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Violações de direitos humanos, lei e memória coletiva

Human rights violations, law and collective memory

Resumos

Respostas institucionais a violações maciças dos direitos humanos e do direito humanitário podem afetar os registros de direitos humanos futuros, pois, entre outras implicações, contribuem para aviventar a memória coletiva referente aos capítulos sombrios da história de uma nação. Este artigo explora, primeiramente, as idéias teóricas concernentes ao impacto que respostas legais podem ter sobre a memória coletiva e o trauma cultural. Em seguida, procede a um exame das formas de mensuração empírica dos efeitos de processos jurídicos sobre a memória coletiva, discriminando sistematicamente os passos seguidos em estudos recentes acerca da memória coletiva de atrocidades, tomando como exemplos as guerras do Vietnã e dos Bálcãs enquanto reportadas pelo New York Times e em livros de história dos Estados Unidos. Alguns dos resultados desses estudos são relatados, indicando os efeitos condicionais e seletivos de processos criminais incidentes sobre a memória coletiva. Por fim, são elaboradas conclusões visando a pesquisas futuras na América Latina e alhures.

Direitos humanos; Atrocidades; Crimes de guerra; Genocídio; Tribunais; Memória coletiva


Institutional responses to gross violations of human rights and humanitarian law may affect future human rights records, partly by contributing to the collective memory of the dark chapters in a nation's history. This article begins with an exploration of various theoretical ideas concerning the impact of legal responses on collective memory and cultural trauma. It examines ways of empirically measuring the effects of law trials on collective memory, systematically analyzing the procedures adopted in recent studies into the collective memory of atrocities. Here it takes as examples the Vietnam and Balkan wars as reported in the New York Times and described in textbooks on the History of the United States. Some of the findings from these studies are explored, indicating the conditional and selective effects of criminal trials on collective memory. Finally, the article draws some conclusions for future research in Latin America and elsewhere.

Human Rights; Atrocities; War Crimes; Genocide; Tribunals; Collective Memory


DOSSIÊ - SOCIOLOGIA DO JUDICIÁRIO

Violações de direitos humanos, lei e memória coletiva* * Este artigo baseia-se em uma aula dada no Núcleo de Estudos da Violência, na Universidade de São Paulo, no dia 6 de junho de 2007. Gostaria de registrar a colaboração dos assistentes de pesquisa Yu-Ju Chien, Courtney R. Faue e Rajiv Evan Rajan. A elaboração deste ensaio deu-se no âmbito de uma bolsa de pesquisa junto ao Instituto de Estudos Avançados, na Universidade de Minnesota. Os comentários a esse artigo podem ser dirigidos ao autor no seguinte endereço: Department of Sociology, 909 Social Sciences, University of Minnesota, USA – Minneapolis, MN 55455. E-mail: savelsbg@atlas.socsci.umn.edu.

Human rights violations, law and collective memory

Joachim J. Savelsberg

RESUMO

Respostas institucionais a violações maciças dos direitos humanos e do direito humanitário podem afetar os registros de direitos humanos futuros, pois, entre outras implicações, contribuem para aviventar a memória coletiva referente aos capítulos sombrios da história de uma nação. Este artigo explora, primeiramente, as idéias teóricas concernentes ao impacto que respostas legais podem ter sobre a memória coletiva e o trauma cultural. Em seguida, procede a um exame das formas de mensuração empírica dos efeitos de processos jurídicos sobre a memória coletiva, discriminando sistematicamente os passos seguidos em estudos recentes acerca da memória coletiva de atrocidades, tomando como exemplos as guerras do Vietnã e dos Bálcãs enquanto reportadas pelo New York Times e em livros de história dos Estados Unidos. Alguns dos resultados desses estudos são relatados, indicando os efeitos condicionais e seletivos de processos criminais incidentes sobre a memória coletiva. Por fim, são elaboradas conclusões visando a pesquisas futuras na América Latina e alhures.

Palavras-chave: Direitos humanos; Atrocidades; Crimes de guerra; Genocídio; Tribunais; Memória coletiva.

ABSTRACT

Institutional responses to gross violations of human rights and humanitarian law may affect future human rights records, partly by contributing to the collective memory of the dark chapters in a nation's history. This article begins with an exploration of various theoretical ideas concerning the impact of legal responses on collective memory and cultural trauma. It examines ways of empirically measuring the effects of law trials on collective memory, systematically analyzing the procedures adopted in recent studies into the collective memory of atrocities. Here it takes as examples the Vietnam and Balkan wars as reported in the New York Times and described in textbooks on the History of the United States. Some of the findings from these studies are explored, indicating the conditional and selective effects of criminal trials on collective memory. Finally, the article draws some conclusions for future research in Latin America and elsewhere.

Keywords: Human Rights; Atrocities; War Crimes; Genocide; Tribunals; Collective Memory.

Introdução: respostas a violações de direitos humanos

As respostas a violações maciças dos direitos humanos e de leis humanitárias variam através do tempo e do espaço. Elas incluem processos criminais, "leis de depuração", apologias públicas, programas de compensação e "comissões da verdaOOde". Todas essas respostas têm crescido ao longo das duas últimas décadas. Processos criminais desenrolam-se em cortes internacionais (sobre o Tribunal Criminal Internacional para a antiga Iugoslávia [ICTY], cf. Hagan, 2003), em cortes estrangeiras e domésticas (sobre a Argentina, cf. Nino, 1996). Contudo, enquanto alguns países perseguem estratégias judiciais com considerável intensidade, às vezes em combinação com outros tipos de respostas, outros não apresentam nenhuma reação. Alguns cultivaram o que se poderia chamar de "estado de negação" (Cohen, 2001).

De qualquer maneira, alguns estudiosos recomendam moderação no que diz respeito a essas estratégias, temendo que as transições entre sistemas ditatoriais e democracias – ou entre tempos de guerra e de paz – possam ser ameaçadas caso antigos governantes tenham de enfrentar investigação ou até mesmo procedimentos criminais na nova era (cf. Goldsmith e Krasner, 2003; Zalaquett, 1995). Como resultado, em alguns casos os processos criminais são preteridos em prol de soluções mais "leves" – a Comissão de Verdade e Reconciliação Sul-Africana é um exemplo disso: como os governantes do regime do Apartheid ainda se encontravam no poder, eles poderiam não colaborar na transição caso procedimentos criminais tivessem sido propostos. De acordo com outras concepções ainda mais extremas, foi a falta de qualquer resposta institucional na Espanha pós-fascista que assegurou a passagem para a democracia. Mas há oponentes a esse tipo de argumento, incluindo a proeminente cientista política Kathryn Sikkink, que reuniu um conjunto expressivo de dados sobre cerca de cem casos de regra de transição. Ao analisá-los, ela constata que as localidades que responderam a violações prévias dos direitos humanos com procedimentos criminais chegam à nova era com melhores registros de direitos humanos do que as que não o fizeram. Países que respondem com procedimentos judiciais e que criam adicionalmente comissões de verdade saem-se ainda melhor (cf. Sikkink e Booth Walling, 2007). Contudo, este artigo não tem o intuito esgotar essas questões. Se, de um lado, as estatísticas de Sikkink são inegavelmente expressivas, de outro, há que se levar em conta as contingências e as condições históricas, nacionais e regionais específicas. Para além dessa discussão, deve-se destacar que a busca por soluções apropriadas está em andamento. A história das atrocidades ao redor do mundo é antiga, mas a ciência capaz de estancar ciclos de ódio e violência é nova (cf. Minow, 2002; Meierhenrich, 2006).

No entanto, as descobertas empíricas de Sikkink acerca dos efeitos da justiça do período de transição levantam uma questão importante: nós ainda não entendemos suficientemente como os julgamentos (ou suas alternativas) afetam os registros posteriores concernentes aos direitos humanos ou à estabilidade da democracia. A "caixa-preta" que encadeia o processo causal entre as respostas institucionais às ofensas humanitárias aos direitos humanos, de um lado, e as resultantes futuras, de outro, ainda não foi aberta o suficiente para que se possa ver e entender claramente seu conteúdo. Neste artigo, minha preocupação concentra-se em um processo social que provavelmente desempenha um papel central nessa "caixa-preta": o modo pelo qual mecanismos jurídicos de transição, especialmente processos criminais, afetam a memória coletiva de violações passadas. Meu argumento é de que a natureza de tais memórias é fundamental: elas podem tomar uma determinada forma que motive futuras ofensas e, portanto, promova ciclos de ódio e violência, ou podem formar-se de tal maneira que inspire, ao contrário, respeito pelos direitos humanos e pelo humanitarismo. Com isso, não pretendo sustentar que a memória coletiva seja o único fator a ser estudado ao buscarmos entender os efeitos dos mecanismos jurídicos transicionais, mas afirmo que se trata de um fator crucial. Tal argumento é corroborado por nosso recente trabalho comparativo acerca dos modos pelos quais as memórias coletivas do ódio e das atrocidades na Alemanha e nos Estados Unidos afetam a forma e o cumprimento da lei do crime de ódio (cf. Savelsberg e King, 2005; sobre o cumprimento desigual da lei do crime de ódio nos Estados Unidos, cf. King, 2005).

A seguir, faço uma breve revisão de uma literatura selecionada sobre memória coletiva e trauma cultural, bem como sobre o papel que a lei pode desempenhar na construção da memória coletiva. A seção subseqüente fornece um resumo de dois exemplos de minha pesquisa atual, a fim de ilustrar como o efeito dos procedimentos legais incidente sobre a memória coletiva pode ser acessado empiricamente. Ao final, esboço algumas conclusões e sugiro modos pelos quais a agenda acadêmica pode ser desenvolvida por pesquisadores no sentido de reforçar lutas contra abusos dos direitos humanos e estabilizar a democracia.

Memória coletiva e trauma cultural

Não compartilhamos as assunções epistemológicas pós-modernas segundo as quais a realidade social não é nada além de texto; ao contrário, aceitamos que a vida social é experimentada por atores sociais, suas mentes e seus corpos. Eles sentem felicidade e tristeza, bem-estar e dor profunda, vida, nascimento e morte das pessoas ao seu redor. Entretanto, a experiência vivida é sempre mediada antes de ser conhecida, e isso é particularmente verdadeiro para experiências passadas, das quais os atores nem mesmo podem ter participado, mas que pensam conhecer bem. O sociólogo durkheimiano francês Maurice Halbwachs propôs o termo "memória coletiva" na década de 1920, o qual, na sua concepção, aglutinava os rituais e os símbolos, bem como a biografia e a historiografia, por meio dos quais lembramos o passado (cf. Coser, 1992, pp. 2-3). Halbwachs (1992) enfatizou a orientação presentista da memória coletiva, argumentando que ela é moldada pelos interesses dos atores contemporâneos. Recentes trabalhos empíricos confirmaram em parte essas idéias. Gary Fine, por exemplo, mostra como a reputação de atores históricos, inclusive presidentes norte-americanos, não reflete necessariamente seus feitos. Ao contrário, elas são largamente determinadas pela sobrevivência de "empreendedores de reputações", ex-subordinados que agora ocupam posições influentes e têm interesse em cultivar o renome de seus antigos chefes (cf. Fine, 2001). Outros desafiam a idéia de que a memória seja completamente adaptável aos interesses atuais (cf. Schwartz, 1982): para estes, os atores moldam a memória, sim, freqüentemente de acordo com seus interesses; mas, ao fazê-lo, são constrangidos pelas memórias passadas (cf. Olick e Levy, 1997; Olick, 1999, 2005) e, podemos ainda acrescentar, pelas instituições geradas por essas memórias (cf. Savelsberg e King, 2005).

Esses temas são igualmente relevantes para discutirmos a memória coletiva de atos hediondos, para os quais o sociólogo Jeffrey Alexander, de Yale, e seus colaboradores, em um projeto coletivo que durou um ano, exploraram o conceito de "trauma cultural" (cf. Alexander et al., 2004). Esses estudiosos aplicaram o conceito a eventos tão diversos quanto o Holocausto (Alexander e, da perspectiva do povo perpetrador, Bernhard Giesen), a era pós-comunista no Leste europeu (Piotr Stompka), o legado da escravidão nos Estados Unidos (Ron Eyerman) e os ataques de 11 de setembro (Neil Smelser). O sociólogo e psiquiatra Neil Smelser, de Berkeley, define trauma cultural da seguinte maneira:

[...] a memória aceita e publicamente acreditada por um grupo de pertencimento relevante, evocando um evento ou situação que seja: a) carregado de afeto negativo; b) representado como indelével; c) visto como ameaçador à existência da sociedade ou violador de um ou mais de seus pressupostos culturais (2004, p. 44).

As tentativas de explicar a geração de trauma cultural refletem vários dos conceitos e idéias que encontramos na literatura da memória coletiva. Alexander (2004) entende a construção do trauma cultural como um processo constituído de vários elementos: reivindicações por parte dos representantes; grupos portadores do processo traumático (com interesses materiais e ideais); atos discursivos, nos quais esses grupos dirigem-se a uma audiência em uma situação específica, buscando projetar a reivindicação de trauma sobre ela; classificações culturais referentes à natureza da dor, à natureza da vítima, à relação da vítima de trauma com uma audiência mais ampla e à atribuição da responsabilidade. É por meio de tais instâncias que a tragédia de Maurice Halbwachs, por exemplo, está sendo preparada como memória coletiva. Depois de protestar contra o assassinato de seus sogros judeus – Victor Basch e sua esposa – pela milícia de Vichy ou pela Gestapo, o próprio Halbwacks acabou sendo preso e deportado para o campo de concentração de Buchenwald, às portas de Weimer, o berço do humanismo alemão 140 anos antes (cf. Coser, 1992, p. 6f). Os organizadores do memorial de Buchenwald (atores) dispuseram, em uma das salas de exposição, uma série de vitrines (atos discursivos) que exibe o destino dos prisioneiros, incluindo o de número 17.161, Maurice Halbwachs (classificação da vítima), o mesmo que forjara o conceito de memória coletiva e que acabara vítima das condições torturantes do campo (classificação do sofrimento), no início do ano de 1945, um pouco antes da liberação de Buchenwald pelas forças militares norte-americanas. Uma constante corrente de visitantes (audiência) passa por muitas dessas vitrines, e alguns param para compartilhar a memória da vida e morte de Maurice Halbwachs.

Lei criminal e construção da memória coletiva e do trauma cultural

Justificativas filosóficas para a punição criminal freqüentemente enfatizam o castigo justo, do ponto de vista iluminista de Immanuel Kant, ou a dissuasão, na perspectiva utilitária de Jeremy Bentham e Anselm von Feuerbach (cf. Savelsberg, 2002). A descoberta das condições sociais e psicológicas do crime motivou, no final do século XIX, a introdução de estratégias e justificativas terapêuticas ou de reabilitação. Mais tarde, foram incorporadas penas com objetivos restituitórios ou incapacitantes. Há uma função, no entanto, que raramente é mencionada no discurso penológico; tão importante quanto subestimada, é nesta função que me concentrarei aqui: a contribuição dos processos criminais à memória coletiva.

O potencial da lei

A idéia não é nova, nem entre os intelectuais, nem entre os políticos. Tomemos, por exemplo, as idéias do presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, sobre o estabelecimento do Tribunal de Nuremberg. Ele exprimiu-as à luz dos desafios dos historiadores revisionistas diante do dogma da culpa alemã após a Primeira Guerra Mundial e das tendências isolacionistas correlatas presentes nos Estados Unidos:

Roosevelt sentiu que teria de lutar contra aquelas forças de isolamento e revisão enquanto guiava os Estados Unidos na guerra contra Hitler e empenhava-se em estabelecer a liderança do país sobre todo o mundo não comunista. O juiz Samuel Rosenman, confidente de Roosevelt [...] disse do seu líder: "Ele estava certo de que a questão da culpa de Hitler – bem como da culpa de seus gangsters – não deveria ser deixada em aberto para debate futuro. Todo esse tema nauseante deveria ser plenamente disseminado em um registro permanente sob o juramento das testemunhas e com todos os documentos escritos" (Landsman, 2006, p. 6).

Essas idéias de Roosevelt foram suplementadas pelo pensamento de Durkheim ([1893]** ** A data entre colchetes refere-se à edição original da obra e é indicada na primeira vez que a obra é citada. Nas demais, indica-se apenas a edição utilizada pelo autor (N. E.). 1984; [1912] 2001) acerca do valor ritual e da potencialidade da lei para a construção de uma consciência coletiva da nação, e, por extensão, de sua memória coletiva. Os durkheimianos contemporâneos também argumentam que os rituais legais são apropriados para evocar uma efervescência coletiva e para elevar a decisão da corte a um nível de discernimento que auxilia na consolidação da consciência coletiva e no fortalecimento da atenção às normas sociais e legais (cf. Garland, 1990; sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém, ver Arendt, 1963). Julgamentos ajudam o público a distinguir-se como bons cidadãos, em oposição aos bandidos, de ontem ou de hoje, condenados e sentenciados em corte criminal.

Na mesma linha, o antropólogo jurídico John Borneman (1997) interpreta os processos contra os representantes dos antigos regimes comunistas do Leste europeu como performances de sacrifício simbólico que servem para purificar ritualmente o centro e promover uma limpeza interna. O teórico jurista Mark Osiel (1997), por sua vez, também enfatiza a importância dos julgamentos como lugares nos quais emerge a "poética" da narração de histórias, com os advogados de defesa apresentando a história como uma tragédia e os promotores públicos como uma peça moral. O drama do tribunal é então remodelado "nos termos do 'teatro de idéias', onde amplas questões de memória coletiva ou mesmo de identidade nacional são elencadas" (Osiel, 1997, p. 3). Argumentos semelhantes são propostos também pelo jurista argentino Carlos Santiago Nino (1996), conselheiro do ex-presidente Alfonsín e forte proponente dos processos contra generais da Junta. Sustentando esses argumentos, e alinhado às expectativas de Roosevelt, o processo de Nuremberg contra os líderes nazistas decerto contribuiu para a escrita da história. A escrita da história e a construção da memória coletiva devem ser, portanto, apreciadas como funções potencialmente importantes para os processos criminais, para além de funções já comumente reconhecidas, como o castigo justo ou a dissuasão.

Constrangimentos legais

Contudo, instituições legais têm características específicas, com conseqüências para a verdade que expressam (vere dicere), para o conhecimento que produzem e para a memória coletiva para a qual contribuem. Essas características variam conforme o tipo de instituição legal considerado, tais como de direito civil versus de direito comum, de direito criminal versus de responsabilidade civil. Ademais, segundo a famosa tipologia de Max Weber (1976), elas também variam à medida que a lei transita pelas dimensões formal versus substantiva (isto é, aberta ou não a questões extralegais) e racional versus irracional (isto é, organizada ou não como um sistema de regras lógico e coerente). Não obstante essas variações, o direito moderno quase sempre deixa como herança um conjunto de características institucionais com conseqüências para o modo pelo qual se constrói a história nos procedimentos legais.

Esse argumento encontra sustentação no trabalho de Alexander (2004), que ressalta a importância da esfera institucional na qual o trauma cultural é construído. Cada tipo de instituição opera de acordo com seu próprio conjunto de regras, cada um deles com suas seletividades particulares. Histórias sobre o passado tendem a diferir caso sejam contadas por artistas, historiadores e políticos, ou por advogados. Recordemos as condições do trauma cultural segundo Alexander, expostas acima: elas envolvem atores, grupos afetados interessados, atos discursivos, classificação cultural das vítimas, dos perpetradores e dos danos, e audiências. Essas condições são atualizadas na arena da lei de modo particular. Alguns atores e grupos afetados têm maior acesso ao universo jurídico que outros, por exemplo, e talvez maior acesso à seara artística; pesquisas anteriores demonstram, por exemplo, que pessoas com experiência têm mais sucesso no jogo legal. Além disso, alguns atos discursivos são mais congruentes com a linguagem jurídica e algumas classificações estão mais alinhadas com as do mundo jurídico do que outras, compatíveis com o discurso político ou acadêmico.

A lógica particular do direito criminal é bastante distinta daquela que governa outras instituições. Em primeiro lugar, o direito criminal centra-se no comportamento dos indivíduos (cf. Coleman, 1990), enquanto outros modos de pensamento, tais como a sociologia, estão preocupados com padrões culturais e estruturas sociais mais amplos. Em segundo, somente são admissíveis ao discurso legal aqueles fatos que possam ser legalmente classificados – os historiadores podem considerar um escopo bem mais amplo de fatos quando constroem suas narrativas. Em terceiro lugar, o direito criminal caracteriza-se por uma lógica binária: os réus serão considerados ou culpados ou inocentes – psicólogos sociais, ao contrário, chegariam a avaliações mais complexas. Ademais, considerar alguns indivíduos culpados no tribunal acarreta o risco de eximir de culpa outros infratores ou espectadores (cf. Giesen, 2004). Finalmente, a lógica tradicional do direito criminal pretende a exclusão, enquanto o recurso da terapia, por exemplo, direciona-se à reintegração. Em suma, as narrativas construídas no âmbito da esfera legal diferem marcadamente daquelas elaboradas no contexto de outras instituições.

Mas o direito depara-se ainda com um constrangimento adicional: se, de um lado, seus procedimentos tendem a ser públicos, de outro, a audiência no tribunal tende a ser tipicamente restrita. O tribunal depende de mediadores como a mídia e os autores dos livros de história para conseguir atingir um público mais amplo. Como o demonstra a contundente análise de John Hagan acerca da construção do ICTY1 1 Sigla em inglês para Tribunal Criminal Internacional para a antiga Iugoslávia (N. T.). e seu campo legal transnacional correlato:

Até mesmo no contexto da Justiça de Nuremberg, Jackson necessitou das oportunidades apresentadas pelo contexto político único do pós-guerra, da direção e assistência de colegas talentosos e do cultivo de um corpo de imprensa inicialmente desengajado para desempenhar seu papel carismático na perseguição a Herman Goering e seus colegas nazistas [...]. Já na época de Ted Turner e da globalização das notícias por emissoras como CNN, pode-se dizer que a criação do carisma e suas conseqüências desempenham papéis ainda mais importantes na justiça criminal internacional (2003, p. 7).

A mídia e a indústria dos livros didáticos, entretanto, também são objetos de suas próprias e respectivas lógicas institucionais e conjuntos de gêneros. Isso implica que seus relatos dos procedimentos jurídicos sejam seletivamente selecionados e ajustados a seus próprios tipos de narrativa.

Finalmente, uma vez que tenhamos entendido as especificidades da construção da narrativa judicial, bem como as das mediações das narrativas legais realizadas pela mídia, pela indústria dos livros didáticos e por outras instituições, ainda restará a tarefa de aferir como essas mensagens interagem com o contexto cultural mais amplo das sociedades receptoras (cf. Feldman-Savelsberg et al., 2005), com as condições geracionais e outras condições específicas de grupo (cf. Weil, 1987; Schuman e Scott, 1989) e com as contingências históricas, antes que as memórias coletivas sejam formadas.

Desafios à pesquisa empírica

A intelectualidade ainda está longe de poder oferecer respostas claras às questões levantadas por esse complexo conjunto de condições. Para isso, quatro tarefas se impõem de imediato: primeiro, precisamos reconstruir as diversas narrativas sobre atrocidades e violações dos direitos humanos de acordo com sua constituição nas diferentes esferas institucionais; segundo, devemos examinar os modos pelos quais essas narrativas são difundidas por mediadores como mídia e livros didáticos utilizados em instituições educacionais; terceiro, precisamos entender como essas narrativas mediadas afetam a memória coletiva conforme vão se assentando nas mentes dos indivíduos da sociedade; por último, a pesquisa futura precisa prestar atenção a como exatamente os diferentes tipos de memórias coletivas de injustiças passadas afetam a ação futura de distintos grupos, seja incrementando, seja desestimulando, seja mesmo estancando ciclos de ódio e violência. Esses passos metodológicos compõem uma considerável agenda de pesquisa, a qual permanece ainda quase intocada.

Na seção seguinte, forneço dois exemplos de nossa própria pesquisa que tratam do modo pelo qual os aspectos desses processos complexos podem ser empiricamente investigados. Enfoco as duas primeiras questões já comentadas: a natureza das narrativas judiciais e sua difusão por meio da mídia e dos livros didáticos. Minhas expectativas são de que essas sugestões metodológicas possam servir de modelos para a pesquisa futura sobre o papel dos processos na formação da memória coletiva.

O ICTY e o New York Times

Alguns dos episódios mais chocantes concernentes a atrocidades e violações maciças dos direitos humanos e da lei humanitária tiveram lugar no contexto das guerras nos Bálcãs durante a década de 1990 e a primeira década do século XXI. Como é freqüente, essas violações foram cometidas no contexto de guerras, como a servo-croata, de 1991 a 1992, a guerra civil bósnia, de 1992 a 1995, sustentada em larga escala pela Sérvia, e por último a guerra de Kosovo, em 1999. Esses conflitos são particularmente interessantes para a pesquisa, uma vez que tiveram como respostas processos criminais levados a cabo pelo ICTY, um tribunal internacional em Haia, na Holanda. As atrocidades e o estabelecimento de um tribunal foram primorosamente descritos e analisados por John Hagan, da Northwestern University, sociólogo e ex-presidente da Sociedade Norte-Americana de Criminologia (cf. Hagan, 2003; Hagan e Levi, 2005). Hagan descreve o lento processo pelo qual esse tribunal foi ganhando força, até finalmente obter sucesso ao processar Slobodan Milosevic, o ex-presidente da Sérvia e Iugoslávia. Milosevic, é claro, morreu sob custódia, pouco depois de seu julgamento. Outros líderes sob suspeita ainda se encontram em liberdade.

De acordo com as questões discutidas anteriormente, estávamos interessados em analisar como as ações de Milosevic eram relatadas por um grande jornal como o New York Times, e como esse relato era informado pelos agentes do ICTY e de campos institucionais concorrentes (cf. Savelsberg, Faue, Chien, 2007). Estávamos especialmente interessados em organizar as declarações de acordo com a etapa dos procedimentos judiciais e a fonte da informação citada pelo jornalista. Algumas das declarações originavam-se do período em que as atrocidades já estavam ocorrendo a pleno vapor, mas eram anteriores ao funcionamento do tribunal. Segundo o jornalista, algumas das informações eram fornecidas por promotores ou investigadores do ICTY, outras por diplomatas envolvidos nas negociações. A seguir, descreverei resumidamente nossa metodologia, apresentarei alguns resultados e depois discorrerei sobre como esse tipo de pesquisa poderá ser mais desenvolvido ou aplicado em outros contextos.

Etapa 1 – Seleção do jornal. Selecionamos o New York Times por tratar-se, muito provavelmente, do jornal mais influente dos Estados Unidos. Muitos dos seus artigos são reproduzidos em jornais locais de todo o país. Presume-se, portanto, que esse órgão afete consideravelmente a formação da memória coletiva acerca dos eventos iugoslavos e a opinião pública, ao menos nos Estados Unidos.

Etapa 2 – A população e a amostra de artigos. Realizamos a identificação de todos os artigos publicados entre 1989 e 2006 nos quais o termo de busca "Milosevic" apareceu. Da lista total de artigos encontrados, selecionamos uma amostra de 154, na qual incluímos todos aqueles publicados nos meses de janeiro de cada ano, mais os relacionados a eventos específicos, tais como a extradição de Milosevic para a corte em Haia.

Etapa 3 – Análise de conteúdo. Fizemos uma análise de conteúdo de cada um desses artigos, codificando a informação pela data de publicação, pela extensão e pelo lugar ocupado no espaço do jornal, bem como pelos tipos de atrocidades relatadas.

Etapa 4 – Ações de Milosevic. Identificamos, nesses artigos, todas as declarações que relatavam ações de Slobodan Milosevic ou que eram a ele direcionadas. Codificamos um conjunto de 722 declarações para registrar a fonte da informação – e, quando citados, os tipos de ações reportadas e a caracterização de Milosevic em termos de títulos ou adjetivos utilizados.

Etapa 5 – Análise qualitativa. Reunimos todas as declarações sobre os atos de Milosevic de acordo com períodos particulares e/ou conforme tenham sido informadas por fontes específicas como diplomatas ou funcionários do ICTY. Dessa forma, criamos narrativas "puras", que mostram como Milosevic era descrito nas declarações – da fase judicial do processo em oposição à fase pré-judicial, por exemplo, ou em matérias para as quais o jornalista citava promotores ou diplomatas como fontes.

Etapa 6 – Análise quantitativa. Estabelecemos um conjunto de dados SPSS2 2 Statistical Package for the Social Sciences, um dos programas de análise estatística mais usado nas ciências sociais, desenvolvido pela Universidade de Chicago (N. T.). e analisamos a associação entre diversas variáveis cruciais sobre as quais reunimos informações.

Nossas descobertas confirmaram que as narrativas sobre Milosevic diferiam dramaticamente dependendo do período e das fontes de informação sobre suas ações considerados. Distinguimos quatro períodos: antes das guerras, durante as guerras, após o indiciamento de Milosevic pelo ICTY e após a sua extradição para a corte. As duas declarações a seguir refletem, primeiro, a representação das ações de Milosevic, conforme informadas por diplomatas, durante a guerra bósnia, mas anteriores ao seu indiciamento; segundo, uma representação bastante diferente, datada da fase pós-indiciamento, informada por funcionários da corte. Relembrando: nenhuma dessas declarações aparece em seqüência. Elas se encontram distribuídas pelos inúmeros artigos do New York Times, e foram selecionadas para construir narrativas institucionalmente "puras". A seguir, temos a narrativa composta por declarações sobre as ações de Milosevic espalhadas em diversos artigos do New York Times, para as quais os jornalistas citam diplomatas como fontes de informação.

Nos últimos estágios da guerra croata, Cyrus R. Vance, o enviado especial das Nações Unidas, informou ao repórter que Milosevic concordara formalmente em apoiar o plano de paz de Vance "caso as circunstâncias terrestres o permitissem". O governo também havia revertido a oposição inicial às forças de paz (1/1/1992). Um artigo do mesmo mês relata, com base em declarações de Lorde Carrington (presidente da Conferência de Paz da Comunidade Européia), que Milosevic expressara condolências pelas mortes de quatro observadores da paz italianos e um francês, atribuindo a responsabilidade das mesmas aos extremistas sérvios da Força Aérea Iugoslava. Milosevic, ademais, concordara com o plano de Carrington de aceitar os enclaves sérvios em territórios de outras repúblicas pela primeira vez, contanto que seus direitos de minoria fossem respeitados (10/1/1992).

Um ano mais tarde, Cyrus Vance foi citado por conta de um encontro seu com Milosevic, no qual este concordara em ajudar a acabar com a guerra na Bósnia e Herzegovina; foi reportado que Vance acrescentou que Milosevic havia feito o mesmo tipo de promessa cerca de um ano antes, durante a guerra entre sérvios e croatas. No mesmo artigo, participantes das negociações de paz de Belgrado são citados, ao relatarem que Milosevic pressionara o líder sérvio Radovan Karadzic para que aceitasse um plano de paz, e que ele, Milosevic em pessoa, assumira a posição de negar armas, munição, comida e eletricidade às forças bósnias. O próprio Milosevic também foi citado dizendo a Vance: "A paz é nosso interesse vital. Farei tudo o que estiver ao meu alcance" (7/1/1993). Além disso, Cyrus Vance reportou uma outra linha de conflito, ainda não configurada, entretanto, como guerra: que Milosevic "estava preparado para reabrir as escolas primárias para os albaneses, permitir melhorias em seu sistema de saúde e incrementar um censo independente". O senhor Vance e Lorde Owen relataram que a atitude de Milosevic havia deixado os co-presidentes otimistas. Eles buscariam incorporá-lo a conversas sobre o término da guerra bósnia (8/1/1993). Como se pode constatar na fala de Milosevic citada em um artigo de 1993: "Estamos aqui para apoiar a paz. Espero que todos os lados lancem mão dessa oportunidade para pôr um fim nessa guerra cruel" (12/1/1993). Um dia depois apenas, oficiais próximos das negociações reportaram que a pressão de Milosevic fizera Karadzic mudar de idéia sobre o acordo da ONU. O senhor Vance foi citado com a informação de que Milosevic e o presidente Cosic, da Federação Iugoslava, concordaram com o plano de paz da ONU. Segundo "uma pessoa que tomou parte no processo", Milosevic e Cosic "apertaram" Karadzic por cerca de duas horas até que ele finalmente cedesse. O senhor Eckhard, porta-voz do senhor Vance e de Lorde Owen, refere-se a Milosevic e a Cosic como "um time e uma força persuasivos" (13/1/1993), e Vance é citado por ter dito que o líder sérvio agira como "um corretor de ações no processo que conduzira ao armistício servo-croata" (19/1/1993). Mais tarde, no mesmo mês, um porta-voz da ONU reportou que Milosevic havia "concordado em usar sua influência para pôr um fim às batalhas" (24/1/1993).

Essas declarações sobre as ações de Milosevic obviamente o descreviam sob uma ótica mais amigável. Milosevic, na verdade, aparece aí como um grande facilitador dos esforços de paz. Muito diferente, entretanto, é a imagem que resulta das declarações sobre as ações de Milosevic reportadas pelo mesmo New York Times, mas agora arrolando como fontes os funcionários do ICTY.

O governo sérvio liderado por Milosevic recusa-se a cooperar, apesar do Acordo Dayton, segundo o promotor chefe Richard Goldstone (28/1/1996). Investigadores do ICTY referem-se à campanha de Milosevic contra albaneses étnicos em Kosovo (2/7/2001). Nancy Paterson, membro do corpo de promotores, refere-se ao uso do vice-primeiro-ministro Nikola Sainovic "como seu homem de confiança em terra", fazendo o trabalho policial sujo (2/7/2001). Com base na acusação da corte, fomos informados de que a declaração de guerra de Milosevic deu-lhe controle sobre as unidades policiais republicanas e federais, bem como sobre todas as instituições-chave, e que Milosevic "comprometera-se" com uma "campanha de terror e violência" que "planejara, instigara, ordenara, na qual se engajara, ou ao menos ajudara, e com a qual se acumpliciara, campanha essa dirigida aos civis albaneses de Kosovo" (3/7/2001). Mais tarde, mencionado pela promotora chefe Carla Del Ponte, Milosevic é apresentado como o instigador dos ataques sérvios a civis; Del Ponte também é citada explanando acerca da natureza premeditada de suas ações, e refere-se ao seu intento como "a forja de uma nação sérvia que fosse etnicamente pura [...], um plano criminoso comum" (10/1/2002). Cerca de quatro semanas mais tarde, Del Ponte foi novamente mencionada com um argumento semelhante: "O grande projeto, o plano global do acusado Milosevic, já evidente desde 1989, era essencialmente um estado sérvio, dominado por Belgrado. E o denominador comum de toda essa atividade criminosa foi – não se deve nunca esquecer – a expulsão forçada" (7/2/2002). Referindo-se ao seu comportamento na corte e ainda citando Del Ponte: embora "o grande Milosevic" tivesse matado e cometido crimes, ele fixava o olhar no chão e recusava-se a falar com ela (9/2/2002).

Estas citações, conforme já explicitamos anteriormente, foram selecionadas com o intuito de apresentar narrativas puras. Nossas análises quantitativas de todas as declarações mostram que essas narrativas representam as formas típicas de retratar Milosevic nos mundos da diplomacia versus da justiça. Exatamente a metade de todas as declarações para as quais as fontes diplomáticas forneceram as referências diz respeito a ações conciliatórias por parte de Milosevic, e menos de 10% concerne à ofensa aos direitos humanos. Mais de 30% das declarações nas quais fontes judiciárias são citadas dizem respeito a ações hostis em geral, e quase 20% refere-se especificamente a violações dos direitos humanos, enquanto as restantes tratam de suas estratégias legais e de sua morte sob custódia.

A análise quantitativa também aponta para o poder ritual da lei. As atrocidades não desaparecem do radar com o término das guerras, e o número de artigos aumenta em cada um dos quatro períodos sob investigação. Somente o número de artigos de capa, e em especial os artigos longos (acima de cem linhas), aumenta apenas na fase pós-indiciamento, para cair ligeiramente após a extradição de Milosevic. Em uma análise separada, examinamos apenas os artigos nos quais atrocidades, assassinatos, estupros e expulsões foram explicitamente reportados – os resultados demonstram que aumenta a proporção dos que tratam das ações hostis de Milosevic no âmbito dessa amostragem. Essa descoberta parece indicar que Slobodan Milosevic foi crescentemente associado às atrocidades cometidas no curso das guerras iugoslavas. A narrativa legal, por fim, perseverou sobre a narrativa diplomática.

Essa análise demonstra um modo possível para traçar os efeitos de procedimentos judiciais sobre a representação pública de atrocidades e violações maciças de direitos humanos. Mas ainda há muito mais trabalho a ser feito. Se é inegável que a formação da opinião pública nos Estados Unidos – provavelmente ainda a nação mais poderosa do mundo – é matéria de grande importância, seria igualmente necessário e revelador um exame da mídia sérvia ou bósnia, a fim de detectar como diferentes mecanismos institucionais afetaram a representação pública de Milosevic nesses países. Além disso, os efeitos dos relatos da mídia sobre a memória coletiva acerca das guerras e das atrocidades teriam de ser examinados em estudos separados, por meio, por exemplo, de opções de abordagem, como sondagens ou entrevistas por grupo de foco, conduzidas junto a grupos sociais e ocupacionais específicos (cf. Schwartz e Schuman, 2005). Da mesma forma, é preciso que pesquisas semelhantes sejam conduzidas no âmbito de outros países com histórias de atrocidades, inclusive países da América Latina. Finalmente, no estudo sobre a Iugoslávia examinamos apenas o reflexo das narrativas judicial e diplomática nos relatos da mídia – ou seja, não examinamos as narrativas produzidas nas próprias esferas em questão (judicial ou diplomática). Essa ausência, entretanto, pode ser superada por meio da estratégia de pesquisa aplicada no segundo caso apresentado a seguir.

O massacre de My Lai e os livros didáticos de história norte-americana

Examinaremos agora como um massacre cometido pelo exército norte-americano durante a Guerra do Vietnã é lembrado nos livros didáticos de história utilizados nos Estados Unidos (cf. Savelsberg e Rajan, 2007). Este caso fornece uma oportunidade particularmente profícua de compararmos a eficácia da lei em afetar a memória coletiva, uma vez que foram construídas três narrativas distintas logo após a ocorrência do massacre. Apresento um breve resumo do evento e seus efeitos antecipados, novamente seguidos de uma descrição dos passos analíticos que percorremos na investigação do caso, além de um breve olhar sobre nossas descobertas.

Em março de 1968, uma companhia do Exército norte-americano (companhia C, força-tarefa Barker) invadiu duas aldeias de Son My Village, chamada My Lai pelos norte-americanos, esperando enfrentar aí unidades militares vietcongues. No entanto, a companhia apenas encontrou civis desarmados, a maioria composta por mulheres, crianças e homens velhos. Os membros da unidade, não obstante, engajaram-se subseqüentemente em assassinatos, estupros, sodomia, mutilações, assaltos a não-combatentes, além de maus-tratos e assassinato de prisioneiros. Os soldados também mataram animais de criação, destruíram plantações, fecharam poços e queimaram residências em vários subpovoados. O Exército norte-americano tentou encobrir o massacre, inicialmente com sucesso, mas o acobertamento finalmente falhou quando Ronald Ridenhour, um veterano do Vietnã, enviou uma carta ao presidente, a oficiais do Pentágono e a membros do Congresso norte-americano, na qual revelava informações que havia colhido sobre o massacre e seu acobertamento. O Exército formou uma comissão, sob o comando do general Peers, para investigar o caso, mas Ridenhour não soube do andamento das investigações secretas. Acreditando que o acobertamento continuava, ele contatou o jornalista Seymour Hersh, que logo em seguida escreveu My Lai 4, publicado em 1970. O livro deu a Hersh o Prêmio Pulitzer, atraindo a atenção do público para o caso. Simultaneamente, o trabalho da Comissão Peers resultou em processos criminais contra vários membros da companhia C, nos quais muitos soldados foram acusados e um deles, o tenente William Calley Jr., líder de pelotão, foi declarado culpado pelo assassinato premeditado de pelo menos 22 pessoas, recebendo a sentença de 25 anos de prisão.

Do ponto de vista do pesquisador, esse caminho de reconstrução dos eventos de My Lai fornece uma oportunidade. Os eventos estão registrados em três narrativas distintas: uma produzida por uma comissão executiva (cf. Goldstein, Marshall e Schwartz, 1976), outra, por um jornalista (cf. Hersh, 1970) e outra, por um processo criminal (cf. Kelman e Hamilton, 2002). Todas as três narrativas são distintas, cada qual refletindo as circunstâncias institucionais particulares sob as quais foram criadas. Uma análise dos últimos relatos (e do reflexo do massacre na memória do público) permite aos pesquisadores examinar quais dessas narrativas têm efeitos mais duradouros, quando é o caso. Também permite analisar a lógica que prevalece nos relatos tardios. Essa situação não é única: outras graves ofensas contra a lei humanitária e contra os direitos humanos foram igualmente narradas em diferentes contextos. E possibilita, ainda, uma comparação sistemática das narrativas, e – após certo tempo – um exame de seus respectivos efeitos sobre a memória coletiva de uma nação ou grupo. A seguir, relatamos nosso procedimento.

Etapa 1 – Comparação de três narrativas por meio de dimensões especificadas. Analisamos cada uma das três narrativas utilizando um conjunto de dimensões analíticas. Descobrimos que a narrativa judicial, por estar amarrada a regras procedimentais muito específicas, configurava-se de modo mais distinto. O relato jornalístico e o relato da comissão executiva, em comparação, não variaram substancialmente em termos dos fatos básicos apresentados, mas sim em termos de estilo e tom. O relato judicial mostrou-se distinto com relação ao crime – por exemplo, concentrou-se naquilo que foi mais bem documentado por imagens tomadas por um fotógrafo do exército, além de confirmado por testemunhas, a saber: a execução em massa de algumas centenas de civis, a maioria mulheres e crianças. Os estupros "espontâneos" e assassinatos cometidos por indivíduos ou pequenos grupos de soldados não resultaram em acusações. Além disso, a tentativa de acobertamento, embora sujeita a exploração judicial, não resultou em condenações criminais. Coerente com a definição distinta de comportamento criminal que resultou do processo, o número de vítimas também diferiu. Os réus foram acusados das mortes de 102 indivíduos. O tenente Calley foi condenado pelo assassinato premeditado de 22 pessoas. Não obstante, o relatório da Comissão Peers afirma que pelo menos 175 pessoas, mas possivelmente mais de quatrocentas, foram mortas, além de todos os outros crimes que o relatório (bem como o livro de Seymour Hersh) descreve. O relato judicial também definiu como responsabilidade das baixas patentes militares aquilo que o Relatório Peers considerou responsabilidade organizacional.

Etapa 2 – Estabelecimento do contingente de livros didáticos de história. Para examinar a imagem do massacre de My Lai construída nos livros didáticos de história norte-americanos, obtivemos uma lista desses livros por meio do website do Conselho Norte-Americano de Livros Didáticos e um estudo sobre eles (cf. Loewen, 1995), consultamos o Colégio de Educação e Desenvolvimento Humano da Universidade de Minnesota e entramos em contato com diversas escolas secundárias na área das "Cidades Gêmeas"3 3 "Twin Cities", como são chamadas as cidades de Minneapolis e Saint Paul, no estado de Minnesota, situadas em margens opostas do rio Mississipi (N. T.). em Minnesota. A lista continha um total de 37 títulos.

Etapa 3 – Obtenção de uma amostra de livros didáticos. Desse total, obtivemos dezesseis livros-texto, uma amostra de quase 45%. Quatro dos livros obtidos estão listados pelo Conselho Norte-Americano de Livros Didáticos ou em Loewen (1995) como textos de uso particularmente amplo. A amostra analisada não é necessariamente representativa de todos os livros-texto utilizados nos Estados Unidos. Ainda assim, não temos razão alguma para suspeitar que essa amostra seja tendenciosa. (Contudo, a coleta e a análise dos livros-texto nos países com sistemas de educação mais centralizados devem ser consideravelmente mais fáceis.)

Etapa 4 – Análise de conteúdo dos livros didáticos. Identificamos capítulos sobre a Guerra do Vietnã nos dezesseis livros obtidos. No âmbito desses capítulos, ressaltamos as informações concernentes a mortes e ferimentos de não-combatentes em geral, e especialmente aquelas correspondentes ao massacre de My Lai. Examinamos, quando havia, seções sobre o massacre a fim de identificar informações acerca de vários temas que respondessem pelos tipos particulares de narrativas que esperávamos que emergissem de procedimentos legais: responsabilidade individual versus responsabilidade organizacional; desvinculação daqueles considerados culpados das altas patentes militares e da sociedade norte-americana como um todo; uma lógica binária do tipo culpado-versus-não-culpado; um foco nas ações judiciáveis e nas evidências comprovadas, às expensas de outras ações e evidências.

As expectativas relacionadas ao efeito do massacre de My Lai eram bastante altas à época das revelações.

Segundo o editorial do New York Times de novembro de 1969, o evento "pode vir a ser considerado um dos momentos mais ignóbeis da nação". O teólogo Reinhold Niebuhr escreveu à época: "Esse é um momento da verdade, quando percebemos que não somos uma nação virtuosa". E a revista Time afirmou que "a crise de confiança causada pelo caso Calley é um fenômeno mais grave do que o horror seguido ao assassinato do presidente Kennedy. Além de muito mais crucial historicamente" (Oliver, 2006, p. 2f).

Nossas descobertas mostram-se ainda mais surpreendentes à luz dessas expectativas. Se, de um lado, todos os livros didáticos que examinamos tratam do tema da Guerra do Vietnã, e na maioria dos casos o fazem com algum grau de criticismo quanto ao envolvimento de seu país, de outro, apenas sete dos dezesseis livros analisados mencionam My Lai. Entre estes últimos, apenas três fazem uso de mais de cem palavras para descrever o massacre. O caso de My Lai, portanto, indica que processos judiciais altamente visíveis, que atraem vasta atenção da sociedade, não necessariamente marcam o crime de forma profunda na mente do público, de modo a obter efeitos duradouros. É provável que o caso de My Lai tenha contribuído para o caráter assaz crítico pelo qual a Guerra do Vietnã foi reportada em geral. E também é concebível, por outro lado, que os Estados Unidos sejam particularmente bem-sucedidos em cultivar um orgulho nacional entre os seus cidadãos que contribui na direção de uma amnésia coletiva no que diz respeito aos capítulos negros da história da nação. Se análises incidentes sobre amostras mais amplas de livros didáticos ainda se fazem necessárias, os dados deste estudo mostram a continuidade da boa reputação dos militares estadunidenses perante a opinião pública, bem como do orgulho nacional em geral. Dados específicos mostram também que parte do incomum alto grau de orgulho da população dos Estados Unidos em relação à sua nação deriva do orgulho das forças armadas. À pergunta feita em 2004, "quão orgulhoso você se sente da América em cada um dos itens a seguir?", 73,5% de uma amostra representativa de americanos mencionam "as forças armadas americanas". Contraste-se a isso, por exemplo, os 32% para "o modo de funcionamento da democracia", ou os 57,1% para "suas conquistas científicas e tecnológicas" (GSS News, 2005, p. 4; cf. Wagner-Pacifici e Schwartz, 1991, sobre a mudança de representação da Guerra do Vietnã por meio dos usos do Memorial de Veteranos do Vietnã em Washington D.C.). Tendências de longa duração mostram que os militares sustentaram uma posição de liderança perante a opinião pública por muitos anos, e que essa posição se fortaleceu progressivamente nas últimas duas décadas (cf. Schott, 2007). Em suma, precisamos de mais estudos de um maior número de países para entender melhor sob que condições as atrocidades e as violações dos direitos humanos processadas e julgadas nos tribunais da lei podem afetar, e quão profundamente, a mentalidade nacional a ponto de serem incluídas, de fato e de direito, na maioria dos livros didáticos de história.

Além da probabilidade de que o massacre julgado seja mencionado nos livros de história, nossas descobertas também indicam se o processo na corte afetou a apresentação da história de forma mais ou menos poderosa do que os relatos da comissão executiva e do jornalista. Aqui os resultados estão misturados: cerca de metade dos textos focaliza seus relatos nas execuções em massa cometidas pelo primeiro pelotão sob a liderança do tenente Calley, enquanto os assassinatos e estupros "espontâneos" que haviam sido igualmente enfatizados nos relatos do jornalista e da comissão são mencionados ao menos na outra metade. A primeira parte do crime foi o foco do julgamento por razões evidenciais. A narrativa do julgamento, portanto, reduz os danos apresentados às futuras gerações de estudantes. A lógica de um processo criminal com seu foco na culpa individual, mais do que na responsabilidade organizacional, mostra-se ainda mais evidente no resultado seguinte. Apenas um dos livros analisados menciona o envolvimento das altas patentes militares no massacre, e apenas um se refere à tentativa de acobertamento pelo exército. Ambos os aspectos do massacre de My Lai foram bem cobertos pelos relatos da comissão e do jornalista, ao passo que o processo criminal em si negligenciou a questão do envolvimento das altas patentes e o acobertamento. Finalmente, com relação ao número de vítimas, nenhum livro didático limita a contagem ao número de mortes para as quais se obteve condenação. Dois deles referem-se a "mais de uma centena" de vítimas, em concordância com o número de mortes arroladas no processo. Um faz uma referência praticamente literal aos números da Comissão Peers, de "pelo menos 175 e talvez mais de quatrocentas mulheres, crianças e velhos vietnamitas"; outros dois apresentam dados que oscilam entre o número de mortes para as quais ações criminais foram impetradas e o número máximo estimado pelo Relatório Peers.

Em suma, o caso My Lai indica que processos criminais, não importa quão grandes sejam as esperanças neles investidas, não necessariamente conduzem à sedimentação dos eventos hediondos na memória coletiva de uma nação. Eles nem sempre contribuem para a construção de um trauma cultural permanente. Na verdade, onde eles afetam o registro histórico, podem até mesmo diminuir os danos relatados, além de direcionar a atenção às baixas patentes, desinvestindo as altas patentes de responsabilidade, bem como privilegiar a culpa individual, diminuindo o foco na falha organizacional. O caso do ICTY discutido anteriormente mostra, é claro, que isso não necessariamente é uma conseqüência de todos os processos criminais.

As conseqüências podem, em certos casos, ser vultosas. Enquanto as lições de My Lai parecem não afetar expressivamente a estima do público norte-americano pelos militares, as lições que poderiam ter sido aprendidas do massacre também não parecem ter assentado fundo nas mentes dos militares norte-americanos em guerra no Iraque. Um relatório divulgado pelo exército no outono de 2006 mostra que mais de um terço dos soldados crê que a tortura deveria ser permitida já que pode ajudar a obter informações importantes sobre rebeldes. Dois terços dos fuzileiros navais e metade das tropas do exército respondem que não delatariam o membro de um grupo por destratar um civil ou por destruir propriedades civis desnecessariamente (cf. Mental Health Advisory Team (MHAT) IV – Operation Iraqi Freedom 5/7/2006). Tais dados sugerem que a falha em imprimir lições históricas na memória coletiva pode ter graves conseqüências na tentativa de evitar de maneira consistente a violência criminal no futuro.

Conclusões: direito, memória coletiva e ciclos de violência

Respostas institucionais a violações maciças dos direitos humanos e da lei humanitária têm crescido em quantidade (cf. Hagan, 2003; Hagan e Levi, 2005). Elas podem, de fato, ter impactos positivos nos registros futuros de direitos humanos e na estabilidade das democracias recém-estabelecidas (cf. Sikkink e Booth Walling, 2007). De toda forma, não reconhecemos um nexo causal entre as intervenções e os resultados positivos. Sugiro aqui que o efeito das respostas institucionais pode ser mediado pela memória coletiva para a qual elas contribuem (cf. King, 2005; Savelsberg e King, 2005). Há uma literatura rica e crescente que sugere que os processos criminais podem ter um impacto potente na construção da memória coletiva e do trauma cultural, configurando uma forma particular de alterar a memória coletiva. Por outro lado, também nos deparamos com argumentos segundo os quais as narrativas influenciadas pela lei são afetadas pela lógica institucional peculiar ao mundo jurídico (cf. Savelsberg e King, 2007). Alguns grupos têm acesso mais fácil à lei do que outros, e alguns tipos de discurso são mais compatíveis com a linguagem da lei. Algumas categorias relativas à condição de vítima e à responsabilidade estão mais alinhadas com aquelas da lei do que outras. O direito criminal, particularmente, caracteriza-se por critérios evidenciais específicos, pelo foco nos indivíduos e por uma lógica binária.

Temos diante de nós um trabalho substancial. Precisamos desenvolver um entendimento melhor das diversas narrativas acerca de atrocidades e violações dos direitos humanos conforme elas sejam construídas em diferentes esferas institucionais. Devemos examinar como essas narrativas são difundidas por mediadores tais como mídia e livros didáticos utilizados em instituições educacionais. Mas também precisamos entender melhor como essas narrativas mediadas afetam a memória coletiva à medida que elas se assentam nas mentes dos indivíduos da sociedade (cf. Schwartz e Schuman, 2005). Finalmente, as pesquisas futuras deverão prestar atenção a como diferentes tipos de memórias coletivas de injustiças passadas afetam a ação futura de distintos grupos: acentuando, desestimulando ou até mesmo estancando ciclos de ódio e violência (cf. Minow, 2002).

Neste artigo, resumimos dois estudos recentes que examinam elementos centrais nessa cadeia causal para os casos da antiga Iugoslávia e o ICTY (cf. Savelsberg, Faue e Chien, 2007) e do julgamento institucional do massacre de My Lai (cf. Savelsberg e Rajan, 2007). Ambos os estudos buscaram traços da lógica judicial na mediação operada pela mídia: o primeiro centrou-se nas notícias veiculadas por artigos de jornais, o segundo, nos livros didáticos de história. O primeiro procurou levantar declarações explicitamente ligadas a informantes originários do setor judicial versus originários da diplomacia e, a partir delas, tratou de construir narrativas institucionais específicas, conforme mediadas pelo jornal. O segundo comparou narrativas distintas produzidas em diferentes esferas institucionais a fim de examinar o efeito relativo delas na representação posterior da atrocidade nos livros didáticos de história. Os resultados indicam que os processos legais podem manter a atenção do público sintonizada nas atrocidades para além do período bélico. Narrativas de processos podem eventualmente expor em público as ações e as responsabilidades dos envolvidos nas atrocidades. Ademais, podem direcionar a atenção para os atores de alto nível, os quais são, em última instância, responsáveis pela criação das condições sob as quais as atrocidades ocorrem, conforme indicado nos relatos sobre o processo de Milosevic perante o ICTY. Entretanto, certos processos podem direcionar a atenção para os ofensores de baixo escalão ou patente, desviando-a do âmbito da responsabilidade organizacional, e podem também limitar a atenção do público àquilo que está documentado segundo os padrões das regras evidenciais de processos criminais, conforme foi demonstrado no caso de My Lai.

Para finalizar, enfatizo a necessidade de um maior número de pesquisas. Os países da América Latina, com suas histórias recentes de ditaduras militares e violações dos direitos humanos, e com seus diversos métodos de justiça transicional, como processos, comissões de verdade, reparações, apologias públicas ou combinações de métodos, com respostas mínimas ou nulas, fornecem um rico campo para pesquisa. Trabalhar esse campo permitirá estender o conhecimento sobre os efeitos mediadores da memória coletiva, quando respostas institucionais a violações passadas de direitos humanos e da lei humanitária desencadearem melhores registros nas eras pós-transição.

Texto recebido e aprovado em 13/9/2007.

Tradução de Ana Paula Rodgers

Joachim J. Savelsberg é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Minnesota. E-mail: savelsbg@atlas.socsci.umn.edu.

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  • *
    Este artigo baseia-se em uma aula dada no Núcleo de Estudos da Violência, na Universidade de São Paulo, no dia 6 de junho de 2007. Gostaria de registrar a colaboração dos assistentes de pesquisa Yu-Ju Chien, Courtney R. Faue e Rajiv Evan Rajan. A elaboração deste ensaio deu-se no âmbito de uma bolsa de pesquisa junto ao Instituto de Estudos Avançados, na Universidade de Minnesota. Os comentários a esse artigo podem ser dirigidos ao autor no seguinte endereço: Department of Sociology, 909 Social Sciences, University of Minnesota, USA – Minneapolis, MN 55455. E-mail:
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    A data entre colchetes refere-se à edição original da obra e é indicada na primeira vez que a obra é citada. Nas demais, indica-se apenas a edição utilizada pelo autor (N. E.).
  • 1
    Sigla em inglês para Tribunal Criminal Internacional para a antiga Iugoslávia (N. T.).
  • 2
    Statistical Package for the Social Sciences, um dos programas de análise estatística mais usado nas ciências sociais, desenvolvido pela Universidade de Chicago (N. T.).
  • 3
    "Twin Cities", como são chamadas as cidades de Minneapolis e Saint Paul, no estado de Minnesota, situadas em margens opostas do rio Mississipi (N. T.).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Nov 2007

    Histórico

    • Recebido
      13 Set 2007
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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