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Aprendizagem Baseada em Problemas: Contribuição para Médicos Pediatras

Problem-Based Learning: Contribution to Pediatric Practice

RESUMO

Introdução

A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) tem se destacado na educação médica por ser uma proposta fundamentada no construtivismo, com a finalidade de desenvolver a autonomia e o raciocínio crítico do estudante para tomada de decisões.

Objetivo

Por conta das dificuldades encontradas pelos graduandos e das escassas informações relativas à contribuição da ABP para a prática clínica de médicos pediatras, objetivou-se avaliar a contribuição da ABP para a formação dos médicos pediatras.

Metodologia

Trata-se de uma série de casos de abordagem descritiva, desenvolvida com médicos pediatras egressos de duas instituições públicas de ensino. A definição da amostra ocorreu de forma intencional, amostragem não probabilística, em que os atributos dos participantes são definidos conforme o objeto de estudo, a fim de selecionar quais os indivíduos são mais adequados para serem incluídos na amostra, a qual é composta por dez médicos pediatras, sendo cinco egressos de cada instituição. Para responderem ao questionário, selecionaram-se médicos especialistas em pediatria. A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora principal, por meio de três questões semiestruturadas respondidas via e-mail. As respostas dos entrevistados às questões abertas foram analisadas pelo método de análise reflexão-síntese, que pressupõe a análise e síntese de conteúdo mediadas pela sensibilidade e pela razão.

Resultados

Os resultados obtidos entre 2003 e 2012 indicaram que 28% dos médicos pediatras apresentavam título de especialista e 72% não o tinham esse título. Os discursos apresentados pelos participantes permitiram identificar que a ABP contribuiu para a formação e atuação dos médicos pediatras em diferentes aspectos, proporcionando a busca de conhecimento, a habilidade para trabalhar em equipe e a facilidade para realizar o manejo clínico de forma interdisciplinar e holística. Porém, os discursos também demonstraram que esse método pode não favorecer o aprofundamento das matérias básicas.

Conclusão

A ABP contribuiu para a formação e atuação do médico pediatra, porém pode não ter favorecido o aprofundamento das matérias básicas.

Pediatria; Educação médica; Aprendizagem Baseada em Problemas

ABSTRACT

Introduction

Problem-Based Learning (PBL) has been highlighted in medical education because it is a proposal based on constructivism, with the purpose of developing students’ autonomy and critical thinking for decision-making.

Objective

In view of the difficulties experienced by undergraduate students and the scarce information regarding the contribution of PBL to the clinical practice of pediatric physicians, we aimed to evaluate the contribution of PBL to the training of pediatricians.

Methods

This is a series of descriptive cases, developed with pediatricians from two public educational institutions. This study used an intentional, non-probabilistic sampling technique, in which the attributes of the participants are defined according to the object of study, aiming to select which individuals are more suitable to be included in the sample, consisting of ten pediatricians, with five graduated from each institution. Pediatricians were selected to answer the questionnaire. Data collection was performed by the main researcher, through three semi-structured questions answered via e-mail. The interviewees’ answers to the open questions were analyzed using the method of reflection-synthesis analysis, which presupposes content analysis and synthesis mediated by sensitivity and reason.

Results

The results indicated that 28% of the pediatricians had a Board Certification degree, and 72% did not, between the years 2003 and 2012. The participants’ discourses allowed us to identify that the PBL contributed to the training and performance of pediatricians in different aspects, providing the search for knowledge; ability to work as a team; and capacity to conduct clinical management in an interdisciplinary and holistic way. However, the discourses also demonstrated that this method might not favor the developing of the basic subjects.

Conclusion

The PBL contributed to the training and performance of the pediatrician, but it might not have favored the developing of the basic subjects.

Pediatrics; Education Medical; Problem-Based Learning

INTRODUÇÃO

O Ministério da Educação, por meio da Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina, que estabelece que o graduando deve ter formação geral para exercer a profissão em atenção, gestão e educação em saúde, crítico-reflexiva, humanista e com ética, para atuar na prevenção, promoção, recuperação e reabilitação da saúde, em diferentes níveis de atenção.11 Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 jun. 2014. Seção 1:8. No método tradicional de ensino da Medicina, o professor detém e transmite o conhecimento por muitas horas de aulas teóricas, e, na realidade, somente uma parte é efetivamente aprendida pelos alunos. Dessa forma, o método de ensino pode não atender ao que estabelecem as Diretrizes Curriculares Nacionais e as exigências do mercado de trabalho, em que o médico deve realizar atualização contínua e ter a capacidade de solucionar os problemas durante a prática clínica, como também o desenvolvimento de flexibilidade e adaptação para lidar com as mudanças da rotina de trabalho, gerada pelas inovações científicas e tecnológicas.22 Sockalingam N, Schmidt HG. Characteristics of problems for problem-based learning: the students’ perpective. Interdisciplinary Journal of Problem-based Learning 2011; 5(1):6:33. Disponível em: https://docs.lib.purdue.edu/ijpbl/vol5/iss1/3/. Acesso em: 10 set. 2016.
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A relação estabelecida entre médico e paciente também é um aspecto que tem influência na prática clínica, visto que a empatia, a escuta sem julgamentos e o uso da linguagem clara e acessível são características que fazem parte desse processo e devem ser desenvolvidas durante a formação médica, a fim de favorecer o estabelecimento de vínculo entre profissional e paciente. Entretanto, é possível identificar problemas frequentes na comunicação entre médico e paciente, em que este refere que suas dúvidas muitas vezes não são esclarecidas. Dessa forma, é importante que a organização curricular favoreça o processo de ensino com integração entre o ciclo básico e o profissional desde o início do curso, para que o aluno conheça a realidade e o modo de vida dos pacientes e tenha uma interação comunitária, a qual pode favorecer o desenvolvimento de habilidades de comunicação.33 Stock FS, Sisson MC, Grosseman S. Percepção de estudantes de medicina sobre aprendizagem da relação médico-paciente após mudança curricular. Rev Bras Educ Méd 2012; 36(1): 5-13. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbem/v36n1/a02v36n1. Acesso em: 10 set. 2016.
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A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) tem se destacado por ser uma proposta metodológica inovadora, fundamentada no construtivismo, capaz de atender às necessidades relacionadas à formação e atuação do profissional médico22 Sockalingam N, Schmidt HG. Characteristics of problems for problem-based learning: the students’ perpective. Interdisciplinary Journal of Problem-based Learning 2011; 5(1):6:33. Disponível em: https://docs.lib.purdue.edu/ijpbl/vol5/iss1/3/. Acesso em: 10 set. 2016.
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. Essa metodologia é embasada em problemas e centrada no estudante, com a finalidade de desenvolver no graduando a aprendizagem de forma ativa, partindo dos conhecimentos prévios e da realização de discussões em grupos, com o propósito de desenvolver o raciocínio crítico, a comunicação44 Barrows HS. The tutorial process. Springfield: Southern Illinois School of Medicine, 1988. e a capacidade de identificar os problemas relacionados à saúde individual e coletiva e tomar decisões para solucioná-los.44 Barrows HS. The tutorial process. Springfield: Southern Illinois School of Medicine, 1988.,55 Bordenave JD, Pereire AM. O que é ensinar. In: Bordenave JD, Pereire AM. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 39-57.

A Faculdade de Medicina de Marília (Famema) iniciou em 1997 a reforma curricular do curso de Medicina, a qual teve como princípios norteadores a ABP, com alteração de conteúdo, processos e relações para todas as séries e disciplinas, envolvendo a integração do ciclo básico e profissionalizante, com a inserção dos estudantes na comunidade e nos serviços de saúde desde o primeiro ano do curso. A utilização desse método é capaz de proporcionar o aumento da responsabilidade pelo conhecimento e atualizações de forma contínua,66 Lima EV. Estudantes de medicina em metodologias ativas: desafios da aprendizagem baseada em problemas. 2013. Mestrado (Dissertação) – Faculdade de Medicina de Marília, Marília, 2013.de modo a motivar os estudantes a relacionar a teoria com a prática desde o início do curso, com o intuito de aprenderem a associar os conhecimentos das ciências básicas e clínicas. Além disso, na percepção dos tutores, esse modelo pode contribuir para a realização da educação continuada, em que o graduando necessita buscar a informação e fazer análise crítica do conteúdo para posteriormente aplicar à prática.77 Moraes MAA, Manzini EJ. Concepções sobre a aprendizagem baseada em problemas: um estudo de caso na Famema. Rev Bras Educ Méd 2006; 30(3): 125-135. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-55022006000300003&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 5 set. 2016.
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Apesar de todos os benefícios promovidos pela ABP, essa metodologia tem gerado algumas dificuldades para os graduandos, por causa da complexidade de eles estudarem sozinhos e das dúvidas sobre o quanto explorar da temática.66 Lima EV. Estudantes de medicina em metodologias ativas: desafios da aprendizagem baseada em problemas. 2013. Mestrado (Dissertação) – Faculdade de Medicina de Marília, Marília, 2013.

Por conta dessas dificuldades encontradas pelos graduandos e das escassas informações relativas à contribuição da ABP para a prática clínica de médicos pediatras, torna-se necessário avaliar o quanto este modelo de ensino pode contribuir para a formação dos médicos pediatras. Embora esses profissionais sejam de grande importância para a atenção integral à criança e ao adolescente, a baixa procura dos médicos por essa especialidade pode afetar a assistência à saúde da população.

MÉTODOS

Adequação do projeto e sujeitos

Trata-se de uma série de casos, de abordagem descritiva, em que os cenários de pesquisa foram duas instituições: uma do interior de São Paulo (A) e a outra do interior do Paraná (B). A investigação baseou-se no período em que ambas tiveram alterações curriculares no curso de Medicina e passaram a ter a concepção pedagógica centrada no estudante, com a implementação da ABP.

A definição da amostra ocorreu de forma intencional, amostragem não probabilística, em que os atributos dos participantes são definidos conforme o objeto de estudo, a fim de selecionar quais são os indivíduos mais adequados para serem incluídos na amostra.88 Fontanela BB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública 2008; 24(1):17-27. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v24n1/02.pdf. Acesso em 10 set. 2016.
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Os médicos egressos das instituições (A) e (B) pelo método ABP foram identificados por meio de levantamento de arquivos obtidos no site e na secretaria dessas instituições. Após esse levantamento, identificaram-se os médicos que cursaram residência médica em pediatria e os que possuem o título de especialista em pediatria, por meio da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), totalizando 34 médicos. Desses médicos pediatras, dez participaram da pesquisa: cinco egressos da instituição (A) e cinco da instituição (B). Quanto aos demais, houve recusa de participação e impossibilidade de contato.

A pergunta norteadora do estudo foi:

  • Qual é a contribuição do método ABP para a prática clínica de pediatras?

Questionários avaliativos e momentos de aplicação

Para responderem ao questionário, selecionaram-se médicos especialistas em pediatria, e a coleta de dados foi realizada pela pesquisadora principal, por meio de três questões semiestruturadas respondidas via e-mail.

Para aperfeiçoamento e validação do instrumento de coleta de dados, ele foi avaliado por expertises da área do método de aprendizagem ativa. Também houve um estudo-piloto com quatro profissionais médicos, a fim de identificar a compreensão das perguntas.

As informações prestadas pelos médicos pediatras entrevistados foram tratadas com sigilo e anonimato. Por isso, substituíram-se os nomes pela letra “M” que representa a categoria profissional, seguida de um número (M1, M2, M3...).

As respostas dos entrevistados às questões abertas foram analisadas pelo método de análise reflexão-síntese, que pressupõe a análise e síntese de conteúdo mediadas pela sensibilidade e pela razão.99 Silvério MR, Patrício ZM. O processo qualitativo de pesquisa mediando a transformação da realidade: uma contribuição para o trabalho de equipe em educação em saúde. Ciênc. Saúde Coletiva 2007; 12(1):239-246. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232007000100027. Acesso em: 3 maio 2019.
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Aspectos éticos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº 1.371.485) e atende à Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012.1010 Brasil. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 13 jun. 2013; Seção 1:59. Foi fornecido aos médicos participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

A Tabela 1 demonstra, em um período de dez anos, um total de 1.608 médicos formados nas instituições (A) e (B), dos quais 8% (123) são pediatras. Entre esses pediatras, apenas 28% (34) são especialistas pela SBP e 72% (89) não têm esse título.

TABELA 1
Médicos egressos, médicos pediatras sem título de especialista e médicos pediatras com título de especialista pela SBP das instutições de ensino do estado de São Paulo (A) e do estado do Paraná (B), Brasil, de 2003 a 2012

Os médicos pediatras participantes deste estudo foram caracterizados quanto à instituição de ensino de graduação, ao tempo de formação e ao tempo de atuação em pediatria, conforme apresentado na Tabela 2.

TABELA 2
Caracterização dos médicos pediatras quanto à faculdade de graduação, ao tempo de formação e ao tempo de atuação em pediatria

DISCUSSÃO

A literatura demonstra que a escolha pela especialidade médica depende de muitos fatores, como qualidade de vida que determinada área poderá favorecer, remuneração, prestígio, influência de terceiros, oportunidades de trabalho, entre outros.1111 Michel JLM, Lopes Junior A, Santos RA, Oliveira RAB, Rebelato JR, Nunes MPT. Residência médica no Brasil: panorama geral das especialidades e áreas de atuação reconhecidas, situação de financiamento público e de vagas oferecidas. Cadernos ABEM 2011; 7:13-27. Disponível em: https://abem-educmed.org.br/wp-content/uploads/2016/06/CadernosABEM__Vol07.pdf. Acesso em: 10 set. 2016.
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,1212 Nunes MPT, Michel JLM, Haddad AE, Brenelli SL, Oliveira RAB. Distribuição de vagas de residência médica e de médicos nas regiões do país. Cadernos ABEM 2011; 7:28-34. Disponível em: https://abem-educmed.org.br/wp-content/uploads/2016/06/CadernosABEM__Vol07.pdf. Acesso em: 5 out. 2016.
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Assim, é importante considerar esses fatores para possíveis melhorias na formação e atuação do médico pediatra.

Diante das mudanças no contexto de educação, os estudos1313 Borges MC, Chachá SGF, Quintana SM, Freitas LCC, Rodrigues MLV. Aprendizado baseado em problemas. Medicina 2014; 47(3):301-307. Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/2014/vol47n3/8_Aprendizado-baseado-em-problemas.pdf. Acesso em: 5 out. 2016.
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buscam abordar as diferenças entre os métodos que envolvem o ensino tradicional e ativo, porém considera-se que as vantagens oferecidas pelas metodologias ativas só podem ser constatadas a partir da evolução profissional do egresso quanto ao desenvolvimento de autonomia para a busca de recursos científicos, a fim de embasar a prática profissional e a tomada de decisão.

Percepção dos entrevistados quanto à contribuição da ABP para a formação médica

Proporcionaram durante quatro anos a possibilidade de trabalhar em grupos e a desenvolver habilidades que facilitaram trabalhar em equipe, principalmente equipe multidisciplinar (M1).

Dada a situação clínica (problema), sabíamos como nos informar, onde encontrar as fontes de informação mais adequadas e confiáveis, além dos livros didáticos; como bases de pesquisa científica, artigos científicos, metanálises etc. (M2).

Penso que as mudanças e reflexões trazidas pelo novo contexto ajudaram a exercer a medicina de uma forma mais integrada, mais humana e completa. A busca ativa de conhecimento desperta o aluno para olhar a medicina de maneira mais ampla (M3).

Forma o médico com uma visão mais ampla do paciente e mais unificada dos diversos conhecimentos da área da saúde, porém não oferece um aprendizado aprofundado das matérias básicas (anatomia, fisiologia, histologia...) como deveria (M4).

Estimularam a desenvolver o raciocínio clínico quando vivenciadas as situações de nosso cotidiano médico (M5).

A aprendizagem baseada em problemas me proporcionou um contato de busca de respostas para questões levantadas durante um caso clínico. Com isso, me sinto mais capaz de, mesmo sem ter a resposta para determinado caso, buscar o conhecimento e assim acompanhar da melhor forma o paciente (M6).

Aprendi a buscar as respostas de forma rápida e eficiente, a elaborar perguntas pertinentes em discussões; aprendi a sintetizar as informações de forma didática para mim mesma (M7).

A metodologia ativa integra o paciente real com a teoria desde o início da formação médica, vendo o paciente e sua patologia como um conjunto e não matérias (M8).

Agilidade no raciocínio clínico (M9).

Ajudou a me tornar uma profissional mais completa (M10).

Os discursos demonstram que a ABP no ensino da Medicina contribuiu para o desenvolvimento de diversas habilidades, como a busca de conhecimento de forma efetiva, a fim de refletir em um melhor acompanhamento do paciente, o que também subsidiou uma prática médica mais humana e holística. Porém, esse método pode não favorecer o aprofundamento das matérias básicas, como anatomia, fisiologia, entre outras. Além disso, nota-se nos discursos a contribuição referente ao desenvolvimento do trabalho em equipe, considerando a participação do aluno na comunidade e nas equipes de saúde durante a formação.

A interdisciplinaridade é uma vantagem demonstrada pelo ABP sobre o ensino tradicional, mediante a alteração do conhecimento fragmentado, por casos reais, em que o estudante pode explorar diferentes abordagens do conhecimento, o que favorece a aprendizagem significativa. Além disso, a metodologia ativa busca associar os conteúdos curriculares envolvidos no ciclo básico à prática clínica, no início do curso médico, para que o estudante relacione os aspectos teóricos com os diversos contextos da prática.1313 Borges MC, Chachá SGF, Quintana SM, Freitas LCC, Rodrigues MLV. Aprendizado baseado em problemas. Medicina 2014; 47(3):301-307. Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/2014/vol47n3/8_Aprendizado-baseado-em-problemas.pdf. Acesso em: 5 out. 2016.
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A ABP favorece o desenvolvimento da comunicação e habilidades para trabalhar em equipe, diante da exposição de ideias, exploração de argumentos e posicionamento crítico ante os assuntos discutidos. Essas atividades também podem contribuir para o desenvolvimento do respeito às opiniões diversas e o desenvolvimento da autocrítica.1313 Borges MC, Chachá SGF, Quintana SM, Freitas LCC, Rodrigues MLV. Aprendizado baseado em problemas. Medicina 2014; 47(3):301-307. Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/2014/vol47n3/8_Aprendizado-baseado-em-problemas.pdf. Acesso em: 5 out. 2016.
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Percepção dos entrevistados quanto à contribuição da ABP para a atuação como médico pediatra

Adquiri o hábito de sempre ir atrás da informação e do conhecimento. Desta forma tenho mais facilidade de me manter atualizado e ajuda bastante por facilitar a busca de tratamentos e diagnóstico para casos difíceis que eventualmente surgem [...] tenho ferramentas suficientes para conseguir informações necessárias na minha prática diária (M1).

Na graduação tivemos contato precoce com os pacientes e comunidades, o que facilita a relação médico-paciente inclusive com os pais/responsáveis, resultando em uma melhor anamnese, propedêutica e investigação diagnóstica (M2).

Acho que tal vivência despertou a atenção para o cuidado integral da criança e família; ajudou a desenvolver o desejo de cuidar, ouvir e acolher a crianças e seus cuidadores nas situações mais diversas. Possibilitou o desenvolvimento da busca por literatura médica relevante com olhar crítico (artigos, protocolos, livros) avaliando sempre a pertinência e confiabilidade das informações pesquisadas [...]. A busca de conhecimento instigada pela metodologia também faz com que estejamos constantemente evoluindo e buscando nos aprimorar, não permitindo ou esperando o conhecimento pronto. Contribuiu para uma atuação mais integrada, interdisciplinar e ampla não focada na doença, mas na pessoa e na promoção de saúde [...] na pediatria é muito importante a visão holística do paciente (M3).

Especialmente na pediatria é muito importante a visão holística do paciente. Mas também falta um aprofundamento nos diferentes sistemas fisiológicos das crianças e suas peculiaridades (M4).

Tais metodologias me trouxeram mais próximo ao paciente e me ensinaram como lidar com os clientes pediátricos (M5).

As metodologias ativas incentivam a discussão multiprofissional, trabalho em equipe e, mais uma vez, a busca de aprendizagem a partir de casos [...] foram discutidos casos pertinentes à pediatria geral (M6).

Contribuiu porque foram discutidos casos pertinentes à pediatria geral (M7).

A prática médica iniciada precocemente ajuda a facilitar o manejo com o paciente pediátrico [...] ajudou a me preocupar com as crianças de forma completa e não apenas na queixa atual (M8).

Ajudou no manejo clínico (M9).

Ajudou a me preocupar com as crianças de forma completa e não apenas na queixa atual (M10).

A ABP contribuiu para a atuação do médico pediatra no âmbito da busca pelo conhecimento, diante do hábito de pesquisar informações atualizadas e confiáveis para utilização na prática diária. O contato precoce com os pacientes e as comunidades também proporcionou uma melhor relação médico-paciente e o envolvimento dos cuidadores para um manejo clínico integral e holístico.

A mudança curricular, incluindo as metodologias ativas, podem contribuir para a formação crítica do estudante, com autoconstrução do conhecimento, em que o educador é um mediador nesse processo, distanciando-se da ideia de detentor de todo o saber. Essa característica pode refletir na relação médico-paciente, tendo em vista que antigamente havia a compreensão de que o médico era superior ao paciente. Atualmente, com essas mudanças de conceitos, o paciente deve ser visto de forma integral e atuar como coparticipante na decisão de conduta terapêutica.1414 Ferreira LC, Brito TM, Carvalho IGM, Ferreira RC. A percepção de acadêmicos sobre a relação médico-paciente discutida em oficinas problematizadas do caso do eixo teórico-prático integrado (Cepti). Rev Bras Educ Méd 2015; 39(1):119-122. Disponível em: http://ref.scielo.org/m78xsq. Disponível em: 5 out. 2016.
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Percepção dos entrevistados quanto à contribuição da ABP na relação médico-paciente durante a especialização em pediatria

Ao conviver em pequenos grupos com colegas de faculdade para as discussões dos problemas, ampliei minha capacidade de saber escutar e respeitar opiniões diversas. Foi um ótimo treinamento para desenvolver a eloquência ao conversar com as pessoas e poder treinar como explicar para outros meus conhecimentos (M1).

Durante a faculdade, eu aprendi como estudar e encontrar as melhores fontes de informação disponíveis; ajudou a encontrar propostas terapêuticas, com tratamentos baseados em evidências científicas confiáveis (M2).

Permitiu maior aproximação da criança e uma relação médica adequada com a família a maneira que era espontâneo a vontade de cuidar, acolher e ouvir, assim como a preocupação em cuidar das crianças e seus cuidadores (M3).

Desde o primeiro ano o aluno é cobrado quanto à criação do vínculo, à visão holística do paciente, de sua família e à investigação mais completa possível (M4).

Me ajudaram a identificar as necessidades dos pacientes, como também assimilar as expectativas de seus acompanhantes (M5).

Tive desde o início da faculdade o contato com o paciente real; a abordagem da anamnese, exame físico e orientações ao paciente foi desde o começo realizado na prática. Ao entrar na pediatria, esse contato e prática constante da empatia e relação médico-paciente contribuiu para que eu tivesse um olhar mais atento para a criança e sua família (M6).

Infelizmente, acho que nunca vivenciei durante a minha graduação situações onde a relação médico-paciente fosse valorizada. Não aprendi nenhuma metodologia específica nesse sentido (M7).

A convivência desde o primeiro ano da graduação com o paciente real proporciona maior segurança em lidar com o paciente após a formação (M8).

Facilidade no vínculo médico-paciente (no caso da pediatria, mães e avós) e, consequentemente, na melhor adesão ao tratamento (M9).

Me preocupando com o paciente como um todo, o vínculo se torna maior (M10).

Para a maioria dos entrevistados, a ABP contribuiu para a relação médica-paciente durante a especialização em pediatria, considerando a busca do conhecimento, pois, durante na graduação, foi desenvolvida a habilidade de buscar as informações, o que ajuda a elaborar propostas terapêuticas com base em evidências científicas. Além disso, o convívio em grupos e comunidades durante a formação possibilitou aprimorar a comunicação e obter uma visão integral do paciente, favorecendo o estabelecimento de vínculo e a melhor adesão ao tratamento.

A inserção do estudante em ambientes reais da prática também pode favorecer o desenvolvimento de competência no aspecto do “cuidar”, vinculando a universidade com os serviços da comunidade.1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 2014.

Um estudo realizado por Makabe e Maia1616 Makabe MLF, Maia J. Reflexão discente sobre a futura prática médica através da integração com a equipe de saúde da família na graduação. Rev Bras Educ Méd 2014; 38(1):127-132. Disponível em: http://ref.scielo.org/tdzd7m. Acesso em: 2 set. 2016.
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objetivou estudar, sob o ponto de vista dos estudantes de medicina da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), a influência do contato com a comunidade, em uma unidade básica de saúde, do Programa da Saúde da Família, sobre a humanização da futura prática profissional. A amostra foi composta por 59 estudantes de graduação da primeira à quinta etapa do curso. A coleta de dados consistiu em um roteiro composto por cinco perguntas sobre a futura prática médica e a formação humanística do estudante. Contudo, o estudo constatou que o contato entre a comunidade e a equipe de saúde favoreceu reflexões acerca das práticas em saúde, possibilitando experiências de aprendizagem para uma prática profissional mais humanizada e integrada. Conclui-se que as metodologias ativas na educação médica estão sendo amplamente utilizadas, a fim de atender às exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais e às necessidades atuais da assistência à saúde que buscam a formação de profissionais críticos e reflexivos, com autonomia para o alcance de conhecimento e a tomada de decisão.

Essa mudança no contexto educacional que envolve a utilização dessas metodologias no ensino leva à reflexão sobre sua contribuição para a prática dos profissionais, mesmo após a formação. Além disso, é fundamental ressaltar, no âmbito da formação médica, a importância da atuação do pediatra no sistema de saúde e no acompanhamento do paciente em seu contexto familiar, visando à prevenção de doenças e à promoção da saúde.

Neste trabalho, identificou-se que, entre os médicos egressos formados por meio da ABP, apenas 28% têm o título de especialista em pediatria.

Os discursos apresentados pelos participantes permitiram identificar que a ABP contribuiu para a formação e atuação dos médicos pediatras em diferentes aspectos, proporcionando a busca de conhecimento, a habilidade para trabalhar em equipe e a facilidade para realizar o manejo clínico de forma interdisciplinar e holística. Porém, os discursos também demonstraram que esse método pode não favorecer o aprofundamento das matérias básicas, como anatomia, fisiologia, entre outras.

Sugerimos a realização de novos estudos que possam dar continuidade a essa temática, a fim de que, a partir disso, ocorram mudanças envolvendo a formação médica e a valorização do profissional pediatra, para que a população não sofra com a escassez de profissionais especialistas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 jun. 2014. Seção 1:8.
  • 2
    Sockalingam N, Schmidt HG. Characteristics of problems for problem-based learning: the students’ perpective. Interdisciplinary Journal of Problem-based Learning 2011; 5(1):6:33. Disponível em: https://docs.lib.purdue.edu/ijpbl/vol5/iss1/3/ Acesso em: 10 set. 2016.
    » https://docs.lib.purdue.edu/ijpbl/vol5/iss1/3/
  • 3
    Stock FS, Sisson MC, Grosseman S. Percepção de estudantes de medicina sobre aprendizagem da relação médico-paciente após mudança curricular. Rev Bras Educ Méd 2012; 36(1): 5-13. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbem/v36n1/a02v36n1 Acesso em: 10 set. 2016.
    » http://www.scielo.br/pdf/rbem/v36n1/a02v36n1
  • 4
    Barrows HS. The tutorial process. Springfield: Southern Illinois School of Medicine, 1988.
  • 5
    Bordenave JD, Pereire AM. O que é ensinar. In: Bordenave JD, Pereire AM. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 39-57.
  • 6
    Lima EV. Estudantes de medicina em metodologias ativas: desafios da aprendizagem baseada em problemas. 2013. Mestrado (Dissertação) – Faculdade de Medicina de Marília, Marília, 2013.
  • 7
    Moraes MAA, Manzini EJ. Concepções sobre a aprendizagem baseada em problemas: um estudo de caso na Famema. Rev Bras Educ Méd 2006; 30(3): 125-135. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-55022006000300003&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em: 5 set. 2016.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    8 Maio 2019
  • Aceito
    19 Jun 2019
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