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Longitudinalidade do cuidado na atenção primária: avaliação na perspectiva dos usuários

Longitudinalidad del cuidado en la atención primaria: evaluación desde la perspectiva de los usuarios

Resumo

Objetivo:

avaliar a longitudinalidade do cuidado na Atenção Primária à Saúde (APS) na perspectiva dos usuários, verificando a associação com o porte populacional, índice de desenvolvimento humano e cobertura de Estratégia Saúde da Família (ESF) entre os municípios de uma Regional de Saúde no Sul do Brasil.

Método:

estudo transversal, realizado com 1.076 usuários adultos da APS de 32 municípios da 4ᵃ Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul, de fevereiro a junho de 2015. Os dados foram coletados com o instrumento Primary Care Assessment Tool versão adulto e analisados com o programa Statistical Package for the Social Sciences. Para a comparação de médias utilizou-se o teste Mann-Whitney e Kruskal Wallis.

Resultados:

o grau de afiliação foi avaliado com alto escore (8,6; IC95%:8,5-8,8) e a longitudinalidade obteve um escore insatisfatório (6,4; IC95%:6,3-6,5). As fragilidades relacionadas ao atributo foram a relação interpessoal entre o usuário e profissional; o reconhecimento do usuário em sua integralidade e o preparo dos profissionais para auxiliar os usuários. A longitudinalidade foi melhor avaliada nos municípios com menor porte populacional, menor índice de desenvolvimento humano e com maior cobertura de ESF.

Conclusão:

a longitudinalidade é insatisfatória e revela a necessidade de reorientação da APS e da formação profissional, contudo a maior cobertura da ESF sugere que esse modelo assistencial contribui para qualificar esse atributo.

Descritores
Atenção primária à saúde; Continuidade da assistência ao paciente; Avaliação de serviços de saúde; Saúde da família; Gestão em saúde

Resumen

Objetivo:

Analizar la longitudinalidad del cuidado en la Atención Primaria de Salud (APS) desde la perspectiva de los usuarios y verificar su relación con el tamaño de la población, índice de desarrollo humano y cobertura de la Estrategia Salud de la Familia (ESF) en los municipios de una Regional de Salud en el sur de Brasil.

Método:

Estudio transversal, realizado con 1076 usuarios adultos de la APS de 32 municipios de la 4ᵃ Coordinación Regional de Salud del estado de Rio Grande do Sul, de febrero a junio de 2015. Los datos fueron recolectados con la herramienta Primary Care Assessment Tool versión adulto y analizados con el programa Statistical Package for the Social Sciences. Para la comparación de promedios se utilizó la prueba Mann-Whitney y Kruskal Wallis.

Resultados:

El nivel de afiliación fue evaluado con alta puntuación (8,6; IC95%:8,5-8,8) y la longitudinalidad obtuvo una puntuación insatisfactoria (6,4; IC95%:6,3-6,5). Las debilidades relacionadas al atributo fueron la relación interpersonal entre el usuario y el profesional, el reconocimiento del usuario en su integralidad y la preparación de los profesionales para dar auxilio a los usuarios. La longitudinalidad fue mejor evaluada en los municipios con menor población, menor índice de desarrollo humano y mayor cobertura de la ESF.

Conclusión:

La longitudinalidad es insatisfactoria y revela la necesidad de reorientación de la APS y de la formación profesional. No obstante, la mayor cobertura de la ESF sugiere que ese modelo asistencial contribuye para cualificar ese atributo.

Descriptores
Atención primaria de salud; Continuidad de la atención al paciente; Investigación en servicios de salud; Salud de la família; Gestión en salud

Abstract

Objective:

research aims to evaluate the longitudinality of Primary Health Care (PHC) from the perspective of its users, verifying the association between the population size, Human Development Index (HDI) and Family Health Strategy (FHS) coverage among the municipalities of a Regional Health Coordination in the Southern region of Brazil.

Method:

cross-sectional study, conducted with 1,076 PHC adult users from 32 municipalities of the 4 Regional Health Coordination of Rio Grande do Sul, from February to June 2015. Data were collected with the Adult Primary Care Assessment Tool and analyzed with the Statistical Package for the Social Sciences software. The Mann-Whitney and Kruskal Wallis tests were used to compare the means.

Results:

the level of affiliation had a high score (8.6; CI95%: 8.5-8.8) and the longitudinality obtained an unsatisfactory score (6.4; CI95%: 6.3-6.5). The fragilities related to the attribute were the interpersonal relationship between users and professionals; the recognition of users in their comprehensiveness, and the preparation of professionals to assist users. Longitudinality was better evaluated in municipalities with lower population size, lower HDI and higher FHS coverage.

Conclusion:

longitudinality is unsatisfactory and reveals the need for reorienting PHC and conducting vocational training. However, the greater coverage of FHS suggests that this care model contributes to qualify this attribute.

Keywords
Primary health care; Continuity of patient care; Health services research; Family health; Health management

Introdução

A longitudinalidade é um atributo que desempenha importante papel para a garantia do cuidado(11. Cunha EM, Giovanella L. [Longitudinality/continuity of care: identifying dimensions and variables to the evaluation of Primary Health Care in the context of the Brazilian public health system]. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(sup 1):1029-42. Portuguese.) e juntamente com os demais atributos essenciais e derivados- atenção ao primeiro contato, integralidade, coordenação do cuidado, orientação familiar e comunitária e competência cultura – confere maior efetividade e qualidade aos serviços da Atenção Primária à Saúde (APS).(22. Starfield B. [Primary care: balancing health needs, services and technology]. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. 726 p. Portuguese.)

O atributo da longitudinalidade pressupõe a existência de uma fonte continuada de atenção e sua utilização ao longo do tempo, com a presença de vínculo, relação interpessoal e de confiança entre usuários e profissionais de saúde.(22. Starfield B. [Primary care: balancing health needs, services and technology]. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. 726 p. Portuguese.,33. Harzheim E, Pinto LF, Hauser L, Soranz D. Assessment of child and adult users of the degree of orientation of Primary Healthcare in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(5):1399-408.) No entanto, a palavra continuidade do cuidado frequentemente é utilizada de forma equivocada no lugar de longitudinalidade. Estes são termos distintos, visto que a continuidade da atenção representa a sequência de consultas ou visitas à unidade de saúde, não necessariamente com o mesmo profissional ou serviço, sendo direcionada ao manejo dos problemas ou doença e não à atenção ao indivíduo.(22. Starfield B. [Primary care: balancing health needs, services and technology]. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. 726 p. Portuguese.)

A longitudinalidade permite conhecer o usuário, seu contexto familiar e social, comportamentos, hábitos e problemas de saúde, possibilitando o planejamento de cuidados e intervenções adequadas. Assim, tornaria oportuno um cuidado integral, com ações de prevenção de doenças e promoção em saúde, e redução de uso de serviços de alta complexidade e custos na saúde.(22. Starfield B. [Primary care: balancing health needs, services and technology]. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. 726 p. Portuguese.,44. Kessler M, Eberhardt TD, Soares RSA, Signor E, Lima SBS de Weiller TH. Beneficios de la longitudinalidad como atributo de la Atención Primaria a Salud. Evidentia [Internet]. 2016 [citado 10 set 2017]; 13(53). Disponível em: http://www.index-f.com/evidentia/n53/ev10182e.php
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)

O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro incorpora nos princípios e diretrizes a longitudinalidade do cuidado à ser operacionalizada pela APS.(55. Brasil Ministério da Saúde. Portaria N° 2.436, de 21 de setembro de 2017 [Internet]. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): ministério da Saúde; 2017. [citado 21 set 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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) No Brasil, a APS tem incluído a oferta de diferentes modelos assistenciais, por exemplo, o modelo tradicional que vem sendo substituído ao longo dos anos pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). A ESF tem sido adotada como modelo para expandir e reorganizar a APS de acordo com as diretrizes do SUS, destacando seu desempenho mais positivo em relação a qualidade da atenção primária,(33. Harzheim E, Pinto LF, Hauser L, Soranz D. Assessment of child and adult users of the degree of orientation of Primary Healthcare in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(5):1399-408.,66. Tomasi E, Fernandes PA, Fischer T, Siqueira FC, Silveira DS, Thumé E, et al. Quality of prenatal services in primary healthcare in Brazil: indicators and social inequalities. Cad Saúde Pública. 2017; 33(3):e00195815.,77. Kessler M, Lima SB, Weiller TH, Lopes LF, Ferraz L, Thumé E. Longitudinality in Primary Health Care: a comparison between care models. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1127-35.) acesso e utilização ao serviço promovendo equidade(88. Andrade MV, Noronha K, Barbosa AC, Rocha TA, Silva NC, Calazans JA, Souza MN, Carvalho LR, Souza A. [Equity in coverage by the Family Health Strategy in Minas Gerais State, Brazil]. Cad Saude Publica. 2015 Jun;31(6):1175-87. Portuguese.,99. Pati D, Chauhan A, Mahapatra D, Sinha M, Pati D. Practicing health promotion in primary care – a reflective enquiry. J Prev Med Hyg. 2017;58(4):e288.) e melhores resultados para a saúde da população,(1010. Brentani A, Grisi SJ, Taniguchi MT, Ferrer AP, Bourroul ML, Fink G. Rollout of community-based family health strategy (programa de saude de familia) is associated with large reductions in neonatal mortality in São Paulo, Brazil. SSM - Population Health. 2016;2:55–61.1212. Cavalcante DF, Brizon VS, Probst LF, Meneghim MC, Pereira AC. Ambrosano GM. Did the Family Health Strategy have an impact on indicators of hospitalizations for stroke and heart failure? Longitudinal study in Brazil: 1998-2013. PLoS One. 2018;13(6):e0198428.) em comparação ao modelo tradicional.

Neste contexto, considerando os benefícios da longitudinalidade para a saúde, o reconhecimento deste atributo como característica central da APS é oportuno e deve ser almejado e avaliado.(11. Cunha EM, Giovanella L. [Longitudinality/continuity of care: identifying dimensions and variables to the evaluation of Primary Health Care in the context of the Brazilian public health system]. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(sup 1):1029-42. Portuguese.) Partindo do pressuposto de que o modelo de atenção da ESF apresenta melhor desempenho e qualidade na atenção, a sua cobertura deve ser considerada ao avaliar a longitudinalidade. Além disso, a expansão, a organização e a consolidação da APS pode ocorrer de distintas formas e magnitude nos municípios, dependendo do porte populacional e do índice de desenvolvimento humano. Destaca-se que são escassos os estudos quantitativos que avaliam de forma isolada um atributo da APS e sua relação com aspectos municipais e de serviço de saúde.

Neste sentido, o estudo teve como questões de pesquisa: qual o escore da longitudinalidade da APS na perspectiva dos usuários? Existe associação entre a longitudinalidade e o porte populacional do município, índice de desenvolvimento humano e cobertura de ESF? O objetivo do estudo foi avaliar a longitudinalidade do cuidado na APS na perspectiva dos usuários, verificando a associação com o porte populacional, índice de desenvolvimento humano e cobertura de ESF entre os municípios de uma Regional de Saúde no Sul do Brasil.

Métodos

Estudo transversal populacional realizado na APS dos 32 municípios que integram a 4ᵃ Coordenadoria Regional de Saúde (4ᵃCRS) do Estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil. A 4ᵃCRS/RS está localizada na região central do Estado e sua população foi estimada, no ano de 2014, em 559.498 mil habitantes.(1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades@ [Internet]. Rio Grande do Sul. População estimada [2014] e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) [2010]. [citado 20 jan 2015]. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br
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)

A população alvo deste estudo foram os usuários adultos da APS e o tamanho da amostra foi definido por meio de cálculo, n=Zα/22.p^.q^.Ne2(N1)+Zα/22.p^.q^., em que: valor tabelado é de 1,96 (Zα/22), percentual estimado (p^) igual a 0,5, proporção populacional de indivíduos que não pertence à categoria de interesse do estudo igual 0,5 (q^), erro amostral igual a 0,03 (3%) (e), nível de confiança correspondente a 5% (α) e tamanho populacional de 406.741 indivíduos (N). Calculou-se uma amostra estratificada por município, totalizando 1.065 indivíduos na região, sendo entrevistados 1.076 usuários. As unidades de saúde e os usuários foram selecionados por amostragem de conveniência (não probabilística). Quando não foi possível a avaliação de todas as unidades de saúde do município, foram selecionadas algumas de cada região do município, no intuito de abranger todos os contextos socioeconômicos, incluindo equipes de Atenção Básica (eAB) e equipes de Saúde da Família (eSF).(55. Brasil Ministério da Saúde. Portaria N° 2.436, de 21 de setembro de 2017 [Internet]. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): ministério da Saúde; 2017. [citado 21 set 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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)

Teve-se como critérios de inclusão: usuários dos serviços de APS com idade ≥18 anos na data da entrevista. Foram excluídos usuários em primeiro acesso junto aos serviços de APS e sem condições de saúde cognitiva para responder ao instrumento de pesquisa. Os usuários foram abordados nos serviços de saúde enquanto aguardavam atendimento. Os participantes foram informados quanto aos objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados foram coletados entre fevereiro e junho de 2015 e os questionários aplicados por seis mestrandos do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), previamente preparados. Os entrevistadores não tinham relação com os serviços de saúde pesquisados. Os dados foram coletados por meio de dispositivo móvel (tablet), utilizando o programa Epi Info versão 7,0. Para caracterização dos participantes foi utilizado um instrumento com variáveis demográficas e socioeconômicas, incluindo sexo, idade, escolaridade, cor auto referida, número de filhos e renda familiar.

O desfecho do estudo foi o atributo longitudinalidade da APS (processo de atenção),(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool PCATool - Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. 80p.) avaliado com o instrumento de pesquisa Primary Care Assessment Tool (PCATool) versão adulto, validado no Brasil(1414. Harzheim E, Oliveira MM, Agostinho MR, Hauser L, Stein AT, Gonçalves MR, et al. [Validation of the Primary Care Assessment Tool: PCATool-Brazil for adults]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013;8(29):274-84. Portuguese.) e aplicado em formato de entrevista. Para isso, foi mensurado o grau de afiliação do usuário com o serviço (componente estrutura),(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool PCATool - Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. 80p.) utilizado para avaliar o alcance do atributo. O escore do grau de afiliação varia de um a quatro e é definido a partir de um algoritmo especificado no manual do instrumento de avaliação (Brasil, 2010).(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool PCATool - Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. 80p.)

O escore longitudinalidade foi definido por meio da média aritmética dos 14 itens (perguntas) constantes no instrumento, sendo as respostas em escala Likert, com intervalo de um a quatro: valor um= com certeza não; valor dois= provavelmente não; valor três= provavelmente sim; e valor quatro= com certeza sim. Quando a soma de respostas “não sei/não lembro” (valor=nove) atingiu 50% ou mais do total de itens da longitudinalidade o questionário foi excluído, caso contrário estas respostas foram consideradas como “provavelmente não”.(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool PCATool - Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. 80p.) Neste processo nove questionários foram excluídos, constituindo uma amostra final de 1.067 usuários adultos.

Em seguida, o escore obtido para o grau de afiliação e para a longitudinalidade foi transformado em uma escala de zero a 10 para obtenção do escore final, por meio do seguinte cálculo: (escore obtido − 1)*10/4-1. Os escores foram então dicotomizados usando o ponto de corte 6,6: baixo escore (<6,6) e alto escore (≥6,6).(1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool PCATool - Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. 80p.)

Os dados foram analisados com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences versão 16.0 for Windows. A distribuição de normalidade das variáveis foi avaliada com o teste de Shapiro Wilk. As variáveis qualitativas foram expressas como frequências absolutas e relativas; e as variáveis quantitativas como mediana, média e desvio padrão (DP), com intervalo de confiança (IC) de 95%. Foi aplicado o α de Cronbach para avaliar a confiabilidade das respostas, considerando valor ≥0,70 como sendo confiável.(1616. Nascimento L, Paula CC, Magnago TS, Padoin SM, Harzheim E, Silva CB. Quality of Primary Health Care for children and adolescents living with HIV. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2720.)

Verificou-se a diferença entre escores médios da longitudinalidade conforme as seguintes características: porte do município(1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades@ [Internet]. Rio Grande do Sul. População estimada [2014] e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) [2010]. [citado 20 jan 2015]. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br
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) (até 10.000 habitantes; de 10.001 a 30.000; de 30.001 a 100.000; de 100.001 ou mais habitantes); Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)(1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades@ [Internet]. Rio Grande do Sul. População estimada [2014] e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) [2010]. [citado 20 jan 2015]. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br
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) classificado em percentil 50 (0,631 a 0,766 e 0,767 a 0,784) devido a pequena variação na amplitude de IDH entre os municípios da região; e cobertura populacional da ESF(1717. Brasil. Ministério da Saúde. Histórico de Cobertura da Saúde da Família [Internet]. Rio Grande do Sul, 2015. [citado 20 jan 2015]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php
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) (até 30%; de 30 a 64,9%; e 65% ou mais).

Para a comparação dos escores conforme IDHM, utilizou-se o teste Mann-Whitney e conforme porte populacional e cobertura de ESF, utilizou-se o teste Kruskal Wallis seguido de Post Hoc Dunn para identificar quais dos pares de grupos diferem, sendo o grupo “a” diferente de “b” e ambos diferem de “c”. Todas as análises estatísticas foram realizadas considerando nível de significância de 5% (p<0,05).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSM, sob número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 34137314.4.0000.5346, seguindo os preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466/2012.

Resultados

Em relação à caracterização dos usuários, 76,3% (n=814) dos participantes eram do sexo feminino, a média de idade foi de 42,5 anos (DP:15,7), com idade mínima 18 e máxima 91 anos, 69,6% (n=740) se autodeclaram brancos, 52,7% (n=561) relataram ter um a dois filhos, 55,1% (n=586) dos usuários possuíam ensino fundamental ou menor escolaridade e 76,9% (n=817) possuíam renda familiar de dois salários mínimos mensais ou renda menor. Na avaliação do grau de afiliação obteve-se um alto escore (8,6; IC95%:8,5-8,8). Quando avaliada a longitudinalidade do cuidado, o escore estimado pelo PCATool-Brasil, versão adulto, apresentou um baixo escore (6,4; IC95%:6,3-6,5), contudo, mostrou-se próximo ao valor considerado satisfatório (≥6,6), conforme tabela 1. O resultado foi avaliado como sendo confiável (0,818).

Tabela 1
Escore do grau de afiliação e da longitudinalidade na Atenção Primária à Saúde nos municípios da 4ᵃ Coordenadoria Regional de Saúde (n=1067)

A partir do escore da longitudinalidade, apresenta-se à seguir o detalhamento dos itens que compõe este atributo e respectiva avaliação, para compreender melhor este resultado (Tabela 2). Foram consideradas como fragilidades os itens que, na soma das proporções “com certeza sim” e “provavelmente sim” na Escala de Likert, obtiveram um resultado <50%. Neste sentido, conforme os usuários, 30,0% (n=320) relataram poder conversar com o profissional que melhor conhecem, em caso de dúvida; para 39,3% (n=418) o profissional lhe conhece mais como pessoa do que somente como alguém com um problema de saúde; 46,9% (n=500) referiram que o profissional sabe com quem mora; e para 45,5% (n=485) o profissional sabe a respeito da sua ocupação. Com proporção acima de >50% para as respostas “com certeza sim” e “provavelmente sim”, 52,8% (n=562) responderam que o profissional sabe quais problemas são mais importantes para o usuário; para 59,0% (n=629) o profissional saberia ajudar se tivessem problemas em obter medicamentos; itens que ainda podem ser considerados como lacunas no cuidado longitudinal. Destaca-se que 65,1% (n=695) dos participantes relataram que mudariam de profissional ou serviço se isto fosse facilitado e/ou disponibilizado.

Tabela 2
Distribuição percentual das respostas dos usuários da Atenção Primária à Saúde aos itens que compõem o atributo longitudinalidade, nos municípios da 4ᵃ Coordenadoria Regional de Saúde (Alfa de Cronbach = 0,818, n=1067)

A tabela 3 apresenta o escore da longitudinalidade estratificado por porte populacional, IDHM e cobertura de ESF.

Tabela 3
Escore da longitudinalidade da Atenção Primária à Saúde conforme porte populacional, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal e cobertura de Estratégia de Saúde da Família nos municípios da 4ᵃ Coordenadoria Regional de Saúde (n=1067)

Em relação ao porte populacional, os usuários da APS dos municípios com até 100 mil hab. avaliaram a longitudinalidade com alto escore. Os municípios de 30 a 100 mil hab. apresentaram o maior escore (7,6 ± 1,8), com diferença significativa (p≤0,001). No entanto, os usuários da APS dos municípios com mais de 100.000 hab. avaliaram a longitudinalidade com baixo escore (5,8 ± 2,2), com diferença significativa em relação aos municípios de menor porte populacional (p≤0,001) (Tabela 3). Quanto ao IDHM, o escore da longitudinalidade foi maior nos municípios com menor IDH (6,9 ± 1,9), com diferença significativa (p≤0,001). Ao avaliar o escore desse atributo estratificado por cobertura de ESF, observou-se que a longitudinalidade obteve alto escore somente nos municípios com cobertura de 65% ou mais da população (7,0 ± 1,9), com diferença significativa (p≤0,001) (Tabela 3).

Discussão

O valor médio do grau de afiliação conferido pelo usuário da APS foi alto na região de saúde estudada, informando que o mesmo prioriza utilizar os serviços do primeiro nível de atenção. Um dos elementos imprescindíveis na composição da longitudinalidade é a existência de uma fonte regular de atenção(11. Cunha EM, Giovanella L. [Longitudinality/continuity of care: identifying dimensions and variables to the evaluation of Primary Health Care in the context of the Brazilian public health system]. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(sup 1):1029-42. Portuguese.), que pressupõe o reconhecimento da APS como referência habitual para o atendimento da maioria das necessidades de saúde.(22. Starfield B. [Primary care: balancing health needs, services and technology]. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. 726 p. Portuguese.)

Reconhecer um serviço de referência e uma a fonte regular de atenção tende favorecer a construção da longitudinalidade, como evidenciado em estudo realizado com cuidadores/familiares de crianças e adolescentes com HIV em Santa Maria (RS).(1818. Silva CB, Paula CC, Lopes LF, Harzheim E, Magnago TS, Schimith MD. Health care for children and adolescents with HIV: a comparison of services. Rev Bras Enferm. 2016;69(3):489-97.) No entanto, à longitudinalidade obteve baixo escore conforme avaliação dos usuários da APS. Este atributo é considerado insatisfatório, sugerindo fragilidades na relação interpessoal, vínculo e confiança entre profissional e usuário. Entende-se que estes aspectos são importantes, pois valorizam a concepção ampliada do processo saúde/doença, construída por meio do diálogo e a interação entre sujeitos.

O achado converge com estudos brasileiros que utilizaram o instrumento de avaliação PCATool-Brasil nas suas diferentes versões.(33. Harzheim E, Pinto LF, Hauser L, Soranz D. Assessment of child and adult users of the degree of orientation of Primary Healthcare in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(5):1399-408.,1919. Vitoria AM, Harzheim E, Takeda SP, Hauser L. [Evaluation of primary health care attributes in Chapecó, Brazil]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):285-93. Portuguese.,2020. Oliveira VB, Veríssimo ML. Children's health care assistance according to their families: a comparison between models of Primary Care. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):30-6.) Estudo realizado em Rio de Janeiro com usuários adultos e crianças de dois modelos de atenção à saúde obteve baixo escore em ambas as amostras.(33. Harzheim E, Pinto LF, Hauser L, Soranz D. Assessment of child and adult users of the degree of orientation of Primary Healthcare in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(5):1399-408.) Pesquisa realizada em um município de Santa Catarina com profissionais da APS, demonstrou baixo escore para longitudinalidade.(1919. Vitoria AM, Harzheim E, Takeda SP, Hauser L. [Evaluation of primary health care attributes in Chapecó, Brazil]. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2013; 8(29):285-93. Portuguese.) Resultados similares foram encontrados em pesquisa realizada com familiares responsáveis por crianças atendidas num serviço público do estado do Paraná.(2020. Oliveira VB, Veríssimo ML. Children's health care assistance according to their families: a comparison between models of Primary Care. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):30-6.)

A ausência ou baixo vínculo longitudinal pode trazer consequências negativas para a saúde da população, como demostrado em estudo longitudinal realizado em Amsterdã, na Holanda, onde usuários dos serviços de atenção primária de 60 anos ou mais de idade, com menor continuidade dos cuidados apresentaram maior risco de mortalidade.(2121. Maarsingh OR, Henry Y, van de Vem PM, Deeg DJ. Continuity of care in primary care and association with survival in older people: A 17-year prospective cohort study. Br J Gen Pract. 2016;66(649):e531–9.) Neste estudo o termo continuidade do cuidado foi definida como a duração da relação terapêutica em curso entre o indivíduo e o serviço/profissional.(2121. Maarsingh OR, Henry Y, van de Vem PM, Deeg DJ. Continuity of care in primary care and association with survival in older people: A 17-year prospective cohort study. Br J Gen Pract. 2016;66(649):e531–9.)

Em relação à avaliação dos itens que compõem a longitudinalidade, foi considerado frágil o processo de comunicação dos usuários com o profissional de saúde que melhor conheciam. Este resultado pode estar relacionado a problemas de acessibilidade na APS, considerada uma limitação para o cuidado ao longo do tempo.(2222. Baratieri T, Mandu ENT, Marcon SS. Longitudinality in nurses' work: a report of professional experiences. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1260-7.) Uma comunicação eficiente e acessível é fator imprescindível para o estabelecimento do vínculo longitudinal.(2323. Vaz EM, Magalhães RK, Toso BR, Reichert AP, Collet N. Longitudinality in childcare provided through Family Health Strategy. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(4):49-54.) O profissional deve estar aberto ao diálogo, ouvir, identificar as necessidades e orientar o usuário, fortalecendo o vínculo e a sua confiança no serviço. Além disso, com a possibilidade de ampliação das eAB, conforme a PNAB(55. Brasil Ministério da Saúde. Portaria N° 2.436, de 21 de setembro de 2017 [Internet]. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): ministério da Saúde; 2017. [citado 21 set 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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) revisada recentemente, o menor número de profissionais nas equipes, bem como a flexibilidade nos horários de contratação de algumas categorias pode implicar em menor tempo disponível para a escuta e reconhecimento das condições de vida dos usuários.

Identificou-se que, para a maioria dos entrevistados o profissional de saúde não os conhece como pessoa, mas somente como alguém com um problema de saúde, o que demonstra que o modelo tradicional curativo voltado à doença continua presente nos serviços de APS. Estes modelo de atenção à saúde deve estar orientado para a pessoa e não para a doença, prevendo o acompanhamento do indivíduo em sua integralidade, abordando ações de prevenção, promoção, recuperação da saúde,(22. Starfield B. [Primary care: balancing health needs, services and technology]. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. 726 p. Portuguese.,33. Harzheim E, Pinto LF, Hauser L, Soranz D. Assessment of child and adult users of the degree of orientation of Primary Healthcare in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21(5):1399-408.) bem como redução de danos. Vale destacar que a PNAB(55. Brasil Ministério da Saúde. Portaria N° 2.436, de 21 de setembro de 2017 [Internet]. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): ministério da Saúde; 2017. [citado 21 set 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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) também prevê novas diretrizes para a gestão de recursos da atenção básica reconhecendo outras formas/modelos de APS, o que pode ir de encontro com as demandas requeridas para garantia da longitudinalidade do cuidado.

Observaram-se resultados insatisfatórios quanto ao conhecimento do profissional de saúde referente a quem mora com o usuário, seus problemas mais importantes e sua ocupação. Reconhecer o contexto social e familiar do usuário permite a elaboração de ações condizentes com sua realidade e maior resolutividade dos serviços.(2222. Baratieri T, Mandu ENT, Marcon SS. Longitudinality in nurses' work: a report of professional experiences. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1260-7.,2424. Lima AD, Ramos DD, Rosa RB, Nauderer TM, Davis R. [Access and quality care in health care centers from the usersí point of view]. Acta Paul Enferm. 2007;20(1):12-7. Portuguese.) Compreender o usuário em sua singularidade e suas perspectivas para o cuidado permite a construção de territórios afetivos, além do seu caráter formal e institucional, favorecendo o vínculo, considerada demanda inerente às ações na APS.(2525. Silva MR, Silveira LC, Pontes RJ, Vieira AN. Care beyond health: mapping bonding, autonomy and emotional territory in family health. REME Rev Min Enferm. 2015;19(1):249-54.) Menos que metade dos participantes afirmaram que o profissional saberia ajudar se tivessem problemas em obter medicamentos, demonstrando despreparo para responder às necessidades da população. O serviço deve estar atento às condições socioeconômicas dos usuários e sua possibilidade de acesso aos medicamentos prescritos.(2323. Vaz EM, Magalhães RK, Toso BR, Reichert AP, Collet N. Longitudinality in childcare provided through Family Health Strategy. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(4):49-54.)

A maioria dos entrevistados afirma que mudaria de profissional ou serviço se isto fosse possível, o que demonstra insatisfação em relação ao processo assistencial na APS. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo realizado com usuários adultos da atenção primária em Alfenas (MG)(2626. Silva SA, Fracolli LA. [The Family Health Strategy assessment: perspective of users in Minas Gerais, Brazil]. Saúde Debate. 2014;38(103): 692-705. Portuguese.) e outra pesquisa com familiares responsáveis por crianças atendidas no serviço público de saúde de Colombo (PR).(2020. Oliveira VB, Veríssimo ML. Children's health care assistance according to their families: a comparison between models of Primary Care. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(1):30-6.) Estudo evidenciou que o vínculo com o serviço de saúde e o desempenho profissional são os principais fatores valorizados pelos usuários e geram satisfação.(2424. Lima AD, Ramos DD, Rosa RB, Nauderer TM, Davis R. [Access and quality care in health care centers from the usersí point of view]. Acta Paul Enferm. 2007;20(1):12-7. Portuguese.)

A análise dos resultados permite inferir que os usuários percebem fragilidades no processo assistencial da APS, que é considerada como fonte regular da atenção. Lacunas relacionadas a organização do serviço, volume de trabalho, falta de profissionais e a falta de conhecimento,(2727. Paula CC, Silva CB, Nazário EG, Ferreira T, Schimith MD, Padoin SM. Factors interfering with the attribute longitudinality in the primary health care: an integrative review. Rev Eletron Enferm. 2015;17(4):1-11.) bem como rotatividade dos profissionais e instabilidade nos vínculos trabalhistas podem influenciar negativamente no vínculo entre profissional e o usuário. A longitudinalidade será alcançada em toda sua amplitude quando for uma prioridade da gestão, na medida que envolve oferta adequada de serviços(11. Cunha EM, Giovanella L. [Longitudinality/continuity of care: identifying dimensions and variables to the evaluation of Primary Health Care in the context of the Brazilian public health system]. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(sup 1):1029-42. Portuguese.) com ampliação do acesso e acessibilidade,(2222. Baratieri T, Mandu ENT, Marcon SS. Longitudinality in nurses' work: a report of professional experiences. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1260-7.,2828. Paula WK, Samico IC, Caminha MF, Batista Filho M, Silva SL. Primary health care assessment from the users' perspectives: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):331-40.) mecanismos de fixação dos profissionais na comunidade(11. Cunha EM, Giovanella L. [Longitudinality/continuity of care: identifying dimensions and variables to the evaluation of Primary Health Care in the context of the Brazilian public health system]. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(sup 1):1029-42. Portuguese.,2828. Paula WK, Samico IC, Caminha MF, Batista Filho M, Silva SL. Primary health care assessment from the users' perspectives: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):331-40.) e a formação continuada,(2828. Paula WK, Samico IC, Caminha MF, Batista Filho M, Silva SL. Primary health care assessment from the users' perspectives: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):331-40.) e a presença de profissionais sensíveis e atentos às necessidades de saúde da população por meio de uma atenção integral.(2222. Baratieri T, Mandu ENT, Marcon SS. Longitudinality in nurses' work: a report of professional experiences. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1260-7.,2828. Paula WK, Samico IC, Caminha MF, Batista Filho M, Silva SL. Primary health care assessment from the users' perspectives: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):331-40.) Isso remete, ainda a importância da educação interprofissional e problematizadora, durante e após a formação dos profissionais da saúde, para romper com a centralidade formativa na doença.

Ao estratificar o escore da longitudinalidade da APS por porte populacional, chama atenção que os municípios de maior porte apresentaram os piores resultados. Frequentemente grandes municípios concentram menores coberturas de ESF,(66. Tomasi E, Fernandes PA, Fischer T, Siqueira FC, Silveira DS, Thumé E, et al. Quality of prenatal services in primary healthcare in Brazil: indicators and social inequalities. Cad Saúde Pública. 2017; 33(3):e00195815.,1717. Brasil. Ministério da Saúde. Histórico de Cobertura da Saúde da Família [Internet]. Rio Grande do Sul, 2015. [citado 20 jan 2015]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php
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) que pode ser uma das justificativas desse resultado, considerando que estudos têm encontrado melhores resultados para a longitudinalidade na ESF em relação aos demais modelos de atenção.(77. Kessler M, Lima SB, Weiller TH, Lopes LF, Ferraz L, Thumé E. Longitudinality in Primary Health Care: a comparison between care models. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1127-35.,1616. Nascimento L, Paula CC, Magnago TS, Padoin SM, Harzheim E, Silva CB. Quality of Primary Health Care for children and adolescents living with HIV. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2720.,2929. Ferrer AP, Brentani AV, Sucupira AC, Navega AC, Cerqueira ES, Grisi SJ. The effects of a people-centred model on longitudinality of care and utilization pattern of healthcare services - Brazilian evidence. Health Policy Plan. 2014;29(Supl 2):107-13.) Estudo reitera que grandes municípios possuem dificuldade de financiamento e expansão da ESF, uma vez que o recurso financeiro repassado ao município está vinculado a taxa de cobertura.(3030. Viana AL, Rocha JS, Elias PE, Ibañez N, Novaes MH. [Models of primary health care in large cities in the State of São Paulo: effectiveness, efficaciousness, sustainability and governableness]. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11(1):577-606. Portuguese.)

A longitudinalidade foi avaliada com baixo escore nos municípios com maior IDH, o que pode ter relação com o porte populacional, uma vez que, os municípios de grande porte da região estudada são os que possuem o maior IDH,(1313. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades@ [Internet]. Rio Grande do Sul. População estimada [2014] e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) [2010]. [citado 20 jan 2015]. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br
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) porém, menor cobertura de ESF. A presença de escore satisfatório para a longitudinalidade entre os municípios com maior cobertura de ESF reforça o papel deste modelo como provedor e reorganizador da APS.(88. Andrade MV, Noronha K, Barbosa AC, Rocha TA, Silva NC, Calazans JA, Souza MN, Carvalho LR, Souza A. [Equity in coverage by the Family Health Strategy in Minas Gerais State, Brazil]. Cad Saude Publica. 2015 Jun;31(6):1175-87. Portuguese.) O aumento da cobertura de saúde da família é um dos os desafios para consolidação da APS e a expansão deste modelo pode potencializar resultados satisfatórios em relação à melhora de indicadores de saúde, especialmente entre a população mais vulnerável, promovendo a equidade em saúde.(88. Andrade MV, Noronha K, Barbosa AC, Rocha TA, Silva NC, Calazans JA, Souza MN, Carvalho LR, Souza A. [Equity in coverage by the Family Health Strategy in Minas Gerais State, Brazil]. Cad Saude Publica. 2015 Jun;31(6):1175-87. Portuguese.,3131. Malta DC, Santos MA, Stopa SR, Vieira JE, Melo EA, Reis AA. Family Health Strategy Coverage in Brazil, according to the National Health Survey, 2013. Ciênc Saúde Coletiva. 2016:21(2):327-38.)

A nova PNAB(55. Brasil Ministério da Saúde. Portaria N° 2.436, de 21 de setembro de 2017 [Internet]. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): ministério da Saúde; 2017. [citado 21 set 2018]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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) passou a reconhecer outros modelos de organização da atenção básica que não o modelo da ESF, no entanto, a ESF ainda permanece como prioridade para a expansão e consolidação da atenção primária no Brasil. A expectativa é que as revisões da PNAB possam convergir para a realização de uma APS acessível e resolutiva, fortalecendo o SUS em sua totalidade. Ressalta-se que a implementação da PNAB não dependerá exclusivamente de seu texto (revisado em 2017), mas sim do desdobramento do emaranhado de interesses corporativos, políticos e econômicos, dependendo substancialmente da participação e do papel da sociedade na luta pelo direito à saúde no Brasil.(3232. Almeida ER, Sousa AN, Brandão CC, Carvalho FF, Tavares G, Silva KC. [National primary health care policy in Brazil: an analysis of the review process (2015–2017)]. Rev Panam Salud Publica. 2018;42(e180):1-8. Portuguese.)

Sendo o profissional enfermeiro a exercer papel primordial nas coordenações dos serviços de saúde primários e, assim, cabendo-lhe co-responsabilidades de efetivação da PNAB vigente, esse estudo reforça a importância da enfermagem propiciar a longitudinalidade, desenvolvendo planos de cuidado mais precisos e eficazes, que proporcionam melhoria da qualidade de atenção em saúde.(2222. Baratieri T, Mandu ENT, Marcon SS. Longitudinality in nurses' work: a report of professional experiences. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1260-7.) A ausência da longitudinalidade do cuidado pode dificultar a resolutividade dos problemas e gerar insatisfação do usuário com o nível primário de saúde. Nesse contexto, a assistência interdisciplinar potencializa o atendimento compartilhado, as discussões de casos clínicos, favorecendo a construção de projetos terapêuticos, a busca por ações intersetoriais, com foco na promoção da saúde.

Conclusão

O estudo identificou que os usuários da APS da 4ᵃ CRS/RS consideram o serviço como uma fonte regular de atenção, no entanto, a longitudinalidade obteve um escore aquém do desejado. A avaliação revelou fragilidades em relação a comunicação entre profissionais e usuários, ao reconhecimento do indivíduo em sua integralidade, considerando o seu contexto familiar/social, e quanto ao preparo dos profissionais para auxiliar os usuários. Estes resultados indicam, pontualmente, aspectos que precisam avançar para o alcance de um cuidado longitudinal. Destaca-se que foram encontrados melhores resultados para a longitudinalidade nos municípios com menor IDH, com população abaixo de 100 mil habitantes e com maior cobertura de ESF, sugerindo para a necessidade de expansão e ampliação da cobertura deste modelo de atenção para alcance deste atributo e melhoria da qualidade da APS. Este estudo mostra que a avaliação da longitudinalidade do cuidado na APS deve ser analisada pelo ponto de vista dos usuários e, também, pelos aspectos demográficos e sociais dos territórios em que os serviços de saúde estão atuando/inseridos. Além disso, questões que geram/propiciam a alta rotatividade dos profissionais de saúde, como a precarização do trabalho –por motivos diversos- devem ser consideradas, uma vez que o descontinuo trabalho dos profissionais de saúde interfere nos relacionamentos e vínculos com os usuários da APS.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; Edital financiamento 014/2014); à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS; Bolsa de Mestrado); e à 4ᵃ Coordenadoria Regional de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul por autorizar a realização deste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2018
  • Aceito
    11 Fev 2019
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