamentos vividos com os profissionais que repercutiam no luto dos pais, uma vez que os sentimentos vinculados aos relacionamentos mostraram favorecer ou dificultar o processo de elaboração do luto.

Quadro 2
– Categorias de significados atribuídos aos relacionamentos com os profissionais –São Paulo, SP, Brasil, 2016.

A categoria de significado emoção negativa remete às lembranças, do tratamento e dos profissionais, que carregam dúvidas a respeito das condutas realizadas com o filho ou do cuidado à família. A categoria arrependimento mostra que, para os pais, no que diz respeito ao luto, questões pendentes e mal resolvidas acerca do tratamento ou do cuidado resultam em mágoas, dúvidas e angústias em relação à doença do filho e, se não forem trabalhadas, permanecem inalteradas, mesmo anos após a morte da criança. Tratamentos muito agressivos e fúteis são questionados pelos pais após a perda e sobressai na memória a necessidade de um cuidado integral, de suporte, tal como pressupõe a filosofia dos cuidados paliativos.

Na situação de doença e morte por câncer, os pais precisam da certeza de que tudo e o melhor foi proporcionado para a criança. Os pais expressaram de alguma forma o significado envolvido no esforço de suprir todas as necessidades do filho e esgotar as alternativas possíveis da melhor forma, conforme demonstrado no Quadro 3 . Essa certeza ajuda no processo de elaboração de luto, uma vez que contribui para a construção de significados, como compreender a impermanência da vida, valorizar o tempo compartilhado com o filho , afirmar a identidade do filho , preparar o filho para a despedida , aceitação da morte ou a compreensão da morte como libertação d o sofrimento .

Quadro 3
– Categorias de significados atribuídos no relacionamento com o filho falecido – São Paulo, SP, Brasil, 2016.

As lembranças dos relacionamentos com os profissionais da saúde remetem inevitavelmente aos diversos significados atribuídos à perda. Assim, as narrativas mostram processos de elaboração do luto pela morte de um filho com câncer no hospital, conforme mostrado no Quadro 4 . Na categoria valorizando os relacionamentos , o suporte social e apoio são fatores de proteção, ajudando a amenizar as dificuldades decorrentes da perda.

Quadro 4
– Categorias de significados atribuídos à perda de um filho com câncer no hospital. São Paulo, 2016.

Para os pais, a relação com os próprios sentimentos evidenciou formas de enfrentamento que se alteram ao longo do tempo, conforme o luto vai sendo elaborado e, reconhecidamente, de forma diferente para cada membro da família. Assim, as categorias coping , seguindo em frente e melhorando as perspectivas resultam das diversas perspectivas diante da perda.

As categorias saudades do filho e identidade perdida referem-se à continuidade da relação com o filho falecido, na memória ou em um novo espaço para a criança dentro da família. Esses significados emergem continuamente junto aos processos cognitivos relacionados à experiência com o filho. Da mesma forma, reconstruir acontecimentos e buscar explicações para a perda é esperado e, nesse caminho, crenças são desafiadas. Nesse sentido, as categorias espiritualidade , falta de compreensão , significado encontrado e sem significado mostram o movimento dos pais de buscar explicação para a doença e para a perda. Reconhecer essas expressões é fundamental para antever formas de enfrentamento que podem favorecer ou dificultar o processo de elaboração do luto, quando os pais ainda estão no hospital.

Nas entrevistas, observamos uma cadência na narrativa, uma fluência nos pensamentos, quando havia lembranças de momentos no hospital, que acompanhavam sentimentos positivos, como situações que perceberam o filho valorizado pelos profissionais, com sua identidade e preferências respeitadas. A fluidez nas narrativas capturava recordações espontâneas e naturais, repletas de significados sobre a relação com o filho.

Essa mesma fluência não foi identificada nas situações em que os pais não associaram sentimentos positivos. O ritmo da conversa e o tom de voz foram diferentes, havia mais pausas e menor fluidez pelo cuidado na escolha das palavras. Na história da perda, esses significados estavam espontaneamente presentes, integrados à narrativa e carregando emoções e sentimentos revividos em detalhes sobre os relacionamentos com os profissionais.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo fornecem uma descrição e uma interpretação sobre como a experiência de pais durante o luto informa a respeito dos relacionamentos vivenciados durante o período de hospitalização. Entendemos durante a pesquisa que a experiência de pais sobre perder um filho no hospital é repleta de significados e sentidos que se interpõem ao longo do processo de luto. Por isso, os resultados capturaram significados além daqueles estabelecidos com os profissionais, visto que um recorte no objeto de análise, como o relacionamento com os profissionais, não demonstraria a complexidade que o emaranhado de sentidos supõe às lembranças do tempo que os pais estavam com o filho no hospital.

Os dados da literatura sobre o processo de elaboração do luto, como o Modelo do Processo Dual de Elaboração do Luto (DPM), podem ajudar a refletir amplamente a respeito dos relacionamentos com os profissionais da saúde, na perspectiva de pais enlutados (77. Stroebe M , Schut H . Overload: a missing link in the dual process model? Omega J Death Dying . 2016 ; 74 ( 1 ): 96 - 109 . DOI: https://doi.org/10.1177/0030222816666540
https://doi.org/10.1177/0030222816666540...
) . Os resultados deste estudo mostram como os relacionamentos podem ser reconstruídos na memória dos pais e, com eles, os sentimentos que emergem das lembranças incitam processos de enfrentamento dúbios, ora voltados para a perda e aos aspectos mal resolvidos, ora focados na mudança da vida e nos aspectos positivos desses relacionamentos na nova identidade do filho, construída no processo de luto.

Esse processo gera uma inevitável sobrecarga ao enlutado, que não pode ser ignorada, por ser fundamental para compreender problemas relacionados à sua saúde física e mental (77. Stroebe M , Schut H . Overload: a missing link in the dual process model? Omega J Death Dying . 2016 ; 74 ( 1 ): 96 - 109 . DOI: https://doi.org/10.1177/0030222816666540
https://doi.org/10.1177/0030222816666540...
) . Há fatores estressantes nessas duas esferas que podem sobrecarregar o enlutado e evidenciar formas distintas de luto complicado (77. Stroebe M , Schut H . Overload: a missing link in the dual process model? Omega J Death Dying . 2016 ; 74 ( 1 ): 96 - 109 . DOI: https://doi.org/10.1177/0030222816666540
https://doi.org/10.1177/0030222816666540...
) . Diante disso, os pais enlutados constroem significados ao longo de toda a trajetória da doença diante das múltiplas perdas vividas, e a consequente sobrecarga física relacionada às demandas psicossociais do cuidador repercute nos relacionamentos vividos com os profissionais. Portanto, por meio dos relacionamentos construídos com os profissionais da saúde, fatores desencadeantes de sobrecarga física e emocional na elaboração do luto podem ser previamente identificados, ajudando na prevenção de complicações no luto.

A construção de significados é um processo que envolve encontrar sentido ou uma explicação da perda baseada em um modelo de crenças e visão de mundo (1616. Gillies J , Neimeyer RA , Milman E . The meaning of loss codebook: construction of a system for analyzing meanings made in bereavement . Death Stud . 2014 ; 38 ( 1-5 ): 207 - 16 . DOI: https://doi.org/10.1080/07481187.2013.829367
https://doi.org/10.1080/07481187.2013.82...
-1717. Waugh A , Kiemle G , Slade P . What aspects of post-traumatic growth are experienced by bereaved parents? A systematic review . Eur J Psychotraumatol . 2018 ; 9 ( 1 ): 1506230 . DOI: https://doi.org/10.1080/20008198.2018.1506230
https://doi.org/10.1080/20008198.2018.15...
) . Neste estudo, a experiência de pais enlutados com os relacionamentos junto aos profissionais durante o processo de morrer do filho no hospital evidenciou diversos significados relacionados à doença, à morte, à perda e ao luto que vivenciam. Portanto, estando os relacionamentos presentes na história de perda, os significados que dela emergem participam do processo de elaboração do luto.

Este estudo mostrou que o relacionamento com os profissionais envolve a continuidade do vínculo com o filho falecido e a construção de um espaço social que mantém viva a identidade da criança. A este respeito, sabe-se que, quando os relacionamentos representaram valores positivos e essencialmente humanos, os pais carregam memórias restauradoras e protetoras (1818. Snaman JM , Kaye EC , Torres BSC , Gibson DV , Baker JN . Helping parents live with the hole in their heart: the role of health care providers and institutions in the bereaved parents’ grief journeys . Cancer . 2016 ; 122 ( 17 ): 2757 - 65 . DOI: https://doi.org/10.1002/cncr.30087
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-1919. Davies B , Baird J , Gudmundsdottir M . Moving family-centered care forward: bereaved fathers’ perspectives . J Hosp Palliat Nurs . 2013 ; 15 ( 3 ): 1 - 12 . DOI: http://doi.org/10.1097/NJH.0b013e3182765a2a
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) . No entanto, os pais mostraram arrependimentos e emoções negativas vinculadas à experiência. Nesse sentido, sabe-se que as discussões proporcionadas pelo planejamento de cuidados avançados quando envolvem os objetivos da família podem diminuir o sofrimento da criança e o arrependimento vinculado ao cuidado de final de vida do filho (2020. DeCourcey DD , Silverman M , Oladunjoye A , Wolfe J . Advance care planning and parent-reported end-of-life outcomes in children, adolescents, and young adults with complex chronic conditions . Crit Care Med . 2019 ; 47 ( 1 ): 101 - 8 . DOI: 10.1097/CCM.0000000000003472
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) .

A necessidade de continuar os vínculos com um filho falecido inicia-se ainda no processo de doença e, principalmente, no final de vida da criança (44. Proulx MC , Martinez AM , Carnevale F , Legault A . Father’s experience after the death of their child (aged 1-17 years) . Omega J Death Dying . 2016 ; 73 ( 4 ): 308 - 25 . DOI: https://doi.org/10.1177/0030222815590715
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,1818. Snaman JM , Kaye EC , Torres BSC , Gibson DV , Baker JN . Helping parents live with the hole in their heart: the role of health care providers and institutions in the bereaved parents’ grief journeys . Cancer . 2016 ; 122 ( 17 ): 2757 - 65 . DOI: https://doi.org/10.1002/cncr.30087
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) . Assim, a análise dos dados mostrou, por meio dos significados atribuídos no relacionamento com o filho falecido, a importância, para elaboração do luto, da valorização dos vínculos estabelecidos entre pais e criança no processo de doença. Essas evidências contribuem para que os profissionais atuem na construção de estratégias visando promover oportunidades que auxiliem os pais na construção de significados que perpetuem a relação com o filho, os quais, neste estudo, foram relacionados à impermanência da vida, valorização do tempo compartilhado com o filho, afirmação da identidade do filho, preparo do filho para a despedida, aceitação da morte ou compreensão da morte como libertação do sofrimento. A esperança de manter a conexão com o filho além da vida pode ser estratégia de enfrentamento entre pais enlutados (2121. Meert KL , Eggly S , Kavanaugh K , Berg RA , Wessel DL , Newth CJ , et al . Meaning making during parent-physician bereavement meetings after a child’s death . Health Psychol . 2015 ; 34 ( 4 ): 453 - 61 . DOI: http://psycnet.apa.org/doi/10.1037/hea0000153
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) .

A continuação dos vínculos é especialmente importante para o luto parental, pois permite aos pais cultivarem a memória do filho de acordo com o julgo pessoal (1919. Davies B , Baird J , Gudmundsdottir M . Moving family-centered care forward: bereaved fathers’ perspectives . J Hosp Palliat Nurs . 2013 ; 15 ( 3 ): 1 - 12 . DOI: http://doi.org/10.1097/NJH.0b013e3182765a2a
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,2121. Meert KL , Eggly S , Kavanaugh K , Berg RA , Wessel DL , Newth CJ , et al . Meaning making during parent-physician bereavement meetings after a child’s death . Health Psychol . 2015 ; 34 ( 4 ): 453 - 61 . DOI: http://psycnet.apa.org/doi/10.1037/hea0000153
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-2222. Levick J , Fannon J , Bodemann J , Munch S . NICU bereavement care and follow-up support for families and staff . Adv Neonatal Care . 2017 ; 17 ( 6 ): 451 - 60 . DOI: 10.1097/ANC.0000000000000435
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) . Este estudo reforça contribuições acerca dessa (re)conexão com o filho por meio da memória e dos sentimentos sobre os relacionamentos vividos com os profissionais. Nesse contexto, o luto antecipatório – “luto antes da perda” – pode iluminar as estratégias no preparo de cuidadores, profissionais ou familiares, para garantir resultados favoráveis no processo de sua elaboração após a morte (2323. Nielsen MK , Neergaard MA , Jensen AB , Bro F , Guldin MB . Do we need to change our understanding of anticipatory grief in caregivers? A systematic review of caregiver studies during end-of-life caregiving and bereavement . Clin Psychol Rev . 2016 ; 44 : 75 - 93 . DOI: https://doi.org/10.1016/j.cpr.2016.01.002
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) . Os cuidadores podem viver intensas reações de luto antecipatório, particularmente os pais de crianças com doenças graves (2424. Coelho A , Barbosa A . Family anticipatory grief: an integrative literature review . Am J Hosp Palliat Care . 2017 ; 34 ( 8 ): 774 - 85 . DOI: https://doi.org/10.1177%2F1049909116647960
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) . O luto antecipatório pode ficar escondido na determinação de um papel de cuidador que não deixa transparecer as sobrecargas física e emocional que vivencia ao projetar a perda do ente querido. Assim, o luto vivenciado de forma antecipada à perda não pode ser explicitamente reconhecido (2525. Bouchal RS , Rallison L , Moules NJ , Sinclair S . Holding on and letting go: families’ experiences of anticipatory mourning in terminal cancer . Omega J Death Dying . 2015 ; 72 ( 1 ): 42 - 68 . DOI: https://doi.org/10.1177%2F0030222815574700
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) .

Ao notarmos como as experiências e os significados do luto são moldados pelas relações, este estudo ilumina os processos sociais e interacionais presentes na vida da família que vivencia o processo de morte da criança no hospital. Nesse sentido, os pais esperam que os profissionais possam lutar juntos com eles pela sobrevivência da família (2626. Mooney-Doyle K , Santos MR , Szylit R , Deatrick JA . Parental expectations of support from healthcare providers during pediatric life-threatening illness: a secondary, qualitative analysis . J Pediatr Nurs . 2017 ; 36 : 163 - 72 . DOI: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2017.05.008
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) . A possibilidade de os relacionamentos serem dinâmicos, conforme as demandas das famílias, e desvinculados gradualmente (2727. Butler AE , Hall H , Copnell B . The changing nature of relationships between parents and healthcare providers when a child dies in the paediatric intensive care unit . J Adv Nurs . 2018 ; 74 ( 1 ): 89 - 99 . DOI: https://doi.org/10.1111/jan.13401
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) pode ajudar na promoção da integridade familiar após a perda. Além desse estreito vínculo emocional, este estudo reforça que os relacionamentos atuam na manutenção de uma memória coletiva de seu filho, uma conexão continuada com a criança e, portanto, um espaço para construir significados e lidar com o processo de enfrentamento da perda.

A análise dos dados ainda permitiu identificar diversos significados na relação dos pais com o próprio luto, evidenciados pela categoria significados atribuídos à perda de um filho com câncer no hospital . Esses dados mostram que os relacionamentos estabelecidos no hospital no final de vida da criança tornam-se parte das expressões sobre a elaboração do luto da família. Corroborando tais evidências, avanços podem ser obtidos por meio da oferta de programas de follow-up , visando garantir a continuidade da comunicação entre família e profissionais de saúde e um espaço de suporte para manifestação do pesar e cuidado com o enlutado, além de beneficiar, mutuamente, familiares e profissionais de saúde (2828. Berrett-Abebe J , Levin-Russman E , Gioiella ME , Adams JM . Parental experiences with a hospital-based bereavement program following the loss of a child to cancer . Palliat Support Care . 2017 ; 15 ( 3 ): 348 - 58 . DOI: https://doi.org/10.1017/S1478951516000821
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-2929. Snaman JM , Kaye EC , Levine DR , Cochran B , Wilcox R , Sparrow CK , et al . Empowering bereaved parents through the development of a comprehensive bereavement program . J Pain Symptom Manage . 2017 ; 53 ( 4 ): 767 - 75 . DOI: https://doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2016.10.359
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)

Os dados deste estudo permitem estabelecer a interface entre aspectos psicossociais do luto e os processos interacionais no provimento de cuidado à família que vivencia a perda de uma criança no hospital. Desta forma, ao reconhecer os significados apontados neste estudo, os enfermeiros podem atuar de forma preventiva para evitar possíveis complicações no processo de elaboração do luto. Aproximar-se deste conhecimento é fundamental para identificar estratégias efetivas de um cuidado em longo prazo, visando ao bem-estar dos enlutados. Além disso, os dados reforçam a importância de um espaço continuado para as práticas relacionais, mesmo após a perda. Isso porque são necessárias estratégias que permitam a manutenção dos vínculos e a possibilidade de acolher emoções que possam surgir ao longo do processo de luto, buscando cultivar significados positivos para a sua elaboração.

CONCLUSÃO

Este estudo mostrou uma íntima associação entre relacionamentos e significados. Ambos complexos, por permitirem uma diversidade de desdobramentos possíveis, mas ricos em informações sobre um universo muito particular e difícil de ser desvendado quando pais vivenciam a perda de um filho por câncer no hospital.

A exposição dos pesquisadores nas observações de campo pelas interações com a família poderia ser indicada como uma limitação do estudo por possíveis vieses frente às dificuldades em manter imparcialidade diante de um contexto de dor e luto. Entretanto, as observações foram realizadas em dupla, visando maior reflexividade ao processo. Além disso, um dos pesquisadores, mais experiente em estudos com enlutados, liderava encontros semanais para um debriefing acerca das impressões e dificuldades enfrentadas nas observações, bem como nas entrevistas. O número de participantes das entrevistas também poderia remeter a prováveis limitações, no entanto, a densidade das narrativas e riqueza de dados minimizou tal limitação. Ademais, em hermenêutica, a preocupação quanto aos dados envolve a profundidade dos detalhes sobre o fenômeno investigado. Futuras pesquisas são necessárias para aprimorar recursos práticos para que os enfermeiros desenvolvam estratégias para auxiliar o enfrentamento das famílias que experenciam a perda de um filho com câncer no hospital.

Diversos significados estão emaranhados às lembranças dos relacionamentos vividos na época em que os pais estavam no hospital, seja com o filho, com amigos, com familiares ou com profissionais. Ao longo dos anos, as emoções envolvidas nessas lembranças podem se modificar, à medida que novos significados são integrados à experiência. Esses significados, ao serem reconhecidos durante o final de vida da criança no hospital, oferecem aos enfermeiros a oportunidade de atuar na prevenção de complicações posteriores relacionadas ao enfrentamento do luto.

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    Extraído da tese: “Relacionamentos entre pais e profissionais da saúde no final de vida da criança com câncer hospitalizada: encontros que sobrevivem ao tempo”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2018
  • Aceito
    11 Abr 2019
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