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Depressão pós-parto e autoeficácia materna para amamentar: prevalência e associação

Resumo

Objetivo

Identificar a prevalência de sintomas de depressão pós-parto e o nível de autoeficácia para amamentar, entre puérperas atendidas num Centro de Incentivo ao Aleitamento Materno, e analisar possíveis associações.

Métodos

Estudo transversal com 208 mulheres, até 60 dias pós-parto, submetidas à Escala de Depressão Pós-parto de Edinburgo e à Escala de Autoeficácia para Amamentar.

Resultados

Sintomas de depressão pós-parto estiveram presentes em 31,25% das mulheres, que apresentaram níveis de autoeficácia para amamentar médio (39,9%) e alto (36,06%). Ter média ou alta autoeficácia diminui em 27,4% ou 38,8%, respectivamente, o escore de depressão, enquanto a elevada pontuação na escala de depressão pós-parto reduz em 11,84 pontos o escore da autoeficácia na amamentação.

Conclusão

Prevalência elevada de sintomas de depressão pós-parto e de autoeficácia para amamentar foram evidenciados na população estudada. Os níveis de sintomas de depressão pós-parto e de autoeficácia revelaram associação de causa e efeito entre si.

Depressão pós-parto/psicologia; Aleitamento materno/psicologia; Período pós-parto/psicologia; Autoeficácia; Saúde mental

Abstract

Objective

To identify the prevalence of postpartum depression symptoms and the level of self-efficacy to breastfeed among puerperal women assisted at a Breastfeeding Incentive Center, and to analyze possible associations.

Methods

A cross-sectional study with 208 women up to 60 days postpartum submitted to the Edinburgh Postpartum Depression Scale and the Self-Efficacy Scale for Breastfeeding.

Results

Postpartum depression symptoms were present in 31.25% of women who presented medium (39.9%) and high (36.06%) levels of breastfeeding self-efficacy. The medium or high self-efficacy decreased the depression score by 27.4% or 38.8% respectively, while the high score on the postpartum depression scale reduced the self-efficacy score in breastfeeding by 11.84 points.

Conclusion

The high prevalence of postpartum depression symptoms and self-efficacy for breastfeeding were evident in the studied population. The levels of postpartum depression symptoms and self-efficacy revealed a cause and effect association between themselves.

Depression, postpartum/psychology; Breast feeding/psychology; Postpartum period/psychology; Self efficacy; Mental health

Introdução

O puerpério é reconhecidamente um período delicado na vida da mulher, pois engloba modificações físicas e psíquicas que podem influenciar diretamente na saúde mental e no bem-estar emocional, elevando o risco de desenvolvimento de distúrbios psiquiátricos.

Dentre os transtornos psiquiátricos que acometem as mulheres no período puerperal, destaca-se a depressão pós-parto - DPP, com uma prevalência entre 13% a 19% em países desenvolvidos.11. Pope CJ, Mazmanian D. Breastfeeding and Postpartum Depression: An Overview and Methodological Recommendations for Future Research. Depress Res and Treat 2016; 2016: ID 4765310. Estudos revelam índices mais elevados no Brasil, com a prevalência variando entre 7,2% e 39,4%, nas cidades de Recife e Vitória, respectivamente.22. Cantilino A, Zambaldi CF, Sougey EB, Rennó Jr. J. Transtornos psiquiátricos no pós-parto. Revr Psiquiatr Clin. 2010; 37(6):288-94.,33. Ruschi GE, Sun SY, Mattar R, Filho AC, Zandonade E, Lima VJ. Postpartum depression epidemiology in a Brazilian sample. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2007; 29(3):274-80.

Dentre os principais fatores de risco para desenvolvimento de DPP têm-se: suporte/apoio familiar e social inadequados ou inexistentes, antecedentes psiquiátricos da mulher, ansiedade intensa, existência de episódios depressivos anteriores, infertilidade, história de perdas gestacionais e sentimentos negativos em relação à gestação ou ao bebê.44. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. Washington, DC: American Psychiatric Association. 2013.,55. World Health Organization. The ICD-10 classification of mental and behavioural disorders. Geneva: World Health Organization; 2010.

No que se refere à incidência de sintomas de DPP, o Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disordes - Fifth Edition - DSM-5 estabelece as quatro primeiras semanas de puerpério, enquanto a International Classification of Diseases - ICD amplia o período para as seis primeiras semanas após o parto.

Ansiedade, irritabilidade, anedonia ou perda da capacidade de sentir prazer, alterações no padrão de sono, cansaço e desânimo persistentes, sentimento de culpa, ideação suicida, diminuição do apetite, da libido e da cognição e presença de ideias obsessivas ou supervalorizadas são alguns sintomas clínicos que, acrescidos da dificuldade em atender de forma satisfatória às necessidades do bebê, principalmente no que diz respeito à lactação, relacionam-se à DPP.22. Cantilino A, Zambaldi CF, Sougey EB, Rennó Jr. J. Transtornos psiquiátricos no pós-parto. Revr Psiquiatr Clin. 2010; 37(6):288-94.,66. Saraiva RA, Coutinho MP. [Postpartum psychic suffering: a psychosocial study]. Rev Mal-Estar Subj. 2008; 8(2):505-27. Portuguese.

A associação de risco entre a depressão pós-parto e a amamentação, no entanto, não é conclusiva, visto que os resultados conhecidos são dissonantes e pouco esclarecedores. Enquanto alguns estudos revelam uma relação negativa, evidenciando que puérperas com sintomas depressivos têm maior chance de desmamar precocemente seus bebês, outros mostram que o desmame é anterior ao surgimento dos sintomas depressivos, relacionando as alterações hormonais e os aspectos psicológicos como fatores de risco para o desencadeamento da DPP.77. Hasselmann MH, Werneck GL, Silva CV. Symptoms of postpartum depression and early interruption of exclusive breastfeeding in the first two months of life. Cad Saúde Pública. 2008; 24 (Suppl 2):S341-52.

8. Dennis CL, McQueen K. The relationship between infant-feeding outcomes and postpartum depression: a qualitative systematic review. Pediatrics. 2009; 123(4):e736-51.
-99. Sharma V, Corpse CS. Case Study revisiting the association between breastfeeding and postpartum depression. J Hum Lact. 2008; 24(1):77-9.

Segundo a Teoria da Autoeficácia, desenvolvida por Bandura, a maneira como um indivíduo interpreta seus sentimentos tende a modular o seu comportamento,1010. Bandura A. Self-efficacy: Toward a unifying theory of behavioral chance. Psychol Rev 1977; 84(2):191-215. ou seja, a confiança da puérpera em sua habilidade de conseguir alimentar seu filho por meio da amamentação, denominada autoeficácia materna para amamentar, tende a ser comprometida pela ocorrência de sintomas depressivos.66. Saraiva RA, Coutinho MP. [Postpartum psychic suffering: a psychosocial study]. Rev Mal-Estar Subj. 2008; 8(2):505-27. Portuguese.

Embora os achados de Flores-Quijano et al.1111. Flores-Quijano ME, Cordova A, Contreras-Ramirez V, Farias-Hernandez L, Cruz Tolentino M, Casanueva E. Risk for postpartum depression, breastfeeding practices, and mammary gland permeability. J Hum Lact 2008; 24(1):50-7. reforcem a hipótese anteriormente apresentada, ao revelar que a DPP tende a prejudicar a confiança da mulher acerca de sua capacidade de exercer a função materna, interferindo em seu comportamento e percepção sobre os fatores associados à sua performance lactacional, observa-se significativa escassez de estudos que investiguem a relação entre a autoeficácia materna para amamentar e os sintomas de depressão pós-parto.

Os benefícios inquestionáveis da amamentação para o bebê, mulher, família e sociedade, bem como os malefícios da DPP para os mesmos envolvidos, justificam o presente estudo.

Nessa perspectiva, definiram-se como objetivos: identificar a prevalência de sintomas de depressão pós-parto e o nível de autoeficácia para amamentar, entre puérperas atendidas num Centro de Incentivo ao Aleitamento Materno, bem como analisar a existência de possível associação entre a DPP e a autoeficácia para amamentar.

Métodos

Estudo transversal, realizado no Centro de Incentivo e Apoio ao Aleitamento Materno e Banco de Leite Humano, vinculado à Universidade Federal de São Paulo, situado no município de São Paulo. A população foi composta por mulheres, assistidas em primeira consulta de pós-parto, pela enfermagem, e que estivessem amamentando na gestação atual, independente, do tipo de aleitamento praticado.

Estabeleceu-se a amostra com 208 puérperas, atendendo ao tamanho estipulado no cálculo amostral. Supondo uma incidência de 20% de mulheres com DPP e erro de 5,5% para mais ou para menos, a amostra mínima necessária é de 203 mulheres.

A coleta de dados ocorreu no período de julho de 2013 a abril de 2016, e as puérperas, que concordaram em participar do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As variáveis relacionadas às características sóciodemográficas, hábitos de vida, antecedentes obstétricos e pessoais e características voltadas às relações intra e interpessoais estabelecidas pela puérpera foram coletadas dos prontuários das investigadas e registradas em um instrumento de coleta desenvolvido especificamente para este estudo, o qual foi adaptado com base na ficha de atendimento da instituição.

Para identificação de sintomatologia de depressão pós-parto e avaliação de autoeficácia para amamentar, foram utilizadas a Escala de Depressão Pós-parto de Edinburgh (EPDS) e a Escala de Autoeficácia para Amamentar (BSES), respectivamente.

A EPDS é um instrumento tipo Likert desenvolvido na Grã-Bretanha e validado no Brasil por Santos et al para rastreamento de sintomas depressivos, sendo composto por dez enunciados, cada um com quatro possibilidades de resposta, de acordo com a severidade ou duração da sintomatologia experimentada ou não, segundo as próprias mulheres, na semana que antecede a aplicação do teste. A pontuação da EPDS varia de 0 a 30 pontos, sendo 10 a pontuação de corte para identificação de sintomas de DPP. As mulheres deste estudo que atingiram pontuação ≥10 serão referidas como tendo depressão para efeito descritivo.1212. Santos MF, Martins FC, Pasquali L. Post-natal depression self-rating scales: Brazilian study. Rev Psiquiatr Clin. 1999; 26(2):90-5.

Já a BSES, também do tipo Likert, apresenta um total de 33 itens acerca de duas categorias de domínio, denominadas: Técnica e Pensamentos intrapessoais. A Técnica está relacionada ao manejo técnico da amamentação, enquanto os Pensamentos intrapessoais estão relacionados ao desejo, à motivação e satisfação da mulher/puérpera em relação a esta prática.1313. Oriá MO, Ximenes LB. Tradução e adaptação cultural da Breastfeeding Self-Efficacy Scale para o português. Acta Paul Enferm. 2010; 23(2):230-8. Para cada item investigado, existe uma pontuação que varia de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente) - dependendo da resposta da mulher, o escore total da escala varia entre 33 e 165 pontos. A confiança materna em amamentar é classificada em: baixa (33 a 118 pontos), média (119 a 137) ou alta (138 a 165).1414. Blyth RJ, Creedy DK, Dennis CL, Moyle W, Pratt J, De Vries SM, et al. Breastfeeding duration in an Australian population: the influence of modifiable antenatal factors. J Hum Lact. 2004; 20(1):30-8.

Para a análise estatística das variáveis qualitativas, utilizou-se o teste de Fisher bicaudal. Para analisar a relação das variáveis com duas categorias com uma escala quantitativa, utilizou-se o teste t bicaudal ou o Mann-Witney. Para análise das variáveis com três ou mais categorias foi aplicado o teste Levene. Na análise que se obteve relevância estatística foi aplicado o teste Kruskall-Wallis, com o intuito de verificar se pelo menos uma das categorias possui escore diferente. Para os casos em que se rejeitou o teste de Levene ou nos casos em que pelo menos um escore foi diferente (teste de Kruskall-Wallis) foram realizadas comparações múltiplas (dois a dois) por meio de teste de Tukey.

Para a regressão não linear, utilizou-se o modelo com variável resposta binominal negativa para EPDS e o modelo com variável normal para BSES. As variáveis que foram incluídas na regressão foram as que tiveram um p valor <0,10. A seleção das variáveis finalistas dos modelos foi feita por meio do método de backward, com alfa de saída igual a 0,05. O software utilizado para a análise dos dados é o R 3.1.2. (R Team, 2012), e o nível de significância adotado para todas as análises é de 0,05.

Este estudo foi extraído da pesquisa “A interface entre a vivência dos sintomas de depressão pós-parto e do processo de amamentação”, vinculada ao Programa de Pós-doutoramento da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2016. O estudo foi registrado na Plataforma Brasil sob o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAEE) 14507113.9.0000.5392.

Resultados

A amostra estabeleceu-se com 208 mulheres assistidas em primeira consulta de enfermagem nos primeiros 60 dias após o parto, com idade média de 30 anos. Observou-se que 41,55% das mulheres possuíam ensino médio, 54,68% renda familiar na faixa de um a três salários mínimos, 55,04% residem em moradia própria e 86,96% viviam com o parceiro (casada/amigada).

A maioria das puérperas (72,12%) não apresenta histórico de aborto ou perda gestacional (93,27%) e têm, em média, 2,26 gestações. A gestação atual, embora não tenha sido planejada, foi desejada por 50,96% das mulheres, 97,6% realizaram ≥ 6 consultas de pré-natal e 61,35% foram submetidas ao parto cesárea.

Quanto à amamentação, os resultados mostram que 96,14% das puérperas estavam amamentando no período da entrevista, 58,82% em regime de aleitamento materno exclusivo, 62,14% tiveram algum tipo de intercorrência para amamentar o bebê e 61,88% relataram não ter amamentado outros filhos.

A maior parte da amostra, (80,39%) nega histórico de violência, 69,61% negam transtornos psiquiátricos e, 72,68% negam episódio anterior de depressão. Questionadas acerca de possíveis queixas, 66,83% negaram queixas relacionadas a si, 88,29% negaram queixas relacionadas à criança e 86,22% negaram queixas relacionadas ao parceiro.

Após o nascimento da criança, o relacionamento conjugal melhorou para 53,06% das pesquisadas, enquanto 87,75% perceberam a relação com seus familiares de maneira satisfatória.

A prevalência de sintomas de depressão pós-parto, entre as pesquisadas, foi de 31,25%, sendo que, na EPDS, as afirmações de maior pontuação foram: n.03 - Eu tenho me culpado sem necessidade quando as coisas saem erradas (média - 1,59); n.04 - Eu tenho me sentido ansiosa ou preocupada sem uma boa razão (média - 1,42) e; n.06 - Eu tenho me sentido esmagada pelas tarefas e acontecimentos do meu dia a dia (média - 1,26).

Em relação ao nível de autoeficácia para amamentar, observou-se que 39,9% tinham média autoeficácia, 36,06% alta e 24,04% baixa. As puérperas apresentaram na Escala de Autoeficácia para Amamentar, pontuação total média (DP) 128,58 (21,16) e nos domínios Técnico 76,53(13,38) e Pensamento intrapessoal 52,74(8,42), revelando-se discretamente mais confiantes nos aspectos intrapessoais.

O cruzamento entre as escalas EPDS, BSES e as variáveis quantitativas - idade, no aborto, nas gestações, paridade e dias pós-parto, por meio da correlação de Spearman, considerando p-value < 0,05, não evidenciou resultado muito expressivo para nenhum dos casos, visto que todas as correlações são menores ou iguais a 0,40, para correlações positivas, ou maiores que -0,40, no caso de correlações negativas (Tabela 1).

Tabela 1
Associação das escalas (Mann-Witney) e subescalas versus as variáveis com apenas duas categorias

A associação da escala BSES versus as variáveis com três ou mais categorias mostrou associação positiva (p-value <0,05) para as variáveis - possuir trabalho formal (p-0,44), não ter intercorrência na amamentação (p-0,003) e relacionamento conjugal melhorado após o filho (p- 0,03).

A regressão para a EPDS mostrou que a puérpera com escala de autoeficácia moderada ou alta diminui em 27,4% ou 38,8%, respectivamente, o escore da escala de EPDS. Já as variáveis - relacionamento conjugal melhorado após o nascimento do bebê, não ter queixa de si mesma e não ter episódio de depressão anterior também diminuem o escore de depressão em 34,5%, 30% e 21%, respectivamente. Por último, para cada nova gestação, a mulher tem o escore de depressão aumentado em 9,3% (Tabela 2).

Tabela 2
Modelo de regressão binomial negativa para a Escala de Depressão Pós-parto de Edinburgh

A regressão para BSES evidenciou que um escore alto na EPDS diminui em 11,84 pontos o valor do escore da BSES e que, não amamentar e não ter amamentado outros filhos também diminuem o escore de autoeficácia em 20,26 e 7,98 pontos, respectivamente. Por fim, o aleitamento materno exclusivo aumenta em torno de 14,86 pontos o escore de autoeficácia (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão binomial negativa para a Escala de Autoeficácia para Amamentar

Discussão

Buscando identificar sintomatologia de depressão pós-parto na população estudada, os resultados mostraram uma prevalência de 31,25%, com intensidade maior nos sintomas de culpa, ansiedade e angústia, abordados nas afirmativas 03, 04 e 06 da EPDS, respectivamente. Estudos internacionais, realizados com a mesma escala de rastreio (EPDS), ponto de corte (≥10) e período de pós-parto, encontraram prevalências menores, variando entre 13% - 24,2%.1515. Horowitz JA, Murphy CA, Gregory KE, Wojcik J. Best practices: community-based postpartum depression screening: results from the CARE study. Psychiatr Serv. 2009; 60(11):1432-4.,1616. Lee AM, Lam SK, Sze Mun Lau SM, Chong CSY, Chui HW, Fong DY. Prevalence, course and risk factors for antenatal anxiety and depression. Obstet Gynecol. 2007; 110(5):1102-12. Embora estudos tenham evidenciado o ponto de corte ≥10 da EPDS como o melhor para triagem da DPP em serviços de saúde pública, foram encontrados apenas dois estudos que tenham adotado tal recomendação, sendo que ambos apresentam prevalência (26,9%) inferior à encontrada neste estudo.1717. Figueira P, Corrêa H, Malloy-Diniz L, Romano-Silva MA. Edinburgh Postnatal Depression Scale for screening in the public health system. Rev Saúde Pública. 2009; 43(Suppl 1):79-84.,1818. Santos IS, Matijasevich A, Tavares BF, Barros AJD, Botelho IP, Lapolli C, et al. Validation of the Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS) in a sample of mothers from the 2004 Pelotas birth cohort study. Cad Saude Publica. 2007; 23(11):2577-88.

A prevalência de sintomatologia depressiva encontrada em estudos nacionais que adotaram como ponto de corte 11/12 pontos na EPDS, revela índices entre 28% e 39,4%, realidade mais próxima da encontrada entre as puérperas investigadas nesta pesquisa.33. Ruschi GE, Sun SY, Mattar R, Filho AC, Zandonade E, Lima VJ. Postpartum depression epidemiology in a Brazilian sample. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2007; 29(3):274-80.,1919. Fonseca VR, Silva GA, Otta E. The relationship between postpartum depression and maternal emotional availability. Cad Saude Publica. 2010; 26(4):738-46.

Os dados acerca da DPP, no cenário nacional, são alarmantes. Ao considerando os custos físicos, emocionais, psicológicos, econômicos e sociais decorrentes de seus malefícios, tanto para a mulher, quanto para a criança, família e sociedade, faz-se necessário o desenvolvimento de políticas públicas de atenção à saúde mental perinatal, para que possibilitem a criação de estratégias de conhecimento acerca dos fatores de risco e proteção para prevenir, identificar e tratar os transtornos mentais perinatais e seus graves efeitos.2020. Haga SM, Ullerber P, Slinning K, Kraft P, Steen TB, Staff A. A longitudinal study of postpartum depressive symptoms: multilevel growth curve analyses of emotion regulation strategies, breastfeeding self-efficacy, and social support. Arch Womens Ment Health. 2012; 15(3):175-84.

Evidências apontam para o impacto, a curto e longo prazo que a depressão pós-parto tem na vida das mulheres, principalmente na saúde mental e para os efeitos negativos em seu entorno. Nesse sentido, a relação com o bebê também fica prejudicada, podendo incidir no processo de amamentação, prática de suma importância na saúde da criança, visto que filhos de mulheres deprimidas são susceptíveis a doenças diarreicas, distúrbios nutricionais e alterações no desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social.2121. Lobato G, Moraes CL, Reichenheim ME. The extent of post-partum depression in Brazil: a systematic review. Rev Bras Saude Mater Infant. 2011; 11(4):369-79.

22. World Health Organization, United Nations Population Fund. Mental health aspects of women’s reproductive health. A global review of the literature. Geneva: World Health Organization, United Nations Population Fund. 2009.
-2323. Norhayati MN, Hazlina NH, Asrenee AR, Emilin WM. Magnitude and risk factors for postpartum symptoms: a literature review. J Affect Disord. 2015; 175:34-52.

Os achados do presente estudos revelam que 58% dos filhos das investigadas estavam em aleitamento materno exclusivo, quando da entrevista, índice acima da prevalência nacional e estadual de 47,3% e 47,7%, respectivamente, entre crianças com até 60 dias de vida.2424. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Brasília (DF): Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. 2009. Sendo as mulheres e seus bebês assistidos em um centro especializado em aleitamento materno, a prevalência acima da média nacional se justifica em função dos serviços de incentivo, promoção e apoio recebidos.

Buscando averiguar a probabilidade das mulheres desta pesquisa em manter o aleitamento materno exclusivo de seus filhos, por períodos mais longos, investigou-se o nível de autoeficácia destas para amamentar. Os resultados evidenciaram um fator protetor da amamentação, à medida que estas revelaram níveis elevados, predominantemente médio (39,9%) e alto (36%), ou seja, mostraram-se confiantes, motivadas e persistentes na função de nutriz, ainda que 62% enfrentaram algum tipo de intercorrência na amamentação.

Os achados acima e sua relevância estão em consonância com estudos realizados em âmbito nacional e internacional e, reforçam as vantagens de se adotar, na clínica, instrumentos que permitam aos profissionais de saúde identificar precocemente os aspectos de menor confiança da mulher em relação à prática da amamentação. Assim, permitem a elaboração de intervenções individualizadas e efetivas que possam resolver as dificuldades experimentadas nesse processo e prevenir o desmame precoce, visto que mulheres com baixa autoeficácia têm três vezes mais chance de interromper a amamentação.2525. Souza EF, Fernandes RA. Breastfeeding self-efficacy: a cohort study. Acta Paul Enferm. 2014; 27(5):465-70.

26. Margotti E, Epifanio M. Exclusive maternal breastfeeding and the Breastfeeding Self-efficacy Scale. Rev Rene. 2014; 15(5):771-9.
-2727. Rodrigues AP, Padoin SM, Guido LA, Lopes LF. Pre-natal and puerperium factors that interfere on self-efficacy in breastfeeding. Esc Anna Nery. 2014; 18(2):257-261.

Analisando a existência de possível associação entre a DPP e a autoeficácia, os resultados do presente estudo, mostram uma relação de causa e efeito entre os desfechos, ao evidenciarem que mulheres com alto índice de sintomatologia de DPP na EPDS, apresentam redução em 11,84 pontos no valor do escore da BSES e que, puérperas com autoeficácia moderada ou alta apresentam escore menor em 27,4% ou 38,8%, na escala de rastreio de sintomatologia de depressão pós-parto (EPDS).

Os achados acima mostram-se em consonância com estudos nacionais e internacionais que reforçam o efeito negativo dos sintomas de DPP, na duração da amamentação, associando-os ao desmame precoce77. Hasselmann MH, Werneck GL, Silva CV. Symptoms of postpartum depression and early interruption of exclusive breastfeeding in the first two months of life. Cad Saúde Pública. 2008; 24 (Suppl 2):S341-52.,1111. Flores-Quijano ME, Cordova A, Contreras-Ramirez V, Farias-Hernandez L, Cruz Tolentino M, Casanueva E. Risk for postpartum depression, breastfeeding practices, and mammary gland permeability. J Hum Lact 2008; 24(1):50-7.,2020. Haga SM, Ullerber P, Slinning K, Kraft P, Steen TB, Staff A. A longitudinal study of postpartum depressive symptoms: multilevel growth curve analyses of emotion regulation strategies, breastfeeding self-efficacy, and social support. Arch Womens Ment Health. 2012; 15(3):175-84.,2828. Zubaran C, Foresti K. The correlation between breastfeeding self-efficacy and maternal postpartum depression in southern Brazil. Sex Reprod Healthc. 2013; 4(1):9-15. bem como à interferência da baixa autoconfiança para amamentar nos sintomas de DPP.1111. Flores-Quijano ME, Cordova A, Contreras-Ramirez V, Farias-Hernandez L, Cruz Tolentino M, Casanueva E. Risk for postpartum depression, breastfeeding practices, and mammary gland permeability. J Hum Lact 2008; 24(1):50-7.,2929. Watkins S, Meltzer-Brody S, Zolnoun D, Stuebe A. Early Breastfeeding Experiences and Postpartum Depression. Obstetr Gynecol. 2011118(2 Pt 1):214-21.

Os sintomas relacionados à culpa, ansiedade, preocupação e angustia presentes nos acontecimentos do dia a dia, mais prevalentes entre as mulheres deste estudo, e associados aos quadros de DPP,22. Cantilino A, Zambaldi CF, Sougey EB, Rennó Jr. J. Transtornos psiquiátricos no pós-parto. Revr Psiquiatr Clin. 2010; 37(6):288-94.,66. Saraiva RA, Coutinho MP. [Postpartum psychic suffering: a psychosocial study]. Rev Mal-Estar Subj. 2008; 8(2):505-27. Portuguese.,2929. Watkins S, Meltzer-Brody S, Zolnoun D, Stuebe A. Early Breastfeeding Experiences and Postpartum Depression. Obstetr Gynecol. 2011118(2 Pt 1):214-21.revelam a maneira como estas vivenciam e administram suas emoções frente aos obstáculos diários, incluindo as demandas do lactente, podendo interferir em sua autoestima e autoconfiança no desempenho das funções maternas. Nesse cenário, mais vulnerável a problemas emocionais, a puérpera se sente menos segura e confiante para cuidar de seu filho, incluindo o estabelecimento e ou manutenção da amamentação.1111. Flores-Quijano ME, Cordova A, Contreras-Ramirez V, Farias-Hernandez L, Cruz Tolentino M, Casanueva E. Risk for postpartum depression, breastfeeding practices, and mammary gland permeability. J Hum Lact 2008; 24(1):50-7.

Por outro lado, mulheres com relacionamento conjugal satisfatório, com menos queixas de si mesmas e/ou sem histórico de depressão, variáveis estatisticamente significativas em neste estudo, parecem ter melhores condições para lidar com as demandas do papel materno, imposto pela chegada do bebê em sua vida. Assim, motivadas a amamentar e confiantes em sua habilidade de cuidar da criança com êxito, as puérperas deste estudo revelaram mais dificuldade nas questões técnicas do que no domínio intrapessoal, além de apresentarem níveis elevados de autoeficácia para a prática da amamentação e o enfrentamento de suas dificuldades.

Dessa maneira, o presente estudo confirma os achados da literatura acerca da importância de desenvolver políticas nacionais específicas para a atenção à saúde mental perinatal, que visem à redução das morbidades maternas decorrentes de transtornos mentais relacionados a este período e com consequências graves não só para a mulher, mas também, para a criança, família e sociedade.

Os instrumentos adotados neste estudo mostraram-se adequados para utilização no sistema público de saúde e para a melhoria da assistência ao aleitamento materno, visto que permitem identificar precocemente mulheres e crianças em risco de desmame precoce.

Conclusão

O estudo identificou, na população investigada, uma prevalência de 31,25% de sintomatologia de depressão pós-parto; elevados níveis de autoeficácia materna para amamentar e a existência de associação entre a sintomatologia de depressão pós-parto e o nível de autoeficácia para amamentar: níveis de autoeficácia moderado ou alto diminuem em 27,4% ou 38,8%, respectivamente, o escore da EPDS, enquanto o escore alto na EPDS diminui em 11,84 pontos o valor do escore da BSES.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    6 Out 2016
  • Aceito
    12 Dez 2016
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