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Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue

Language education in the fluidity of the burnout society: the decolonial potential of the translingual approach

RESUMO

Este artigo explora possibilidades de articulação entre os fundamentos da orientação translíngue e o pensamento decolonial. São inicialmente discutidas as principais características da sociedade contemporânea, sob a ótica de sua condição líquida e pós-disciplinar, bem como suas implicações para as relações humanas e para a educação linguística na contemporaneidade. Entre outras, as noções de translingualismo restritivo e expansivo são mobilizadas para embasar reflexões sobre o caráter político-ideológico das práticas translíngues e argumentar que, em sua vertente transformativa, a translinguagem pode assumir tonalidade pós-humana e pós-colonial e evidenciar-se como um potente recurso para a promoção de práticas (educativas) mais democratizadoras.

Palavaras-chave:
Translinguagem; Decolonialidade; Educação Linguística Crítica

ABSTRACT

This paper explores possibilities of articulation between translanguaging and decolonial thinking. At first, the main characteristics of the contemporary society are discussed from the perspective of its fluidity and post-disciplinary condition. Possible implications of such features to human relations and to language education nowadays are also debated. Among others, the notions of restrictive and expansive translingualism are brought to light in order to foster reflections on the political-ideological nature of translingual practices and to argue that, in its transformative framework, translinguaging can assume a posthuman and postcolonial nature and become a powerful resource aimed at more democratizing (educational) practices today.

Keywords:
Translanguaging; Decoloniality; Critical Language Education

1. Introdução

“Qual é, afinal, a diferença entre viver e contar a vida?”, pergunta-nos Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar ., p. 10), em uma obra - entre tantas outras - que me cativou profundamente. A esse livro, publicado no início desta década, também no Brasil, ele perspicazmente deu o nome de Isto não é um diário (This is not a diary, no original).

Ao começar sua jornada de escrita, às 5h da manhã, ele confessa não ter a menor ideia sobre o sentido (ou sobre a falta dele) de se fazer um diário. Tampouco sabe ele se esse impulso de escrita vai durar e se valerá a pena segui-lo. Mas Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .) prossegue, como somente ele sabe fazer, tecendo muitas histórias - inusitadas, disformes, porosas, instigantes. Histórias de vida e, portanto, sempre de luta. Inspiração para tal encontrou em Saramago3 3 . Como explicado na obra de Bauman (2012), as citações de Saramago foram extraídas do Blog do autor, intitulado O caderno de Saramago e publicado no sítio eletrônico da Fundação José Saramago - josesaramago.org. , e suas reflexões nos dizem o seguinte:

Creio que todas as palavras que vamos pronunciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou somente esboçados que vamos fazendo, cada um deles e todos juntos, podem ser entendidos como peças soltas de uma autobiografia não intencional que, embora involuntária, ou por isso mesmo, não seria menos sincera e veraz que o mais minucioso dos relatos de uma vida passada à escrita e ao papel. (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:10)

Escrever, ou contar suas histórias, é, para Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:8), dar vazão a “pedaços, retalhos, fatias e frações e pensamentos em luta para nascer” que, de modo fantasmagórico, espectral, seguem “comprimindo-se, condensando-se e novamente se dissipando” para serem “captados primeiro pelos olhos” e, eventualmente, submetidos a um sútil, frágil e dinâmico contorno.

Assim também ocorre com o desenvolvimento de nossas pesquisas e estudos. Escrevê-los ou falar sobre eles, em um movimento que permita o nascimento de um pensamento criativo, bem-acabado, pressupõe relatos muitas vezes multiformes e desalinhados, como os rodopios de pessoas em uma dança despropositada. Entendo que esta seja uma forma muito particular de se compreender o processo de escrita, mas nem por isso, penso eu, seja uma maneira menos válida de fazê-lo. E, assim, pego-me já escrevendo e contando. Inspirando-me nas sábias e belas (para mim, ao menos) palavras de Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .), proponho-me, então, a esboçar narrativas - desde sempre, preliminares, sobre translinguagens (Yip e García, 2018YIP, Joana; GARCÍA, Ofelia. 2018. Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, p. 164 - 177. Disponível em: <Disponível em: https://iberoamericasocial.com/ translinguagens-recomendacoes-educadores >. Acesso em: 21 jul 2019.
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, entre outros) e suas relações com um pensamento compreendido como pós e/ou de(s)colonial.

Abro aqui um parênteses para dizer que entendo os embates entre os prefixos pós e de(s) quando se trata de colonialidade. Mesmo o pós-colonialismo (Hall, 2009HALL, Stuart. 2009. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG. (Tradução de Adelaine La Guardia Resende).; Santos, 2008SANTOS, Boaventura de Sousa. 2008. A gramática do tempo: para uma nova cultura política, v. 4. 2. ed. São Paulo: Cortez . (Coleção para um novo senso comum). ) já é um campo bastante polifônico, no que diz respeito a suas origens, perspectivas e indicações teóricas, analíticas, geográficas e cronológicas (Lima, 2013LIMA, José Gllauco Smith Avelino. 2013. O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11, 14 out. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4309 > Acesso em: 16 jul. 2019.
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). No entanto, esse contorno difuso, tenso e conflituoso mostra-se desejável e positivo, porque mantém o movimento, a desestabilização, a abertura.

Como nos mostra Rosevics (2017ROSEVICS, Larissa. 2017. Do pós-colonial à decolonialidade. In: CARVALHO, Glauber. ROSEVICS, Larissa (Orgs.). Diálogos internacionais: reflexões críticas do mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Perse.:191), citada por Reis e Andrade (2018REIS, Maurício Novaes; ANDRADE, Marcilea Freitas Ferraz. 2018. O pensamento decolonial: análise, desafios e perspectivas. Revista Espaço Acadêmico, n. 2012, p. 1-11.: 3), o termo decolonial é geralmente usado com base nas teorizações de Mignolo (2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.), a fim de “diferenciar os propósitos do Grupo Modernidade/Colonialidade e da luta por descolonização do pós-Guerra Fria, bem como dos estudos pós-coloniais asiáticos”. O trabalho de Colaço (2012COLAÇO, Thaís Luzia. 2012. Novas perspectivas para a antropologia jurídica na América Latina: o direito e o pensamento decolonial. Florianópolis: Fundação Boiteux.) é também trazido por Reis e Andrade (2018REIS, Maurício Novaes; ANDRADE, Marcilea Freitas Ferraz. 2018. O pensamento decolonial: análise, desafios e perspectivas. Revista Espaço Acadêmico, n. 2012, p. 1-11.:3) para esclarecer que:

o pensamento decolonial reflete sobre a colonização como um grande evento prolongado e de muitas rupturas e não como uma etapa histórica já superada. [...] Deste modo quer salientar que a intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo, ou seja, superar o momento colonial pelo momento pós-colonial. A intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta contínua. (Colaço, 2012COLAÇO, Thaís Luzia. 2012. Novas perspectivas para a antropologia jurídica na América Latina: o direito e o pensamento decolonial. Florianópolis: Fundação Boiteux.:8)

Nas palavras de Mignolo (2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.:15),

a descolonialidade não consiste em um novo universal que se apresenta como o verdadeiro, superando todos os previamente existentes; trata-se antes de outra opção. Apresentando-se como uma opção, o decolonial abre um novo modo de pensar que se desvincula das cronologias construídas pelas novas epistemes ou paradigmas (moderno, pós-moderno, altermoderno, ciência newtoniana, teoria quântica, teoria da relatividade etc.).

Apesar de validar as contraposições apresentadas, entendendo-as como pertinentes e importantes para que mantenhamos o pensamento crítico (Freire, 2004FREIRE, Paulo. 2004 [1996]. Pedagogia da autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra.) diante das verdades que o mundo nos impõe, entendo que o aprofundamento acerca dessas questões fuja ao escopo deste trabalho. Além disso, percebo que muitos rebatem as críticas ao pós-colonial(ismo), enfatizando que esse movimento não se alinha a um entendimento etapista da história, uma vez que o pós “não se reduz a uma visão de superação de etapas” e, assim, “compreende a ideia de abertura para novas reflexões em torno do colonialismo [...] contribuindo para modelar, sob novos matizes, a estrutura social, cultural, política, econômica e epistêmica dos arranjos societários recém-independentes” (Lima, 2013LIMA, José Gllauco Smith Avelino. 2013. O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11, 14 out. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4309 > Acesso em: 16 jul. 2019.
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:201). Nesse contexto, tomo aqui a liberdade de alinhar todos esses prefixos, usando-os de modo intercambiável, como também, de fundi-los, algumas vezes, pela marca do trans.

Sem desejar minimizar o dissenso e ciente da incapacidade de qualquer conceito dar conta da complexidade do exercício do poder nas relações humanas, incluo, despretensiosamente, a ideia de transcolonialidade, como sugere Trivedi (1999TRIVEDI, Harish. 1999. The postcolonial or the transcolonial? Location and language. Interventions, v.1, n. 2, p. 269-272. DOI: 10.1080/13698019900510371.
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), para ressaltar a importância do movimento, da transgressão de fronteiras, estas sempre difusas e imaginadas. Além disso, compartilho com Pennycook (2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ) a ideia de que os termos pós ou trans não devem ser tomados como diametralmente opostos, sendo mais interessante olharmos para o que se manifesta a partir desse conceitos e, assim, para suas intersecções.

Neste trabalho, mais importante que determinar um prefixo para ser agregado ao termo colonial, é posicionar-se de modo a alinhar a noção de pós, de(s) ou transcolonialidade ao pensamento de Paulo Freire. Como certeiramente nos mostra Lima (2013LIMA, José Gllauco Smith Avelino. 2013. O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11, 14 out. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4309 > Acesso em: 16 jul. 2019.
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), a Pedagogia do Oprimido já nos oferecia uma leitura singularmente pós-colonial, uma vez que se apresentava constitutivamente questionadora das opressões impostas pela sociedade violentamente desigual em que vivemos. O pensamento freireano, segundo Lima (2013LIMA, José Gllauco Smith Avelino. 2013. O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11, 14 out. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4309 > Acesso em: 16 jul. 2019.
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:209), é salutarmente perturbador,

porque é uma obra que nos obriga a desromantizar nossa visão de educação, mostrando explicitamente o conteúdo político da prática educativa e o seu papel na confirmação ou na contestação do status quo social. Mas, de igual modo, é uma obra motivadora, inspiradora da esperança, do sonho, da ação concreta diante da transformação de nós mesmos e do mundo em que vivemos.

Procuro, então, de modo também despretensioso, contar aqui (minhas) histórias sobre educação linguística e translinguagens, nesse horizonte. Para escrever sobre qualquer coisa, explica-nos Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:8), é importante atirar-se para dentro de nós mesmos e também para fora, no mundo, lutando para “preencher as lacunas e superar armadilhas”. É preciso coragem, como já nos dizia Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas, para, como complementa Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:8), “esquecer o destino: estar em movimento, e pular sobre os obstáculos ou afastá-los com um chute, [pois] é isso que dá sabor à vida.”

Deixo-me levar, assim, pelos sentimentos e sabores, variados e intensos, das reflexões que buscam transitar e transgredir nas fronteiras de terrenos onto-epistemológicos diversos, a fim de dar um contorno temporário, mas quiçá plausível, aos pensamentos que versam sobre a dimensão política das translinguagens (Canagarajah, 2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.; García, Johnson e Seltzer, 2017GARCÍA, Ofelia; JOHNSON, Susana Ibarra; SELTZER, Kate. 2017. The translanguaging classroom: leveraging student bilingualism for learning. Philadelphia: Caslon. ). Para tanto, busco pontos de interseção com perspectivas pós-(de)coloniais (Hall, 2009HALL, Stuart. 2009. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG. (Tradução de Adelaine La Guardia Resende).; Santos, 2008SANTOS, Boaventura de Sousa. 2008. A gramática do tempo: para uma nova cultura política, v. 4. 2. ed. São Paulo: Cortez . (Coleção para um novo senso comum). , entre outros), a fim de movimentar-me pelos (des)caminhos de uma educação linguística crítica na atualidade (McKinney, 2017McKINNEY, Carolyn. 2017. Language and Power in Post-Colonial Schooling: Ideologies in Practice. London/New York: Routledge . ), ou seja, mais descentrada e descentralizadora, conforme o pensamento de Pennycook (2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. , 2018bPENNYCOOK, Alastair. 2018b. Critical Applied Linguistics Commons. In: MACIEL, Ruberval Franco Maciel. et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes. p. 37-56.), além de interculturalmente democrática, como diria Zegada C. (2018ZEGADA C., María Teresa. 2018. Bolívia: a democracia intercultural como síntese das diferenças. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENDES, José Manuel (Orgs.). Demodiversidade: imaginar novas possibilidades democráticas. Belo Horizonte: Autêntica. p 459-480. ).

Interessa-me, nessas andanças, debater com responsabilidade (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .) e, para tanto, é importante fortalecer “minha convicção de ter algo útil a oferecer” (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:9). Útil no sentido não de (re)apresentar verdades (mesmas ou outras), mas de possibilitar (sempre mais) questionamentos e tornar (mais) visíveis outros contornos e histórias. Assim sendo, a fim de situar as possíveis relações entre o enfoque translíngue e o pensamento decolonial, inicialmente apresento reflexões sobre a sociedade em que vivemos, com o propósito de justificar a relevância desse debate no contexto da educação linguística contemporânea, para, então, seguir em defesa de uma orientação translíngue e transcolonial frente às práticas socioeducativas e de linguagens na atualidade.

2. Em que mundo contamos nossas histórias?

Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:10) afirma que a imprevisibilidade da sociedade de hoje impôs “o advento de um mundo, e de uma forma de viver nele, composto apenas de experimentos, sem teoria para planejá-los nem instruções confiáveis sobre como iniciá-los, dar-lhes sequência e avaliar seus resultados”. Para os dilemas de nossa época, portanto, não há respostas fixas e tampouco existem caminhos confiáveis. A sociedade líquida se incumbe de dissolver nossas certezas, nossas fronteiras, nossos conhecimentos, nossas relações. Essa sociedade “esmera-se em pulverizar tudo, mas nada de modo tão profundo quanto a imagem do próprio mundo: essa imagem se tornou tão pontilhista quanto a do tempo que preside sua fragilização e fragmentação” (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:10). Nada, a não ser nossa força e capacidade de reinventar o mundo e a nós mesmos, pode nos ajudar a viver de forma mais equilibrada e menos destrutiva.

Nesse sentido, a sociedade atual, intensamente atomizada, alerta Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:10), peca ainda ao permitir que “o mundo fragmentado se emparelhe com os pintores de sua aparência”. Essa sociedade, de modo frenético, imprevisível e veloz, faz emergir novas formas de poder e controle. Em outras palavras, na sociedade líquida das mídias e massas, a lógica pan-óptica, em que poucos controlam muitos, de modo pontual, localizado e verticalizado, perde espaço ao sinóptico, cujo funcionamento mais global e desvinculado da incisiva coerção, incide em um regime de controle inverso, em que os poucos escolhidos pelas grandes mídias de massas a serem observados são seduzidos a compactuar com a vigilância.

Em seu diálogo com David Lyon, Bauman (2013BAUMAN, Zygmunt. 2013. Vigilância Líquida. Rio de Janeiro: Zahar .) esclarece que o pan-optismo, compreendido como espaço físico e como tecnologia de vigilância em sociedades disciplinares, acaba por sofrer expansões na liquidez do mundo contemporâneo. Assim, passa a englobar outros aparatos, como o pan-optismo-pessoal (auto-vigilância e vigilância do outro), que se pauta por uma lógica de vigilância mais horizontalizada, bem como a engenharia de processamento de dados, percebida como instrumento de controle (ban-óptico), dando vasão a um entendimento mais fragmentado e heterogêneo do termo (pós-pan-óptico).

Na sociedade contemporânea, (hiper)capitalista e anti-democrática (Chun, 2017CHUN, Christian W. 2017. The discourses do Capitalism: everyday economists and the production of common sense. New York: Routledge . ), além de profundamente impactada pela ótica das redes e fluxos e dominada pelos algoritmos (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.), parece fazer mais sentido que as formas de vigilância e controle - líquidas, sofisticadas, com­plexas e independentes de confinamento físico-espacial - sejam expressas pela complexidade do multi-sinóptico. Como defende Pinheiro (2018PINHEIRO, Petrilson Alan. 2018. The age of multisynopticon: what does it mean to be (critically) literate today? In: MACIEL, Ruberval Franco et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes . p. 237-260.), essa outra lógica explica, de modo mais inter-relacionado, as maneiras pelas quais o poder exerce hoje seus efeitos controladores e disciplinares, também com base em uma perspectiva multidimensional e glocalizada, que cinde, fortuita e clandestinamente, o privado e o público.

Nesse sentido, julgo importante perceber que glocalização não é sinônimo de cisão harmônica. Longe disso. O glocal se constitui como um movimento de luta e para assumir seu potencial transformador precisa resistir - reexistindo (Souza, 2011SOUZA, Ana Lúcia S. 2011. Letramentos de Reexistência - Poesia, grafite, música, dança: Hip Hop. São Paulo: Parábola. ) - aos discursos autoritários e se reinventar, sem silenciar - nos âmbitos econômico, político e sociocultural, nos quais a dimensão das linguagens se faz transversalmente presente - as vozes e epistemologias do sul (Santos, 2014SANTOS, Boaventura de Sousa. 2014. Epistemologies of the South: justice against epistemicide. London/New York: Routledge .). Na sociedade líquida, (hiper)capitalista, como bem define Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:184),

a Glocalização é o nome dado a uma dupla conjugal que foi obrigada, apesar de todo som e fúria muito bem conhecidos da maioria dos casais ligados pelo matrimônio, a negociar um modus co-vivendi sustentável, já que a separação não é opção. Glocalização é o nome de uma relação de amor e ódio, misturando atração e repulsa: o amor que anseia por proximidade misturado ao ódio que aspira a distância.

O casamento se mantém, apesar e por causa das incongruências, porque é uma questão de se manter vivo na contemporaneidade, já que o local não dispõe da energia para alimentar as identidades fluídas do mundo de hoje, e o global, por sua vez, precisa de pistas de pouso - improvisadas e temporárias, para aterrissar e se reabastecer (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .).

De qualquer modo, é preciso criticidade, criatividade, tempo, equilíbrio e força para sobrevivermos de modo menos caótico e violento na sociedade atual, caracterizada pelo capitalismo dadocêntrico (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.). Nessa sociedade, a partir de um acordo tácito entre as pessoas e as empresas, sem o devido (leia-se adequado e profundo) conhecimento, “a natureza aparentemente excepcional das mercadorias [...] - desde a informação, passando pelas redes, até a internet - está codificada em nossa linguagem” (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.:29). Nesse contexto, movimentos de ruptura incidem em minarmos as bases de um modelo sócio-econômico-tecnológico que controla nossas vidas pelos algoritmos e converte “todos os aspectos da existência cotidiana em ativo rentável” (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.:33). Sinceramente, espero que a missão não seja impossível.

Ao discutir o mundo contemporâneo, Byung-Chul Han (2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. ) é enfático ao dizer que vivemos na Sociedade do Cansaço. Essa me parece uma definição muito convincente, já que não preciso fazer esforço algum para concordar com a adjetivação. O cansaço se faz visível nos sorrisos, nos movimentos, nos olhares, na entoação dos falares, nos discursos, nos corpos. As pessoas são diferentes, as razões são muitas, mas o cansaço extenua a todos. Ou quase todos, é bem verdade. Ou mais a uns que a outros, talvez, mas ele certamente impera, de diferentes maneiras, na pesada e desigual liquidez da vida de hoje.

A sociedade do século XXI pode ser compreendida como uma sociedade cujos habitantes “não se chamam mais sujeitos da obediência, mas sujeitos de desempenho e produção” (Byung-Chul Han, 2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. :23). Nessa ótica, essa sociedade distancia-se de uma negatividade imposta pela proibição, para a positividade da promessa de um poder ilimitado, viabilizado pelas ideias de iniciativa, autonomia e motivação. Somos donos de nossos projetos de futuro e perfeitamente capazes de torná-los realidade, a partir de nosso empenho. Como podemos perceber, “a positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever” (Byung-Chul Han, 2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. :25). Entretanto, prossegue o autor, o poder não exime o sujeito do dever, mantendo-o obediente, mas infinitamente mais rápido, autônomo e produtivo que o sujeito disciplinado da obediência.

Segundo as teorias de Byung-Chul Han (2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. ), embasadas no pensamento de Ehrenberg (2008), a depressão e o cansaço começam no momento em que o regime disciplinar, autoritário e proibitivo não resiste à norma que incita a iniciativa pessoal. Somos donos de nosso destino e tudo depende de nós. Procuro um modo de mensurar, mas o peso desse fardo em uma sociedade fragmentada e controlada por mecanismos invisíveis é inimaginável. Estamos esgotados pelo paradoxal esforço de nos tornarmos nós mesmos.

A economia do si-mesmo é, assim, defendida por Ehrenberg (2008) e acatada por Byung-Chul Han (2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. ) como forma de explicar nossa sociedade, que fatalmente produz infartos psíquicos pela pressão de desempenho, diante das premissas de responsabilidade própria e iniciativa pessoal perante o sucesso. O que causa esgotamento “não é o excesso de responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade moderna do trabalho” (Byung-Chul Han, 2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. :27).

Na sociedade do cansaço, o excesso de trabalho e desempenho acaba por culminar na autoexploração, que se mostra mais eficiente que a exploração do outro, devido ao princípio da autorreferencialidade. Em outras palavras, o agressor e o explorador são, ao mesmo tempo, também a vítima e o explorado, o que eventualmente gera a ideia paradoxal de liberdade. Somos treinados, desde muito cedo, a sermos autossuficientes, a estarmos prontos 24 horas por dia, sete dias por semana e a não contarmos com ninguém além de nós mesmos quando “houver problemas e a necessidade de fugir das águas turvas para águas mais claras e tranquilas” (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .:47).

Essa sociedade é, por decorrência, muito violenta, uma vez que as estruturas coercitivas inerentes ao seu funcionamento transformam o peso da ilusão de liberdade em violência (das mais variadas ordens). Como discorre Bauman (2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .:40), “soltar o ódio não é algo desinteressado [...], é o seu próprio motivo e propósito”. A atração da violência consiste, segundo o autor, “em trazer alívio para o sentimento humilhante” diante de nossa “fraqueza, impotência, indolência, nulidade” em resolver, de modo plausível, as questões do mundo contemporâneo (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .:40). Nessa sociedade, nervosa e líquida, vivemos perdidos, sem mapas, sobre territórios minados (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .). A única certeza é a de que haverá muitas explosões. Grande parte delas é midiatizada, diariamente, enquanto outras são (autoritariamente) silenciadas, obscurecidas.

Mostra-se urgente, portanto, que encontremos formas alternativas para a construção de uma crítica emancipatória da tecnologia (e das mais variadas línguas e linguagens, acrescento) no mundo atual, como propõe Morozov (2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.). Para tanto, é necessário compreendermos as deficiências da crítica atual, que se mostra ineficiente por motivos desconhecidos ou pouco visíveis ou plausíveis para nós, até o momento (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.). Uma crítica verdadeiramente mais radical e efetiva envolve “tratar seriamente não só a economia política do Vale do Silício4 4 . O Vale do Sílício localiza-se na parte sul da região da Baía de São Francisco, na Califórnia, EUA e, por abrigar inúmeras start-ups e empresas globais de tecnologia, é considerado hoje o maior polo tecnológico do mundo. , como também de seu papel cada vez mais preponderante na arquitetura fluída, e em constante evolução, do capitalismo global contemporâneo” (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.:26).

Em vista do extenuante funcionamento da sociedade em que vivemos e dos desafios que nos são impostos para sobrevivermos nela, acabo por me perguntar, sem muita força ou convicção: que histórias podemos (ainda) contar nesse mundo? Byung-Chul Han (2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. :128) afirma que é passada a hora de transformarmos “essa casa mercantil” em que hoje vivemos, “numa casa de festas, onde valha a pena viver”. Sim, de festas - diferentes, mas não menos divertidas - para todos, certamente. Sabemos disso. Sentimos isso a todo o momento. Harari (2018HARARI, Yuval Noah. 2018. 21 Lessons for the 21st century. London: Johnathan Cape.) nos diz, então, que sobreviver no mundo contemporâneo requer muita flexibilidade e altas doses de equilíbrio emocional.

Penso que almejar qualquer tipo de equilíbrio, em nossos tempos, seja possível somente se redimensionarmos, sempre singularmente, nossa humanidade (Pennycook, 2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ), forçando-nos a procurar formas outras de equilíbrio, que nos coloquem em uma conexão mais ampla e descentrada com todos os objetos e elementos que possam vir a fazer parte de nossa existência. Assim sendo, cabe advogar, também, em favor da força política do afeto (Massumi, 2015MASSUMI, Brian. 2015. Politics of affect. Cambridge: Polity Press . Kindle edition.). Nesse viés, passa a ser crucial buscarmos modos alternativos de lidar com os dramas da sociedade de hoje. Para isso, parece vital compreendermos melhor como somos afetados pelo mundo e como dialeticamente o afetamos, a fim de repensarmos as maneiras pelas quais nossos sentimentos transformam-se em potência de agir e, assim, realizam-se em discursos e ações que impactam (nos mais variados sentidos, formas e direções) as nossas vidas, bem como a vida das pessoas no mundo (Massumi, 2015MASSUMI, Brian. 2015. Politics of affect. Cambridge: Polity Press . Kindle edition.).

Em tempos de ódio e disjunções históricas, das mais diversas ordens, concordo com Pennycook (2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ) que uma pergunta acabe por fazer muito sentido: não parece plausível a ideia de que formas alternativas e possivelmente mais efetivas (e afetivas, acrescento) de lidar com os dilemas do mundo hoje requeiram o desafio de repensarmos nossa relação com tudo aquilo que não consideramos humano e, por decorrência, encontrarmos outros modos de nos definirmos e também de compreendermos tais elementos?

Minhas reflexões e histórias não pretendem aprofundar-se conceitualmente na proposta pós-humanista de Pennycook (2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ). Cabe aqui dizer, somente, que minha busca por maneiras outras de pensamento e convívio, menos violentas e abertas à empatia, também é afetada pela perspectiva do pós-humano (Santaella, 2003SANTAELLA, Lúcia. 2003. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus., 2010SANTAELLA, L. 2010. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus ., 2013SANTAELLA, L. 2013. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus .; Pennycook 2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. , 2018bPENNYCOOK, Alastair. 2018b. Critical Applied Linguistics Commons. In: MACIEL, Ruberval Franco Maciel. et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes. p. 37-56.).

De modo sucinto, o pós-humanismo, para Pennycook (2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ) pode ser entendido como um termo amplo que envolve um extenso e nem sempre harmônico campo de questões sobre o que significa ser humano. Para Santaella, a condição humana é “mediada por sua constituição simbólica, técnica e artificial” (2003SANTAELLA, Lúcia. 2003. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus.:212) e falar sobre o pós-humano ou sobre o pós humanismo implica repensar o entendimento do humano. Para ambos os autores, no entanto, o pensamento pós-humano/pós-humanista não pode ser equiparado a uma negação do humano, ou seja, a um pensamento anti-humanista, mas deve ser visto como um movimento de redimensionamento dessa condição, em um mundo imprevisível. O pós-humano reconhece, assim, a heterogeneidade, a multiplicidade, a contradição, o contexto e a objetividade situada como elementos constitutivos do humano, implicando, por decorrência, “uma nova ontologia das instabilidades” (Santaella, 2010SANTAELLA, L. 2010. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus .:44).

Santaella (2010SANTAELLA, L. 2010. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus .:44) entende que o pós-humanismo emerge “como fruto das tendências do pós-humano”, cuja genealogia e contextualização podem ser localizadas na pós-modernidade. O pós-humano articula-se, assim, a um pós-humanismo crítico, que, ao recusar o essencialismo e a universalidade da natureza humana, confronta um pós-humanismo ilusionista, fundamentado ainda “em teimosas e dogmáticas formas de antropocentrismo e antropomorfismo” (Santaella, 2013SANTAELLA, L. 2013. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus .:25).

O pós-humano “necessariamente acompanha as aceleradas transformações biológicas, antropológicas, sociais e psíquicas provocadas pelas revoluções” contemporâneas e, consequentemente, propõe o descentramento do humano a partir da ruptura com determinações essencialistas (Santaella, 2013SANTAELLA, L. 2013. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus .:23). Assim sendo, para Santaella (2013SANTAELLA, L. 2013. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Paulus .) não cabe, por exemplo, perguntar se um animal pode pensar, mas se ele pode sofrer. Do mesmo modo, não é coerente dizer que um objeto pode sentir, mas é necessário o reconhecimento de que qualquer elemento exerce um impacto em nossas vidas, levando-nos a agir, o que remete, por sua vez, à expansão da visão de agência e à sua compreensão como distributiva (Pennycook, 2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. , 2018bPENNYCOOK, Alastair. 2018b. Critical Applied Linguistics Commons. In: MACIEL, Ruberval Franco Maciel. et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes. p. 37-56.).

De um ponto de vista pós-humanista, segundo Pennnycook (2018a), podemos começar a pensar em língua/linguagem, cognição e agência, não meramente como distribuídos por meio de diferentes pessoas, mas, em vez disso, como distribuídos para além dos limites, contornos e divisas impostas rigidamente por visões antropocêntricas e antropomorfas. Mais que isso, podemos repensar não só a nossa relação com todos os seres e elementos que fazem parte da vida, como também nosso papel em uma sociedade assustadoramente violenta, compreendendo a importância de tudo e todos em um mundo que não se limita à ação humana e que, portanto, precisa de políticas orientadas para a coletividade e para a paz.

Ao alinhavar essas histórias, surpreendo-me novamente com as palavras de Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .) que, embora possam ser caracterizadas como pessimistas, insistem em também me oferecer um sopro de esperança, ajudando-me a (re)pensar alternativas encorajadoras de como viver de modo possivelmente mais justo e democrático na sociedade contemporânea. Sigamos, portanto, junto a Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:249-250), que busca a (re)construção de um “mundo em que vale a pena viver e pelo qual vale a pena lutar”, esforçando-se para, desde sempre, “manter nossa autocrítica e minar ou pelo menos enfraquecer nossa presunção”.

3. O diálogo como política de campanha e de luta por justiça: uma alternativa plausível (para a educação linguística)?

Todos nós, possivelmente sem exceção, temos um papel ativo e singularmente importante a ser assumido e desempenhado com responsabilidade social para que possamos fortalecer as condições que constroem uma sociedade mais democrática, justa, equânime e pacífica (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .). O diálogo, como movimento político, econômico e sociocultural, apresenta-se como um recurso forte e potencialmente capaz de minar os fundamentos do autoritarismo e do pensamento hegemônico, porque, “com tudo que ele implica, nos lembra que ninguém pode permanecer como mero espectador ou curioso” diante dos dramas e disjunções de nossos tempos (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .:153).

Entretanto, o diálogo desestabilizador e promotor em potencial de transformações radicais na sociedade contemporânea demanda “respeito recíproco e uma igualdade de status presumida” (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .:154). Assim, esse tipo de diálogo enfrenta o impasse da impossibilidade de sua existência. Compreendo esse diálogo radical como um elemento constitutivo da democracia intercultural (Zegada C., 2018ZEGADA C., María Teresa. 2018. Bolívia: a democracia intercultural como síntese das diferenças. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENDES, José Manuel (Orgs.). Demodiversidade: imaginar novas possibilidades democráticas. Belo Horizonte: Autêntica. p 459-480. ), pensada como uma possibilidade de síntese das diferenças, em um mundo (hiper)capitalista e marcado por forças hegemônicas diversas. O diálogo, nessas bases, não conta com caminhos pré-estabelecidos ou atalhos confiáveis. Ele emerge como possibilidade. Assim como a democracia intercultural, esse diálogo, radicalmente necessário,

não é uma instituição estabelecida, um discurso ou um horizonte a alcançar, mas sim, uma maneira particular de relação que se estabelece entre sujeitos, instituições e o Estado, recuperando experiências e capacidades políticas transformadoras e posicionando-se nesse interstício quase invisível da política. (Zegada C., 2018ZEGADA C., María Teresa. 2018. Bolívia: a democracia intercultural como síntese das diferenças. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENDES, José Manuel (Orgs.). Demodiversidade: imaginar novas possibilidades democráticas. Belo Horizonte: Autêntica. p 459-480. :478).

Os caminhos para a realização desses diálogos e para a (re)construção de equidade e da justiça em nossa sociedade incide em sermos capazes de nos movimentar de forma equilibrada por entre “mais perguntas que respostas”, (re)criando contornos em uma tarefa de reintegração (pós)humana, que se mostrará “muito árdua, onerosa e difícil de se levar a feito” (Bauman, 2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .:155). Em tempos líquidos, a sociedade justa encontra-se sempre em constante (re/des)construção e em “permanente vigilância” (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:149).

Na contemporaneidade, todo cuidado e suspeita são poucos para conseguirmos perceber como injustas, condições adversas e perversas “que tenham persistido por tempo suficiente para serem aceitas como normais, insolúveis, imunes a protestos e resistentes a mudanças” (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:148). Para criarmos possibilidades de justiça, no mundo contemporâneo, é importante desapegarmos de um modelo universal, em prol de movimentos que sejam sensíveis a todos os casos de injustiça e que impulsionem ações capazes de corrigi-los (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .). De forma simplificada, uma sociedade mobilizada pela ideia de justiça, na modernidade líquida, mostra-se radicalmente inclinada a “promover o bem-estar do fracassado; bem-estar incluindo, nesse caso, a capacidade de tornar real o direito humano formal a uma vida decente - transformando a liberdade de jure em liberdade de facto” (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:149, grifos no original).

O diálogo, como recurso de resistência e transformação frente a uma sociedade estruturada pelo pensamento autoritário e opressor, é a base dos postulados freireanos (Freire, 1970FREIRE, Paulo. 1970. Pedagogía del oprimido. Montevideo: Tierra Nueva. ). Também alinhada às ideias de Paulo Freire, Veronelli (2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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) argumenta que o diálogo, por si só, mostra-se insuficiente para provocar rupturas com formas de funcionamento político, socioeconômico e cultural consideradas colonizadoras, porque o próprio diálogo pode evidenciar-se tonalizado pelo pensamento colonial. A citada autora propõe a necessidade de coletivamente instaurarmos uma virada paradigmática que possa fecundar o diálogo com uma lógica decolonial constituída de “projetos e práticas mais ou menos articuladas que resistem à colonialidade do poder em suas formas múltiplas e interconectadas” (Veronelli, 2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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:55)5 5 . No original: “prácticas y proyectos más o menos articulados que resisten la colonialidad del poder en sus múltiples e interconectadas formas”. .

De forma análoga, com base nas ideias de Richard Rorty, Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .) advoga em favor da luta por justiça com base em uma política de campanha. Essa política mostra sua plausibilidade no mundo atomizado, segundo Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .:149), porque, ao localizar “um caso inegável de sofrimento, prossegue com o diagnóstico da injustiça que o causou e atua para corrigi-lo”, sem dispender um precioso tempo com tentativas claramente infundadas e desesperadas de resolver a questão, a qual, na verdade, é praticamente insolúvel do ponto de vista de uma justiça perfeita. A política de campanha, a meu ver, está muito próxima do ativismo político. Nesse viés, julgo pertinente abordar o pensamento de McKinney (2017McKINNEY, Carolyn. 2017. Language and Power in Post-Colonial Schooling: Ideologies in Practice. London/New York: Routledge . ) em relação às possibilidades de promovermos justiça social, também por meio da educação linguística. Para tanto, a referida autora enfatiza a necessidade de levarmos em conta os diferentes sentidos (geralmente contraditórios) do que seja justiça social e de analisarmos como essas diferentes visões podem afetar nossas vidas e também a educação.

McKinney (2017McKINNEY, Carolyn. 2017. Language and Power in Post-Colonial Schooling: Ideologies in Practice. London/New York: Routledge . ) prossegue advogando em favor da visão de justiça social defendida por Nancy Fraser (2008FRASER, Nancy. 2008. Scales of justice reimagining political space in a globalized world. Cambridge: Polity Press. ). Para ambas as autoras, portanto, a justiça social vai muito além do entendimento de que a redistribuição de recursos seja suficiente para promover relações mais simétricas. A dominação cultural e a situação de desfavorecimento social, linguístico, cultural, político e econômico encontram-se intrinsecamente interligadas. Nessa linha, a promoção de justiça social requer a complexa união de diferentes ações, quais sejam, reconhecimento (da igualdade de direitos e validação das mais diversas formas de expressão linguística e cultural, por exemplo); redistribuição (dos capitais linguístico, econômico e cultural entre os diversos grupos sociais mais equânime); e representação política (empoderamento de grupos menos favorecidos).

É possível afirmar que o reconhecimento e a redistribuição, no âmbito de uma educação linguística crítica, envolvem reflexões e ações que escrutinem a relação entre linguagem e poder, potencializando a emergência de discursos decoloniais (Veronelli, 2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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). Nesse contexto, o processo educativo orientado para a justiça social e para um equilíbrio pacífico poderia também ser compreendido como aquele que nos inspire e nos retire de nossa condição de esgotamento, restituindo-nos nossa dignidade e nosso “desejo e capacidade de sonhar com nosso futuro” (Hernandez-Zamora, 2010HERNANDEZ-ZAMORA, Gregorio. 2010. Decolonizing literacy: Mexican lives in the era of global capitalism. Bristol/Buffalo/Toronto: Multilingual Matters.:202)6 6 . No original: “A literacy education, in short, that feeds our desire and capacity to dream with our very future.” . A educação (linguística) nessa vertente, viabiliza o encontro (a invenção?) de modos alternativos de exercitarmos nossa liberdade e de lutarmos não-hegemonicamente. Assim, rompemos com discursos (corporificados) e funcionamentos políticos, socioeconômicos e culturais que produzam a repressão política, a agressão econômica, o silenciamento violento das mais variadas formas de expressão e existência humana e a exclusão dos mais diversos âmbitos constitutivos das relações sociais (Hernandez-Zamora, 2010HERNANDEZ-ZAMORA, Gregorio. 2010. Decolonizing literacy: Mexican lives in the era of global capitalism. Bristol/Buffalo/Toronto: Multilingual Matters.).

A dimensão da representação, por sua vez, pode implicar atos de resistência e luta, das mais variadas formas, incluindo-se as manifestações de protestos, as quais envolvem, entre outros, nosso ativismo político nas redes, bem como nossa presença nas ruas - na praça pública. Na sociedade líquida, no entanto, é preciso atenção para com as formas de engajamento e organização política. Bauman (2003BAUMAN, Zygmunt. 2003. Comunidade: busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar.:96, grifo no original), alerta que “a pulverização do espaço público e sua saturação por conflitos intercomunitários” representam exatamente o tipo de base que o mundo contemporâneo precisa para funcionar, porque “a ordem global precisa de muita desordem local para não ter o que temer”. Quanto mais pulverizados, menos conseguiremos forças para a ação coletiva efetiva.

Ainda segundo Bauman (2003BAUMAN, Zygmunt. 2003. Comunidade: busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar.:115), das colunas em marcha da sociedade disciplinar, migramos hoje para os enxames, que se caracterizam pela autorregulação e monitoramento, já que são “coordenados sem serem integrados”. O mesmo se aplica a uma revoada de pássaros, acredito7 7 . A título de ilustração, favor visitar https://www.youtube.com/watch?v=eakKfY5aHmY. . É relevante estarmos cientes de que “o enxame pode mover-se de maneira sincronizada sem que qualquer de suas entidades tenha a mais vaga ideia do que significa o bem comum” (Bauman, 2003BAUMAN, Zygmunt. 2003. Comunidade: busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar.:115, grifo no original). Desse modo, defendo como muito pertinente a proposta de Pennycook (2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ) de retorno aos commons (bem comum, em tradução livre), como possibilidade para relações mais descentradas e socialmente justas na atualidade e, portanto, como uma alternativa viável para uma educação (linguística) de bases críticas e transcoloniais.

Pennycook (2018bPENNYCOOK, Alastair. 2018b. Critical Applied Linguistics Commons. In: MACIEL, Ruberval Franco Maciel. et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes. p. 37-56.) segue pontuando que políticas e práticas (educativas) pautadas pela noção de commons como espaço, comunidade e possibilidade podem evidenciar-se tanto desestabilizadoras como desafiadoras. Amparado nas ideias de Dawney, Kirwan e Brigstocke (2016:12-13), Pennycook (2018bPENNYCOOK, Alastair. 2018b. Critical Applied Linguistics Commons. In: MACIEL, Ruberval Franco Maciel. et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes. p. 37-56.:52) argumenta que o caráter transformador dessa perspectiva evidencia-se na medida em que dá maior visibilidade “às formações éticas e espaço-temporais ligadas a modos de vida comum que resistem à privatização e à individualização da vida”8 8 . No original: “spatio-temporal and ethical formations that are concerned with ways of living together that resist the privatization and individualization of life.” . Esse modo alternativo de repensar as relações humanas pode levar à ruptura com o pensamento dualista, que impõe linhas divisórias bastante rígidas, em favor de outras possibilidades de ação cooperativa e coletiva.

Uma orientação ocupada do coletivo, nessa ótica, retoma a ideia de praça pública, uma vez que se constitui no exercício da coletividade. Como advoga Biesta (2014BIESTA, Gert. 2014. Making pedagogy public: for the public, of the public, or in the interest of publicness? In: BURDICK, Jake.; SANDLIN, Jennifer. A.; O’MALLEY, Michael P. Problematizing public pedagogy. New York: Routledge , Kindle Edition.), embasado nas teorias de Arendt (2014ARENDT, Hannah. 2014. A condição humana. 12a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. [1958]), uma pedagogia orientada para o público se (re)constrói ativamente na intersecção entre as dimensões educativas e políticas e se constitui com foco no interesse de realização ou vivência da condição pública e, portanto, de pluralidade. Nesse viés, essa educação ou pedagogia pode ser vista como uma forma de existência política, evidenciando-se um trabalho sempre experimental e experiencial, uma vez que se ocupa da (re)invenção do espaço público, ou seja, de novas formas de ser, fazer, sentir e viver no mundo. A ideia de coletivo, nessa perspectiva, não equivale à homogeneidade, mas emerge a partir da vivência da pluralidade interessada na (re)construção do bem comum.

Se os enxames não se curvam à uma ordem pré-estabelecida e aos apelos disciplinares (Bauman, 2003BAUMAN, Zygmunt. 2003. Comunidade: busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar.), para sobrevivermos no mundo de hoje, passa a ser necessária uma mudança na lógica individual, em favor de um funcionamento mais genuinamente coletivo, sem pressupor, com isso, a homogeneização das diferenças ou a redução da pluralidade. Esse movimento interessado na (re)construção do público (Pennycook, 2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ; Biesta, 2014BIESTA, Gert. 2014. Making pedagogy public: for the public, of the public, or in the interest of publicness? In: BURDICK, Jake.; SANDLIN, Jennifer. A.; O’MALLEY, Michael P. Problematizing public pedagogy. New York: Routledge , Kindle Edition.), pode ser visto como política de campanha (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .) e demanda, por sua vez, a compreensão de que não há apenas um modo de viver essa coletividade e que, em sua diversidade, esses modos também pressupõem certas assimetrias, contradições e conflitos.

Conforme postula Bauman (2003BAUMAN, Zygmunt. 2003. Comunidade: busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar., p. 115), “quem quiser manter o enxame na direção correta”, qualquer uma que seja, “deve se ocupar das flores, e não de uma das abelhas”. Por conseguinte, em um mundo caracterizado pelo capitalismo dadocêntrico (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.), como já discutido, parece ser também crucial criarmos formas de conscientização sobre a existência não somente das rosas, mas principalmente dos espinhos. Em outras palavras, na sociedade dadocêntrica do cansaço, é importante, entre outros, tornar cada vez mais visíveis a manipulação de dados e o controle de tudo e todos pelos algoritmos, mecanismos usados para manter as opressões e violências na sociedade do cansaço, buscando maneiras de (re)pensar seus efeitos. Além disso, é também vital que busquemos criar possibilidades de sensibilização diante de espinhos outros e empatia perante as dores que causam. Assim, é importante também educarmos para que assumamos nossa responsabilidade social perante as mais diversas formas de sofrimento vividas pelas pessoas no mundo e os mais variados tipos de violência imputados a grupos minoritarizados e subalternizados em nossa(s) sociedade(s).

Quando discutimos e defendemos uma educação linguística pautada pela ideia de equilíbrio pacífico e de justiça social, na perspectiva aqui apresentada, passa a mostrar-se pertinente debater a colonialidade linguística e formas plausíveis de enfrentá-la, já que, conforme argumenta Kalaf Epalanga9 9 . Para acesso à entrevista com o referido escritor, músico e produtor cultural angolano, favor consultar https://www.saibamais.jor.br/kalaf-epalanga-a-lingua-e-a-primeira-ferramenta-de-opressao/ , a língua constitui-se como o primeiro (e talvez um dos mais violentos?) instrumento de opressão. Assim sendo, penso que reflexões e ações que entrelacem - sem silenciar tensões e possíveis conflitos - a translinguagem e a transcolonialidade possam ser vistas como um caminho para a construção de contornos mais tangíveis de políticas educativas constituídas pelo e para o diálogo em praça pública.

4. Em meio ao diálogo e à busca interessada em seu acontecimento: um olhar translíngue para a decolonialidade da(s) linguagem(gens)

Como bem afirma Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.:1), a virada multilíngue, conforme defendida por May (2014MAY, Stephen (Ed.). 2014. The multilingual turn: implications for SLA, TESOL and bilingual education. New York: Routledge .), representou um importante movimento de ruptura paradigmática no campo dos estudos da linguagem, uma vez que, em variadas perspectivas e formas, as políticas e práticas multilíngues foram teorizadas na linguística aplicada crítica e compreendidas como mais igualitárias e também democratizadoras. Nessa perspectiva, ainda segundo Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.), um entendimento recente acerca de práticas translíngues ampara-se, entre outros, nos trabalhos de García (2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual education in the 21st century: A global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell. ), Blommaert (2010BLOMMAERT, Jan. 2010. The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press. ), Canagarajah (2013CANAGARAJAH, Suresh. 2013. Translingual Practice: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. London/New York: Routledge .) e García e Li Wei (2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ), e pressupõe a compreensão dos recursos linguísticos como constitutivamente móveis e geradores de novos sentidos e gramáticas.

Nesse contexto, a noção de plurilinguismo ou heteroglossia bakhtiniana, hoje também definida como heterodiscurso (Bakhtin, 2015BAKHTIN, Mikhail. 2015. Teoria do romance I. A estilística / Mikhail Bakhtin. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra. Organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. São Paulo: Editora 34.), revela-se uma perspectiva que pode nos amparar na compreensão das práticas de linguagens na modernidade recente, porque implica o reconhecimento não apenas da existência de uma variedade de linguagens e códigos na comunicação contemporânea, como também o comprometimento perante a multidiscursividade e a multivocalidade (Blackledge e Creese, 2014BLACKLEDGE, Adrian.; CREESE, Angela. 2014. Heteroglossia as practice and pedagogy. In: BLACKLEDGE, Adrian.; CREESE, Angela. (Eds.). Heteroglossia as practice and pedagogy. New York/London: Routledge. p. 1-20. )10 10 . Para leituras sobre a possível relação entre as teorias bakhtinianas e o conceito de translinguagem, sugiro consultar Rocha e Maciel (2015), entre outros. . Nesse âmbito, distanciando-se da compreensão da língua/linguagem como um conjunto autônomo e fixo de estruturas, García e Li Wei (2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ) recuperam sua definição como um verbo (languaging), a fim de ressaltarem o caráter dinâmico e conflituoso das interações sociais e das práticas de linguagens, em meio as quais e pelas quais nos tornamos quem somos ao interagirmos e produzirmos sentidos, de modo tenso e ideologicamente orientado, no mundo de hoje.

Segundo Canagarajah (2013CANAGARAJAH, Suresh. 2013. Translingual Practice: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. London/New York: Routledge .), a orientação ou paradigma translíngue abraça dois pressupostos centrais, a fim de romper com uma abordagem monolíngue, quais sejam: a) a comunicação transcende a ideia de línguas individuais; e b) a comunicação transcende palavras e envolve, por consequência, recursos semióticos diversos e propiciamentos ecológicos (ecological affordances).

Em uma visão sistêmica, cumpre indicar que a ideia de affordances remete a um agrupamento de elementos - de ordem semiótica e também sinestésica, articulados de modo auto-regulado e (re)generativo, com o propósito de favorecer a ação social, em uma perspectiva ecologicamente expandida, que percebe as interações entre a pessoa e o meio sob um enfoque descentralizador. Para Moroni e Gonzalez (2010MORONI, Juliana; GONZALEZ, Maria Eunice Quilici. 2010. O Fisicalismo revisitado pela Filosofia Ecológica: as affordances sociais. Filogênese, v. 3, n. 1, p. 124-141. Disponível em: <Disponível em: http://www.marilia.unesp.br/filogenese >. Acesso em: 21 jul 2019.
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, p. 130), pautadas pela Teoria Ecológica de Gibson (1986), o termo affordance pode ser visto “como propriedade ecológica que emerge a partir da relação informacional de reciprocidade entre organismo e ambiente”. Por sua vez, a noção de affordances sociais surge para refutar um olhar dualista entre subjetivo e objetivo, abraçando a noção de significação e “as possibilidades de ação significativa que emergem da relação do organismo com seu nicho” (Moroni e Gonzalez, 2010MORONI, Juliana; GONZALEZ, Maria Eunice Quilici. 2010. O Fisicalismo revisitado pela Filosofia Ecológica: as affordances sociais. Filogênese, v. 3, n. 1, p. 124-141. Disponível em: <Disponível em: http://www.marilia.unesp.br/filogenese >. Acesso em: 21 jul 2019.
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:135).

Para Santaella (2010SANTAELLA, L. 2010. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus .), a definição de ecologia tem sofrido mudanças, ao ser usada de modos cada vez mais metafóricos, a fim de indicar formas menos rígidas de tratar a relação das linguagens com a comunicação na contemporaneidade. Em sua conexão com as línguas, explica-nos a autora, a perspectiva ecológica implica a compreensão de que “os falantes são os agentes de um campo complexo, cujas fronteiras são estabelecidas pela geografia, pelos recursos naturais e econômicos e, sobretudo, pelos usos sociais da língua”. (Santaella, 2010SANTAELLA, L. 2010. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus .:15)

Retomando trabalhos que desenvolvi anteriormente (Rocha, 2019ROCHA, Cláudia Hilsdorf. 2019. MOOCs em língua estrangeira: desafios para a construção de ecologias de aprendizagens situadas e transgressivas. In: FINARDI, Kyria Rebeca e colaboradores (Orgs.). Transitando e transpondo n(a) linguística aplicada. Campinas: Pontes , p. 139-178.), encontro apoio em Cope e Kalantzis (2017) para entender a perspectiva ecológica como um importante recurso que nos ajuda a olhar para as linguagens e para a educação linguística no mundo contemporâneo, uma vez que nos permite observar a complexidade e a interdependência da múltipla e complexa gama de elementos e recursos necessários para a comunicação hoje. Em uma sociedade superdiversa (Vertovec, 2007VERTOVEC, Steven. 2007. Super-diversity and its implications. Ethnic and racial studies, v. 30, n. 6, p. 1024-1054. ; Blommaert e Rampton, 2011BLOMMAERT, Jan; RAMPTON, Ben. 2011. Language and superdiversity. Diversities, v.13, n.2. Diponível em: < Diponível em: http://www.unesco.org/shs/diversities/vol13/issue2/art1 >. Acesso em: 17 jul 2018.
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), definida também pela conectividade, ubiquidade e onipresença, podemos situar os processos comunicacionais contemporâneos em “espaços hiperconectados [...], que desafiam os sentidos de localização, permanência e duração” (Santaella, 2010SANTAELLA, L. 2010. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus .:18). Além disso, devido à intensidade dos fluxos migratórios, as formas de comunicação vão tornando-se cada vez mais híbridas e dinâmicas, afetando a paisagem linguística de modo singular. Nesse contexto, é possível afirmar que os processos de produção de sentidos se realizam em meio as e por meio das translinguagens.

Essas teorizações são interessantes, uma vez que expandem a noção de língua/linguaguem, possibilitando-nos compreendê-la como um conjunto social, cultural, político e historicamente situado de recursos móveis, como bem defendem Blommaert e Rampton (2011BLOMMAERT, Jan; RAMPTON, Ben. 2011. Language and superdiversity. Diversities, v.13, n.2. Diponível em: < Diponível em: http://www.unesco.org/shs/diversities/vol13/issue2/art1 >. Acesso em: 17 jul 2018.
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). Esse conjunto revela-se, por decorrência, integrado a um repertório multimodal e multissensorial, constitutivo dos processos contemporâneos de produção de sentidos (McKinney, 2017McKINNEY, Carolyn. 2017. Language and Power in Post-Colonial Schooling: Ideologies in Practice. London/New York: Routledge . ). De modo bastante simplificado, os repertórios podem ser vistos como complexos de recursos organizados biograficamente (Blommaert e Backus, 2012BLOMMAERT, Jan.; BACKUS, Albert. 2012. Superdiverse repertoires and the invididual. Tilburg Papers in culture studies. Tilburg University, paper 24. Disponível em: <Disponível em: https://www.academia.edu/1477589/Superdiverse_repertoires_and_the_individual > Acesso em: 10 jun 2015.
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). Conforme defende Busch (2012BUSCH, Brigitta. 2012. The Linguistic Repertoire Revisited. Applied Linguistics, v. 33, n. 5, p. 503-523. ), que revisita as teorizações de Gumperz (1964GUMPERZ, John. 1964. Linguistic and social interaction in two communities. American Anthropologist, v. 66, n. 6/2, p.137-53. ), os repertórios envolvem códigos, linguagens, modos de expressão e comunicação que constituem nossas histórias de vida, ou seja, constituem-nos como pessoas e vão sendo continuamente tecidos com base em nossas experiências. Em uma visão ecológica, expandida e descentralizada (Pennycook, 2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ), é importante que os repertórios sejam pensados para além do indivíduo, a fim de abranger também os agenciamentos da distribuição espacial, como também argumentam Otsuji e Pennycook (2010OTSUJI, Emi; PENYCOOK, Alastair. 2010. Metrolingualism: fixity, fluidity and language in flux. International Journal of Multilingualism, v.7, n.3, p. 240-254. Disponível em: <Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/249025313_Metrolingualism_Fixity_Fluidit y_and_Language_in_Flux >. Acesso em: 20 maio 2017.
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).

Nessa horizonte, as práticas de linguagens podem ser vistas como experiências sócio-historicamente situadas de vida, que revelam nosso engajamento - multimodalizado, multissensorial, corporificado, espacial e ideologicamente marcado - em relações dinâmicas de produção de sentido junto às pessoas e ao mundo (animais, contextos espaciais e demais elementos que possivelmente constituam nossa existência). Essas experiências realizam-se em contextos e espaços específicos e localizados, com base em nossas trajetórias de vida e em nossos repertórios, indiciando, portanto, pontos de vista específicos e valores socioculturalmente e historicamente (re)construídos.

Nessa vertente, a perspectiva translíngue emerge a fim de questionar o monolíngue, o monolítico e o monológico, oferecendo lentes que nos permitam a captura de

[...] práticas complexas e expandidas de falantes que não puderem evitar ter as línguas inscritas em seus corpos, e, ainda assim, vivem por entre diferentes contextos sociais e semióticos conforme esses falantes interagem com uma complexa gama de outros falantes”. (García e Li Wei, 2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. :18)11 11 . No original: “expanded complex practices of speakers who could not avoid having had languages inscribed in their body, and yet live between different societal and semiotic contexts as they interact with a complex array of speakers”. .

Para García e Li Wei (2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. :21), translanguaging “não se refere a duas línguas separadas, nem à síntese de diferentes práticas de linguagem ou tampouco a uma mistura híbrida” entre essas línguas/linguagens12 12 . No original: “translaguaging does not refer to tow separate languages nor to a synthesis of different language practices or to a hybrid mixture.” . Em vez disso, para esses autores, embasados em Mignolo (2000MIGNOLO, Walter. 2000. Local histories/global designs: Coloniality, subaltern knowledges, and border thinking. Princeton, NJ: Princeton University Press. ), o termo rompe com formas rígidas de pensamento e delimitação do que sejam as línguas/linguagens, dizendo respeito a “práticas novas de linguagens que tornam visíveis a complexidade das trocas linguísticas entre pessoas com histórias diferentes”, ao mesmo tempo em que “permite a emergência de histórias e compreensões que haviam sido enterradas em meio a identidades fixas, limitadas pelos estado-nação” (García e Li Wei, 2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. :21, ênfase no original)13 13 . Originalmente: “Rather translanguaging refers to new language practices that make visible the complexity of language exchanges among people with different histories, and releases histories and understandings that had been buried within fixed language identities constrained by nation-state”. .

Nesse âmbito, a translinguagem diz respeito a práticas diversas e plurais, levando-nos a tratá-las como translinguagens (Yip e García, 2018YIP, Joana; GARCÍA, Ofelia. 2018. Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, p. 164 - 177. Disponível em: <Disponível em: https://iberoamericasocial.com/ translinguagens-recomendacoes-educadores >. Acesso em: 21 jul 2019.
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). As práticas translíngues devem, portanto, ser vistas como uma unidade mínima de sentido, ou seja, como uma unidade real da comunicação discursiva, como um enunciado (Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, Valentin. 2017. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34 .), revelando-se, assim, um todo de sentido - concreto, único e irrepetível, e um elo na cadeia discursiva. Nesse viés, como enfatizam Yip e García (2018YIP, Joana; GARCÍA, Ofelia. 2018. Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, p. 164 - 177. Disponível em: <Disponível em: https://iberoamericasocial.com/ translinguagens-recomendacoes-educadores >. Acesso em: 21 jul 2019.
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:168), a translinguagem “não equivale à intercalação de idiomas nomeados, mas diz respeito aos repertórios que são mobilizados pelos falantes para produzir sentidos e indexar suas identidades nas práticas comunicativas”.

De forma semelhante, Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) defende que a orientação translíngue refute uma visão de hibridação como produto, para dar vazão a uma noção de hibridação como prática. Desse modo, as práticas translíngues, dinâmicas e híbridas desde sempre, envolvem experiências de linguagens, coletivas e diversas, estrategicamente definidas em contextos sociais, culturais e político-econômico variados e que, portanto, viabilizam a resistência e a transformação frente ao pensamento autoritário e centralizador. Dessa forma, a prática translíngue pode ser compreendida como aquela que envolve empoderamento, em termos identitários e comunicativos (Canagarajah, 2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.).

Ao teorizarem sobre a translinguagem, Lu e Horner (2013LU, MIN-ZHAN; HORNER, Bruce. 2013. Translingual literacy and matters of agency. In: CANAGARAJAH, Suresh. Literacy as translingual practice: between communities and classrooms. London: Routledge. p. 26-35.) afirmam que o conceito é bastante difuso e que envolve, portanto, um conjunto de termos e visões nem sempre harmônico para sua definição. Na visão desses autores, em meio a tantos termos possivelmente correlatos, tais como translinguismo, plurilinguismo, multilingualismo, entre tantos outros, mais importante do que definir translinguagem é tecer contornos possíveis, a fim de possibilitar a composição de uma abordagem ou orientação que, ao abraçar a multiplicidade semiótica e sociocultural das práticas de linguagens contemporâneas, revele-se também potencialmente transformativa e capaz de viabilizar o enfrentamento de discursos, práticas e políticas reducionistas e opressoras.

É importante reconhecer que a noção de translinguagem não é nova. Translinguamos desde sempre, já que nossa comunicação cotidiana envolve linguagem verbal e não verbal e a translinguagem, nesse enfoque, representa a interconexão entre os recursos semióticos, ou seja, formas (linguagens, meios e modos) de produção de sentidos (García e Li Wei, 2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ). Ao recuperar o histórico da translinguagem, Masak (2017) aponta para sua forte ligação com o campo do bilinguismo (García, 2009GARCÍA, Ofelia. 2009. Bilingual education in the 21st century: A global perspective. Oxford: Wiley-Blackwell. ) e para seu desenvolvimento a partir do conceito galês trawsiethu, como também pontuam García e Li Wei (2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ). Embasada no pensamento de Canagarajah (2011), Masak (2017) compreende a translinguagem como um fenômeno que diz respeito a falantes (também aprendizes) bi e/ou multilíngues. Nesse sentido, espaços ou ambientes translíngues evidenciam o engajamento estratégico desses falantes por meio de seus repertórios, o que, por sua vez, requer também o reconhecimento das consequências identitárias dessas performances (Masak, 2017).

Com base no trabalho de Li Wei (2011LI WEI. 2011. Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, n. 43, p. 1222- 1235.), Masak (2017) afirma que a translinguagem pode ser também vista como performance linguística, a qual inclui nossos repertórios, mas que também e necessariamente cria algo novo, em um enfoque crítico e criativo. Nessa linha, os espaços translíngues (Li Wei, 2011) emergem como espaços sociais que permitem às pessoas hibridizar, sob a ótica de Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.), suas histórias e experiências, suas crenças e ideologias, bem como as suas capacidades físicas e cognitivas, em uma prática performativa coordenada, significativa e transformativa (García e Li Wei, 2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ).

Nesse contexto, as teorizações de García e Li Wei (2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ), pautadas pelo trabalho de Li Wei e Martin (2009), argumentam que os espaços translíngues são capazes de articular e gerar novas identidades, valores e práticas, em meio a movimentos criativos - que acatam e também refutam as normas linguísticas impostas, e críticos - que analisam e problematizam, de modo fundamentado e transformativo, as ideologias. Cabe mencionar que, ao envolverem as dimensões críticas e criativas (Li Wei, 2011), os espaços translíngues revelam sua natureza transcolonial, possibilitando a ruptura com pensamentos hegemônicos.

Para sintetizar suas ideias, Masak (2017) define a translinguagem, de forma imbricada e complexa, em termos de ideologias linguísticas, de teorias sobre bilinguismo e de visões e práticas pedagógicas, sempre orientadas por um enfoque transformativo e, assim, voltadas à justiça social, como igualmente defendem García, Johnson e Seltzer (2017GARCÍA, Ofelia; JOHNSON, Susana Ibarra; SELTZER, Kate. 2017. The translanguaging classroom: leveraging student bilingualism for learning. Philadelphia: Caslon. ). Com vistas a seguir sua vertente questionadora e transformativa, no entanto, é importante, a meu ver, que os espaços translíngues emerjam sob a ótica da pluralidade e do bem comum (Biesta, 2014BIESTA, Gert. 2014. Making pedagogy public: for the public, of the public, or in the interest of publicness? In: BURDICK, Jake.; SANDLIN, Jennifer. A.; O’MALLEY, Michael P. Problematizing public pedagogy. New York: Routledge , Kindle Edition.). Nesse viés, esses espaços podem assumir seu potencial transcolonial, uma vez que refutam fundamentações normativas universalistas, que acabam por impor, de modo homogêneo e não problematizador, visões essencialistas e estáticas de linguagem, cultura, nação e identidade (Menezes de Souza, 2012MENEZES DE SOUZA, Lynn Mario Trindade. 2012. Engaging the global by resituating the local: (dis)locating the literate global subject and his view from nowhere. In: ANDREOTTI, Vanessa Oliveira; MENEZES DE SOUZA, Lynn Mario Trindade. Postcolonial perspectives on global citizenship education. London/New York: Routledge . p. 68- 83.).

Ao abordarem as identidades e ideologias em sua relação com a translinguagem, Li Wei e Zhu Ha (2013) enfatizam que o trans, nessa orientação, realiza-se a partir de três dimensões, as quais requerem: a) um enfoque transdisciplinar para a construção do conhecimento; b) o trânsito por entre e também para além do sistema linguístico, modos, linguagens, contextos e espaços; c) uma perspectiva transformativa, em termos de capacidades, conhecimentos, atitudes, crenças, experiências e identidades.

Ao compreender as adjetivações e rotulações como complexas, embora importantes e necessárias para identificar, discutir e também analisar as orientações voltadas à comunicação, Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) é enfático ao afirmar que a prática deve sempre ter prioridade. Nessa perspectiva, o autor recupera discussões desenvolvidas em trabalhos anteriores (Canagarajah, 2013CANAGARAJAH, Suresh. 2013. Translingual Practice: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. London/New York: Routledge .) e defende que a translingualidade seja prioritariamente vista e tratada como “uma forma de prática estratégica”.

Se a translinguagem é uma prática (de linguagens e educativa) e também uma orientação, podemos assumir que estejamos sempre, em maior ou menor grau, e de diferentes modos, translinguando. Nessa ótica, pondero que se mostre tão interessante quanto desafiador pensarmos em como esse fenômeno se realiza em contextos não marcados pela ótica de um bi ou multilinguismo oficialmente reconhecido e oficializado. Como seriam os contornos de práticas translíngues em escolas regulares brasileiras, por exemplo? Que tensões emergem nessas práticas? Como afetam a vida de nossos alunos e professores? Como essas pessoas pensam e sentem a translinguagem? Como delinear, de modo mais efetivo e transformativo, políticas e práticas translíngues nesses espaços? Essas são histórias interessantes e que precisam ser contadas.

Em suas teorizações, Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) enfatiza que as práticas são sempre ideologicamente marcadas e, assim, sujeitas às tendências ideológicas dominantes que procuram se apropriar delas com propósitos limitadores, como seria o caso de discursos neoliberais. Por outro lado, alinhado ao pensamento de García e Li Wei (2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ), Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) enfatiza o potencial transformativo das práticas translíngues. Para o autor, uma abordagem translíngue não pode ser compreendida restritamente como um agrupamento fixo de ideias ou um modelo conceptual rígido, mas como práticas estrategicamente orientadas para resistir a quaisquer movimentos, instituições ou ideologias que tentem comprometer seu propósito transformador.

Nessa linha, cabe dizer que a orientação translíngue reconhece o poder das ideologias linguísticas. Ao discorrer sobre a relação entre linguagem e poder, McKinney (2017McKINNEY, Carolyn. 2017. Language and Power in Post-Colonial Schooling: Ideologies in Practice. London/New York: Routledge . ) abarca práticas ideológicas e discute seus efeitos na educação linguística contemporânea. Para a autora, crenças sobre o que seja língua/linguagem, bem como sobre o que pode ser indiciado a partir de certos usos que fazemos dela, mostram-se centrais no sentido de impactar e determinar quais recursos linguísticos, quais línguas (sociais) e letramentos - e, por consequência, quais repertórios linguístico-culturais - são ou não ensinados e levados em conta e/ou priorizados nas práticas socioeducativas e em outros contextos de educação formal e informal. Desse modo, passa a ser muito importante, em tempos de disjunções políticas, econômicas, sociais, culturais e linguísticas, que busquemos questionar fortemente as ideologias monolíngues nos sistemas, nas políticas e nas práticas socioeducativas.

Para McKinney (2017McKINNEY, Carolyn. 2017. Language and Power in Post-Colonial Schooling: Ideologies in Practice. London/New York: Routledge . ), alinhada ao pensamento de Canagarajah (2013CANAGARAJAH, Suresh. 2013. Translingual Practice: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. London/New York: Routledge ., 2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) e também de García e Li Wei (2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ), ideologias dessa ordem: a) impõem a visão do monolinguismo como regra, fazendo prevalecer a ideia de línguas individuais e a necessidade de alta proficiência linguística para cada idioma nomeado; b) mantêm a noção de que nações são formadas por um povo, uma língua e um território geográfico; c) ressaltam como desejável e como norma o purismo linguístico; d) caracterizam o bi e/ou o multilinguismo como um conjunto de monolinguismos; e, por fim, e) determinam o bi e/ou o multilinguismo como um problema, favorecendo a noção de línguas como sistemas autossuficientes e independentes.

Para Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.), podemos dividir as práticas translíngues em dois campos principais, de acordo com suas orientações ideológicas. O translinguismo redutivo é aquele usado pelo neoliberalismo (considerando-se a natureza polissêmica do conceito). Essa é uma visão interessante, pois nos ajuda a compreender e a analisar, de modo mais articulado e crítico, as práticas comunicativas na sociedade capitalista e anti-democrática (Chun, 2017CHUN, Christian W. 2017. The discourses do Capitalism: everyday economists and the production of common sense. New York: Routledge . ) também a partir de suas características translíngues.

Sem cair em reducionismos ou em um viés dualista e dicotomizado, Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) pontua que o translingualismo expansivo, por sua vez, diz respeito a um conjunto bastante plural e nem sempre coeso de teorizações que abordam as práticas de linguagens, em toda sua complexidade, de forma crítica e distante de uma orientação determinista frente ao poder. Nesse viés, em sua dimensão expansiva, o translinguismo é visto como um conjunto de visões, práticas e políticas que, resistentes a qualquer tipo de essencialização ou disciplinarização, proponha-se a enfrentar os mais variados tipos de discursos e práticas monolíngues, bem como as múltiplas formas de discursos e práticas político-econômica, sociocultural e identitariamente opressoras existentes hoje.

Ao indicar as características centrais das ideologias que motivam a apropriação do caráter transformativo das práticas translíngues, em contraposição àquelas que restringem essa orientação, ou seja, limitam seu caráter expansivo, Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.:53) propõe o seguinte quadro:

Quadro 1
Translinguagem Restritiva e Expansiva & Ideologias

Ao sintetizar suas ideias, Canagarajah (2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) afirma que as ideologias neoliberais levam a uma forma redutiva de comunicação motivada, principalmente, pelas noções de instrumentalidade e eficiência, enquanto que, em sua versão expansiva, as práticas translíngues favorecem o multilingualismo crítico, sendo constituídas por um enfoque translíngue, socialmente situado, ideologicamente estratégico e ecologicamente orientado.

Assim sendo, penso que a filosofia translíngue alinhe-se à orientação crítica e pós-humanista defendida por Pennycook (2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. ), por englobar uma abordagem que, em uma diversidade de perspectivas, permite um olhar situado e (g)local tanto para as políticas e práticas de linguagens quanto para as educativas, bem como uma visão expansiva, transformativa, descentrada e pós-colonial (Canagarajah, 2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.) diante do modos como nos relacionamos, nos comunicamos, ensinamos e aprendemos no mundo de hoje. Nesse contexto, em uma perspectiva que podemos também chamar de decolonial, Lee (2017LEE, Jerry Won. 2017. The Politics of Translingualism: After Englishes. Nova York: Routledge.) defende a translinguagem como política(s). O autor argumenta que práticas translíngues, nesse viés, reconhecem e representam vozes e epistemologias periféricas, em uma ótica que rompe com o olhar corretivo e com uma ordem social pré-estabelecida, colonizadora e universalista. Nessas bases, as relações entre translinguagem e transcolonialidade emergem mais fortemente, permitindo a tessitura de uma multiplicidade - nem sempre harmônica, mas sempre aberta e promissora, de lentes pelas quais podemos (re)pensar as práticas de linguagens e os processos educativos na atualidade.

5. Tecendo (mais) contornos translíngues e transcoloniais: considerações finais de uma história em (contínua) construção

As práticas (educativas) translíngues demarcam-se trans ou pós/de(s)-coloniais ao refutarem perspectivas que dicotomizam o mundo e as relações humanas e que universalizam o global. Sem prenderem-se à ideia de um tempo histórico ido, a orientação translíngue busca empreender novas interpretações dos arranjos sociais contemporâneos, vinculando práticas de linguagens (produção de sentidos) a contextos político-econômicos e socioculturais, envolvendo-se na luta por interpretações que admitam “um conteúdo descentralizado e diaspórico das grandes narrativas imperiais do passado” (Lima, 2013LIMA, José Gllauco Smith Avelino. 2013. O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11, 14 out. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4309 > Acesso em: 16 jul. 2019.
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:202).

Conforme discutem Ríos e Seltzer (2015RÍOS, Cati V.; SELTZER, Kate. 2017. Translanguaging, Coloniality, and English Classrooms: An Exploration of Two Bicoastal Urban Classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, p. 55-76. ) e Makalela (2015MAKALELA, Leketi. 2015. Translanguaging as a vehicle of epistemic access: cases for reading comprehension and multilingual interactions. Per Linguam, v. 31, n. 1, p. 15-29.), entre outros, a translinguagem revela-se, pois, uma prática (educativa) que, focalizando as linguagens em sua relação com o poder (McKinney, 2017McKINNEY, Carolyn. 2017. Language and Power in Post-Colonial Schooling: Ideologies in Practice. London/New York: Routledge . ; Veronelli, 2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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), posiciona-se como ato libertador (Freire, 2003FREIRE, Paulo. 2003 [1999]. Educação como prática da liberdade. 23a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) e político-ideológico. Nesse enfoque, a translinguagem une-se ao pensamento descolonial, uma vez que luta fortemente contra as estruturas sociais que reproduzem desigualdades opressoras e opõe-se corajosa e bravamente contra a expansão de regimes políticos autoritários (Lima, 2013LIMA, José Gllauco Smith Avelino. 2013. O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11, 14 out. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4309 > Acesso em: 16 jul. 2019.
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). Essa é uma abordagem (linguística, educativa e pedagógica) que rompe com o que Shiva (2003SHIVA, Vandana. 2003. Monoculturas da Mente: perspectiva da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gaia. (Tradução de Dinah de Abreu Azevedo).) denomina monoculturas da mente para criar condições favoráveis à presença de “alternativas frente ao parâmetro hegemônico de pensar, de sentir e de viver a realidade” (Lima, 2013LIMA, José Gllauco Smith Avelino. 2013. O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11, 14 out. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4309 > Acesso em: 16 jul. 2019.
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, p. 205), dando ênfase aos processos de produção de sentidos nas relações humanas hoje.

Para Ríos e Seltzer (2017RÍOS, Cati V.; SELTZER, Kate. 2017. Translanguaging, Coloniality, and English Classrooms: An Exploration of Two Bicoastal Urban Classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, p. 55-76. ), a ideia de colonialidade pode ser definida, com base em Quijano (2001QUIJANO, Aníbal. 2001. Globalización, colonialidad y democracia [Globalization, coloniality and democracy], Tendencias básicas de nuestra época: Globalización y democracia, p. 25-61, Caracas, Venezuela: Instituto de Altos Estudios Diplomaticos Pedro Gual.), como sistemas de poder estabelecidos, desde longa data, por meio do pensamento colonialista, e que continuam a controlar o trabalho, as relações sociais e a produção de conhecimento na atualidade. O estudo desenvolvido pelas autoras (Ríos e Seltzer, 2017RÍOS, Cati V.; SELTZER, Kate. 2017. Translanguaging, Coloniality, and English Classrooms: An Exploration of Two Bicoastal Urban Classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, p. 55-76. :57) alinha-se ao apelo pela “democratização epistêmica” (Mignolo, 2011MIGNOLO, Walter. 2011. The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Durham and London: Duke University Press. , p. 169) e explora contextos urbanos de ensino e aprendizagem de inglês envolvendo o que consideram como bilinguismo emergente (García e Kleifgen, 2010GARCÍA, Ofelia; KLEIFGEN, Joanne. 2010. Educating emergent bilinguals: policies, programs, and practices for English language learners. New York: Teachers College Press, 2010. ).

Ao acatarem as noções propostas por Mignolo (2000MIGNOLO, Walter. 2000. Local histories/global designs: Coloniality, subaltern knowledges, and border thinking. Princeton, NJ: Princeton University Press. ) de pensamento fronteiriço e de paradigma outro, Ríos e Seltzer (2017RÍOS, Cati V.; SELTZER, Kate. 2017. Translanguaging, Coloniality, and English Classrooms: An Exploration of Two Bicoastal Urban Classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, p. 55-76. ) buscam criar espaços translíngues (Li Wei, 2011LI WEI. 2011. Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, n. 43, p. 1222- 1235.; García e Li Wei, 2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ) nas salas de aula. Nesse enfoque, as autoras procuram viabilizar modos alternativos de tratar as línguas/linguagens e o conhecimento, em uma tentativa de “desinventar” o inglês nos contextos em que essa língua impõe seu caráter hegemônico e perpetua narrativas coloniais (Ríos e Seltzer, 2017RÍOS, Cati V.; SELTZER, Kate. 2017. Translanguaging, Coloniality, and English Classrooms: An Exploration of Two Bicoastal Urban Classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, p. 55-76. :58). Em suas reflexões, Ríos e Seltzer (2017RÍOS, Cati V.; SELTZER, Kate. 2017. Translanguaging, Coloniality, and English Classrooms: An Exploration of Two Bicoastal Urban Classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, p. 55-76. ) argumentam que o enfoque translíngue pode efetivamente contribuir para o desenvolvimento da consciência metalinguística e para a reflexão crítica acerca das identidades linguístico-culturais dos estudantes, ao mesmo tempo em que promove rupturas diante de ideologias colonialistas. Nesse viés, a translinguagem, como prática e como pedagogia, apresenta um forte potencial de permitir a emergência e o reconhecimento de modos subalternizados de ser e dizer na sociedade moderna e colonial (García, Flores e Woodley, 2012GARCÍA, Ofelia; FLORES, Nelson.; WOODELY, Heather. 2012. Transgressing monolingualism and bilingual dualities: Translanguaging pedagogies. In: YIAKOUMETTI, Androula. (Ed.). Harnessing linguistic variation to improve education. Oxford, United Kingdom: Lang. p. 45-75.).

Por sua vez, Makalela (2015MAKALELA, Leketi. 2015. Translanguaging as a vehicle of epistemic access: cases for reading comprehension and multilingual interactions. Per Linguam, v. 31, n. 1, p. 15-29.) defende a orientação translíngue como um potente recurso para o acesso epistêmico, em contextos multilíngues complexos e regidos pela ideologia monolíngue. As práticas realizadas nas zonas de contato, na perspectiva translíngue, evidenciam-se expansivas e transformativas (Canagarajah, 2017CANAGARAJAH, Suresh. 2017. Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. New York: Springer.), uma vez que validam os pontos de vista e valores indiciados nos repertórios dos estudantes, considerados linguajares inferiores, sob o enfoque colonialista, e permitem a de(s)colonização do pensamento ao ressignificarem as visões negativas frente a práticas tidas como deficitárias, pensando-as sob a égide de um fazer desobediente (Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.). Esse fazer desobediente é aquele que valida sem nivelar ou orientar-se pelo universalismo, ou seja, aquele que trata a diferença pela ótica da “cumplicidade”, reconhecendo o diferente em sua singularidade, “de forma respeitosa e democrática” (Freire, 2013FREIRE, Paulo. 2013 [1995]. Pedagogia da tolerância: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra . :227).

Se “a epistemologia fronteiriça e a descolonialidade seguem de mãos dadas, em vista de seu propósito de transformar os termos da conversa e não só seu conteúdo”, como argumenta Mignolo (2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.:17), entendo que se junte a esse grupo a orientação translíngue. Isto porque essa filosofia comunga com a importância e a urgência do questionamento de qualquer modo de ser, fazer e dizer no mundo que seja opressor e violento e, assim, compreende que, para nos desprendermos do pensamento que oprime e silencia, “precisamos ser epistemologicamente desobedientes” (Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.:20), também por meio da criticidade e da criatividade.

O racismo moderno, colonial, assume suas dimensões onto-epistemológicas a partir de um só propósito, segundo Mignolo (2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.:17), qual seja, “classificar como inferiores e alheias ao domínio do conhecimento sistemático” todas as línguas que não sejam o grego, o latim e as demais línguas europeias modernas. Para esse autor, resta às pessoas que não falam essas línguas privilegiadas aceitar sua inferioridade ou esforçar-se para demonstrar ser um ser humano de igual valor. Mignolo (2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.) advoga em favor de movimentos de ruptura que ultrapassem o ato de resistência, pois resistir significa também acatar a superioridade (imposta) do outro (e pelo outro). Dessa forma, um movimento de luta translíngue e anti-hegemônico implica um projeto comum orientado para e interessado em “ressurgir, emergir e re-existir” (Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.:31), uma vez que

isto já é não só resistir, porque resistir significa que as regras do jogo são controladas por alguém a quem resistimos. Os desafios do presente e do futuro consistem em poder imaginar e construir uma vez que nos liberamos da matriz colonial de poder e nos lançamos ao vazio criador da vida plena e harmônica. (Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.:31)

O pensamento onto-epistemológico translíngue e fronteiriço apresenta-se, pois, como uma possibilidade de re-existência (Souza, 2011SOUZA, Ana Lúcia S. 2011. Letramentos de Reexistência - Poesia, grafite, música, dança: Hip Hop. São Paulo: Parábola. ) comunal (Biesta, 2014BIESTA, Gert. 2014. Making pedagogy public: for the public, of the public, or in the interest of publicness? In: BURDICK, Jake.; SANDLIN, Jennifer. A.; O’MALLEY, Michael P. Problematizing public pedagogy. New York: Routledge , Kindle Edition.; Pennycook 2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. , 2018bPENNYCOOK, Alastair. 2018b. Critical Applied Linguistics Commons. In: MACIEL, Ruberval Franco Maciel. et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes. p. 37-56.), a partir de lógicas e funcionamentos político-econômicos e socioculturais outros, em uma sociedade do cansaço (Byung-Chul Han, 2017BYUNG-CHUL HAN. 2017. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes. ), ainda presa ao colonialismo e tomada pelo capitalismo anti-democrático (Chun, 2017CHUN, Christian W. 2017. The discourses do Capitalism: everyday economists and the production of common sense. New York: Routledge . ) e dadocêntrico (Morozov, 2018MOROZOV, Evygeni. 2018. Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: UBU.), a ponto de falarmos hoje também em colonialismo de dados14 14 . Para saber mais, favor consultar https://jornal.usp.br/universidade/novo-colonialismo-nao-explora-apenas-riquezas-naturais-explora-nossos-dados/ .

Nesse viés, Veronelli (2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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) retoma o pensamento de Freire (1970FREIRE, Paulo. 1970. Pedagogía del oprimido. Montevideo: Tierra Nueva. ) para defender o diálogo como projeto e como método de resistência à unilateralidade e à unidimensionalidade do eurocentrismo e do pensamento colonial. A autora argumenta que a colonialidade define os sujeitos subalternizados como seres sem língua/linguagem e, portanto, os destituem de sua capacidade de se expressarem e de seu direito de existirem. Desse modo, ela propõe a noção de colonialidade da linguagem, alinhada à ideia de colonialidade do poder, para ressaltar que ambos - poder e linguagem, imbricam-se de modo indissociável quando falamos em (de)colonialidade. Para a autora, a colonialidade da linguagem envolve a relação entre raça e linguagem. A racialização, argumenta Veronelli (2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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:48), “é um processo de redução, invisibilização e eliminação dos mundos de sentidos dos seres colonizados-colonializados”15 15 . No original: “Es solamente desde fuera de la filosofía, la ideología y la política lingüísticas moderno/colonia- les que se puede entender y revelar la racialización como un proceso de reducción, invisibilización y eliminación de los mundos de sentido de los seres colonizados-colonializados”. .

Para uma ruptura efetiva frente ao pensamento colonial, a autora defende a ideia de linguajar (Maturana, 1990MATURANA, Humberto. 1990. Emociones y lenguaje en educación y política. Santiago de Chile: Centro de Estudios de Desarrollo., 1999MATURANA, Humberto. 1999. Transformación en la convivencia. Santiago de Chile: Dolmen Ediciones. ) como uma possibilidade de enfrentamento à noção de língua como sistema autônomo e tonalizado por ideologias hegemônicas. De forma análoga ao que pressupõe a orientação translíngue (García e Li Wei, 2014GARCÍA, Ofelia; LI WEI. 2014. Translanguaging: language, bilingualism, and education. London: Palgrave Macmillan. ), Veronelli (2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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:49) argumenta que a passagem do entendimento de língua/linguagem como substantivo para sua concepção como um verbo apresenta-se como um potente “contraponto diante da lógica de sentido da modernidade/da colonialidade”. É ainda possível alinhar o pensamento decolonial dessa autora ao interesse translíngue no coletivo e no bem comum (Biesta, 2014BIESTA, Gert. 2014. Making pedagogy public: for the public, of the public, or in the interest of publicness? In: BURDICK, Jake.; SANDLIN, Jennifer. A.; O’MALLEY, Michael P. Problematizing public pedagogy. New York: Routledge , Kindle Edition.; Pennycook, 2018aPENNYCOOK, Alastair. 2018a. Posthumanist Applied Linguistics. Abingdon/New York: Routledge , Kindle Editon. , 2018bPENNYCOOK, Alastair. 2018b. Critical Applied Linguistics Commons. In: MACIEL, Ruberval Franco Maciel. et al (Orgs.). Linguística aplicada para além das fronteiras. Campinas: Pontes. p. 37-56.). Para Verotelli (2016), é por meio do (trans)linguajar como atividade comunal e dialógica que criamos uma realidade transformadora. O monolinguismo coloniza e desumaniza exatamente porque impõe silenciamento ao linguajar comum (Veronelli, 2016VERONELLI, Gabriela A. 2016. Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, p. 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
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).

Diante de todas as reflexões tecidas e históricas contadas, reafirmo minha defesa em favor da ligação entre os pensamentos translíngue e transcolonial. Como nos lembra Bauman (2017BAUMAN, Zygmunt. 2017. Retrotopia. Rio de Janeiro: Zahar .), é passada a hora de mudarmos de uma condição líquida, para um funcionamento econômico, político e cultural de bases comuns e sociais que se revele, assim, mais justo, pacífico, inclusivo e equânime. Como educadora e linguista aplicada, busco - ainda de forma tímida e insuficiente, um pensar e um fazer diferentes, a partir de um conjunto ecologicamente amalgamado de teorias e práticas, que dialógica e dinamicamente alinha os difusos contornos entre translinguagens e transcolonialidade.

Nas linhas traçadas e histórias contadas, ficam as marcas do meu mais genuíno desejo de que avancemos nos debates e trabalhos nesse contexto, também em nosso país, em que contamos ainda com um número escasso, embora crescente de estudos sobre translinguagem. Políticas, bem como práticas educativas e de pesquisa, sob uma ótica expansiva, desafiadora translíngue e decolonial, podem contribuir para a sociedade como um todo, uma vez que alimentam nossa capacidade de expressar, por meio de uma política dialógica de campanha (Bauman, 2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .), nossa justa raiva (Freire, 2004FREIRE, Paulo. 2004 [1996]. Pedagogia da autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra.) perante os mais diversos tipos de silenciamentos e violências.

A abordagem translíngue e transcolonial, mais que um campo de estudos, uma prática, uma política ou uma pedagogia, mostra-se como uma opção por um modo de vida mais equilibrado, pacífico e justo para todos e tudo neste planeta. Compreendo essa orientação, portanto, como “uma opção de vida, de pensar e de fazer” desobediente e potencialmente transformadora, pela luta que nos impele a assumir (Mignolo, 2017MIGNOLO, Walter. 2017. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, 1(1), pp. 12-32.:31). Espero, então, que travemos nossa luta neste mundo, nas fronteiras por entre o reconhecimento da força de uma sociedade que nos impõe o esgotamento como forma de vida e a certeza de que a esperança é uma “radicalidade ontológica” (Freire, 2013FREIRE, Paulo. 2013 [1995]. Pedagogia da tolerância: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra . :239). Que, assim, possamos seguir lutando e re-existindo, comunal e anti-hegemonicamente, sem abrir mão do sonho e da esperança em meio a essa luta por um futuro mais pacífico e menos opressor para a coletividade.

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  • 2
    Meus agradecimentos à Jéssica Vasconcelos Dorta por seu auxílio quanto à revisão cuidadosa deste texto.
  • 3
    . Como explicado na obra de Bauman (2012BAUMAN, Zygmunt. 2012. Isto não é um diário. Rio de Janeiro: Zahar .), as citações de Saramago foram extraídas do Blog do autor, intitulado O caderno de Saramago e publicado no sítio eletrônico da Fundação José Saramago - josesaramago.org.
  • 4
    . O Vale do Sílício localiza-se na parte sul da região da Baía de São Francisco, na Califórnia, EUA e, por abrigar inúmeras start-ups e empresas globais de tecnologia, é considerado hoje o maior polo tecnológico do mundo.
  • 5
    . No original: “prácticas y proyectos más o menos articulados que resisten la colonialidad del poder en sus múltiples e interconectadas formas”.
  • 6
    . No original: “A literacy education, in short, that feeds our desire and capacity to dream with our very future.”
  • 7
    . A título de ilustração, favor visitar https://www.youtube.com/watch?v=eakKfY5aHmY.
  • 8
    . No original: “spatio-temporal and ethical formations that are concerned with ways of living together that resist the privatization and individualization of life.”
  • 9
    . Para acesso à entrevista com o referido escritor, músico e produtor cultural angolano, favor consultar https://www.saibamais.jor.br/kalaf-epalanga-a-lingua-e-a-primeira-ferramenta-de-opressao/
  • 10
    . Para leituras sobre a possível relação entre as teorias bakhtinianas e o conceito de translinguagem, sugiro consultar Rocha e Maciel (2015ROCHA, Cláudia Hilsdorf; MACIEL, Ruberval Franco. 2015. Ensino de língua estrangeira como prática translíngue: articulações com teorias bakhtinianas. D.E.L.T.A., 31-2, p. 411-445.), entre outros.
  • 11
    . No original: “expanded complex practices of speakers who could not avoid having had languages inscribed in their body, and yet live between different societal and semiotic contexts as they interact with a complex array of speakers”.
  • 12
    . No original: “translaguaging does not refer to tow separate languages nor to a synthesis of different language practices or to a hybrid mixture.”
  • 13
    . Originalmente: “Rather translanguaging refers to new language practices that make visible the complexity of language exchanges among people with different histories, and releases histories and understandings that had been buried within fixed language identities constrained by nation-state”.
  • 14
  • 15
    . No original: “Es solamente desde fuera de la filosofía, la ideología y la política lingüísticas moderno/colonia- les que se puede entender y revelar la racialización como un proceso de reducción, invisibilización y eliminación de los mundos de sentido de los seres colonizados-colonializados”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2019
  • Aceito
    24 Out 2019
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