Acessibilidade / Reportar erro

PROFESSOR É UMA PESSOA: Constituição de subjetividades docentes na periferia de São Paulo

Teacher is a Person: The Construction of Teaching Subjectivities in the Periphery of São Paulo

RESUMO

O artigo reúne resultados de dois projetos que procuram compreender as subjetividades de docentes da periferia da cidade de São Paulo. Ao articular os constructos “subjetividade social” e “representações sociais”, buscou-se apresentar contribuições ao debate sobre “políticas de subjetividade”. Os dados, produzidos por meio da metodologia Q e de grupos focais, confirmam o agravamento do mal-estar docente, figurando o tempo de docência como variável de destaque.

PALAVRAS-CHAVE:
subjetividade; subjetividade social; políticas de subjetividade; representações sociais; tríade dialógica

ABSTRACT

The paper brings together the results of two projects in order to present a debate on teacher’s subjectivities at the urban peripheries of São Paulo. It articulates the concepts of social subjectivity and social representations to contribute to understandings of “subjectivity policies”. Data were produced using Q-Methodology and focus groups. The hypothesis of the aggravation of the teaching ill-being was confirmed. Teaching time was a prominent variable.

KEYWORDS:
subjectivity; social subjectivity; subjectivity polices; social representations; dialogical triad

INTRODUÇÃO

A educação é vivenciada por pessoas. Apesar da obviedade de tal afirmação, com frequência é preciso reiterar que as subjetividades não podem ser obliteradas pelas volumosas estatísticas que inspiram as políticas educacionais. É também amplamente sabido que as políticas só se comprovam eficazes quando são significadas pelos sujeitos afetados por elas.

Nóvoa (2009Nóvoa, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.) tem insistido na importância de se desenvolver aquilo que designou uma teoria da pessoalidade, que se inscreve no interior de uma teoria da profissionalidade. Para ele, é preciso considerar os professores enquanto pessoas inteiras. Nas palavras do autor, “é fundamental reforçar a pessoa-professor e o professor-pessoa” (Nóvoa, 2009Nóvoa, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009., p. 22). Como pessoas inteiras, os professores são produtos e produtores de seus contextos profissionais.

Por sua vez, os estudos de Torres et al. (2008Torres, Haroldo da Gama et al. “Educação na periferia de São Paulo: ou como pensar as desigualdades educacionais?”. In: Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz; Kaztman, Ruben (orgs.). A cidade contra a escola: segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2008, pp. 145-79.), Alves et al. (2015aAlves, Luciana et al. “Remoção de professores e desigualdades em territórios vulneráveis”. Cadernos Cenpec | Nova série, 4(2), 2015a. http://dx.doi.org/10.18676/cadernoscenpec.v4i2.292
https://doi.org/10.18676/cadernoscenpec....
, 2015b_______. “Seleção velada em escolas públicas: práticas, processos e princípios geradores”. Educação e Pesquisa, 41(1), 2015b, pp. 137-52. https://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022015011488
https://doi.org/10.1590/S1517-9702201501...
), Tangerino Silva e Ribeiro (2017Tangerino Silva, Natália Tripoloni; Ribeiro, Vanda Mendes. “Movimentação de professores e alunos e interdependência competitiva entre escolas na legislação da rede municipal de São Paulo”. Jornal de Políticas Educacionais, 11(14), 2017. http://dx.doi.org/10.5380/jpe.v11i0.52837
https://doi.org/10.5380/jpe.v11i0.52837...
) sugerem que os professores têm representações e expectativas negativas acerca dos estudantes da periferia, razão pela qual evitam trabalhar em escolas situadas nesses territórios. Isso ocorre porque a vulnerabilidade social na periferia das grandes cidades interfere na capacidade de o Estado garantir a equidade no sistema escolar, o que resulta na baixa proficiência desses alunos.

Nesse tocante, o binômio centro-periferia continua a operar, visto que “o fato de estar na favela afeta o desempenho escolar somente se juntarmos outra variável espacial, a distância do centro da cidade” (Barbosa; Sant’anna, 2010Barbosa, Maria Ligia de Oliveira; Sant’anna, Maria Josefina Gabriel. “As classes populares e a valorização da educação no Brasil”. In: Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz et al. Desigualdades urbanas, desigualdades escolares. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010, pp. 155-74., p. 171). Significa dizer que, quanto mais distante das regiões centrais estiver a periferia,1 1 Neste texto, recorre-se a noções complexas de periferia (Telles, 2015; Nascimento, 2015; Feltran, 2012), que não se restringem a características geográficas e econômicas. Contrariamente, periferia foi compreendida como um fenômeno cultural, constituidor de subjetividades. mais longe estarão suas escolas de melhores condições de funcionamento.

Inspirado pelo interesse declarado por Kowarick de “enfatizar a problemática da subjetividade social” (2000Kowarick, Lúcio. Escritos Urbanos. São Paulo: Editora 34, 2000., p. 14), o presente artigo debate a constituição de subjetividades de docentes da periferia da cidade de São Paulo com vistas a oferecer elementos que contribuam para a promoção de políticas de subjetividade ..

Tedesco (2004Tedesco, Juan Carlos. “Igualdad de oportunidades y política educativa”. Cadernos de Pesquisa, 34(123), 2004, pp. 557-72.) propôs a expressão ao argumentar acerca da importância de se considerar as subjetividades daqueles que são atingidos pelas políticas educacionais, de modo a oferecer a elas maior efetividade. Nesse sentido, buscou-se contribuir com informações que favoreçam políticas de aprimoramento do trabalho docente com vistas a garantir a proficiência dos educandos. Para isso, o artigo reúne resultados de pesquisa de dois projetos: “Teacher Subjectivity in Psychosocial Perspective: Elements for Educational Policies’ Promotion”2 2 Desenvolvido em 2015 junto ao Department of Social Psychology da London School of Economics and Political Science, Reino Unido. Financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Processo 6.150-14-4. e “Subjetividade social docente e políticas de subjetividade: aportes de uma perspectiva psicossocial”.3 3 Iniciado em 2017, e ainda em curso, é desenvolvido no Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade-Educação (CIERS-ed) da Fundação Carlos Chagas (FCC) e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 428.520/2016-2. Ambos os trabalhos envidaram esforços para investigar as subjetividades de professores do Ensino Fundamental ii, ao enfatizar a viabilidade do acesso às subjetividades sociais por meio da contribuição da teoria das representações sociais (TRS).

Além do empenho teórico no sentido de delimitar as relações entre os conceitos de representações sociais, subjetividade e profissionalização, o primeiro estudo recorreu à base de dados construída no contexto do Programa de Pesquisa “Processos psicossociais da formação e trabalho docente”, do Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade-Educação (CIERS-ed), para, por meio de análise multirreferenciada, amparada pela perspectiva psicossocial das representações sociais, obter elementos acerca das dinâmicas das subjetividades docentes. A base conta com quinhentas respostas de professores do Ensino Fundamental das cinco regiões brasileiras, incluindo 25 professores da Argentina (Buenos Aires). A integração das informações resultou em um volumoso corpus de resultados. Para este artigo, selecionou-se apenas o grupo de 25 professores de São Paulo, de modo a favorecer a confrontação com a pesquisa desenvolvida posteriormente.

Dessa forma, a investigação buscou enfrentar o desafio de, por meio de um estudo empírico, recorrer a uma metodologia alternativa àquelas correntemente utilizadas nas investigações no campo das políticas educacionais no Brasil (Novaes, 2016_______. “Metodologia Q: uma estratégia investigativa para o estudo das singularidades”. In: Novaes, Adelina; Villas Bôas, Lúcia Pintor; Ens, Romilda Teodora (orgs.). Formação e trabalho docente: relações pedagógicas e profissionalidade: pesquisas com a técnica Q. Curitiba/ São Paulo: Champagnat/ Fundação Carlos Chagas, 2016, pp. 15-30.). Ao rejeitar classificações rígidas, o estudo utilizou a metodologia Q,4 4 A Q-Metodology, ou metodologia Q, consiste em uma estratégia investigativa para o estudo das singularidades das pessoas ao levar em conta os arranjos das significações que emprestam a textos que lhes são apresentados. Para o exame dos arranjos de respostas, recorre-se à fatorial Q, um procedimento estatístico (Novaes, 2016). que permitiu a identificação de novas hipóteses de pesquisa que requeriam aprofundamento.

Instigado por tais hipóteses, o desenvolvimento da segunda pesquisa buscou recuperar a noção de sujeito social a partir da teoria de conhecimento social elaborada por Marková (2006_______. Dialogicidade e representações sociais: as dinâmicas da mente. Petrópolis: Vozes, 2006.). Isto é, assumiu a premissa de que as subjetividades dos professores participantes do estudo são construídas no contexto de interação com seus alunos e com o entorno escolar, visto que eles oferecem os recursos simbólicos e materiais para a vivência dialética entre o sujeito singular e o mundo social (Jovchelovitch, 2008Jovchelovitch, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes, 2008.).

Nesse sentido, no projeto em curso, complementarmente ao investimento teórico, foram realizados quatro grupos focais orientados pela proposta teórico-metodológica da dialogicidade, além de terem sido coletadas informações por meio da metodologia Q junto a 63 professores. Com o intuito de favorecer o debate sobre a constituição das subjetividades de docentes na periferia da zona leste da cidade de São Paulo, deste artigo consta apenas a apresentação dos resultados obtidos por meio da metodologia Q em ambos os projetos.

Desse modo, da próxima seção consta uma sintética revisão teórico-metodológica sobre o constructo “subjetividade social”, por meio da qual se buscou acessar os docentes reais, mormente fragmentados em variáveis nos bancos de dados de larga escala. Em seguida, encontra-se uma breve exposição dos resultados encontrados nos dois estudos, que permitiram as considerações e a identificação de uma nova hipótese a ser investigada, elencadas na conclusão do artigo.

ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA: DA SUBJETIVIDADE OPERANTE À SUBJETIVIDADE SOCIAL

A psicologia social, sobretudo a desenvolvida na Europa na década de 1970, ofereceu um olhar social integrador à compreensão da subjetividade. Na defesa de uma perspectiva psicossocial, psicólogos sociais daquele contexto reagiram às tendências dominantes ao apreciarem a constituição das subjetividades a partir dos condicionantes sociais e considerarem os sujeitos como construtores de suas circunstâncias (Novaes, 2015Novaes, Adelina. “Subjetividade social docente: elementos para um debate sobre ‘políticas de subjetividade’”. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 156, 2015, pp. 328-43.; Sousa; Novaes, 2013Sousa, Clarilza Prado; Novaes, Adelina. “A compreensão de subjetividade na obra de Moscovici”. In: Ens, Romilda Teodora; Villas Bôas, Lúcia Pintor Santiso; Behrens, Marilda Aparecida (orgs.). Representações sociais: fronteiras, interfaces e conceitos. Curitiba/ São Paulo: Champagnat/ Fundação Carlos Chagas , 2013, pp. 21-36.).

Do conjunto de produções desses autores destacou-se a acepção de representação social da obra de Moscovici (1961Moscovici, Serge. La Psychanalyse, son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France, 1961., 1978_______. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978., 2012_______. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes, 2012.), que apontou para uma mudança epistemológica na concepção de subjetividade. O sujeito social moscoviciano não se reduz ao ideal liberal de indivíduo nem às estruturais explicações sociais comuns à teoria marxiana e dela derivadas. Trata-se de um “sujeito que não é apenas produto de determinações sociais nem produtor independente, pois que as representações são sempre construções contextualizadas, resultados das condições que surgem e circulam” (Spink, 1993Spink, Mary Jane Paris. “O conceito de representação social na abordagem psicossocial”. Cadernos de Saúde Pública, 9/3, 1993, pp. 300-8., p. 303). Em outros termos, Moscovici assinalou que o sujeito social constitui sua subjetividade na dupla mediação com o outro: a TRS elaborada por ele defende que, para se considerar a problemática da subjetividade (e da intersubjetividade), o olhar deve residir na dupla mediação do sujeito social com o Alter.

Por sua vez, ao integrar o conceito de diálogo ao de representações sociais, Marková (2006_______. Dialogicidade e representações sociais: as dinâmicas da mente. Petrópolis: Vozes, 2006.) ofereceu à teoria moscoviciana uma abordagem que considera a dialogicidade como condição sine qua non da mente humana. O trânsito feito por Marková (2003Marková, Ivana. “Constitution of the Self: Intersubjectivity and Dialogicality”. Culture & Psychology, v. 9, n. 3, 2003, pp. 249-59., 2006_______. Dialogicidade e representações sociais: as dinâmicas da mente. Petrópolis: Vozes, 2006., 2017a_______. Mente dialógica: senso comum e ética. Cambridge/ São Paulo/ Curitiba: Cambridge University Press/ Fundação Carlos Chagas/ PUCPRESS, 2017a., 2017b_______. “A fabricação da teoria de representações sociais”. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n. 163, 2017b, pp. 358-75.) por variadas ontologias faz perceber os movimentos de distanciamento e aproximação da psicologia social das ciências naturais, das ciências sociais ou mesmo da filosofia. Nesse sentido, sua análise acerca dos fenômenos da linguagem no que se refere à antinomia social/individual trouxe à TRS um repertório sofisticado que alimenta as reflexões acerca da intersubjetividade. A sistematização que ela faz para esquematizar a tríade dialógica Ego-Alter-Objeto reitera que esta constitui a unidade epistemológica na TRS.5 5 Para a autora, “A tríade dialógica é multifacetada. O objeto de representação na concepção tríade não precisa necessariamente ser uma coisa, ele pode ser uma pessoa, um grupo, uma representação de si [self-representation], ou a representação de outra pessoa” (Marková, 2007, p. 230).

Para a análise dos dados produzidos pelas duas pesquisas, tomou-se como elemento central a tríade dialógica, visto que, na concepção tríade, há uma multiplicidade de outros se relacionando com o Ego e com o objeto. Nesses termos, é possível afirmar que a complexidade do saber docente, adquirido tanto em seus processos iniciais de formação quanto em sua prática em sala de aula, bem como em sua formação continuada, é constituída a partir do processo relacional do professor com os seus variados outros.

São, portanto, muitos os outros presentes na relação entre professor, aluno e objeto de conhecimento (Novaes et al., 2017_______; Ornellas, Maria de Lourdes; Ens, Romilda Teodora. “Convergências teóricas em representações sociais e seu aporte para o estudo de políticas docentes”. Revista Diálogo Educacional, v. 17 n. 53, 2017, pp. 999-1.015.). Esses outros, embora nem sempre contemplados nos cursos de formação de docentes ou nas políticas públicas, não deixam de povoar virtualmente a sala de aula, em especial os outros constituintes das comunidades do entorno da escola.

Tendo em conta a eleição teórica, uma das estratégias adotadas nas pesquisas foi a metodologia Q, dado que ela oferece alternativas aos estudos das singularidades dos indivíduos sem desconsiderar a dimensão social da constituição das subjetividades. Por meio dessa metodologia, foi possível ter acesso a informações acerca das subjetividades dos respondentes. Nas palavras de Gatti, a referida técnica

baseia-se simplesmente na significação emprestada a um conjunto grande de afirmações ou itens […]. Este conjunto de afirmações ou itens pode conter atitudes, valores, atividades, atos, cores, formas etc., que deverão ser avaliadas em termos, por exemplo, de critérios de preferência, de utilidade, de pertinência etc., dependendo do interesse do pesquisador. (Gatti, 1972Gatti, Bernardete Angelina. “A utilização da técnica Q como instrumento de medida nas ciências humanas”. Cadernos de Pesquisa, n. 6, 1972, pp. 46-51., p. 46)

Para Watts e Stenner (2013Watts, Simon; Stenner, Paul. Doing Q Methodological Research: Theory, Method and Interpretation. Londres: SAGE Publications Ltd., 2013., p. 4), um estudo bem desenvolvido por meio da metodologia Q evidencia os aspectos fundamentais dos “pontos de vista” de pessoas participantes de um grupo, de maneira a oferecer simultaneamente uma compreensão holística e uma mirada em alto nível de detalhe qualitativo. Tal entendimento contemporâneo dos autores acerca da metodologia resulta de uma larga trajetória de estudos que atravessaram disciplinas e raízes epistemológicas. Esses estudos tiveram, contudo, um ponto de partida: a subjetividade operante, proposta pelo próprio Stephenson, criador da metodologia.

O cuidado de Stephenson em precisar as matrizes teóricas que deram origem à metodologia Q demonstra que, apesar de ter afirmado que a técnica por ele elaborada havia sofrido influência fundamental das obras de Freud, Spearman e Fisher (Stephenson, 1993_______. “Introduction to Q-Methodology”. Operant Subjectivity, 17(1-2), 1993, pp. 1-13., p. 1), o autor de fato pretendia atribuir uma característica contingencial à subjetividade, ao associar o termo ao qualificador operante e descolar a noção de subjetividade de uma concepção mentalista - particularmente, da concepção de consciência (Stephenson, 1953Stephenson, William. The study of behavior: Q Technique and its methodology. Chicago: University of Chicago Press, 1953., 1968_______. “Consciousness out - subjectivity in”. The Psychological Record, n. 18, 1968, pp. 499-501., 1977_______. “Factors as Operant Subjectivity”. Operant Subjectivity,1(1), 1977, pp. 3-16.). Em suas palavras, “a técnica Q oferece uma via sistemática para lidar com as retrospecções de uma pessoa, suas reflexões sobre si mesma e sobre os outros, suas introjeções e projeções, e muito mais sobre uma aparente natureza ‘subjetiva’” (Stephenson, 1953Stephenson, William. The study of behavior: Q Technique and its methodology. Chicago: University of Chicago Press, 1953., p. 86).

Destaca-se que o termo “operant” que compõe o título do periódico Operant Subjectivity, dedicado à profusão e à discussão da metodologia Q, mantém relação com “operant behavior” e está associado a uma tradição behaviorista que dominou a psicologia no início do século xx. Grosso modo, “operant behavior” consiste em uma unidade de comportamento espontâneo, desvinculado de treinamento ou indução.

No entanto, de acordo como Watts e Stenner (2013Watts, Simon; Stenner, Paul. Doing Q Methodological Research: Theory, Method and Interpretation. Londres: SAGE Publications Ltd., 2013., p. 25), “a combinação de operante com subjetividade não é usual, porque a tradição comportamental foi, possivelmente, mais notória pela sua completa rejeição a todas as terminologias mentalistas”. Significa dizer que Stephenson buscou associar um ideal positivista de ciência à investigação daquilo que se entende como o cerne da psicologia, ou seja, o estudo da subjetividade.

Em defesa da metodologia Q, Stephenson argumentou:

O que parece importante é o comportamento concreto, incluindo o sujeito concreto […]. Enquanto não houver lugar para “experiência”, fenomenologia, “mundos privados” e similares, haverá uma abundância de objetivos essenciais desses psicólogos que acreditam que os seus próprios anseios, desejos, ruminações, reflexões, vontades, inclinações, fantasias, sonhos, lembranças, e milhares de outras formas “internas” de comportamento são de importância crucial; e nós acreditamos que a maioria dessas questões pode agora ser posta em forma proposicional testável. Elas podem ser tratadas tão objetivamente quanto qualquer psicólogo já tenha tratado com um rato. (1953, p. 100; tradução minha, grifo no original)

Fica patente que Stephenson pretendia atribuir as características de emissão espontânea e contingencial do comportamento operante às subjetividades ao qualificá-las como tal, uma vez que intitulou seu livro base de The Study of Behavior: Q Technique and its Methodology [O estudo do comportamento: a técnica Q e sua metodologia].6 6 Reiteradas vezes o autor argumenta em favor do estudo do comportamento, a exemplo do artigo “Consciousness out — subjectivity in” (Stephenson, 1968). Não se trata, portanto, da pesquisa da subjetividade na perspectiva que as teorias contemporâneas a abordam. Seu legado, de matriz behaviorista, foi apropriado por uma infinidade de outras perspectivas epistemológicas e disciplinares e, na atualidade, inspira - para além do observável - o estudo do simbólico.

Ao destacar a TRS proposta por Moscovici (1961Moscovici, Serge. La Psychanalyse, son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France, 1961., 1978_______. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978., 2012_______. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes, 2012.), as análises dos dois projetos levaram em conta que, “sob diversos rótulos, a psicologia social foi pensada como uma ciência da subjetividade social” (Moscovici, 2005_______. “Sobre a subjetividade social”. In: Sá, Celso Pereira de (org.). Memória, imaginário e representações sociais. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005., p. 12). Significa dizer que: (a) ao assumir a subjetividade como objeto da psicologia, a concepção de sujeito social da TRS evidenciou um enfrentamento da noção cartesiana que influenciou o nascimento dessa ciência e, por conseguinte, o behaviorismo; e (b) ao se opor ao estudo exclusivo dos comportamentos, o constructo “representações sociais” contribuiu para a análise de um pensamento social que se constitui contingencialmente, uma vez que busca compreender as simbolizações emergentes das comunicações cotidianas nos contextos naturais de convivência social.

No que tange a este estudo, considerou-se que as subjetividades são passíveis de serem analisadas por meio da metodologia Q e à luz do fenômeno representacional. A acepção de representação social consistiu, assim, uma via de acesso às subjetividades constituídas socialmente (Novaes, 2015Novaes, Adelina. “Subjetividade social docente: elementos para um debate sobre ‘políticas de subjetividade’”. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 156, 2015, pp. 328-43., 2016_______. “Metodologia Q: uma estratégia investigativa para o estudo das singularidades”. In: Novaes, Adelina; Villas Bôas, Lúcia Pintor; Ens, Romilda Teodora (orgs.). Formação e trabalho docente: relações pedagógicas e profissionalidade: pesquisas com a técnica Q. Curitiba/ São Paulo: Champagnat/ Fundação Carlos Chagas, 2016, pp. 15-30.).

UMA BREVE EXPOSIÇÃO DOS RESULTADOS

Os dados produzidos pelas duas pesquisas foram organizados por projeto e constam desta apresentação em separado com o intuito de favorecer a consideração combinada dos resultados ao final. No entanto, os processos de recolha e de análise das informações seguiram os mesmos procedimentos. Em ambos os estudos, no momento da coleta, foram oferecidos aos respondentes setenta cartões, cada um contendo uma frase.7 7 Informações complementares às obtidas por meio da técnica Q foram coletadas no mesmo encontro com os participantes da pesquisa, por meio de questionário de perfil.

As frases do primeiro projeto foram elaboradas com base em entrevistas realizadas em projetos anteriores desenvolvidos pelo ciers-ed8 8 Coordenados por Clarilza Prado de Sousa e Lúcia Villas Bôas. e estavam relacionadas equitativamente a uma das dimensões propostas para o estudo, a saber: permanência na profissão, formação inicial, inserção inicial, condições de aprendizagem do aluno.

Por sua vez, a elaboração das frases do segundo projeto buscou dar conta das hipóteses levantadas pela investigação anterior, que diziam respeito sobretudo a distinções entre professores com mais ou menos tempo de experiência docente (Novaes, 2015Novaes, Adelina. “Subjetividade social docente: elementos para um debate sobre ‘políticas de subjetividade’”. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 156, 2015, pp. 328-43.).

Aos respondentes dos dois projetos foi solicitado que examinassem e graduassem os cartões em ordem de importância, considerando como base uma “régua” em que os escores estavam dispostos ordenadamente de 0 a 10. Pediu-se, então, que a gradação das frases se conformasse a uma distribuição de frequência pré-determinada de modo que os escores depois atribuídos a cada cartão tivessem uma distribuição aproximada aos da normal, conforme sintetizado na tabela abaixo:

N. de cartões = 71 Menor importância Maior importância Escores 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Frequência 2 3 5 7 11 15 11 7 5 3 2

A primeira coleta de dados foi realizada durante o ano de 2012, e a segunda, no segundo semestre de 2018. O tratamento dos dados obedeceu aos procedimentos da técnica Q.9 9 Ambos os estudos contaram com a imprescindível contribuição de Miriam Bizzocchi, estatística do departamento de pesquisas educacionais da FCC. No momento da análise dos resultados, cada item recebeu a nota correspondente ao valor do posto que lhe foi atribuído pelo respondente na régua. Significa dizer que para cada arranjo, dada a distribuição do número de frases por posto, duas das frases receberam nota zero (as que foram classificadas no posto 0); três receberam nota 1 (as que foram classificadas no posto 1); cinco, nota 2 (as que foram classificadas no posto 2), e assim por diante.

Em seguida, os diferentes arranjos foram correlacionados e procedeu-se à sua análise fatorial. Quando encontradas correlações entre os diferentes arranjos, considerou-se que havia uma tendência a dar importância às mesmas afirmações, uma vez que, “ao fatorarmos as correlações, queremos dizer que alguma base foi encontrada para classificar as pessoas” (Stephenson, 1964_______. “Application of Q method to measurement of public opinion”. Psychological Record, n. 14, 1964, pp. 265-73., p. 153).

PROJETO 1. SUBJETIVIDADE DOCENTE NA PERSPECTIVA PSICOSSOCIAL: ELEMENTOS PARA A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Enfatiza-se que, para o estudo fatorial Q, inverte-se a matriz da fatorial R, de modo que a quantidade de itens se torna mais relevante do que a quantidade de respondentes. Em outros termos, quando se recorre à fatorial tradicional, o interesse reside nas diferenças individuais de uma amostra substancial de sujeitos. Na fatorial Q “importa lidar com o ‘todo’, com ‘descrições’, com o ‘indivíduo concreto’, e não com qualquer atributo que ele possa ter ou não” (Gatti, 1972Gatti, Bernardete Angelina. “A utilização da técnica Q como instrumento de medida nas ciências humanas”. Cadernos de Pesquisa, n. 6, 1972, pp. 46-51., p. 47). Dessa forma, não raro se trabalha com “amostras de afirmações que são usadas para descrições estatísticas de uma só pessoa (ou de um conjunto de pessoas) e na qual a preocupação está na significância intraindividual das afirmações” (idem, ibidem).

A tabela a seguir foi construída considerando-se as médias de atribuição de valores (0 a 10) decorrente das escolhas dos professores e dos limites dos intervalos de confiança das médias. A análise priorizou os itens que compõem o maior quartil, considerando o grau de importância para os respondentes. Os itens destacados apresentaram diferença estatisticamente significante entre as médias dos grupos 1 e 2 (p-valor<=0,10). Foram processadas análises de variância one-way, tendo como variável dependente a nota de cada item da escala e como fator grupo.

TABELA 1
Projeto 1. Estatísticas dos itens da escala segundo o grupo, em ordem decrescente da média geral

Com a identificação dos dois grupos, foi possível resgatar o perfil dos respondentes. Uma vez que a maioria dos participantes da pesquisa teve experiência em outro trabalho remunerado antes de ser professor, o que caracterizou cada grupo foi a idade e a satisfação com a docência. Os arranjos que compuseram o Grupo 1 foram elaborados majoritariamente por homens que pretendiam continuar a atuar como professores. Do perfil de respondentes associados ao Grupo 1, 60% tinham até 40 anos e todos se sentiam realizados com a docência. Entretanto, dos sujeitos associados ao Grupo 2, 56% tinham mais de 40 anos e, longe de se configurar como uma percepção hegemônica, 60% se sentiam satisfeitos com a docência.

Nos dois grupos, itens que evidenciavam a relevância social da profissão docente foram escolhidos como de maior importância, de onde se inferiu que um dos elementos constitutivos das subjetividades residia na relevância social de ser professor. Tal elemento não se caracterizava exclusivamente por sua expressão identitária, mas como um dos orientadores da escolha profissional e da motivação (neste sentido, revela-se sua dimensão afetiva) para permanência na docência.

Pela tendência em privilegiar determinados itens, foi possível identificar suas representações. Significa dizer que as configurações dos arranjos dos itens ofereceram elementos para compreender a docência e o ser docente. Itens de destaque do Grupo 1 foram: “Fascínio pela aprendizagem”; “Adoro conversar com meus colegas de profissão”; “Fico na profissão por causa dos alunos”; “Porque gosto de me sentir útil ensinando”; “Decidi me profissionalizar, sempre gostei de escola”; “Por causa da receptividade dos alunos”. Por sua vez, os itens mais valorados no Grupo 2 foram: “O Estado é o responsável pela minha insatisfação profissional” e “Não tenho mais paciência com indisciplina na escola”.

Os resultados encontrados no estudo realizado com os professores de São Paulo, salvo certas especificidades, confirmaram um padrão encontrado nos demais contextos estudados: a satisfação com a docência está associada ao perfil etário do grupo (Novaes, 2015Novaes, Adelina. “Subjetividade social docente: elementos para um debate sobre ‘políticas de subjetividade’”. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 156, 2015, pp. 328-43.). Ao retomar o pressuposto teórico da tríade dialógica, desse resultado foi elaborada a pergunta norteadora da pesquisa subsequente: tempo de docência seria o elemento primordial para a compreensão da constituição subjetiva do ser professor?

PROJETO 2. “SUBJETIVIDADE SOCIAL DOCENTE E POLÍTICAS DE SUBJETIVIDADE: APORTES DE UMA PERSPECTIVA PSICOSSOCIAL”10 10 A execução do projeto teria sido impossível sem as contribuições de Erika Kulessa de Souza; Monica Ribeiro Nunes, Diana Pereira Costa e Cláudia Terra.

O segundo projeto contou com a participação de 63 professores especialistas, docentes de Ensino Fundamental ii de diferentes Diretorias Regionais de Educação da zona leste de São Paulo. O foco desse estudo, restrito à periferia da cidade, foi a investigação da hipótese de que as subjetividades de professores com mais tempo de docência são constituídas na relação com os estudantes no processo de ensinagem, o que está associado à intensidade da motivação para o trabalho centrado na sala de aula e na possibilidade de identificação de elementos que permitam a elaboração de políticas de subjetividade, visto que a falta de motivação para a docência ficou evidente entre os grupos estudados que valorizaram arranjos de itens relativos aos outros institucionais (a escola, a rede de ensino, o governo, a mídia) em detrimento de um lócus de controle interno à prática docente, fundamentado na relação do professor com o Alter (estudante), o outro por excelência de sua práxis, aquele que dá sentido à sua profissão.

Por essa razão, o segundo projeto concentrou interesse na variável “tempo de docência”, dado que esta se distinguiu das demais na busca pela compreensão da subjetividade docente. Assim, para o adequado emprego da técnica Q, dos 63 respondentes, foram sorteados 28 (extração da amostra aleatória), de maneira que compusessem equitativamente quatro componentes (sete sujeitos em cada), a saber: (1) até cinco anos de docência; (2) de cinco a dez anos de docência; (3) de dez a quinze anos de docência; (4) mais de quinze anos de docência. Dessa forma, a aplicação da técnica Q pôde ser feita com o auxílio do método dos componentes principais.

Como no estudo anterior, foi elaborada uma tabela, considerando-se as médias de atribuição de valores (0 a 10) decorrente das escolhas dos professores e dos limites dos intervalos de confiança das médias. Nesse caso, também foram processadas análises de variância one-way, tendo como variável dependente a nota de cada item da escala e como fator grupo.

TABELA 2
Projeto 2. Estatísticas dos itens da escala, segundo o grupo, em ordem decrescente da média geral
TABELA 3
Projeto 2 - Tempo de docência e Grupo

Da análise dos arranjos dos itens na régua, foi possível identificar dois grupos, privilegiando-se a variável “tempo de docência”: professores em meio de carreira estavam majoritariamente associados ao Grupo 1, em contraposição aos que compõem o Grupo 2, que são, sobretudo, ou professores ingressantes na carreira, ou aqueles que já têm mais de quinze anos de docência.

Os itens de destaque do Grupo 1 foram: “Tenho orgulho de ser professor”, “Eu acredito que o professor é um agente de mudança social”, “Planejar a aula é fundamental para o meu trabalho”, “Dar aula foi uma escolha minha; se eu não gostasse do que faço, estaria em outra área”, “O professor, muitas vezes, é modelo para seu aluno”, “Aprendi muito desde que cheguei a esta escola”, “É a importância que dou à educação que me atrai, e não o salário”, “Pretendo continuar na carreira, apesar do salário e das condições de trabalho”, “Quando entrei em contato com a sala de aula, tive certeza de que queria ser professor/a”.

Nos padrões de arranjo que compuseram o Grupo 2, casas mais altas da régua receberam os itens: “Para os teóricos da universidade, se o ensino é ruim a culpa é sempre do professor”, “Fica muito difícil envolver os responsáveis na aprendizagem dos alunos por causa da barreira cultural”, “Trabalho muito, mas meu trabalho não é reconhecido pela minha família”, “Os alunos não gostam da minha matéria”, “Os professores mais novos acabam não entendendo o que os outros passam na escola”, “Eu só trabalharei como professor enquanto não encontrar emprego melhor”.

Um debate mais alongado permitiria aprofundar a análise e detalhar uma diversidade de elementos que convergem nos dois projetos. Múltiplos estudos também são permitidos pela técnica, mas estão reservados para o futuro, uma vez que as dimensões presentes no trabalho docente são variadas. Nesse tocante, é preciso estressar que o professor não é agente isolado para a qualidade da educação. É também impossível ignorar a vulnerabilidade social dos territórios onde estão localizadas as escolas, razão pela qual o projeto não poderá se furtar de um estudo priorizando essa variável.

Não foi, no entanto, a variável da vulnerabilidade social que sobressaiu no emprego da metodologia Q, na busca por elementos que permitissem a elaboração de políticas de subjetividade. Os resultados evidenciaram que professores em meio de carreira têm orgulho e satisfação com a profissão e assumem o protagonismo na ensinagem, apesar das condições para a docência. Esse cenário positivo não é o mesmo do Grupo 2. Professores em início de carreira e aqueles que estão mais próximos da aposentadoria (os extremos da variável “tempo de docência”) optaram por frases que atribuem aos outros (aos acadêmicos, aos responsáveis pelos alunos, à própria família, ao conteúdo curricular, aos colegas mais novos) as razões de sua insatisfação com a profissão.

Apesar de o tempo de docência ter se destacado, o que interessa à análise são os elementos dialógicos que compõem a tríade eu-outro-objeto/mundo e que oferecem a base para a definição das políticas de subjetividade. Em outros termos, as representações dos professores acerca da docência e do ser docente constituem, além de vias de acesso às suas subjetividades, possíveis guias para a elaboração de políticas que afetem seu cotidiano, sobretudo políticas de formação.

Dessa forma, a periferia da zona leste de São Paulo é contexto de produção de significações que anunciam tanto o fracasso quanto a possibilidade de um trabalho docente emancipatório para educandos e educadores. Dos arranjos das frases foi possível depreender, para além de elementos cognitivos, aqueles de caráter afetivo e volitivo que compõem as representações dos professores.

PESSOA OU SUPER-HERÓI? CONSIDERAÇÕES PERMITIDAS E UMA NOVA HIPÓTESE

Nos dois projetos, a metodologia Q foi assumida como uma estratégia para a apreensão de elementos constituintes das subjetividades sociais. Os recortes apresentados neste artigo buscaram jogar luz à realidade de docentes da zona leste de São Paulo. Com o olhar voltado para a periferia da cidade, uma tendência que se confirmou no segundo estudo foi o agravamento da insatisfação com a profissão, que redunda no mal-estar docente.

O tempo de docência foi variável de destaque: professores entre cinco e quinze anos de magistério têm construído representações sociais sobre a docência que chamam para si a responsabilidade da formação dos alunos. Aludindo ao heroísmo, esses profissionais de carne e osso se veem como transformadores da realidade social, promotores do sucesso dos educandos, conselheiros e publicitários no convencimento dos alunos pela importância de estudar. Esse superpoder prediz o tamanho do sofrimento com o fracasso da educação reiteradamente veiculado pela mídia.

Por outro lado, os resultados remetem a matrizes do pensamento pedagógico, sobretudo na pedagogia freiriana (Freire, 2000Freire, Paulo. Educação como prática de liberdade: a sociedade brasileira em transição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000., 2001a_______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, 2001b_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001b.), que permitem a inferência de que as representações sociais da docência e de ser docente estão ancoradas em concepções emancipatórias da educação. Esse é o norte para a elaboração das políticas de subjetividade.

Ao desviar de uma compreensão de autonomia dos dados estatísticos, a investigação tem se orientado pela busca de ações formativas dialógicas que permitam a constituição de subjetividades fundadas em lócus de controle interno à ação pedagógica (pelo fortalecimento da tríade docente-educando-componente curricular). Nessa empreitada, um novo investimento de pesquisa mostrou-se imperativo. O aprofundamento da análise acerca do tempo de experiência profissional na constituição das subjetividades docentes, associado à tensão entre mal-estar e bem-estar, tem sido realizado com base em grupos focais.

Assim, da hipótese anterior, decorre uma nova: o núcleo simbólico da práxis emancipatória11 11 “É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (Freire, 2001, p. 67). é motriz da profissionalização, da profissionalidade e da performatividade dos professores da periferia de São Paulo. Se confirmada, essa hipótese pode efetivamente amparar políticas de subjetividade para a formação e para o trabalho docente. Mais do que um investimento de pesquisa, essa é uma aposta ético-política que merece ser feita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Alves, Luciana et al. “Remoção de professores e desigualdades em territórios vulneráveis”. Cadernos Cenpec | Nova série, 4(2), 2015a. http://dx.doi.org/10.18676/cadernoscenpec.v4i2.292
    » https://doi.org/10.18676/cadernoscenpec.v4i2.292
  • _______. “Seleção velada em escolas públicas: práticas, processos e princípios geradores”. Educação e Pesquisa, 41(1), 2015b, pp. 137-52. https://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022015011488
    » https://doi.org/10.1590/S1517-97022015011488
  • Barbosa, Maria Ligia de Oliveira; Sant’anna, Maria Josefina Gabriel. “As classes populares e a valorização da educação no Brasil”. In: Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz et al. Desigualdades urbanas, desigualdades escolares. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010, pp. 155-74.
  • Feltran, Gabriel. “Periferias, direito e diferença: notas de uma etnografia urbana”. Revista de Antropologia, v. 53, n. 2, 2012.
  • Freire, Paulo. Educação como prática de liberdade: a sociedade brasileira em transição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
  • _______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001
  • _______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001b.
  • Gatti, Bernardete Angelina. “A utilização da técnica Q como instrumento de medida nas ciências humanas”. Cadernos de Pesquisa, n. 6, 1972, pp. 46-51.
  • Jovchelovitch, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes, 2008.
  • Kowarick, Lúcio. Escritos Urbanos. São Paulo: Editora 34, 2000.
  • Marková, Ivana. “Constitution of the Self: Intersubjectivity and Dialogicality”. Culture & Psychology, v. 9, n. 3, 2003, pp. 249-59.
  • _______. Dialogicidade e representações sociais: as dinâmicas da mente. Petrópolis: Vozes, 2006.
  • _______. Mente dialógica: senso comum e ética. Cambridge/ São Paulo/ Curitiba: Cambridge University Press/ Fundação Carlos Chagas/ PUCPRESS, 2017a.
  • _______. “A fabricação da teoria de representações sociais”. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n. 163, 2017b, pp. 358-75.
  • Moscovici, Serge. La Psychanalyse, son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France, 1961.
  • _______. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
  • _______. “Sobre a subjetividade social”. In: Sá, Celso Pereira de (org.). Memória, imaginário e representações sociais. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005.
  • _______. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes, 2012.
  • Nascimento, Érica Peçanha do. “A periferia de São Paulo: revendo discursos, atualizando o debate”. RUA, v. 16, n.2, 2010, pp. 112-27. https://doi.org/10.20396/rua.v16i2.8638822
    » https://doi.org/10.20396/rua.v16i2.8638822
  • Novaes, Adelina. “Subjetividade social docente: elementos para um debate sobre ‘políticas de subjetividade’”. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 156, 2015, pp. 328-43.
  • _______. “Metodologia Q: uma estratégia investigativa para o estudo das singularidades”. In: Novaes, Adelina; Villas Bôas, Lúcia Pintor; Ens, Romilda Teodora (orgs.). Formação e trabalho docente: relações pedagógicas e profissionalidade: pesquisas com a técnica Q. Curitiba/ São Paulo: Champagnat/ Fundação Carlos Chagas, 2016, pp. 15-30.
  • _______; Ornellas, Maria de Lourdes; Ens, Romilda Teodora. “Convergências teóricas em representações sociais e seu aporte para o estudo de políticas docentes”. Revista Diálogo Educacional, v. 17 n. 53, 2017, pp. 999-1.015.
  • Nóvoa, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.
  • Prado Filho, Kleber; Martins, Simone. “A subjetividade como objeto da(s) psicologia(s)”. Psicologia & Sociedade, v. 19, n. 3, 2007, pp. 14-9.
  • Sousa, Clarilza Prado; Novaes, Adelina. “A compreensão de subjetividade na obra de Moscovici”. In: Ens, Romilda Teodora; Villas Bôas, Lúcia Pintor Santiso; Behrens, Marilda Aparecida (orgs.). Representações sociais: fronteiras, interfaces e conceitos. Curitiba/ São Paulo: Champagnat/ Fundação Carlos Chagas , 2013, pp. 21-36.
  • Spink, Mary Jane Paris. “O conceito de representação social na abordagem psicossocial”. Cadernos de Saúde Pública, 9/3, 1993, pp. 300-8.
  • Stephenson, William. The study of behavior: Q Technique and its methodology. Chicago: University of Chicago Press, 1953.
  • _______. “Application of Q method to measurement of public opinion”. Psychological Record, n. 14, 1964, pp. 265-73.
  • _______. “Consciousness out - subjectivity in”. The Psychological Record, n. 18, 1968, pp. 499-501.
  • _______. “Factors as Operant Subjectivity”. Operant Subjectivity,1(1), 1977, pp. 3-16.
  • _______. “Introduction to Q-Methodology”. Operant Subjectivity, 17(1-2), 1993, pp. 1-13.
  • Tangerino Silva, Natália Tripoloni; Ribeiro, Vanda Mendes. “Movimentação de professores e alunos e interdependência competitiva entre escolas na legislação da rede municipal de São Paulo”. Jornal de Políticas Educacionais, 11(14), 2017. http://dx.doi.org/10.5380/jpe.v11i0.52837
    » https://doi.org/10.5380/jpe.v11i0.52837
  • Tedesco, Juan Carlos. “Igualdad de oportunidades y política educativa”. Cadernos de Pesquisa, 34(123), 2004, pp. 557-72.
  • Telles, Vera. “Cidade: produção de espaços, formas de controle e conflitos”. Revista de Ciências Sociais, v. 46, n. 1, 2015, pp. 16-42. http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v46n1/rcs_v46n1a1.pdf
    » http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v46n1/rcs_v46n1a1.pdf
  • Torres, Haroldo da Gama et al. “Educação na periferia de São Paulo: ou como pensar as desigualdades educacionais?”. In: Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz; Kaztman, Ruben (orgs.). A cidade contra a escola: segregação urbana e desigualdades educacionais em grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital , 2008, pp. 145-79.
  • Watts, Simon; Stenner, Paul. Doing Q Methodological Research: Theory, Method and Interpretation. Londres: SAGE Publications Ltd., 2013.
  • 1
    Neste texto, recorre-se a noções complexas de periferia (Telles, 2015Telles, Vera. “Cidade: produção de espaços, formas de controle e conflitos”. Revista de Ciências Sociais, v. 46, n. 1, 2015, pp. 16-42. http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v46n1/rcs_v46n1a1.pdf
    http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v46n1/rcs_...
    ; Nascimento, 2015; Feltran, 2012Feltran, Gabriel. “Periferias, direito e diferença: notas de uma etnografia urbana”. Revista de Antropologia, v. 53, n. 2, 2012.), que não se restringem a características geográficas e econômicas. Contrariamente, periferia foi compreendida como um fenômeno cultural, constituidor de subjetividades.
  • 2
    Desenvolvido em 2015 junto ao Department of Social Psychology da London School of Economics and Political Science, Reino Unido. Financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Processo 6.150-14-4.
  • 3
    Iniciado em 2017, e ainda em curso, é desenvolvido no Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade-Educação (CIERS-ed) da Fundação Carlos Chagas (FCC) e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 428.520/2016-2.
  • 4
    A Q-Metodology, ou metodologia Q, consiste em uma estratégia investigativa para o estudo das singularidades das pessoas ao levar em conta os arranjos das significações que emprestam a textos que lhes são apresentados. Para o exame dos arranjos de respostas, recorre-se à fatorial Q, um procedimento estatístico (Novaes, 2016_______. “Metodologia Q: uma estratégia investigativa para o estudo das singularidades”. In: Novaes, Adelina; Villas Bôas, Lúcia Pintor; Ens, Romilda Teodora (orgs.). Formação e trabalho docente: relações pedagógicas e profissionalidade: pesquisas com a técnica Q. Curitiba/ São Paulo: Champagnat/ Fundação Carlos Chagas, 2016, pp. 15-30.).
  • 5
    Para a autora, “A tríade dialógica é multifacetada. O objeto de representação na concepção tríade não precisa necessariamente ser uma coisa, ele pode ser uma pessoa, um grupo, uma representação de si [self-representation], ou a representação de outra pessoa” (Marková, 2007, p. 230).
  • 6
    Reiteradas vezes o autor argumenta em favor do estudo do comportamento, a exemplo do artigo “Consciousness out — subjectivity in” (Stephenson, 1968_______. “Consciousness out - subjectivity in”. The Psychological Record, n. 18, 1968, pp. 499-501.).
  • 7
    Informações complementares às obtidas por meio da técnica Q foram coletadas no mesmo encontro com os participantes da pesquisa, por meio de questionário de perfil.
  • 8
    Coordenados por Clarilza Prado de Sousa e Lúcia Villas Bôas.
  • 9
    Ambos os estudos contaram com a imprescindível contribuição de Miriam Bizzocchi, estatística do departamento de pesquisas educacionais da FCC.
  • 10
    A execução do projeto teria sido impossível sem as contribuições de Erika Kulessa de Souza; Monica Ribeiro Nunes, Diana Pereira Costa e Cláudia Terra.
  • 11
    “É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (Freire, 2001_______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 67).
  • 12
    ADELINA NOVAES [https://orcid.org/0000-0003-2028-2837] é pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, onde coordena o Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade - Educação, e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do mestrado profissional de Formação de Gestores Educacionais da Universidade Cidade de São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2019
  • Aceito
    05 Abr 2020
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Rua Morgado de Mateus, 615, CEP: 04015-902 São Paulo/SP, Brasil, Tel: (11) 5574-0399, Fax: (11) 5574-5928 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: novosestudos@cebrap.org.br