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Valores glicêmicos oferecidos pelo glicosímetro portátil, utilizando sangue de diferentes vias de coleta: estudo de validade

Resumos

OBJETIVO: Identificar se há diferença significativa entre os resultados glicêmicos oferecidos pelo glicosímetro portátil, utilizando sangue obtido de diferentes vias de coleta e pela análise laboratorial. MÉTODOS: Estudo quantitativo de validade. Foram coletadas diariamente amostras de sangue capilar, do cateter venoso central e do catéter arterial para verificação da glicemia pelo glicosímetro, e feita análise da glicemia laboratorial. Para análise, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS. RESULTADOS: Observou-se que glicemia processada no glicosímetro portátil, com amostra de sangue do cateter venoso central, foi a que apresentou maior correlação com o valor oriundo do laboratório, considerando-se este o "padrão-ouro". CONCLUSÃO: Coletas por via capilar, em pacientes graves e instáveis hemodinamicamente, podem trazer resultados glicêmicos falsos, levando a alterações indevidas da solução de insulina É preciso atentar para a via de coleta ideal da glicemia em pacientes graves, afim de que não haja erro no manuseio da solução de insulina.

Coleta de amostras sanguíneas; Cuidados críticos; Glicemia; Unidades de terapia intensiva


OBJECTIVE: To identify the relevant differences between portable blood glucose meter readings in different sampling accesses blood and laboratory analysis. METHODS: Quantitative validity study. Daily samples were collected from capillary blood, central venous access catheter and arterial catheter and the blood glucose values checked using portable blood glucose meter and laboratory analysis. The findings were analyzed with the Statistical Package for the Social Sciences - SPSS software. RESULTS: Central venous catheter samples blood glucose meter readings were found to have the best correlation with the laboratory analysis results, considered as the gold-standard. CONCLUSION: Hemodynamically unstable patients' capillary blood samples may provide false blood glucose results, and lead to inappropriate insulin solution management. Therefore, ideal blood glucose sampling is relevant to prevent insulin solution management errors.

Blood specimen collection; Critical care; Blood glucose; Intensive care units


ARTIGO ORIGINAL

Valores glicêmicos oferecidos pelo glicosímetro portátil, utilizando sangue de diferentes vias de coleta: estudo de validade

Ana Paula Bello ArgolloI; Tássia Nery FaustinoII; Thiallan Nery FaustinoIII; Larissa Chaves PedreiraIV

IEnfermeira do Hospital Estadual Manuel Vitorino - Salvador (BA), Brasil

IIEnfermeira da Unidade de Terapia Intensiva Neurológica do Hospital Espanhol e da Educação Permanente das Obras Sociais Irmã Dulce - Salvador (BA), Brasil

IIIEnfermeira da Unidade de Terapia Intensiva Geral do Hospital São Rafael e Preceptora da Residência de Enfermagem em Terapia Intensiva Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bania - UFBA - Salvador (BA), Brasil

IVDoutora, Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Larissa Chaves Pedreira Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia Rua Augusto Viana s/n - Campus do Canela CEP: 40110-060 - Salvador (BA), Brasil. Fone: (71) 3283-7613 Fax: (71) 3283-7613 E-mail: lchavesp@ufba.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar se há diferença significativa entre os resultados glicêmicos oferecidos pelo glicosímetro portátil, utilizando sangue obtido de diferentes vias de coleta e pela análise laboratorial.

MÉTODOS: Estudo quantitativo de validade. Foram coletadas diariamente amostras de sangue capilar, do cateter venoso central e do catéter arterial para verificação da glicemia pelo glicosímetro, e feita análise da glicemia laboratorial. Para análise, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences - SPSS.

RESULTADOS: Observou-se que glicemia processada no glicosímetro portátil, com amostra de sangue do cateter venoso central, foi a que apresentou maior correlação com o valor oriundo do laboratório, considerando-se este o "padrão-ouro".

CONCLUSÃO: Coletas por via capilar, em pacientes graves e instáveis hemodinamicamente, podem trazer resultados glicêmicos falsos, levando a alterações indevidas da solução de insulina É preciso atentar para a via de coleta ideal da glicemia em pacientes graves, afim de que não haja erro no manuseio da solução de insulina.

Descritores: Coleta de amostras sanguíneas; Cuidados críticos; Glicemia; Unidades de terapia intensiva

INTRODUÇÃO

A hiperglicemia é um evento comum em unidades de terapia intensiva (UTI) e, em situações agudas, se associa à pior prognóstico. Assim, a mensuração desta de forma fidedigna é fator determinante para a condução do tratamento do paciente.(1-4)

O estudo de van den Berghe et al.,(5) tornou-se um marco para o controle glicêmico em UTIs, quando demonstrou que a manutenção da glicemia entre 80 e 110 mg/dl, utilizando infusão venosa contínua de insulina, reduzia significativamente a mortalidade e a incidência de complicações em pacientes críticos.

Para o controle glicêmico através dessa infusão, faz-se necessário à utilização de um protocolo de insulinoterapia que permita manter a glicemia dentro da faixa selecionada e que evite, ou pelo menos reduza a ocorrência de complicações. Esta também é uma medida simples e de baixo custo, que orienta as ações da enfermagem quanto à manipulação correta da titulação da solução de insulina.

Na UTI do estudo, a mensuração glicêmica para a titulação da solução de insulina é feita, em grande parte, através de glicosímetros portáteis, utilizando amostras de sangue capilar obtidas por meio do uso de lancetas. Porém, estudos demonstraram que a glicemia da coleta digital pode ser inexata em pacientes criticamente doentes, devido ao prejuízo da perfusão periférica ocasionado pelo uso de drogas vasoativas, a presença de edema e distúrbios na microcirculação, podendo levar a modificações inapropriadas na vazão da infusão de insulina.(6,7)

Além da punção digital, outras vias para coleta de amostras sanguíneas podem ser utilizadas, como a venosa central e a arterial. Observa-se, como prática frequente entre a equipe de enfermagem, o aproveitamento do sangue colhido do acesso central ou cateter arterial para fins laboratoriais, para a obtenção da glicemia no glicosímetro. Essa atitude busca reduzir o incômodo devido às repetidas punções digitais, a manutenção da integridade cutânea e a diminuição do risco de infecção secundário à quebra da solução de continuidade.

Em relação ao exposto, é notória a importância da precisão na obtenção da glicemia a fim de introduzir, ajustar ou suspender o uso da solução de insulina e identificar eventos de hipoglicemia. A exatidão das vias de coleta no medidor portátil, de forma suficientemente detalhada, para uma adequada interpretação, foi examinada por poucos estudos publicados.(6,8)

A equipe de enfermagem, em sua prática no cuidado a esses pacientes na UTI, segue os protocolos de insulina em relação à vazão da droga, de acordo com o resultado da glicemia, geralmente capilar. Contudo, não há, nesses protocolos, uma padronização da coleta, quanto à melhor via, ficando a cargo de cada profissional essa avaliação e discernimento, já que não existem grandes estudos ou consensos de especialistas que determine qual a via para coleta de sangue que fornece os valores de glicemia mais fidedignos quando comparados a análise laboratorial, que se constitui no "padrão-ouro". (6,7)

O estudo objetivou comparar os resultados glicêmicos oferecidos pelo glicosímetro portátil, utilizando sangue obtido de diferentes vias de coleta, com a análise laboratorial e identificar se ocorreram diferenças significativas.

MÉTODOS

Estudo quantitativo de validade, realizado na UTI de um hospital privado na cidade de Salvador - Bahia, que dispõe de 16 leitos, atendendo pacientes adultos clínicos e cirúrgicos. Esta unidade faz uso da infusão venosa contínua de insulina, monitorando a glicemia através do Protocolo Yale.(1,4)

Para alcance do objetivo geral, foram definidos os seguintes objetivos específicos: identificar os valores glicêmicos obtidos por meio de três vias comuns de mensuração em UTIs: análise do sangue capilar, arterial e venoso central através de fitas reagentes; comparar os valores obtidos através do glicosímetro portátil e da análise laboratorial; Identificar a interferência do uso de drogas vasoativas, presença de edema e diminuição de perfusão periférica nos valores glicêmicos gerados através da coleta digital; verificar o impacto dos valores glicêmicos, obtidos através do glicosímetro portátil, na manipulação do protocolo de insulina.

Neste trabalho, optou-se por considerar a análise laboratorial da glicemia a partir do sangue venoso obtido em cateter central. Estudos apontam que não há diferença significativa desta, quando obtida de sangue venoso ou arterial.(9-11)

Durante a coleta, 263 pacientes estiveram internados nesta unidade, contudo, apenas 34 preencheram os critérios de inclusão: ser adulto, estar em uso de cateter venoso central e cateter arterial; ter prescrição de glicemia capilar às 6 horas e possuir aceite do paciente ou responsável, caso este estivesse impossibilitado, de participar da pesquisa. Dentre os critérios de exclusão estavam à impossibilidade de coleta de sangue capilar, do cateter central ou arterial; ter menos que 18 anos, e recusar, paciente ou responsável, em participar da pesquisa.

A coleta foi realizada entre outubro de 2008 e janeiro de 2009, através de um instrumento composto por três partes preenchido a cada coleta, e da busca de informações no prontuário:

a) parte 1 - caracterização da amostra.

b) parte 2 - variáveis independentes: uso/dose de vasopressor, hematócrito, presença e intensidade de edema em extremidades, enchimento capilar.

O edema foi examinado, sempre pela mesma pesquisadora, no membro em que a punção capilar foi realizada e graduado em quatro níveis: grau 1 (ausente); grau 2 (edema leve); grau 3 (edema moderado) e grau 4 (edema importante).

O enchimento capilar foi classificado como preservado quando inferior a 3 segundos e em diminuído quando superior a esse valor. O enchimento capilar foi analisado no quirodáctilo em que a punção capilar foi realizada.

c) parte 3 - registro dos valores glicêmicos oriundos do glicosímetro portátil, utilizando o sangue proveniente do acesso central, cateter arterial e punção capilar, como também da amostra processada no laboratório central.

As amostras de sangue foram coletadas diariamente às 6h da manhã, em pacientes que tinham prescrição de glicemia capilar, evitando punções adicionais. A coleta de sangue, das diferentes vias, foi realizada exclusivamente pelas pesquisadoras.

O sangue foi obtido do cateter venoso central e do arterial utilizando seringas. Colheu-se uma amostra de 5 ml de sangue do cateter central, que foi descartada. Após, obteve-se imediatamente 10 ml do fluido desse cateter. Essa amostra foi utilizada para verificação da glicemia no glicosímetro portátil e também foi encaminhada à análise laboratorial para processamento da glicemia e dos outros exames laboratoriais diários, conforme rotina da unidade.

O glicosímetro utilizado foi o Accu-Chek Performa® da Roche, com suas respectivas tiras reagentes, sendo todas as glicemias feitas com um único aparelho. Este foi calibrado antes do uso para garantir sua acurácia, pois, de acordo com autores, esta pode ser duvidosa pela falta de calibração.(12) A glicose laboratorial foi mensurada através do método hexoquinase-glicose-6-fosfato desidrogenase, utilizando-se cartuchos de reagente Flex® da Dade Behring.

No cateter arterial, foi colhido e desprezado 03 ml de sangue, seguindo-se da coleta de 01 ml do fluido para o processamento da glicemia.

A punção capilar foi realizada no membro contra-lateral ao da presença do cateter arterial e aleatoriamente entre os quirodáctilos, evitando-se aqueles com sinais de múltiplas punções anteriores.

Na medida em que eram coletadas, as amostras foram processadas imediatamente no glicosímetro portátil por meio de tiras teste, na seguinte ordem: cateter central, cateter de mensuração de pressão arterial invasiva e punção capilar.

Os dados foram inseridos em planilha eletrônica do programa Excel-2000 da Microsoft Windows, na medida em que foram coletados. Posteriormente, foram analisados utilizando o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 10.0.

Estatísticas descritivas foram utilizadas para as características demográficas (idade e sexo) e clínicas (diagnóstico atual, edema, enchimento capilar, uso de drogas vasoativas).

As variáveis contínuas foram: idade (anos); valores de glicemia capilar, do sangue venoso central e do sangue arterial processados no glicosímetro (mg/dL); valores de glicemia do sangue venoso central processado no laboratório (mg/dL); dose de drogas vasoativas (μg/Kg/min); e graduação do edema em extremidades. Para as variáveis contínuas foram calculadas as medidas de tendência central: média, mediana e apenas uma medida de dispersão (desvio-padrão). Valores mínimos e máximos também foram descritos.

As variáveis: sexo, diagnóstico atual, edema, enchimento capilar e uso de drogas vasoativas, foram descritas quanto a sua freqüência (%). Neste trabalho, pela anormalidade da amostra, optou-se por calcular a média, a mediana e o desvio padrão.

Para avaliar as correlações entre as variáveis contínuas foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. Para analisar a magnitude das correlações, os valores de referência adotados foram: fraca < 0,30; moderada = 0,30 a 0,9715; forte > 0,9715 a 0,99 e perfeita = 1,00. Em todas as análises realizadas foi utilizado o nível de significância de 5%.(13)

Para a análise de concordância entre as variáveis contínuas (valores de glicemia capilar, do sangue venoso central e do sangue arterial processados no glicosímetro e valores de glicemia do sangue venoso central processado no laboratório) utilizou-se o teste de Bland & Altman. Este teste é utilizado para a representação gráfica de concordância entre variáveis. O gráfico é composto de uma linha horizontal representando o ponto de concordância entre elas, e a linha vertical representando a diferença de médias. Quanto mais próximos do eixo de concordância estiverem os pontos, maior a concordância entre as variáveis.(13,14)

Para aproximar os dados estatísticos da realidade clínica, foi comparada a titulação da solução de insulina considerando o Protocolo de Yale, baseada nos valores glicêmicos de cada via de coleta. O valor de referência para a comparação era a glicemia venosa laboratorial.

Nesse sentido, calculou-se a variação horária de glicemia, a partir da diferença entre o valor atual e o imediatamente anterior. Em seguida, esse resultado foi enquadrado na célula correspondente, observando a indicação de alteração na vazão da solução de insulina. Se esta manipulação fosse a mesma ocasionada pela glicemia venosa laboratorial, seria então considerada como conduta clínica concordante.

O projeto seguiu as determinações no Conselho Nacional de Saúde,(15) sendo analisado e aprovado pela diretoria do hospital e pela Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Protocolo CPEE/UFBA no. 34/2008, FR-203944.

RESULTADOS

Na tabela 1, estão descritos os valores encontrados e as respectivas média e mediana com o erro padrão (EP) e desvio padrão (DP).

Dos 34 pacientes analisados, 41,2% eram do sexo feminino, enquanto que 58,8% do sexo masculino. A média de idade entre os pacientes foi de 64,9 ± 15,1 anos e a mediana de 63 anos. Os principais diagnósticos encontrados foram sepse (14,7%), insuficiência respiratória aguda (11,6%), cirurgia cardíaca (11,6%), choque séptico (8,8%) e cirurgia neurológica (8,8%).

Em relação às drogas vasoconstrictoras, 35,2% fizeram uso de solução contínua de noradrenalina, com a dose média de 0,2 ± 0,4 μg/Kg/min, dose máxima de 1,6 μg/Kg/min e dose mínima de 0,05 μg/Kg/min. Do total da amostra, 85,3% apresentavam enchimento capilar preservado, e 14,7% diminuído. Destes, 60% utilizaram solução de noradrenalina. A maior parte da amostra apresentava algum grau de edema: 20,6% edema leve; 38,2% edema moderado; 29,4% edema importante.

Ao todo, 136 amostras de sangue foram utilizadas para mensuração da glicemia. Para avaliar as correlações entre os valores glicêmicos processados no glicosímetro portátil e os obtidos através da análise laboratorial, utilizou-se os testes de Spearman e de Bland-Altman, que mostraram não haver diferenças relevantes entre os valores glicêmicos processados no glicosímetro portátil quando comparados aos do laboratório (Tabela 2).

Os valores de glicemia processados no glicosímetro portátil, que tiveram maior correlação com a glicemia processada através da análise laboratorial, considerando-se esta o "padrão-ouro", foram os oriundos do cateter venoso central (r = 0.856; p<0,0001), seguindo-se do cateter arterial (r = 0.852; p<0,0001) e, por fim, da punção capilar (r = 0.798; p<0,0001).

Ao comparar os valores glicêmicos e a sua interferência na manipulação do protocolo de insulina utilizado no estudo, observou-se que em 39,2% (n = 40) do total das amostras obtidas através do glicosímetro portátil, haveria titulação inapropriada da solução de insulina. Destas, 62,5% (n = 25) foram obtidas com o sangue capilar.

Dos pacientes que fizeram uso de vasopressor, 91,6% (n=11) teriam uma manipulação inadequada da solução de insulina. Desse total, em 63,6% (n=7) os valores glicêmicos foram obtidos da punção digital.

DISCUSSÃO

Através da utilização do teste de Spearman, verificou-se que, ao se comparar as glicemias obtidas das diferentes vias de coleta, com as processadas no laboratório, a correlação entre todas as amostras foi forte e significante, sendo encontradas diferenças estatisticamente importantes entre esses valores.

Entretanto, o calculo da diferença entre médias, mostrou correlação fraca e não estatisticamente significante o que pode trazer repercussões clínicas importantes, na medida em que, pela faixa do Protocolo de Yale, há indicação de mudança na titulação da solução de insulina.

Os resultados deste estudo são similares a outro, onde a glicemia das vias capilar, arterial e central foi processada em glicosímetros portáteis e comparada aos valores obtidos no laboratório (sangue arterial e sangue venoso central). A amostra foi constituída por 49 pacientes, de todos estes foi coletado amostra capilar; o sangue arterial foi obtido de 42 pacientes e o sangue venoso central de 7 pacientes.(8)

No trabalho acima, os dados não indicaram diferenças significativas entre os valores de glicemia processados no laboratório e os do glicosímetro. Também não foi analisada a influência do edema e uso de vasopressor sobre os valores glicêmicos encontrados, e a maioria dos pacientes apresentava pressão arterial média superior a 60 mmHg.

Um estudo com 80 pacientes comparando os valores de glicemia da punção capilar com os obtidos do plasma do sangue venoso demonstrou que a glicemia proveniente da coleta digital, quando mensurada no glicosímetro portátil, é inexata em pacientes criticamente doentes.(6) Esse estudo levou em consideração a correlação, a concordância, e a acurácia para expressar seus resultados.

Outra pesquisa comparando a glicemia capilar e arterial mensurada com o medidor de glicemia em 30 pacientes de UTI, 10 dependentes de vasopressores, 10 com edema e 10 pós-cirúrgicos, mostrou que a similaridade entre o sangue capilar e laboratórial foi de 56%. A precisão da coleta digital foi comparada à referência como pobre em pacientes pós-cirúrgicos, vasopressores-dependentes (dose de aminas vasoativas superior a 5,0 μg/Kg/min) e com edema significativo em extremidades.(7)

Ainda citando o estudo acima, durante a hipoglicemia, as medidas glicêmicas do sangue arterial e capilar pelo glicosímetro superestimaram em 5 e 9%, respectivamente, os valores quando comparados aos do laboratório. As amostras processadas no hemogasômetro não apresentaram diferenças. Além do mais, a proximidade de resultados entre o sangue capilar e o de laboratório foi de apenas 26.3% em pacientes com hipoglicemia.

Na amostra do trabalho em tela, a glicemia capilar apresentou similaridade estatística ao valor processado no laboratório. Além disso, 10 dos pacientes deste estudo (29,4%) também apresentavam edema importante e 9 eram pós-cirúrgicos. Essa diferença pode ser justificada pela utilização de métodos diferentes no processamento dos dados, contudo alerta para a importância da avaliação do paciente quando da decisão do local de coleta do sangue para análise da glicemia.

Também nesse estudo, em 100% dos casos de hipoglicemia a coleta digital superestimou o valor do laboratório. Dado semelhante ao encontrado em outros trabalhos, onde os achados mostraram que a coleta digital tende a superestimar os valores de referência.(6,16)

Sendo assim, os episódios de hipoglicemia podem passar despercebidos em pacientes em uso de protocolo de insulina, o que se torna particularmente importante em UTIs, onde frequentemente os pacientes estão intubados e/ou sedados e podem não ser capazes de comunicar sintomas de hipoglicemia.

Vale ressaltar que 2 pacientes da amostra desse estudo apresentaram valores glicêmicos inferiores a 70 mg/dL, e 01 paciente apresentou valor gicêmico acima de 220 mg/dl, chegando a 497 mg/dl, o que demonstra uma anormalidade da amostra. Dessa forma, ressalta-se a importância de outros estudos com uma amostra maior e mais homogênea.

Em relação ao hematócrito, há muito tempo se sabe dos seus efeitos na precisão da análise do glicosímetro portátil. As instruções para operação desses aparelhos sugerem que os níveis de hematócrito precisam estar entre 25 a 55% para fornecerem valores fidedignos de glicemia capilar.(8)

Apesar dessa consideração, os glicosímetros são usados frequentemente sem considerar os níveis de hematócrito dos pacientes. Acredita-se que indivíduos com hematócritos menores que o normal podem apresentar glicemias superestimadas no glicosímetro quando comparadas as do laboratório. Quando o hematócrito for maior que o normal resultará em valores subestimados em relação aos valores do laboratório.(8)

Neste trabalho, o hematócrito não influenciou nos valores de glicemia processados no glicosímetro, o que poderia ser atribuído a essa variável apresentar valores semelhantes entre os indivíduos da pesquisa. O mesmo foi observado no estudo referido acima.

Em uma investigação com 38 pacientes em choque circulatório, comparando a glicemia capilar e a venosa central processadas no glicosímetro com a análise laboratorial, foram encontrados 30 e 18% respectivamente, de variação entre a glicemia capilar e a do laboratório, e entre a glicemia venosa processada no glicosímetro e a do laboratório. Os pacientes tinham diversas formas de choque e 70% da amostra necessitou do uso de vasopressores.(17)

Nesse estudo, os valores de glicemia capilar, quando comparados aos do laboratório em pacientes em uso de drogas vasoativas, não foram significativamente diferentes. O que pode ser atribuído ao pequeno número de pacientes em uso de aminas vasoativas (12 pacientes, o que equivale a 35,2% da amostra) e da baixa dose de drogas utilizadas por eles (0,2 μg/Kg/min), não desencadeando alterações significativas na perfusão periférica.

Achados utilizando uma amostra de 85 pacientes, examinaram o quanto a mensuração glicêmica em pacientes de Terapia Intensiva pode ser afetada pela pobre perfusão tissular. Assim, indicaram que a glicemia obtida com o glicosímetro variou do resultado do laboratório em 15% das amostras capilares e em 7% das amostras totais de sangue. Os autores consideraram como valores discrepantes àqueles com diferença superior a 20%. Os resultados do glicosímetro, mais frequentemente superestimavam, do que subestimavam os valores de glicemia quando comparados aos do laboratório. Os pacientes com pior perfusão apresentaram resultados mais discordantes.(18)

Tais resultados não foram encontrados na pesquisa aqui conduzida, o que pode ser explicado pelo reduzido número de pacientes com enchimento capilar prejudicado (04 pacientes ou 14,7% da amostra). A redução na perfusão periférica é reconhecida, por vários estudos, como fator influente nos valores de glicemia capilar. Contudo, ainda não se sabe a natureza dessa relação.

São necessários mais estudos com pacientes apresentando prejuízo na perfusão tissular periférica, para determinar, detalhadamente, a sua contribuição nas variações da glicemia processada no glicosímetro, podendo-se utilizar, para isso, outras variáveis como pressão arterial parcial de oxigênio (PaO2), pressão arterial, fonte da amostra (venosa, arterial e capilar), pH, temperatura e elementos do sangue (conteúdo celular, protéico, lipídios e água), além de medidas de lactato e de saturação venosa mista.

Como relatado anteriormente, a diferença estatística foi significativa entre as glicemias processadas no glicosímetro quando comparadas aos valores do laboratório. Contudo, cerca de 50% dos pacientes do presente trabalho, com algum grau de edema, apresentaram diferença média de pelo menos 11 a 12 mg/dL entre os valores de glicemia processados no glicosímetro e os do laboratório. Além disso, diferenças entre esses valores glicêmicos foram encontradas nos pacientes em uso de aminas vasoativas e perfusão periférica diminuída, que tenderam a hipoglicemia. Tal dado também foi encontrado por Critchell et al. em 2007.(6) Este fato poderia ocasionar modificação na titulação da solução de insulina, conforme protocolo existente na UTI em que o estudo foi realizado.

Isso se deve ao fato de que o protocolo de Yale dividi-se em quatro faixas glicêmicas (75-99 mg/dL, 100-139 mg/dL, 140-199 mg/dL e > 200 mg/dL) assim, mesmo valores próximos de glicemia podem levar a condutas diferentes, se estiverem nos extremos desses intervalos. Ratifica-se, então, a importância da investigação clínica e não só estatística, na condução de pesquisas sobre o tema aqui discutido.

Um dado que se destacou, foi a discordância na manipulação da solução de insulina em pacientes em uso de agente vasopressor (91,6%), e o fato de que a maior parte das inadequadas manipulações terem sido relacionadas à punção digital (63,6%). Percebe-se a necessidade de cautela na utilização da punção periférica em pacientes em choque circulatório, fato este também observado por diversos autores citados anteriormente.

Sobre isso a Associação de Medicina Intensiva Brasileira e a Sociedade Brasileira de Infectologia recomendam que, para pacientes sépticos, em uso de insulinoterapia venosa, a medida da glicemia seja feita a partir da coleta de sangue arterial ou venoso, apurados em hemogasômetro e, na sua falta, pelo glucometer, desde que se atente para sua confirmação através de laboratório.(19)

CONCLUSÃO

Foram encontradas correlações estatisticamente significativas entre os valores glicêmicos obtidos das três vias de coleta quando comparados aos da análise laboratorial. Contudo, pela anormalidade da amostra, houve diferença entre médias não significativas estatisticamente, apesar de clinicamente importantes. Vale ressaltar que a via de coleta que apresentou maior concordância com o "padrão-ouro" foi o acesso venoso central, seguindo-se do cateter arterial.

É necessário cautela no uso da coleta de sangue capilar, e do glicosímetro portátil para ajuste no protocolo de insulina naqueles pacientes hemodinamicamente instáveis, em uso de drogas vasoativas, com alterações de perfusão periférica e com edema de extremidades, devendo-se avaliar não só a via de coleta, mas o método de processamento.

Por outro lado, em pacientes com estabilidade clínica, o glicosímetro portátil se configura em um método seguro, rápido e de fácil manipulação para obtenção dos valores glicêmicos e, para tal finalidade, poderão ser obtidas amostras de sangue capilar, arterial ou venoso central.

Recomenda-se a realização de mais estudos, com amostras maiores e que tenham atenção sobre as variadas características das populações de pacientes críticos, levando-se em consideração também a acurácia dos resultados. Outro aspecto a ser investigado, é o impacto dos valores glicêmicos obtidos das diferentes vias de coleta, sobre a manipulação dos diversos protocolos de insulina existentes.

Submetido em 29 de Abril de 2010

Aceito em 16 de Novembro de 2010

Trabalho apresentado a Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA), Brasil. Pré-requisito para conclusão da Residência em Enfermagem Intensivista Convênio UFBA/ Hospital da Cidade/ Instituto Sócrates Guanaes/Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.

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  • Autor para correspondência:
    Larissa Chaves Pedreira
    Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      29 Abr 2010
    • Aceito
      16 Nov 2010
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