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Uso do pericárdio autólogo para reforço da aortorrafia no tratamento cirúrgico da valva aórtica

Resumos

O reparo da aortotomia no tratamento cirúrgico da valva aórtica pode ser realizado por meio de diferentes técnicas. Em alguns casos, porém, a aorta ascendente encontra-se aterosclerótica, fina e friável, aumentando o risco de rotura no pós-operatório imediato e formação tardia de aneurismas. Este trabalho descreve uma técnica de reforço da aortorrafia com a utilização de pericárdio autólogo e seus resultados, através da análise retrospectiva de 23 casos realizados no Instituto do Coração de São Paulo, entre 1999 e 2003.

Pericárdio; Técnicas de sutura; Retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos cardíacos


The repair of the aortotomy in the surgical treatment of aortic valve can be achieved using different techniques. Nevertheless, in some cases, the ascending aorta is atherosclerotic, thin and friable, making the risk of aorta rupture and late aneurysm development higher. This article describes the technique and the results obtained from the reinforcement of aortic suture with autologous pericardium by retrospective analysis of 23 cases from the Heart Institute of São Paulo, between 1999 and 2003.

Pericardium; Suture techniques; Surgical flaps; Cardiac surgical procedures


COMO EU FAÇO

Uso do pericárdio autólogo para reforço da aortorrafia no tratamento cirúrgico da valva aórtica

Marco Antonio Vieira Guedes; Pablo Maria Alberto Pomerantzeff; Carlos Manuel de Almeida Brandão; Sérgio Almeida de Oliveira

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marco Antonio Vieira Guedes. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Unidade Cirúrgica de Cardiopatias Valvares. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44. São Paulo, SP, Brasil. CEP 05403-000. Tel: (11) 3069-5415. E-mail: guedesmarco@hotmail.com

RESUMO

O reparo da aortotomia no tratamento cirúrgico da valva aórtica pode ser realizado por meio de diferentes técnicas. Em alguns casos, porém, a aorta ascendente encontra-se aterosclerótica, fina e friável, aumentando o risco de rotura no pós-operatório imediato e formação tardia de aneurismas. Este trabalho descreve uma técnica de reforço da aortorrafia com a utilização de pericárdio autólogo e seus resultados, através da análise retrospectiva de 23 casos realizados no Instituto do Coração de São Paulo, entre 1999 e 2003.

Descritores: Pericárdio. Técnicas de sutura. Retalhos cirúrgicos. Procedimentos cirúrgicos cardíacos.

INTRODUÇÃO

O reparo da aortotomia no tratamento cirúrgico da valva aórtica pode ser realizado por intermédio de diferentes técnicas. Em alguns casos, porém, a aorta ascendente encontra-se aterosclerótica, fina e friável, aumentando o risco de rotura no pós-operatório imediato e formação tardia de aneurismas [1]. Nestas situações, o reparo da aortotomia torna-se um desafio para o cirurgião.

A utilização de materiais para reforçar a linha de sutura na aorta é um artifício importante nestes casos. Atualmente, uma grande diversidade de materiais pode ser utilizada para esta finalidade, como Dacron, Teflon, Gore-Tex e pericárdio bovino. Cada material, devido a suas características, apresenta vantagens e desvantagens [1].

O pericárdio autólogo é um biomaterial de fácil acesso, sem custos, complacente e resistente, não filamentado, livre de patógenos relacionados ao doador e incapaz de provocar resposta imune [2,3]. Vários autores descreveram suas experiências com a utilização deste material no reparo de aneurisma de ventrículo esquerdo e hemostasia no local de injeção da cardioplegia [4,5]. Neste estudo, é descrita a técnica de reforço da aortotomia no tratamento cirúrgico da valva aórtica com a utilização de pericárdio autólogo e seus resultados.

MÉTODO

Entre janeiro de 1999 e outubro de 2003, 23 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico da valva aórtica no Instituto do Coração de São Paulo (Incor), e que apresentavam aorta aterosclerótica, friável e fina, foram selecionados para a utilização do pericárdio autólogo no reforço da linha de sutura da aortotomia. A média de idade dos pacientes foi 69,7 ± 10,2 anos (mínima: 46 e máxima 84), sendo 16 (69,6%) pacientes do sexo feminino. Os dados demográficos, fatores de risco e dados ecocardiográficos pré-operatórios são demonstrados na Tabela 1.

Foram excluídos os pacientes que apresentavam aorta com diâmetro maior ou igual a 4,2 cm no ecocardiograma pré-operatório. Os dados foram coletados por meio de ficha protocolar, analisando-se retrospectivamente os prontuários médicos e eletrônico do Incor.

O seguimento destes pacientes foi realizado por meio da última avaliação clínica e ecocardiográfica ambulatorial no pós-operatório.

Foi utilizada a estatística descritiva com análise das freqüências, sendo as variáveis contínuas representadas como média ± desvio-padrão. Foi utilizado o teste t de Student para comparação de médias.

Técnica Operatória

No momento da sutura da aortotomia, duas tiras de pericárdio autólogo, de 0,5 cm de largura e 25% maior do que a linha de sutura, em comprimento, foram dissecadas na transição pericárdio-pleural. Foi realizada hemostasia da área cruenta do pericárdio. A rafia da aorta foi realizada de forma habitual, utilizando-se as tiras de pericárdio autólogo como reforço em ambos os lados da aortotomia, como apresentado na Figura 1. A operação foi, então, finalizada de maneira habitual.


RESULTADOS

Durante o período entre janeiro de 1999 e outubro de 2003, foram avaliados 23 pacientes submetidos ao reforço da aortotomia com pericárdio autólogo. Após o procedimento, dois (8,7%) pacientes morreram. Em ambos os casos foi realizada a dupla troca mitro-aórtica. O primeiro paciente, do sexo masculino, 72 anos, foi operado devido a endocardite, apresentando valva aórtica com rotura de duas válvulas com vegetações e valva mitral com perfuração do folheto anterior e vegetações, sem evidências de abscesso de anel, sendo realizada a troca das valvas aórtica e mitral por próteses biológicas número 25 e 29, respectivamente. Evoluiu com sepse e óbito no sexto dia de pós-operatório.

O segundo caso, operado eletivamente, uma paciente do sexo feminino, 80 anos, após a troca das valvas aórtica e mitral por próteses biológicas número 23 e 29, respectivamente, apresentou sepse de foco respiratório, evoluindo com disfunção de múltiplos órgãos e óbito no 29o dia de pós-operatório.

Apenas um paciente foi reoperado para revisão de hemostasia, sendo identificado sangramento em local de canulação aórtica, apresentando boa evolução após o reparo.

Após a alta hospitalar, 21 pacientes foram acompanhados, com a média de seguimento de 13,52 ± 11,87 meses, variando de dois a 48 meses. Nenhum paciente necessitou reintervenção cirúrgica ou foi a óbito.

O diâmetro da aorta descrito na última consulta pós-operatória foi comparado com o diamêtro aórtico pré-operatório. A média do diamêtro pré-operatório foi de 35 ± 3,8mm (variando entre 30 e 42mm) e pós-operatório 34,29 ± 4,2mm (variando entre 28 e 44mm). Não houve diferença estatística entre as médias, p = 0,17.

COMENTÁRIOS

No tratamento cirúrgico da valva aórtica, o fechamento da aortotomia pode estar associado a dificuldades técnicas para obtenção da hemostasia adequada, principalmente em aortas friáveis e finas. A deiscência da sutura aórtica, em geral, é um evento dramático e em alguns casos fatal [1].

Diversos materiais foram utilizados com a finalidade de reforçar uma aorta com características macroscópicas de fragilidade. Porém, estes materiais podem predispor à infecção por se tratarem de corpo estranho [1,6]. LOOSER et al. [6] descreveram infecções em linhas de suturas em pacientes nos quais foi utilizado Teflon no ventrículo esquerdo para correção de aneurisma. A utilização com sucesso de retalho de pericárdio autólogo para hemostasia da aorta no local da injeção da solução cardioplégica, em 20 pacientes, foi descrita por RESCIGNO et al.[5].

O pericárdio autólogo foi utilizado no reforço da aortotomia com sucesso em 23 pacientes de alto risco. Este material inerte minimiza os riscos de infecção, além de ser obtido rapidamente durante o ato operatório e sem custos [2,3]. A utilização de duas tiras de pericárdio autólogo é uma técnica segura e de fácil reprodutibilidade. Na nossa casuística, apenas um paciente foi reoperado para revisão da hemostasia, sendo evidenciada lesão no local de canulação e não no reforço da aortotomia. Em todos os pacientes, em que foi realizada esta técnica de reforço da sutura da aorta, não houve lesão sangrante relacionada à aortotomia.

A seleção dos pacientes para realização da técnica foi subjetiva devido à ausência de critérios objetivos na literatura. Esta pode ser uma falha na metodologia do estudo, porém a identificação da falta de critérios pode estimular a realização de pesquisas na área.

Os pacientes foram acompanhados no pós-operatório durante um período máximo de 48 meses. Não houve diferença estatística entre o diâmetro da aorta pré e pós-operatório. Além disso, não foi evidenciado nenhum caso de óbito ou necessidade de reintervenção. O reforço da sutura da aortotomia com utilização de pericárdio autólogo é uma técnica simples e segura.

Artigo recebido em agosto de 2004

Artigo aprovado em novembro de 2004

Trabalho realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

  • 1. Kirklin JW, Barratt-Boyes BG. Aortic valve disease. In: Kirklin JW, Barratt-Boyes BG, editors. Cardiac surgery. New York:Wiley;2003. p.554-656.
  • 2. Fiore AC, McKeown PP, Misbach GA, Allen MD, Ivey TD. The use of autologous pericardium for ventricular aneurysm closure. Ann Thorac Surg 1988;45:570-1.
  • 3. Cheung DT, Choo SJ, Grobe AC, Marchion DC, Luo HH, Pang DC et al. Behavior of vital and killed autologous pericardium in the descending aorta of sheep. J Thorac Cardiovasc Surg 1999;118:998-1005.
  • 4. Khaki A, Ridgeway J, Sivananthan UN, Nair RU. Repair of left ventricular aneurysm by autologous pericardial patch reinforcement (capping): follow-up results. J Card Surg 1997;12:247-52.
  • 5. Rescigno G, Torracca L, Nataf P, Lessana A. Pericardial patch for rapid and effective hemostasis of cardioplegia injection site. J Cardiovasc Surg 2000;41:405-6.
  • 6. Looser KG, Allmendinger PD, Takata H, Ellison LH, Low HB. Infection of cardiac suture line after ventricular aneurysmectomy. J Thorac Cardiovascular Surg 1976;72:280-1.
  • Endereço para correspondência

    Marco Antonio Vieira Guedes.
    Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Unidade Cirúrgica de Cardiopatias Valvares. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2004
    • Aceito
      Nov 2004
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