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Intoxicações por plantas em ruminantes no Brasil e no Uruguai: importância econômica, controle e riscos para a saúde pública

Resumo

As intoxicações por plantas em animais de produção, no Brasil e no Uruguai são conhecidas desde que os pioneiros Espanhóis e Portugueses introduziram as primeiras cabeças de gado em pastagens naturais da região. As perdas econômicas ocasionadas pelas intoxicações por plantas podem ser definidas como diretas ou indiretas. As perdas diretas são causadas pelas mortes de animais, diminuição dos índices reprodutivos (abortos, infertilidade, malformações), redução da produtividade nos animais sobreviventes e outras alterações devidas a doenças transitórias, enfermidades subclínicas com diminuição da produção de leite, carne ou lã, e aumento à susceptibilidade a outras doenças devido a depressão imunológica. As perdas indiretas incluem os custos de controlar as plantas tóxicas nas pastagens, as medidas de manejo para evitar as intoxicações como a utilização de cercas e o pastoreio alternativo, a redução do valor da forragem devido ao atraso na sua utilização, a redução do valor da terra, a compra de gado para substituir os animais mortos, e os gastos associados ao diagnóstico das intoxicações e ao tratamento dos animais afetados (Riet-Correa et al. 1993, James 1994). As perdas econômicas causadas pelas intoxicações por plantas são difíceis de se estimar por que não existem dados confiáveis sobre todos esses componentes, no entanto, as perdas causadas por mortes são fáceis de determinar quando dispomos de dados elaborados por laboratórios de diagnóstico, sobre a freqüência das causas de mortes dos animais numa determinada região.


TÓPICO DE INTERESSE GERAL

Intoxicações por plantas em ruminantes no Brasil e no Uruguai: importância econômica, controle e riscos para a saúde pública1 1 Palestra apresentada no XXI Congresso Mundial de Buiatria realizado em Punta Del Este, Uruguai, de 4 a 8 de dezembro de 2000.

As intoxicações por plantas em animais de produção, no Brasil e no Uruguai são conhecidas desde que os pioneiros Espanhóis e Portugueses introduziram as primeiras cabeças de gado em pastagens naturais da região. As perdas econômicas ocasionadas pelas intoxicações por plantas podem ser definidas como diretas ou indiretas. As perdas diretas são causadas pelas mortes de animais, diminuição dos índices reprodutivos (abortos, infertilidade, malformações), redução da produtividade nos animais sobreviventes e outras alterações devidas a doenças transitórias, enfermidades subclínicas com diminuição da produção de leite, carne ou lã, e aumento à susceptibilidade a outras doenças devido a depressão imunológica. As perdas indiretas incluem os custos de controlar as plantas tóxicas nas pastagens, as medidas de manejo para evitar as intoxicações como a utilização de cercas e o pastoreio alternativo, a redução do valor da forragem devido ao atraso na sua utilização, a redução do valor da terra, a compra de gado para substituir os animais mortos, e os gastos associados ao diagnóstico das intoxicações e ao tratamento dos animais afetados (Riet-Correa et al. 1993, James 1994). As perdas econômicas causadas pelas intoxicações por plantas são difíceis de se estimar por que não existem dados confiáveis sobre todos esses componentes, no entanto, as perdas causadas por mortes são fáceis de determinar quando dispomos de dados elaborados por laboratórios de diagnóstico, sobre a freqüência das causas de mortes dos animais numa determinada região.

Importância econômica

No Rio Grande do Sul, estima-se que a mortalidade anual de bovinos é de 5%. Com uma população bovina de 13 milhões, essas perdas representam 650.000 bovinos mortos anualmente. Dados do Laboratório Regional de Diagnóstico da Universidade Federal de Pelotas, de 1978 a 1998, mostram que, em média, 10,6% de todos os casos diagnosticados em bovinos foram devidos a intoxicações por plantas, variando anualmente entre 5% e 25%. Dados do Laboratório de Diagnóstico da Universidade Federal de Santa Maria mostram que, aproximadamente, 14% das mortes de bovinos são causadas por intoxicações por plantas (Claudio Barros, comunicação pessoal). Assumindo-se que, no Rio Grande do Sul, 10% a 14% das mortes de bovinos são causadas pela ingestão de plantas tóxicas, pode-se estimar que morrem, anualmente, no Estado, entre 64.000 e 90.000 bovinos. Considerando-se um preço médio de US$ 200 por animal, podem ser estimados em US$ 12,8 a 18 milhões as perdas anuais causadas por morte de bovinos.

No Estado de Santa Catarina, a população bovina é de 2.960.343 de cabeças e a mortalidade anual é, também, de aproximadamente 5%. Dados da Universidade Estadual de Santa Catarina mostram que as mortes por plantas tóxicas, num período de 12 anos, representam 13,9% do total de mortes, com uma variação anual de 8,5% a 24,3% (Aldo Gava, comunicação pessoal). A mortalidade média de bovinos, por ano, devida a intoxicações por plantas é estimada em 20.574 cabeças (US$ 4.114.800).

No Brasil, devido a carência de dados sobre a freqüência das causas de mortalidade em outros estados, é difícil estimar as perdas por morte de animais ocasionadas pelas plantas tóxicas. No entanto, assumindo-se que a freqüência de mortes por plantas tóxicas é similar à observada no Rio Grande do Sul e Santa Catarina (10%-14%), e que a mortalidade anual é, também, de 5%, as mortes causadas por plantas tóxicas, para um rebanho de 160 milhões de cabeças, podem ser estimadas entre 800.000 e 1.120.000 de bovinos (US$ 160.000.000 a 224.000.000).

Dados do Laboratório Regional de Diagnóstico da Universidade Federal de Pelotas mostram que, no Rio Grande do Sul, as mortes de ovinos por plantas tóxicas representam 7,2% das mortes nesta espécie. Considerando-se que a mortalidade de ovinos, no estado é de 15% a 20% em uma população de cinco milhões de ovinos, as mortes por plantas tóxicas podem ser estimadas em 54.000 a 72.000 animais. Ao preço de US$ 20 por ovino, as perdas podem ser estimadas em US$ 1.080.000 e 1.440.000.

No Uruguai, dados dos Laboratórios de Diagnóstico de Treinta y Tres e Paysandú (Fernando Dutra e Rodolfo Rivero, comunicações pessoais) mostram que as plantas tóxicas são responsáveis por aproximadamente 14% das mortes de bovinos. Com uma população de 14 milhões de bovinos e uma mortalidade anual de 5%, estima-se que as intoxicações por plantas matem, aproximadamente 98.000 cabeças anualmente (US$ 19.600.000).

No Brasil, o número de plantas conhecidas como tóxicas para ruminantes e eqüinos aumenta constantemente. Atualmente são descritas pelo menos 88 espécies tóxicas, pertencentes a 50 gêneros. No Uruguai são conhecidas 31 espécies tóxicas pertencentes a 26 gêneros. Apesar do grande número de espécies tóxicas, as identificadas como causadoras de perdas econômicas importantes são relativamente poucas. No Rio Grande do Sul, Senecio spp foram responsáveis por 50,7% de todas as mortes causadas por plantas no período de 1978 a 1998 (Dados do Laboratório Regional de Diagnóstico da Universidade Federal de Pelotas). Neste mesmo Estado, em ovinos, a intoxicação por Nierembergia veitchii representou 77,8% de todas as intoxicações por plantas (Dados do Laboratório Regional de Diagnóstico da Universidade Federal de Pelotas). Ateleia glazioviana, que causa abortos em ruminantes e eqüinos e que provoca fibrose cardíaca em bovinos, é muito importante em Santa Catarina e no Noroeste do Rio Grande do Sul. Pteridium aquilinum, que causa uma síndrome pancitopênica aguda, hematúria enzoótica e tumores do trato digestivo superior, é uma das plantas tóxicas mais importantes do Brasil. Causa perdas econômicas importantes nas regiões Sul e Sudeste; mas a intoxicação ocorre, também, em todas as outras regiões do País. Em Santa Catarina os carcinomas do trato digestivo superior são a principal causa de morte em bovinos adultos (Aldo Gava, comunicação pessoal). Palicourea marcgravii, que contém ácido fluoroacético, é a planta tóxica mais importante do Brasil, causando perdas severas em quase todo o País, exceto na região Sul. Outras três plantas que causam "morte súbita" são importantes: Arrabidaea bilabiata e Arrabidaea japurensis na região Norte (Tokarnia et al. 1979), e Mascagnia rigida na região Nordeste. Tokarnia et al. (1990) consideram que as plantas que causam "morte súbita" são responsáveis por, aproximadamente, 60% de todas as perdas causadas por plantas tóxicas no País. Perdas econômicas importantes são causadas em bovinos e ovinos por Brachiaria decumbens e outras espécies de Brachiaria que causam fotossensibilização, principalmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, região Sudeste, a planta tóxica mais importante é Cestrum laevigatum (Carlos H. Tokarnia, comunicação pessoal).

No Uruguai, o meteorismo causado, principalmente, por Trifolium repens e T. pratense é a causa mais importante de mortes em bovinos adultos (Rodolfo Rivero, comunicação pessoal). Baccharis coridifolia é, também, importante como causa de mortes em animais transferidos de áreas onde não existe a planta para áreas onde ela ocorre. Recentemente, as plantas invasoras Nierembergia hippomanica e Anagallis arvensis têm causado numerosos surtos de intoxicação em bovinos e ovinos em pastagens cultivadas no litoral do rio Uruguai (Rodolfo Rivero, comunicação pessoal). Em diversas áreas, incluindo a região leste do País, as plantas tóxicas mais importantes como causas de mortes em animais adultos são do gênero Senecio (Fernando Dutra, comunicação pessoal).

Controle das intoxicações por plantas

A pesquisa sobre plantas tóxicas no Brasil e Uruguai tem-se limitado, prioritariamente, à identificação das espécies tóxicas e à determinação dos sinais clínicos, da patologia e alguns aspectos da epidemiologia das intoxicações. Poucos esforços têm sido realizados para determinar os princípios ativos das plantas e seus mecanismos patogênicos.

A profilaxia e o controle das intoxicações por plantas no Brasil e Uruguai tem-se realizado com base no conhecimento dos fatores associados às plantas, aos animais, ao ambiente ou ao manejo que determinam a ocorrência, freqüência e distribuição geográfica das intoxicações. Algumas das medidas preventivas incluem: 1) o manejo dos animais e das pastagens tais como evitar o pastoreio excessivo, utilizar animais de espécies ou idades resistentes a determinadas plantas, e evitar colocar animais recentemente transportados com fome ou sede em pastagens contaminadas por plantas tóxicas; 2) a utilização de cercas para isolar áreas contaminadas por plantas tóxicas; 3) a eliminação das espécies tóxicas, arrancando-as manualmente, utilizando herbicidas, roçando, capinando, lavrando, queimando ou pelo pastoreio com animais não-susceptíveis; 4) a utilização de sementes controladas para evitar a difusão de espécies tóxicas; 5) a confecção de fenos e silagem evitando a sua contaminação por espécies tóxicas; e 6) no caso da intoxicação por Baccharis coridifolia, a utilização de técnicas que induzem aversão (Riet-Correa et al. 1993).

Essas medidas de controle das intoxicações têm tido resultados limitados e, em conseqüência, as intoxicações mais importantes, mencionadas anteriormente, causam, ainda, perdas econômicas significativas. Para controlar eficientemente algumas dessas intoxicações será necessário desenvolver tecnologia mediante programas de pesquisa interdisciplinares que contemplem os diferentes aspectos das intoxicações por plantas. Em primeiro lugar é necessário identificar os princípios ativos ainda desconhecidos de muitas plantas tóxicas da região. Como foi mencionado por Molyneux et al. (1994), o isolamento e a caracterização dos princípios ativos tóxicos é o primeiro passo para prevenir as perdas causadas por plantas tóxicas. Atualmente é desconhecido o princípio ativo de, pelo menos, 32 das 88 espécies tóxicas descritas no Brasil. Esse conhecimento é necessário para desenvolver técnicas mais eficientes de controle das intoxicações por plantas. Algumas dessas técnicas serão mencionadas a seguir.

1) Vacinação. Técnicas para produzir vacinas contra toxinas de plantas, de baixo peso molecular, têm sido desenvolvidas na Austrália nos últimos 25 anos. Os imunógenos são preparados por conjugação covalente dessas moléculas com um antígeno protéico. Algumas dessas vacinas, incluindo as preparadas contra, com os princípios ativos de Lantana spp, alcalóides pirrolizidínicos e fito-estrogênios, não obtiveram sucesso em conferir imunidade suficiente para controlar as doenças (Edgar 1994); no entanto, mais recentemente, têm sido desenvolvidas vacinas eficientes que protegem os animais contra lupinose (Edgar et al. 1998) e intoxicações por corynetoxinas (Than et al. 1998). É possível obter boa imunidade contra toxinas de plantas nos casos em que a toxina é suscetível à degradação pelo sistema imune. Vacinas produzidas com toxinas não degradáveis, como os alcalóides pirrolizidínicos, são redistribuídas no organismo e a vacinação leva a uma maior retenção da droga (Edgar 1994). Um exemplo das possibilidades de utilização de técnicas imunológicas no controle de plantas tóxicas é a imunidade adquirida por animais que ingerem sementes de Ricinus communis ou Abrus precatorius em doses crescentes, que os tornam resistentes à ingestão de quantidades múltiplas das doses letais. Os princípios ativos dessas plantas são toxalbuminas, ricinina em R.communis e abrina em A. precatorius. O tratamento pelo calor das sementes de R. communis elimina a toxicidade da planta mantendo a sua antigenicidade (Tokarnia et al. 2000).

2) Controle biológico. Muitas plantas têm sido controladas com sucesso utilizando-se inimigos biológicos incluindo insetos e outros patógenos de plantas. Senecio jacobea foi controlado nos USA pela liberação de três insetos: Tyria jacobeae, Longitarsus jacobeae e Pegohylemia seneciella (Coombs et al. 1997). Xanthium pungens foi controlado em Queensland mediante a liberação do inseto Epiblema strenuana e do fungo Puccinia xanthii (Dowling & Mckenzie 1993). Hypericum perforatum foi controlado com sucesso na Califórnia e no Oregon com dois insetos, Chrysolina gemellata e G. hyperici (Cheeke 1998).

3) Detoxificação microbiana no rúmen. Este é um mecanismo bem conhecido de resistência às intoxicações por plantas. Os ruminantes que ingerem quantidades crescentes de plantas que contêm oxalatos, tornam-se resistentes a estes devido ao desenvolvimento de mecanismos de detoxificação microbiana no rúmen (Craig & Blythe 1994). A detoxificação bacteriana tem sido utilizada com sucesso no controle da intoxicação por Leucaena leucocephala. A planta contém o aminoácido mimosina que, no rúmen, é normalmente transformado em 3-hidroxi-4(1H)-piridona, também tóxico. A resistência a este último metabólico foi transferida de cabras do Hawai para caprinos e bovinos da Austrália transferindo as bactérias ruminais responsáveis pela detoxificação (Craig & Blythe 1994). A detoxificação ruminal tem sido utilizada, também, para o controle das intoxicações por plantas que contêm nitrotoxinas (Majak et al. 1998). A possibilidade de prevenir as intoxicações de bovinos por ácido fluoroacético utilizando bactérias modificadas geneticamente, mediante a transferência de um gene que codifica uma fluoracetato-dealogenase, tem sido investigada (Edgar 1998, Mayer & Van Rooyen 1994). No Brasil, pelo menos 12 espécies de plantas causam "morte súbita" mas somente em Palicourea marcgravii tem sido demonstrada a presença de ácido fluoroacético. A possibilidade de utilizar técnicas de detoxificação ruminal para evitar as perdas causadas por plantas que causam "morte súbita" deveria ser um dos principais objetivos da pesquisa no controle de intoxicações por plantas no Brasil.

4) Substâncias que neutralizam os princípios tóxicos. O carvão ativado, com considerável capacidade de adsorver algumas substâncias no trato gastrintestinal (Edgar 1998), tem sido utilizado no tratamento de algumas intoxicações, incluindo as causadas por Baccharis coridifolia e Lantana camara. O problema desta substância é que são necessárias grandes quantidades para salvar os animais intoxicados. Aluminiosilicatos hidratados de cálcio e sódio têm sido misturados a rações para neutralizar as aflatoxinas e reduzir sua absorção no trato gastrintestinal. Mais recentemente, "moléculas hospedeiras" tais como as ciclodextrinas e calixarenos, que molecularmente encapsulam e neutralizam moléculas "hóspedes", foram avaliadas no tratamento e na profilaxia de algumas intoxicações (Edgar 1998). As ciclodextrinas são capazes de se unirem às corynetoxinas protegendo ovinos contra esta toxina produzida por Clavibacter toxicus, que é responsável pela toxicidade de Lolium rigidum (Stewart et al. 1998).

5) Aversão alimentar condicionada. Os ruminantes podem ser treinados para evitar a ingestão de plantas tóxicas mediante um processo de aversão alimentar. Esta aversão tem sido induzida em bovinos alimentados com Delphynium barbeyi, Astragalus spp e Oxytropis spp e tratados com cloreto de lítio (LiCl, 200mg/kg de peso vivo) administrado através de um cateter ruminal ou mediante "gavage" (Lane et al. 1990, Ralphs & Olsen 1998). A aversão pode ser mantida por até dois anos se os animais tratados pastejam separados de outros animais não tratados. No entanto, se os animais tratados permanecem juntos a animais não tratados, que ingerem a planta, a aversão desaparece rapidamente. Este comportamento, denominado facilitação social, é o fator mais importante para a utilização da aversão alimentar condicionada na profilaxia de algumas plantas tóxicas (Ralphs & Olsen 1998). A aversão condicionada naturalmente pareceria ser o mecanismo pelo qual ruminantes e eqüinos criados em áreas onde ocorre Baccharis coridifolia não ingerem essa planta. B. coridifolia é uma planta tóxica do Uruguai, da Argentina e da Região Sul do Brasil, que causa intoxicação em ovinos, bovinos e eqüinos que são transferidos de áreas onde a planta não ocorre para áreas onde ela está presente. Aversão alimentar, induzida de diversas formas, tem sido utilizada por produtores para evitar a intoxicação em animais transportados para áreas onde a planta ocorre (Barros 1993).

6) Utilização de programas de seleção para a obtenção de variedades de forrageiras ou grãos não tóxicas ou menos tóxicas. Um dos melhores exemplos destes programas de seleção foi a obtenção de cultivares de Trifolium subterraneum com baixo conteúdo de fito-estrogênios que levaram ao controle da infertilidade causada por essas substâncias na Austrália e em outros países (Cox 1978). O controle do meteorismo causado por alfafa está sendo investigado mediante a seleção de variedades com taxas reduzidas de liberação, no rúmen, das proteínas citoplasmáticas responsáveis pela doença (Cheeke 1998). No Brasil, Brachiaria decumbens, uma das plantas tóxicas mais importantes em algumas regiões, poderia ser controlada mediante programas de seleção para obter variedades com baixo conteúdo das saponinas litogênicas que causam a enfermidade, ou pela substituição por espécies não tóxicas ou menos tóxicas de Brachiaria com similar produtividade.

Outro aspecto importante a ser considerado no controle das intoxicações por plantas na América do Sul é o desenvolvimento de bons sistemas de informação sobre a ocorrência das enfermidades, incluindo as intoxicações por plantas, nos animais domésticos. Devemos procurar, também, obter informações sobre a fenologia das plantas tóxicas mais importantes. O conhecimento do ciclo biológico das plantas e as variáveis que o determinam é fundamental para utilizar práticas adequadas de manejo que possam prevenir as intoxicações ou para a aplicação de algumas das técnicas mencionadas anteriormente.

Riscos para a saúde pública

Um aspecto da ingestão de plantas tóxicas pelos animais é que as toxinas podem ser transferidas para o homem através do consumo de leite, carne, ovos ou outros produtos de origem animal. Ocasionalmente, observam-se intoxicações em humanos pelo consumo de produtos animais. O consumo de leite de vacas em pastagens invadidas por Eupatorium rugosum, nos Estados Unidos, causa uma doença conhecida como enfermidade do leite ("milksickness") que pode ocasionar a morte de pessoas (Panter & James 1990, James et al. 1994). Outras toxinas que podem ser eliminadas pelo leite são os alcalóides pirrolizidínicos (Dickinson et al. 1976). Não há descrições em humanos de doenças devidas ao consumo desses alcalóides no leite, mas devem ser considerados os riscos de seus efeitos mutagênicos e teratogênicos. No Brasil, leite de cabras alimentadas com Crotalaria spectabilis foi tóxico para ratas (Medeiros et al. 1999), e ninhadas de ratas alimentadas com C. spectabilis ou monocrotalina foram também intoxicadas através do leite (Medeiros & Górniak, 1995, Medeiros et al. 1998). Ptaquilosídeo, o princípio ativo de Pteridium aquilinum, é excretado pelo leite e pode causar lesões em ratas lactentes, camundongos e bezerros (James et al. 1994). Swansonina, uma toxina presente em Ipomoea fistulosa (carnea) e Ipomoea asarifolia, coletadas no Brasil (Molineaux & Medeiros 1999; dados não publicados), é excretada pelo leite e causa lesões em bezerros e cordeiros lactentes (James et al. 1994). A observação de fotossensibilização em bezerros com menos de 30 dias de idade, filhos de vacas em pastagens de Brachiaria decumbens, sugere que as saponinas esteroidais, presentes nesta planta, são também excretadas em quantidades tóxicas pelo leite (Lemos et al. 1998). Em países desenvolvidos o risco de intoxicação em humanos por toxinas excretadas no leite é remoto, por que durante o processo de industrialização mistura-se o leite de diversas origens diluindo as prováveis toxinas (James et al. 1984). No entanto, no Brasil e outros países subdesenvolvidos, o risco de intoxicação por toxinas no leite persiste em pequenas cidades ou em propriedades rurais onde ainda se consume leite sem industrializar. Nessas condições, as cabras, muito utilizadas para produzir leite em varias regiões do Brasil, constituem uma fonte mais provável de leite contaminado que o gado leiteiro (Cheeke 1998).

Um exemplo da presença de resíduos tóxicos de plantas na carne é a ocorrência de intoxicação secundária descrita em cães que consumiram carne de cavalos intoxicados por Indigofera linnaei que contém o aminoácido tóxico denominado indospecina (Hegarty et al. 1988). Na Austrália cães foram aparentemente intoxicados pelo consumo de medula óssea de pássaros que ingeriam sementes de plantas contendo ácido fluoroacético. Nesse País alguns animais nativos evoluíram com plantas contendo alto conteúdo de ácido fluoroacético e apresentam um alto grau de resistência à intoxicação por essa substância (Seawright 1994). No Brasil, Palicourea marcgravii, que contém ácido fluoroacético, é a planta tóxica mais importante do País. Outras 11 espécies, dos gêneros Palicourea, Mascagnia, Arrabidaea e Pseudocalymma, que causam "morte súbita" (Tokarnia et al. 1990), provavelmente contêm também ácido fluoroacético ou compostos derivados deste. Em muitas áreas do Brasil a carne de animais que sucumbiram de "morte súbita" é, consumida normalmente. Outro exemplo de intoxicação secundária é a que ocorre em humanos e cães que consomem carne de bovinos intoxicados pelos glicosídeos cardiotóxicos bufadienolídeos (Kellerman et al. 1990).

Agradecimentos.- Os autores agradecem aos Drs. Carlos Tokarnia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Jürgen Döbereiner da Embrapa-CNPAB/PSA, Claudio S. L. Barros da Universidade Federal de Santa Maria, Aldo Gava da Universidade Estadual de Santa Catarina, Ricardo Lemos da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Rodolfo Rivero e Fernando Dutra do Centro de Investigaciones Veterinárias Miguel C. Rubino, Uruguai, pelas informações aportadas e pela revisão do manuscrito.

Franklin Riet-Correa

Rosane M. T. Medeiros

LaboratórioRegional de Diagnóstico,

Faculdade de Veterinária,

Universidade Federal de Pelotas,

96010-900 Pelotas, RS

mail: riet@ufpel.tche.br

Faculdade de Veterinária,

Centro de Tecnologia Rural,

Universidade Federal da Paraíba,

58700-000 Patos, PB

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  • Tokarnia C.H., Döbereiner J. & Peixoto P. V. 2000. Plantas Tóxicas do Brasil. Editora Helianthus, Rio de Janeiro. 310p.
  • 1
    Palestra apresentada no XXI Congresso Mundial de Buiatria realizado em Punta Del Este, Uruguai, de 4 a 8 de dezembro de 2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2001
    • Data do Fascículo
      Mar 2001
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