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Competitividade das exportações de carne bovina do Brasil: uma análise das vantagens comparativas

Competitiveness of Brazilian beef exports: an analysis of comparative advantages

Resumo:

O agronegócio tornou-se um domínio estratégico para o Brasil, sendo o comércio de carnes um dos mais relevantes para o quadro apresentado. Nomeadamente no setor da carne bovina, o Brasil tem reconhecidamente sido um player forte e competitivo. Reflexo de um estruturado processo de desenvolvimento responsável por elevar a produtividade e a qualidade do produto, o país tem acompanhado a sinalização de um mercado crescente, aumentando a sua competitividade e abrangência internacional. Sabendo da importância da produção e comercialização de carne bovina para a economia brasileira, neste trabalho avaliou-se a competitividade das exportações desta mercadoria em referência aos principais países exportadores em nível mundial e regional, através do Índice de Vantagem Comparativa Revelada Normalizada (NRCA). Os resultados indicam que, entre 1998 e 2017, a vantagem comparativa do Brasil elevou-se de maneira significativa, fazendo do país um dos mais fortes competidores em nível internacional. A aplicação do NRCA apresentou de maneira satisfatória o desenvolvimento do cenário internacional da competitividade neste mercado, revelando a dinâmica de elevação e queda dos principais países exportadores. No entanto, o índice não permitiu perceber com exatidão os determinantes específicos do desempenho competitivo, sendo esta uma limitação da aplicação deste método.

Palavras-chave:
carne bovina; comércio internacional; competitividade; vantagem comparativa revelada normalizada

Abstract:

Agribusiness has become a strategic domain for Brazil, and meat trade is one of the most relevant for the presented scenario. Notably in the beef sector, Brazil has been recognized as a strong and competitive player. Reflecting a structured development process responsible for increasing productivity and product quality, the country has been following the signalling of a growing market increasing its competitiveness and international influence. Knowing the importance of beef production and marketing for the Brazilian economy, this work evaluated the competitiveness of exports of this commodity in reference to the main exporting countries at the world and regional level, using for this the normalized revealed comparative advantage index (NRCA). The results indicate that, between 1998 and 2017, Brazil's comparative advantage increased significantly, making it one of the strongest international competitors. The application of the NRCA satisfactorily presented the development of the international scenario of competitiveness in this market, revealing the rising and falling dynamics of the main exporting countries. However, the index did not allow us to understand exactly the specific determinants of competitive performance, which is a limitation of this method application.

Keywords:
bovine beef; competitiveness; international trade; normalized revealed comparative advantage

1. INTRODUÇÃO

As últimas décadas que antecedem a virada do século XX, assim como os primeiros anos que se seguem ao início do novo século, evidenciam um aumento geral do nível de abertura económica mundial, o que impulsiona um desenvolvimento menos intervencionista e mais integrado do comércio mundial, desregulando também, em parte, os mercados agrícolas. Este fator, aliado ao aumento da exigência mundial por alimentos, que chega a superar a produção, especialmente causada pela grande demanda asiática por produtos agroalimentares, promove a inserção no mercado internacional de economias maioritariamente amparadas pela existência de um sistema agroexportador altamente especializado, o agronegócio (Serrano et al., 2008Serrano, R., Pinilla, V., & Aparicio, G. (2008). Europe and the international trade in agricultural and food products, 1870-2000. In P. Lains & V. Pinilla (Eds.), Agriculture and economic development in Europe since 1870 (pp. 72-95). London: Routledge.; Serrano & Pinilla, 2016Serrano, R., & Pinilla, V. (2016). The declining role of Latin America in global agricultural trade, 1963-2000. Journal of Latin American Studies, 48(1), 115-146.; Aparicio et al., 2018Aparicio, G., González-Esteban, Á. L., Pinilla, V., & Serrano, R. (2018). The World Periphery in Global Agricultural and Food Trade, 1900-2000. In V. Pinilla & H. Willwbald (Eds.), Agricultural development in the world periphery (pp. 63-88). Cham: Palgrave Macmillan ).

Inserido nesta dinâmica, o Brasil, em meio século, evoluiu da posição de importador para configurar-se atualmente como o terceiro maior exportador mundial de alimentos, matérias-primas agrícolas ou outros produtos agroindustriais (Food and Agriculture Organization, 2018Food and Agriculture Organization – FAO. (2018). The State of Agricultural Commodity Markets 2018. Agricultural trade, climate change and food security. Rome: FAO.). Sobretudo baseados na força demonstrada pelo agronegócio brasileiro, tem sido grande a expectativa internacional sobre a capacidade do país em liderar a produção e comercialização de diversos géneros alimentares nas próximas décadas (Food and Agriculture Organization, 2015Food and Agriculture Organization – FAO. (2015). The State of Agricultural Commodity Markets 2015-16. Trade and food security: achieving a better balance between national priorities and the collective good. Rome: FAO.).

O agronegócio tornou-se fundamentalmente um domínio estratégico para o Brasil, respondendo por mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), representando também cerca de 44% das exportações, correspondentes a US$ 101,69 bilhões em 2018, com uma elevação superior a 400% em relação ao ano de 1996 (23,3 US$ bilhões) (Brasil, 2017Brasil. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. (2017). Agropecuária puxa o PIB de 2017. Recuperado em 18 de outubro de 2019, de http://www.agricultura.gov.br/noticias/agropecuaria-puxa-o-pib-de-2017.
http://www.agricultura.gov.br/noticias/a...
; 2019aBrasil. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (2019a). Estatísticas do Agronegócio. Recuperado em 18 de outubro de 2019, de www.agricultura.gov.br/assuntos/relacoes-internacionais/documentos/estatisticas-do-agronegocio.). O comércio de carnes, especialmente o de carne bovina, conjuntamente com o de produtos do complexo soja, são os domínios que apresentaram maior relevância para a evolução destes valores, ambos com crescimento muito acima da média geral do agronegócio para o mesmo período analisado (Silva et al., 2018Silva, M. L., Franck, S., Geovani, A., Silva, R. A., & Arruda Coronel, D. (2018). Padrão de especialização do comérico internacional agrícola brasileiro: Uma análise por meio de indicadores de competitividade. Revista em Agronegócios e Meio Ambiente, 11(2), 385-408.; Brasil, 2019aBrasil. Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (2019a). Estatísticas do Agronegócio. Recuperado em 18 de outubro de 2019, de www.agricultura.gov.br/assuntos/relacoes-internacionais/documentos/estatisticas-do-agronegocio.).

Nomeadamente em relação ao setor da carne bovina, o Brasil tem reconhecidamente sido um player forte e competitivo. Reflexo de um estruturado processo de desenvolvimento responsável por elevar a produtividade e a qualidade do produto, o país tem acompanhando a sinalização de um mercado crescente aumentando a sua competitividade e abrangência internacional. Esta cadeia está consolidada como um dos principais motores das exportações brasileiras, responsável por gerar uma receita de US$ 6,55 bilhões em 2018, mesmo exportando apenas cerca de 20% da produção. A carne bovina é notadamente a commodity mais valiosa da pauta nacional, apresentando uma cotação média de 4055 US$/tonelada para o mesmo ano (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, 2018Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne – ABIEC. (2018). Perfil da Pecuária no Brasil, Relatório Anual. São Paulo: ABIEC. Recuperado em 18 de outubro de 2019, de http://abiec.siteoficial.ws/PublicacoesLista.aspx
http://abiec.siteoficial.ws/PublicacoesL...
; Brasil, 2019bBrasil. Ministério da Industria Comércio Exterior e Serviços (2019b). Comex Vis: Principais produtos exportados. Recuperado em 18 de outubro de 2019, de http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/comex-vis/frame-ppe?ppe=1084.
http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior...
). O país possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, superando os 220 milhões de cabeças atualmente, sendo dotado também de um moderno parque industrial para processamento. Estes valores representam a aptidão do Brasil em se posicionar como o principal fornecedor de carne bovina para o mundo, ocupando atualmente a posição de maior exportador em termos de volume embarcado, além de revelar a competência da cadeia em aperfeiçoar seus modelos produtivos de maneira a atender as necessidades do mercado (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, 2018Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne – ABIEC. (2018). Perfil da Pecuária no Brasil, Relatório Anual. São Paulo: ABIEC. Recuperado em 18 de outubro de 2019, de http://abiec.siteoficial.ws/PublicacoesLista.aspx
http://abiec.siteoficial.ws/PublicacoesL...
; Brasil, 2019bBrasil. Ministério da Industria Comércio Exterior e Serviços (2019b). Comex Vis: Principais produtos exportados. Recuperado em 18 de outubro de 2019, de http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/comex-vis/frame-ppe?ppe=1084.
http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior...
).

Sabendo da importância da produção e comercialização de carne bovina para a economia brasileira, serão avaliadas neste trabalho, por meio de uma análise longitudinal, as suas vantagens comparativas, conceito este que na literatura se relaciona intimamente com a competitividade (Sarker & Ratnasena, 2014Sarker, R., & Ratnasena, S. (2014). Revealed comparative advantage and half‐a‐century competitiveness of canadian agriculture: a case study of wheat, beef, and pork sectors. Canadian Journal of Agricultural Economics, 62(4), 519-544.). Para tanto, será utilizado o Índice de Vantagem Comparativa Revelada Normalizada (NRCA) proposto por Yu et al. (2009)Yu, R., Cai, J., & Leung, P. (2009). The normalized revealed comparative advantage index. The Annals of Regional Science, 43(1), 267-282., um modelo que aprimora o Índice de Balassa (Balassa, 1965Balassa, B. (1965). Trade liberalisation and “revealed” comparative advantage 1. Manchester School, 33(2), 99-123.), recorrentemente utilizado na verificação da competitividade das exportações.

Procurou-se compreender como evoluiu a dinâmica da competitividade do setor brasileiro de carne de bovinos do Brasil nas exportações específicas para o mercado mundial, comparativamente com os principais países exportadores em nível mundial e regional, entre 1998 e 2017.

Para além desta introdução, são expostos, de seguida, os procedimentos metodológicos e sua justificação, bem como os resultados obtidos e discussão dos mesmos. Na parte final, apresentam-se as considerações finais.

2. METODOLOGIA

O presente trabalho propõe uma investigação acerca da competitividade de um campo específico do agronegócio brasileiro – carne bovina – a partir da avaliação do comportamento das exportações, no período de 1998 a 2017. Para alcançar os objetivos, este estudo aborda o problema sob a ótica das vantagens comparativas.

Em suma, a vantagem comparativa reflete o custo de oportunidade relativo, ou seja, a relação do quanto uma nação deixa de produzir determinada mercadoria quando direciona a sua produção para outro bem. Essencialmente um país torna-se exportador líquido de mercadorias se estas possuírem vantagem comparativa, logo, através da sua determinação pode-se identificar e direcionar o caminho pelo qual o impulso de investimentos favorecerá o comércio, de modo a explorar as diferenças internacionais (Vollrath, 1991Vollrath, T. L. (1991). A theoretical evaluation of alternative trade intensity measures of revealed comparative advantage. Weltwirtschaftliches Archiv, 127(2), 265-280.).

A economia neoclássica, fornecendo uma resposta prática a esta questão, propõe a análise do grau de especialização internacional dos países, mensurado por variáveis geradas a partir do equilíbrio pós-negociação, como dados sobre exportação, para indicar a existência de vantagem comparativa. O trabalho de Balassa (1965)Balassa, B. (1965). Trade liberalisation and “revealed” comparative advantage 1. Manchester School, 33(2), 99-123. apoia a ideia de que a vantagem comparativa poderia ser “revelada” pelos padrões reais observáveis de negociações, uma vez que o intercâmbio comercial refletiria as diferenças em custos, bem como de fatores não relacionados com o preço. Desde então constitui-se convenção empírica o cálculo da vantagem comparativa revelada pelo famoso índice de Balassa, Balassa Revealed Comparative Advantage (BRCA), que, ancorado numa realidade de transações comerciais, tem sido constantemente empregado na literatura como uma medida indicativa da competitividade (Deb & Hauk, 2017Deb, K., & Hauk, W. R. (2017). RCA indices, multinational production and the Ricardian trade model. International Economics and Economic Policy, 14(1), 1-25.; Latruffe, 2010Latruffe, L. (2010). Competitiveness, productivity and efficiency in the agricultural and agri-food sectors. (OECD Food, Agriculture and Fisheries Papers, 30). Paris: OECD Publishing.).

A simplicidade de utilização deste método tornou-o bastante popular na aplicação de estudos de comércio empírico. No entanto, diversas inconsistências têm sido relacionadas com o índice, especialmente em relação à sua capacidade restrita de fornecer informações sobre a existência ou não de vantagem comparativa, não conseguindo informar sobre quais os países que possuem vantagens comparativas mais fortes, ou se um determinado país apresenta tendência ascendente ou descendente ao longo do tempo (Yeats, 1985Yeats, A. J. (1985). On the appropriate interpretation of the revealed comparative advantage index: implications of a methodology based on industry sector analysis. Weltwirtschaftliches Archiv, 121(1), 61-73.). Este facto tem proporcionado, ao longo dos anos, a proposição de diversas modificações e índices alternativos na intenção de solucionar os problemas evidenciados.

Hoen & Oosterhaven (2006)Hoen, A. R., & Oosterhaven, J. (2006). On the measurement of comparative advantage. The Annals of Regional Science, 40(3), 677-691., através das debilidades detetadas no BRCA, indicam as propriedades básicas que um índice alternativo deve corrigir a fim de se tornar mais consistente. Sanidas & Shin (2010)Sanidas, E., & Shin, Y. (2010, july 25-26). Comparison of revealed comparative advantage indices with application to trade tendencies of East Asian countries. In Annals of the 9th Korea and the World Economy Conference. Incheon, Korea: University of Incheon., baseados na proposição dos primeiros autores, apresentam os seguintes parâmetros e justificações teóricas subjacentes de cada item: (1) distribuição estável ao longo do tempo e espaço, visando proporcionar a comparabilidade dos resultados ao longo do tempo e espaço (simetria); (2) média ou mediana estável ao longo do tempo e do espaço para atender as propriedades de soma zero sobre setores ou mercadorias embutida no conceito de vantagem comparativa (se um país ganha vantagem comparativa num setor ou mercadoria, outros perdem-na); (3) simetria em torno da média ou mediana, considerando os mesmos pesos em ambos os lados do ponto neutro do índice; e (4) independência do número de países incluídos no grupo de referência e do nível de agregação das mercadorias, com intenção de se promover uma maior consistência dos resultados em diferentes níveis.

Com a intenção de ampliar as possibilidades de atuação do BRCA, Yu et al. (2009)Yu, R., Cai, J., & Leung, P. (2009). The normalized revealed comparative advantage index. The Annals of Regional Science, 43(1), 267-282. propõem o Normalized Revealed Comparative Advantage (NRCA) que possui atributos desejáveis tanto do ponto de vista teórico como para a aplicação na pesquisa empírica. Este modelo supera muitas das deficiências do BRCA, distinguindo-se positivamente também de outros índices até então desenvolvidos (Deb & Sengupta, 2017Deb, K., & Sengupta, B. (2017). On empirical distribution of RCA Indices. IIM Kozhikode Society & Management Review, 6(1), 23-41.). Não somente o NRCA é simétrico, como também apresenta distribuição e média estáveis, constituindo um modelo mais geral e consistente. A sua forma de desvio e a normalização pelas exportações totais mundiais também o tornam um índice menos suscetível à dimensão do setor ou país quando comparado a outros índices.

A medição do NRCA indica o grau com que as exportações reais do país estudado para uma mercadoria se desviam do ponto neutro de vantagem comparativa, em termos de sua escala relativa, e em relação ao mercado mundial de exportação. Sendo a condição de vantagem comparativa-neutra do país i na exportação de mercadoria j denotada na Equação (1) por

X^ji=XiXwj/Xw,(1)

onde as exportações reais do país i para a mercadoria j é Eji, a diferença entre essas duas medidas pode ser definida na Equação (2) por

ΔXjiXjiX^ji=Xji(XiXwj)/Xw,(2)

normalizando esta diferença pelo total de exportações mundial, XW, obtém-se o NRCA, através da Equação (3):

N R C A j i Δ X j i X w = X j i X w X i X w j X w X w (3)

Onde:

Xji = valor das exportações do país i para a mercadoria j

Xwji= valor total de exportação da mercadoria j por todos os países

Xji = valor total de exportação do país i para todas as mercadorias

Xw= valor total das exportações de todas mercadorias por todos os países

Se o valor de NRCA encontrado para as exportações do país i para a mercadoria j superar o ponto neutro (zero), a vantagem comparativa é revelada, sendo que quanto maior (menor) a pontuação, mais forte será a vantagem (ou desvantagem), variando entre a faixa de -0,25 e 0,25.

Deste modo, Yu et al. (2009)Yu, R., Cai, J., & Leung, P. (2009). The normalized revealed comparative advantage index. The Annals of Regional Science, 43(1), 267-282. argumentam que o seu índice satisfaz a maioria das propriedades desejáveis, com destaque para a possibilidade de comparação de mercadorias e países em diferentes períodos de tempo. O NRCA torna-se consideravelmente útil na análise empírica, sobretudo por possibilitar uma interpretação dos significados económicos de maneira satisfatória, tendo sido utilizado neste estudo.

2.1. Fonte e organização dos dados

Como fonte de informação, utilizou-se a base de dados oficial das Nações Unidas – o United Nations Commodity Trade Statistics Database (UNComtrade) –, por representar a maior depositária de dados relativos ao comércio internacional e por fornecer os dados detalhados ao nível de agregação necessário para a realização deste trabalho. Todas as commodities aqui avaliadas foram agrupadas e classificadas de acordo com a Revisão 3 do Standard International Trade Classification (SITC Rev. 3).

Como grupo de referência, utilizou-se o mercado internacional de produtos agrícolas (Xw), definido pelas secções SITC 0, 1, 4 e divisões 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 29, conforme sugere o Word Trade Organization (Word Trade Organization, 2019Word Trade Organization. (2019). Internacional Trade Statistics - Technical notes. Retrieved from https://www.wto.org/english/res_e/statis_e/technotes_e.htm.
https://www.wto.org/english/res_e/statis...
). O objeto de estudo é definido por SITC 011 (Meat of Bovine animals, fresh, chilled or frozen), aqui denominado por “carne bovina”.

Designadamente, extraíram-se da base de dados valores das exportações anuais de cada uma das referidas mercadorias nos anos de 1998 a 2017, além do total mundial exportado, com dados de comércio reportados após a sua concretização, sempre com valores em dólares americanos (US$). Este período foi escolhido pela possibilidade de se capturar a evolução da competitividade nas últimas décadas, de maneira a compreender quais foram os caminhos que levaram aos resultados encontrados nos anos mais atuais.

De maneira a analisar comparativamente a carne bovina em nível internacional e compreender como evoluíram as vantagens comparativas dos países que atualmente são os mais competitivos, os resultados de NRCA foram determinados para o Brasil e para os principais exportadores em nível mundial (Austrália, EUA e Índia) e regional (Argentina, Paraguai e Uruguai), tomando como base para a determinação destes grupos a variável “valor exportado em 2017 para SITC 011”.

Considerou-se ainda as pontuações da NRCA para os demais países do mundo XRM, através das Equações (4) e (5), a fim de verificar que os seus escores não proporcionariam qualquer mudança na estrutura dos resultados obtidos com os grupos de principais exportadores, obedecendo a propriedade de soma zero do índice trabalhado, sendo:

X j R M = X w j X j i (4)
X w R M = X w X i (5)

Onde:

XjRM= valor das exportações dos restantes países para a mercadoria j

XwRM= valor total das exportações dos restantes países

Xw= valor total das exportações de todas mercadorias por todos os países

Xwj= valor total de exportação da mercadoria j por todos os países

Xi= valor total de exportação dos principais exportadores para todas as mercadorias

Xji= valor das exportações dos principais exportadores para a mercadoria j

Por fim, os escores obtidos foram redimensionados, sem afetá-los, tendo sido multiplicados por uma constante de 10.000, a fim de facilitar a apresentação como proposto por Yu et al. (2009)Yu, R., Cai, J., & Leung, P. (2009). The normalized revealed comparative advantage index. The Annals of Regional Science, 43(1), 267-282..

3. RESULTADOS

A partir dos dados reunidos na Tabela 1, apresenta-se na Tabela 2 os escores anuais do NRCA para o Brasil, para o grupo de principais exportadores e para os restantes países do mundo (RM). As propriedades de comparabilidade do NRCA entre os países e o tempo constituem a característica fundamental da aplicação deste índice. A dimensão do resultado pode ser utilizada na realização de comparações entre as vantagens comparativas dos países, enquanto a sua evolução reflete mudanças na competitividade ao longo do tempo.

Tabela 1
- Valores das exportações anuais para os países e grupos de referência trabalhados, reportados em milhões de dólares americanos (US$)
Tabela 2
- Índice NRCA do grupo de principais países exportadores de carne bovina para o mercado internacional, 1998-2017

Os escores médios encontrados para o período sob análise demonstram que todos os países registaram pontuações positivas, o que sugere que, no balanço, todos apresentaram vantagem comparativa na produção de carne bovina, com exceção dos RM, que registaram um resultado negativo. Dado que os RM não incluem os exportadores com melhor posição no ranking dentro do período (EUA, Austrália, Brasil e Índia), nem os importantes players (Argentina, Paraguai e Uruguai), era de esperar o cenário obtido.

Ao avaliar os resultados anuais, torna-se evidente que o Brasil conseguiu tornar-se mais competitivo durante a série, com desvantagem reportada apenas em 1998. Austrália, Índia, Paraguai e Uruguai apresentaram vantagem comparativa durante cada um dos anos relatados, enquanto a Argentina e os EUA exibiram pontuações negativas em quatro (2001, 2012, 2013 e 2015) e sete (2004 a 2010) anos respetivamente. Os escores do grupo RM foram negativos para todos os anos. Outro ponto de destaque é que, de maneira consistente com as propriedades de soma zero impostas pelo NRCA, o somatório dos escores de cada país e RM para cada ano é zero.

De maneira a fornecer mais informações, a Figura 1 exibe o desenvolvimento da vantagem comparativa no grupo dos principais exportadores de carne bovina entre 1998 e 2017, enquanto a Tabela 3 apresenta as estatísticas descritivas do NRCA calculado.

Figura 1
- NRCA do grupo de principais países exportadores de carne bovina para o mercado internacional, 1998-2017
Tabela 3
- Estatísticas descritivas do NRCA calculado para o grupo de principais concorrentes

Como fica evidente, a Austrália foi o país mais competitivo ao longo da série, assumindo a posição de líder em cada um dos anos. Em média, os escores de NRCA para este país foram de 29,27, valor que é cerca de duas vezes superior ao apresentado pelo Brasil, que exibe o segundo melhor resultado médio para o período. Ao ponderar as diferenças entre os escores da Austrália e dos outros países investigados, a menor diferença em relação à Índia é encontrada em 2013 (7,04), o que, em outras palavras, significa que este foi o ano em que a Austrália esteve mais perto de perder a posição de líder. A maior amplitude é encontrada em 2004, para os EUA (54,55).

Em relação ao Brasil, a menor diferença (7,79) ocorre no ano de 2008, situação que apenas demonstra a concreta liderança australiana como o exportador de carne bovina mais competitivo. Procópio et al. (2011)Procópio, D. P., Coronel, D. A., & Lírio, V. S. (2011). Competitividade do mercado internacional de carne bovina: Uma análise dos mercados brasileiro e australiano. Revista de Política Agrícola, 20(2), 40-51. argumentam que tal resultado é fruto de uma otimização estratégica do sistema de produção implementado pelo governo australiano na década de 1990, que ao constatar a existência de crises sanitárias internacionais, investiu em ferramentas como a rastreabilidade e a certificação. A instauração destes instrumentos possibilitou o aumento das oportunidades de acesso a mercados de exportação, a garantia da segurança alimentar e da rastreabilidade de doenças animais, o aumento da eficiência da cadeia de suprimentos, a racionalização dos processos governamentais e a melhora da rentabilidade do setor. Para além do National Livestock Identification System (NLIS), que é um dos sistemas de rastreabilidade animal mais avançados do mundo, os bovinos são também vendidos com um documento de porte que fornece informações sobre as dietas, riscos e segurança da propriedade onde os animais são criados (Schroeder & Tonsor, 2012Schroeder, T. C., & Tonsor, G. T. (2012). International cattle ID and traceability: Competitive implications for the US. Food Policy, 37(1), 31-40.). Estas características possibilitaram que o país se tornasse referência na produção e exportação de carne bovina, conseguindo consideráveis retornos principalmente por atender, em termos de qualidade, às exigências do mercado mundial, sendo esta uma das mais importantes indústrias exportadoras nacionais.

Os demais países apresentaram uma dinâmica do NRCA distinta, experimentando mudanças substanciais ao longo da série. O fenómeno mais notável é o significativo progresso dos escores do Brasil e da Índia no decorrer dos vinte anos investigados, com suas melhores pontuações exibidas respetivamente em 2006 (22,23) e 2014 (20,54). Nota-se ainda que, apesar de em 2017 estes países estarem bem posicionados no ranking, encontravam-se atrás apenas da Austrália, sendo que, em 1998, ambos foram os dois piores competidores, com escores de -2,38 para o Brasil e 0,23 para a Índia.

De acordo com Jank et al. (2005)Jank, M. S., Nassar, A. M., & Tachinardi, M. H. (2005). Agronegócio e comércio exterior brasileiro. Revista USP, 64, 14-27., no caso do Brasil, destacam-se a existência de vantagens comparativas derivadas das amplas dimensões de terras, condições climáticas favoráveis, constantes ganhos de eficiência e qualidade e produção maioritariamente realizada em sistema de pastagens, o que contribui para que o custo produtivo seja comparativamente mais baixo que o dos demais concorrentes. O processo de forte desvalorização cambial no final da década de 1990, aliado aos fatores já citados, foram conjuntamente responsáveis por impulsionar a competitividade das exportações brasileiras no cenário mundial (Jank et al., 2005Jank, M. S., Nassar, A. M., & Tachinardi, M. H. (2005). Agronegócio e comércio exterior brasileiro. Revista USP, 64, 14-27.; Neto, 2018Neto, O. A. (2018). O Brasil no mercado mundial de carne bovina: análise da competitividade da produção e da logística de exportação brasileira. Ateliê Geográfico, 12(2), 183-204.). A dinâmica apresentada pela Índia pauta-se por um impulso de autossuficiência fomentado por uma política de substituição de importações, sendo esta desencadeada por um processo de liberalização da economia no mesmo período. Para além destes fatores, a baixa demanda interna, devido a fatores socioculturais e religiosos, e o aumento da produção e da produtividade são fatores determinantes que proporcionaram o surgimento de amplas oportunidades de mercado para o setor pecuário indiano, sobretudo na carne de búfalos (Kumar, 2010Kumar, A. (2010). Exports of livestock products from India: Performance, Competitiveness and Determinants. Agricultural Economics Research Review, 23(1), 57-67.).

Um terceiro ponto de evidência é a intensa perda de competitividade sofrida pelos EUA no ano de 2004, exibindo o menor valor encontrado entre os países investigados (-17,94), muito inferior aos 17,70 reportados no ano anterior. Verifica-se com isto que o NRCA retratou a perda de mercado e queda das exportações ocorrida em consequência do surgimento de casos de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) como uma forte perda de competitividade, com o mesmo podendo ser visto para a crise de confiança apresenta pela Argentina, em 2001. Destaca-se também a contínua e sólida recuperação exibida pelos EUA após a quebra de 2004, permitindo que o país chegasse ao final do período posicionado em quarto lugar do ranking, com uma pontuação de 10,22.

Relativamente ao subgrupo de países sul-americanos, com exceção da Argentina, que flutuou com frequência entre valores positivos e negativos, o Paraguai e a Uruguai mantiveram-se de certa maneira constantes (exibem respetivamente os menores valores de desvio padrão, 2,06 e 1,46). Ainda sobre estes países, quando confrontados os seus resultados internamente, nota-se que o Brasil passa da posição de pior competidor no mercado internacional para, já em 2001, assumir de maneira consistente a posição de líder regional. Enquanto, em 1998, a competitividade em relação ao líder Uruguai era cerca de 4 vezes menor, em 2017 a vantagem brasileira torna-se mais do que duas vezes superior à exibida por este país, sendo também 7,5 vezes maior que a da Argentina e 2,7 vezes maior que a do Paraguai. Em média, o Brasil é cerca de cinco vezes mais competitivo que a Argentina, três vezes mais que o Paraguai e aproximadamente duas vezes mais que o Uruguai, entre 1998 e 2017.

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Partindo de uma avaliação ampla dos resultados encontrados, é possível concluir que o Brasil configura-se como um grande competidor no setor da carne bovina em nível internacional, estando, na maior parte dos anos, posicionado entre os três mais competitivos exportadores da commodity em análise. Todavia, apesar de apresentar um resultado positivo no balanço dos vinte anos estudados, verifica-se que a evolução de sua vantagem comparativa não foi constantemente ascendente, apresentando perda de escore em determinados anos.

O setor da carne bovina do Brasil experimentou um considerável ganho de força na sua vantagem comparativa entre 1998 e 2006, após o que, até 2011, com exceção de 2010, viu a sua vantagem enfraquecer. Os anos que se seguem deste ponto até 2017 fazem notar uma nova dinâmica de elevação e queda, porém, mais suave, de maneira que o valor reportado em 2016 não atinge o escore encontrado em 2011. É possível afirmar que a vantagem comparativa brasileira elevou-se com um fator superior a 10 (934%) entre 1998 e a máxima da série obtida em 2006, diminuindo logo após, até 2011, o valor de 407% (Tabela 2). De 2011 a 2017, os escores voltaram a crescer num total de 134%, resultado de uma elevação de 281% (2011 a 2014), uma queda de 197% (2014 a 2016) e um pequeno acréscimo obtido em 2017 (50%). Do balanço dos anos sob análise, resultou um crescimento total de 661%.

É verdade também que, desde a máxima de 2006 (22,23), a competitividade brasileira não voltou a atingir tal patamar (Tabela 2). O escore de 2014 (19,23), melhor resultado do período pós-2006, alcança apenas o valor similar exibido em meados de 2005. O resultado de 2011 (12,55), valor mínimo alcançado pós-2006, equipara-se aos resultados alcançados no ano de 2004.

Deste modo, conclui-se que a carne bovina brasileira desfrutou de uma notável elevação de competitividade entre 1998 e 2006, a qual, desta data até 2017 mostrou-se em trajetória descente, experimentando, porém, variações alternadas de elevação e queda, concluindo o período investigado com uma considerável elevação.

Os escores de NRCA encontrados para o período de 1998 a 2006 reportam um cenário de elevação da competitividade. Jank et al. (2005)Jank, M. S., Nassar, A. M., & Tachinardi, M. H. (2005). Agronegócio e comércio exterior brasileiro. Revista USP, 64, 14-27. afirmam que o ano de 1999 marca o ponto onde a ascensão do agronegócio brasileiro teve o seu momento de inflexão, pautado por fatores como ganhos de eficiência (produtividade e exploração de economias de escala), desvalorização cambial e elevação da demanda externa, impulsionando a partir daí as exportações de commodities agrícolas e, em especial, as de carne bovina in natura. Esta situação é capturada pelo NRCA (Tabela 2), sendo este ano o primeiro em que o Brasil apresenta escore positivo (-2,38 em 1998 e 0,24 em 1999).

Também Seleka & Kebakile (2017)Seleka, T. B., & Kebakile, P. G. (2017). Export competitiveness of Botswana’s beef industry. The International Trade Journal, 31(1), 76-101. e Souza et al. (2012)Souza, R., Wander, A. E., Cunha, C. A., & Medeiros, J. A. V. (2012). Competitividade dos principais produtos agropecuários do Brasil: vantagem comparativa revelada normalizada. Revista de Política Agrícola, 21(1), 64-71., utilizando o NRCA, indicam a posição mais competitiva do Brasil ao nível nas exportações da carne bovina, entre o final do século XX e o início do século XXI. Já Dill et al. (2013)Dill, M. D., Corte, V. F. D., Barcellos, J. O. J., Canozzi, M. E. A., & Oliveira, T. E. (2013). Comparative analysis of the competitiveness of Brazil and the USA in the international beef market. Revista Ceres, 60(6), 765-771., utilizando outra métrica, encontraram resultado semelhante e referem que, a partir de 1998, o Brasil iniciou uma fase de crescimento das exportações de carne bovina para o mercado internacional, contribuindo para a melhoria da competitividade no ano de 1999.

Tais valores são corroborados pelo crescimento das exportações brasileiras, entre 1998 e 2006, dos vários produtos de carne bovina (Tabela 4). Note-se, por exemplo, o crescimento da carne bovina in natura exportada em 1497% em termos de volume embarcado (1.210.081 e 80.850 toneladas, respetivamente) e 1839% em valor (276.595 e 5.085.896 mil US$, respetivamente).

Tabela 4
- Estatísticas sobre as exportações brasileira do setor da carne bovina, decomposto por produtos, em anos selecionados

O Brasil é um país que apresenta vantagens comparativas para a produção de carnes bovina, principalmente devido à capacidade de seu sistema em converter a proteína vegetal em animal, em condições climáticas favoráveis e com grande disponibilidade de terras (Olivo, 2007Olivo, N. (2007). Mercado mundial de carnes (37a ed.), Criciúma: Ed. do Autor.). A produção de carne bovina é realizada principalmente em sistema de pastagens (90%), podendo o animal ser conduzido para o confinamento na fase final do ciclo produtivo, sendo terminado em sistema intensivo. A caracterização do animal brasileiro como “boi verde”, devido ao elevado percentual de animais criados em sistema extensivo de pastagem, incide diretamente na diminuição dos custos de produção tanto na fase de criação quanto na engorda do gado (Neto, 2018Neto, O. A. (2018). O Brasil no mercado mundial de carne bovina: análise da competitividade da produção e da logística de exportação brasileira. Ateliê Geográfico, 12(2), 183-204.).

Porém, questões sanitárias e suas implicações, particularmente relacionadas com a febre aftosa, têm condicionado o desenvolvimento da pecuária brasileira no seu máximo potencial (Buainain & Batalha, 2007Buainain, A. M., & Batalha, M. O. (2007). Cadeia Produtiva de Carne Bovina (Vol. 8). Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Secretaria de Política Agrícola, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura.). Neste âmbito, Dill et al. (2013)Dill, M. D., Corte, V. F. D., Barcellos, J. O. J., Canozzi, M. E. A., & Oliveira, T. E. (2013). Comparative analysis of the competitiveness of Brazil and the USA in the international beef market. Revista Ceres, 60(6), 765-771. constataram que o reaparecimento da doença no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, estados que visavam adquirir a certificação de zona livre de febre aftosa sem vacinação, podem estar na origem da perda de competitividade reportada a 2002. Milhares de animais foram sacrificados para controlar a disseminação da doença, implicando a paralisação das exportações de carne e derivados para o Chile, Arábia Saudita, Rússia e países da União Europeia. Apesar destes casos terem ocorrido de maneira isolada, Machado et al. (2007)Machado, T., Ilha, A., & Rubin, L. (2007). Competitividade da carne bovina brasileira no comércio internacional (1994-2002). Brazilian Journal of Latin American Studies, 6(10), 87-101. argumentam que eles foram prejudiciais para a competitividade das exportações de carne bovina brasileira.

No período compreendido entre 2002 e 2006, o Brasil teve um aumento expressivo da sua competitividade, favorecido pelo cenário mundial. Polaquini et al. (2006)Polaquini, L. E. M., Souza, J. G. d., & Gebara, J. J. (2006). Transformações técnico-podutivas e comerciais na pecuária de corte brasileira a partir da década de 90. Revista Brasileira de Zootecnia, 35(1), 321-327. afirmam que o cenário favorável para as exportações de carne bovina do Brasil emergiu neste período devido a alguns acontecimentos. São de referir, nomeadamente, (1) a implementação de sistemas de controlo de carne produzida no país com intenção de atender às exigências dos mercados externos; (2) a expansão de áreas declaradas livres de febre aftosa; (3) as sucessivas crises de abastecimento mundial provocadas pelo aparecimento de surtos de EEB; e (4) as crises económicas e sanitárias na Argentina, decorrentes do surgimento de casos de febre aftosa, situação que favoreceu a abertura de novos mercados para a carne bovina brasileira. A este conjunto de fatores, Tirado et al. (2008)Tirado, G., Costa, S. J., Carvalho, J. M., & Thomé, K. M. (2008, julho 20-23). Cadeia produtiva da carne bovina no Brasil: um estudo dos principais fatores que influenciam as exportações. Anais, Congresso da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural – SOBER. Rio Branco, AC: SOBER. acrescentam a melhoria da qualidade e a precocidade do rebanho brasileiro; o crescimento da demanda de mercados como o da Rússia, do Oriente Médio e a Europa Oriental; e o baixo custo de produção em relação aos principais concorrentes.

A situação é corroborada no trabalho recente de Neto (2018)Neto, O. A. (2018). O Brasil no mercado mundial de carne bovina: análise da competitividade da produção e da logística de exportação brasileira. Ateliê Geográfico, 12(2), 183-204. que refere o notável crescimento das exportações por questões relacionadas com o aprimoramento da sanidade animal do rebanho, aumento da capacidade de produção e a novos acordos comerciais.

Aproveitando este macrocenário, em 2004 o Brasil supera as remessas exportadas pelos demais concorrentes e atinge a liderança das exportações em termos de volume. De acordo com a Figura 2, esta situação manteve-se até 2010, quando então a posição de líder passou a ser alternada entre o Brasil, a Austrália e a Índia.

Figura 2
– Evolução das exportações totais de carne bovina de países selecionados em mil Toneladas equivalente carcaça (TEC), entre 1998 e 2017.

O ápice das exportações é reportado em 2007, situação que não é capturada pelo NRCA, que apresenta queda da competitividade neste ano. Considerando que o índice representa a participação de um país no mercado mundial de um produto, e que para que competitividade de algum concorrente aumente outros precisam perdê-la, é possível concluir que esta queda está relacionada com a elevação da competitividade de outros países e não com a diminuição da condição brasileira. Pela Tabela 2, verifica-se que os EUA (-10,60, em 2006, e -7,36, em 2007), assim como RM (-67,53, em 2006, e -59,52, em 2007) conseguiram melhorar os seus escores de maneira notável, o que necessariamente implicou perdas por parte dos demais exportadores. O mesmo resultado foi encontrado por Souza et al. (2012)Souza, R., Wander, A. E., Cunha, C. A., & Medeiros, J. A. V. (2012). Competitividade dos principais produtos agropecuários do Brasil: vantagem comparativa revelada normalizada. Revista de Política Agrícola, 21(1), 64-71., que reporta diminuição de escore do NRCA para a carne bovina no ano de 2007, relativamente a 2006.

Para o período de 2007 a 2017, os resultados do NRCA encontrados na Tabela 2 constituem um cenário de diminuição da competitividade das exportações brasileiras. Representam o efeito da involução do volume de carne bovina in natura exportado que passou de 1.285.807 toneladas métricas, em 2007, para 1.210.081, em 2017, com o menor valor encontrado em 2011 (820.239 toneladas métricas, Tabela 4).

Apesar de liderar as exportações em termos de volume entre 2004 e 2010, o Brasil a partir de 2007 intensificou um processo de queda da competitividade, até o ano de 2011. Vicensotti et al. (2019)Vicensotti, J. M., Montebello, A. E. S., & Marjotta-Maistro, M. C. (2019). Competitividade brasileira no comércio exterior da carne bovina. Revista IPecege, 5(1), 7-18. mostram que os principais entraves que influenciaram o desempenho competitivo do Brasil a partir daquela data foram a forte retomada de mercado por parte dos EUA, a dependência de poucos mercados e a valorização da cotação do real no período. Os autores acrescentam ainda que, a partir de 2008, houve uma redução da demanda por parte de importantes parceiros em função da crise financeira internacional. Em particular, a imposição de barreiras à carne brasileira por parte da União Europeia, como consequência dos surtos de aftosa ocorrida nos anos anteriores, foi fator determinante para a queda da competitividade do Brasil pós 2007 (Carvalho & De Zen, 2017Carvalho, T. B., & De Zen, S. (2017). A cadeia de Pecuária de Corte no Brasil: evolução e tendências. Revista IPecege, 3(1), 85-99.). Neto (2018)Neto, O. A. (2018). O Brasil no mercado mundial de carne bovina: análise da competitividade da produção e da logística de exportação brasileira. Ateliê Geográfico, 12(2), 183-204. corrobora os fatores apontados e afirma que os anos de 2008 a 2011 são marcados por problemas relacionados com a diminuição no comércio exterior de carne bovina, decorrência direta dos problemas financeiros enfrentados pelos principais importadores, além de embargos temporários ao produto brasileiro no ano de 2008. O NRCA (Tabela 2) captura bem esta dinâmica, sinalizando uma forte queda da competitividade entre os anos citados (20,56, em 2007, e 12,55, em 2011).

A diminuição de demanda por parte da União Europeia foi amenizada pelo ganho de mercado de países como a Venezuela, e alguns do Oriente Médio, como Egito e Irão, que passaram a adquirir boa parte do excedente brasileiro. Destaca-se ainda que, em 2011, ano em que se encontra o maior decréscimo das exportações para o período avaliado, o serviço sanitário da Rússia, principal país comprador de carne bovina do Brasil, suspendeu parte das importações de carne brasileira (Florindo et al., 2014Florindo, T. J., Medeiros, G. I. B., Costa, J. S., & Ruviaro, C. F. (2014). Competitividade dos principais países exportadores de carne bovina no período de 2002 a 2013. Revista de economia e agronegócio, 12(1, 2, 3), 72-90.). A partir de 2011, os escores encontrados evoluem de maneira inconstante.

Resultados muito semelhantes são encontrado no trabalho de Seleka & Kebakile (2017)Seleka, T. B., & Kebakile, P. G. (2017). Export competitiveness of Botswana’s beef industry. The International Trade Journal, 31(1), 76-101., que apresentam um desenho gráfico próximo obtido para os escores do NRCA do Brasil (Figura 1). Vicensotti et al. (2019)Vicensotti, J. M., Montebello, A. E. S., & Marjotta-Maistro, M. C. (2019). Competitividade brasileira no comércio exterior da carne bovina. Revista IPecege, 5(1), 7-18. argumentam que as oscilações positivas após 2011 são decorrentes da recuperação do mercado após a crise do subprime, enquanto as variações negativas encontradas entre 2014 e 2016 podem ser explicadas pelo declínio do consumo mundial de carnes neste período. Esta situação que acarretou a redução da oferta de animais para abate foi também relacionada pelo autor com a diminuição da competitividade pelo aumento dos custos e a questões logísticas.

4. CONCLUSÕES

Partindo de uma avaliação ampla dos resultados encontrados, é possível concluir que o Brasil se configura como um grande competidor no setor da carne bovina em nível internacional, estando, na maior parte dos anos, posicionado entre os três mais competitivos exportadores da commodity referida. Apesar de apresentar consistente resultado positivo no balanço dos vinte anos analisados, verifica-se também que a evolução de sua vantagem comparativa não foi constantemente ascendente, apresentando perda de escore em determinados anos.

A aplicação do NRCA apresentou de maneira satisfatória o desenvolvimento do cenário internacional da competitividade neste mercado, revelando a dinâmica de elevação e queda dos principais países exportadores. Crises sanitárias, como os casos de EEB nos EUA, ou a Febre Aftosa nos países sul-americanos, foram reportados pelo índice, podendo ser um dos principais fatores que incidem sobre a competitividade. Contudo, o NRCA não permitiu perceber os determinantes específicos do desempenho competitivo, sendo esta uma limitação da aplicação deste índice e que se sugere como temática a prosseguir em estudos futuros.

Os resultados obtidos são suficientes para fundamentar a indicação de que o Brasil deve manter investimentos substanciais no controle de doenças bovinas, como as descritas, aumentando a qualidade do produto exportado, de maneira a ampliar a competitividade a partir do acréscimo de mercado importador. A expectativa é que a demanda mundial por carne bovina aumente nas próximas décadas, e o Brasil, caso continue sua notável trajetória de investimentos em genética animal e tecnologias de produção, consolide sua posição como o principal fornecedor internacional. É fundamental, porém, que problemas de cariz sanitário não afetem sua promissora posição e a confiabilidade do consumidor na carne bovina brasileira, atendendo assim aos padrões de qualidade requeridos pelos mercados mais exigentes.

  • Como citar: Rodrigues, L. M. S. & Marta-Costa, A. A. (2021). Competitividade das exportações de carne bovina do Brasil: uma análise das vantagens comparativas. Revista de Economia e Sociologia Rural, 59(1), e238883. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2021.238883
  • Classificação JEL: Q02, Q170.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2019
  • Aceito
    19 Maio 2020
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