Acessibilidade / Reportar erro

Características e evolução de pacientes queimados admitidos em unidade de terapia intensiva pediátrica

RESUMO

Objetivo:

Analisar as características e a evolução de crianças internadas por queimaduras em unidade de terapia intensiva de trauma pediátrico para atendimento de queimados.

Métodos:

Estudo observacional, por meio da análise retrospectiva de crianças (< 16 anos) admitidas na unidade de terapia intensiva de trauma pediátrico vítimas de queimaduras, entre janeiro de 2013 e dezembro de 2015. Foram analisadas variáveis sociodemográficas e clínicas: agente causal, superfície corporal queimada, presença de lesão inalatória, tempo de internação hospitalar e mortalidade.

Resultados:

Foram avaliados 140 pacientes, sendo 61,8% do sexo masculino, com mediana da idade de 24 meses e mortalidade geral de 5%. A principal causa de queimadura foi escaldamento (51,4%), seguida de acidente com fogo (38,6%) e choque elétrico (6,4%). Ventilação mecânica foi utilizada em 20,7% dos casos. Lesão inalatória associada apresentou risco relativo de 6,1 (3,5 - 10,7) para necessidade de suporte ventilatório e risco relativo para mortalidade de 14,1 (2,9 - 68,3) quando comparados aos pacientes sem esta lesão associada. Houve significativa associação entre a superfície queimada e a mortalidade (p < 0,002), atingindo 80% nos pacientes com mais de 50% de área queimada. Os pacientes que evoluíram ao óbito apresentaram Tobiasen's Abbreviated Burn Severity Index significativamente maior que os sobreviventes (9,6 ± 2,2 versus 4,4 ± 1,1; p < 0,001). Tobiasen's Abbreviated Burn Severity Index ≥ 7 representou risco relativo para morte de 68,4 (IC95% 9,1 - 513,5).

Conclusão:

As queimaduras por escaldamento são bastante frequentes e estão associadas à alta morbidade. A mortalidade está associada à superfície corporal queimada e à presença de lesão inalatória. Ênfase especial deve ser dada aos acidentes por fogo, reforçando o diagnóstico e o tratamento adequados da lesão inalatória.

Descritores:
Queimaduras; Criança; Unidades de terapia intensiva pediátrica

ABSTRACT

Objective:

To analyze the characteristics and outcomes of children hospitalized for burns in a pediatric trauma intensive care unit for burn patients.

Methods:

An observational study was conducted through the retrospective analysis of children (< 16 years) admitted to the pediatric trauma intensive care unit for burn victims between January 2013 and December 2015. Sociodemographic and clinical variables were analyzed including the causal agent, burned body surface, presence of inhalation injury, length of hospital stay and mortality.

Results:

The study analyzed a sum of 140 patients; 61.8% were male, with a median age of 24 months and an overall mortality of 5%. The main cause of burns was scalding (51.4%), followed by accidents involving fire (38.6%) and electric shock (6.4%). Mechanical ventilation was used in 20.7% of the cases. Associated inhalation injury presented a relative risk of 6.1 (3.5 - 10.7) of needing ventilatory support and a relative risk of mortality of 14.1 (2.9 - 68.3) compared to patients without this associated injury. A significant connection was found between burned body surface and mortality (p < 0.002), reaching 80% in patients with a burned area greater than 50%. Patients who died had a significantly higher Tobiasen Abbreviated Burn Severity Index than survivors (9.6 ± 2.2 versus 4.4 ± 1.1; p < 0.001). A Tobiasen Abbreviated Burn Severity Index ≥ 7 represented a relative risk of death of 68.4 (95%CI 9.1 - 513.5).

Conclusion:

Scalding burns are quite frequent and are associated with high morbidity. Mortality is associated with the amount of burned body surface and the presence of inhalation injury. Special emphasis should be given to accidents involving fire, reinforcing proper diagnosis and treatment of inhalation injury.

Keywords:
Burns; Child; Intensive care units, pediatric

INTRODUÇÃO

As queimaduras constituem importante problema de saúde pública, representando a terceira causa de morte acidental na população pediátrica.(11 Palmieri TL. Pediatric burn resuscitation. Crit Care Clin. 2016;32(4):547-59.) A estimativa mais recente da mortalidade global por queimadura em crianças é de 2,5 para 100 mil.(22 Sengoelge M, El-Khatib Z, Laflamme L. The global burden of child burn injuries in light of country level economic development and income inequality. Prev Med Rep. 2017;6:115-20.) No Brasil, estima-se que ocorram em torno de 1 milhão de acidentes com queimaduras por ano, sendo que 100 mil pacientes procurarão atendimento hospitalar e cerca de 2.500 falecem direta ou indiretamente por conta de suas lesões.(33 Andrade C, Cordovil R, Barreiros J. Injuries in preschool children: the hypothetical protector effect of minor injuries and risk factors for minor and medically attended injuries. Int J Inj Contr Saf Promot. 2013;20(3):239-44.)

O prognóstico a longo prazo destas crianças depende principalmente da abordagem inicial e do tratamento instituído, que podem reduzir mortalidade, número de complicações, cicatrizes e necessidade de futuras cirurgias reconstrutivas. A melhora do prognóstico também está relacionada a surgimento de centros especializados, avanços nos protocolos de ressuscitação, tratamento intensivo individualizado, melhora nas técnicas de cobertura das feridas, assim como ao tratamento de infecção, das lesões inalatórias e do hipermetabolismo. Todas estas mudanças tiveram impacto na morbidade e na mortalidade de pacientes queimados.(11 Palmieri TL. Pediatric burn resuscitation. Crit Care Clin. 2016;32(4):547-59.,44 Jeschke MG, Herndon DN. Burns in children: standard and new treatments. Lancet. 2014;383(9923):1168-78.) A mortalidade na última década diminuiu globalmente em torno de 36%, principalmente em crianças.(22 Sengoelge M, El-Khatib Z, Laflamme L. The global burden of child burn injuries in light of country level economic development and income inequality. Prev Med Rep. 2017;6:115-20.)

A epidemiologia das queimaduras difere entre adultos e crianças. A maioria das queimaduras em crianças é provocada por líquidos superaquecidos, seguida de queimaduras de contato e chama.(11 Palmieri TL. Pediatric burn resuscitation. Crit Care Clin. 2016;32(4):547-59.,44 Jeschke MG, Herndon DN. Burns in children: standard and new treatments. Lancet. 2014;383(9923):1168-78.) As escaldaduras representam até 85% dos acidentes, sendo mais frequente na população abaixo de 5 anos.

A superfície corporal queimada (SCQ) e a presença de lesão inalatória têm sido associadas à maior gravidade e ao pior prognóstico.(55 Sheridan RL. Fire-related inhalation injury. N Engl J Med. 2016;375(5):464-9

6 Tan A, Smailes S, Friebel T, Magdum A, Frew Q, El-Muttardi N, et al. Smoke inhalation increases intensive care requirements and morbidity in paediatric burns. Burns. 2016;42(5):1111-5.
-77 Shah AR, Liao LF. Pediatric burn care: unique considerations in management. Clin Plast Surg. 2017;44(3):603-10.) Estudo recente mostra em adultos que a extensão da SCQ está associada ao maior risco de mortalidade, especialmente quando maior de 60% de SCQ - e não 40%, como estava estabelecido na década passada.(44 Jeschke MG, Herndon DN. Burns in children: standard and new treatments. Lancet. 2014;383(9923):1168-78.,88 Kraft R, Herndon DN, Al-Mousawi AM, Williams FN, Finnerty CC, Jeschke MG. Burn size and survival probability in paediatric patients in modern burn care: a prospective observational cohort study. Lancet. 2012;379(9820):1013-21.)

O objetivo do nosso estudo foi analisar as características epidemiológicas das crianças internadas por queimaduras em uma unidade de terapia intensiva (UTI) de trauma pediátrico.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo epidemiológico transversal observacional por meio de análise retrospectiva dos dados de prontuário de internação de todas as crianças vítimas de queimadura menores de 16 anos admitidas na UTI de trauma pediátrico do Hospital Municipal de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS), no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2015.

A UTI de trauma pediátrico do HPS é unidade de referência no Estado do Rio Grande do Sul para atendimento de crianças vítimas de trauma e queimaduras. É uma unidade de treinamento para programas de residência de Pediatria e Medicina Intensiva Pediátrica de várias instituições do município de Porto Alegre. A unidade dispõe de 8 leitos, com taxa de atendimentos anual de 250 pacientes e mortalidade geral ao redor de 4%. A equipe é formada, em sua totalidade, por médicos titulados pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira/Sociedade Brasileira de Pediatria/Associação Médica Brasileira (AMIB/SBP/AMB), na área de Atuação de Medicina Intensiva Pediátrica.

Foram selecionados os prontuários de crianças admitidas na UTI de trauma pediátrico no referido período, tendo como causa principal o diagnóstico de queimadura por qualquer mecanismo. Foram analisadas variáveis sociodemográficas, como idade, sexo, naturalidade, e variáveis clínicas, como agente causal, SCQ, presença de lesão inalatória, tempo de internação hospitalar e mortalidade.

Para estimativa de SCQ, utilizamos em nosso serviço a classificação de Lund-Brower, levando em consideração as áreas com queimaduras de segundo e terceiro graus. De acordo com a superfície corporal atingida, os pacientes foram estratificados em quatro grupos: zero a 15%, 15 - 30%, 30 - 50% e > 50% de área queimada.

A lesão inalatória era caracterizada nos pacientes vítimas de queimadura por fogo que apresentaram lesões de queimadura em face, pelos nasais, ou cílios; associado a escarro carbonáceo, estridor ou sibilância. Pelas dificuldades técnicas do paciente pediátrico e pela disponibilidade de broncoscópio adequado para faixa etária, não foi possível realizar broncoscopia em todos os pacientes.

Como escore de gravidade para os pacientes queimados, utilizamos o Tobiasen's Abbreviated Burn Severity Index (ABSI) (Tabela 1).(99 Tahir S, Memon AR, Kumar M, Ali SA. Prediction of mortality after major burn: physiological versus biochemical measures. Wounds. 2009;21(7):177-82.,1010 Woods JF, Quinlan CS, Shelley OP. Predicting mortality in severe burns - what is the score? Evaluation and comparison of 4 mortality prediction scores in an Irish population. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2016;4(1):e606.)

Tabela 1
Tobiasen’s Abbreviated Burn Severity Index

Os dados foram coletados e transcritos em planilha Excel delineada para a pesquisa. No caso de dúvida, o caso era apresentado e discutido pelo grupo de autores, até a obtenção do consenso. O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição.

As variáveis quantitativas contínuas foram expressas por medidas de tendência central (média e mediana), com a respectiva dispersão (desvio padrão ou amplitude), sendo os grupos comparados utilizando o teste t de Student e teste U de Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram expressas em porcentagem ou sob forma descritiva, sendo utilizado o teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher e, também, o risco relativo para realizar as comparações.

RESULTADOS

Entre janeiro de 2013 e dezembro de 2015, ocorreram 671 internações na UTI de trauma pediátrico do HPS, sendo que 147 (20%) crianças e adolescentes ingressaram, tendo como causa principal queimadura. Destes, sete foram excluídos por dados incompletos no prontuário, restando 140 pacientes incluídos no estudo. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (61,8%), egresso da região metropolitana de Porto Alegre (70%), com mediana da idade de 24 meses e mortalidade geral de 5% (Tabela 2).

Tabela 2
Características de 140 pacientes admitidos por queimaduras na unidade de terapia intensiva de trauma pediátrico

Ventilação mecânica foi utilizada em 20,7% (29/140) dos pacientes do grupo em estudo. O suporte ventilatório foi requerido em 71,4% (15/21) dos pacientes com lesão inalatória associada e em 11,7% (14/119) dos pacientes sem lesão inalatória. A lesão inalatória associada apresentou risco relativo de 6,1 (3,5 - 10,7; p < 0,0001) para necessidade de suporte ventilatório.

Analisando mecanismo de lesão (Tabela 3), identificamos que a principal causa de queimadura foi o acidente com líquido aquecido (escaldamento), representando 51,4% das internações (n = 72), seguido de acidente com fogo e explosão em 38,6% (54 pacientes) e choque elétrico em 6,4% (n = 9). Em cinco prontuários, não existia registro do mecanismo de queimadura. Ao comparar os diversos grupos, de acordo com o mecanismo de queimadura, observa-se que o acidente por fogo teve maior mortalidade (11,1%) que aqueles causados por escaldamento (1,4%; p = 0,02) e que o grupo com queimadura por choque elétrico (11,1%; p < 0,001).

Tabela 3
Mecanismo de queimadura relacionado à idade e à mortalidade

Entre os 140 pacientes, a proporção de SCQ variou de 1 a 85%, com mediana de 12%, com tempo de internação na UTI oscilando entre 1 a 403 dias, com mediana de 8 dias; a mortalidade geral foi de 5% (Tabela 4). Quando os pacientes são estratificados de acordo com a SCQ em quatro grupos (zero a 15%, 15 - 30%, 30 - 50% e > 50%), observamos aumento na mediana do tempo de internação (7, 11, 39 e 48 dias, respectivamente) e aumento significativo na mortalidade (0%, 2,7%, 14,3% e 80%; p < 0,002), relacionados a maior área de superfície queimada.

Tabela 4
Superfície de área queimada e mortalidade

Em 21 pacientes, ocorreu lesão inalatória − todas vítimas de acidente por fogo −, com mortalidade de 32,8% (p < 0,0001), que foi maior que a observada nas crianças com queimadura sem lesão pulmonar (1,7%). A lesão inalatória apresentou risco relativo de mortalidade de 14,1 (2,9 - 68,3) quando comparada a pacientes sem esta lesão associada.

Os pacientes que evoluíram para óbito apresentaram um ABSI muito maior do que os sobreviventes (9,6 ± 2,2 versus 4,4 ± 1,1; p < 0,001). Observamos, em nosso estudo, que pacientes admitidos com ABSI ≥ 7 apresentaram mortalidade de 53,8%. ABSi ≥ 7 representou risco relativo para morte de 68,4 (IC95% 9,1 - 513,5).

DISCUSSÃO

As queimaduras representam a segunda causa mais frequente de acidentes na infância, responsáveis por alta morbidade e sequelas funcionais. Esta relevância fica evidente se considerarmos que, apenas nesta UTI pediátrica com oito leitos para atendimento de pacientes vítimas de trauma, em um período de 3 anos ocorreu uma admissão por queimadura a cada 8 dias, correspondendo a 20% das admissões no período.

No Brasil, existem poucos dados específicos sobre a epidemiologia da queimadura no paciente pediátrico. Em geral, são artigos observacionais, que incluem a população adulta.(1111 Cruz BF, Cordovil PB, Batista KN. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.)

O mecanismo de lesão mais frequente foi escaldamento, que geralmente ocorre em ambiente domiciliar em crianças menores de 5 anos.(1212 Barrow RE, Spies M, Barrow LN, Herndon DN. Influence of demographics and inhalation injury on burn mortality in children. Burns. 2004;30(1):72-7.) Estudo epidemiológico, que revisou o atendimento pediátrico de vítimas de queimadura por 35 anos (1974 - 2001) no Parkland Hospital, no Texas, o principal mecanismo de queimadura foi escaldamento, responsável por 42% das internações.(1313 Saeman MR, Hodgman EI, Burris A, Wolf SE, Arnoldo BD, Kowalske KJ, et al. Epidemiology and outcomes of pediatric burns over 35 years at Parkland Hospital. Burns. 2016;42(1):202-8.) Em outro estudo retrospectivo, que analisou dados do National Trauma Registry of the American College of Surgeon, em um período de 15 anos (1995 - 2013), o escaldamento ocorreu em 71,1% dos casos, sendo que 53% foram causados por líquidos superaquecidos encontrados na cozinha dos domicílios, como café e chá.(1414 Lee CJ, Mahendraraj K, Houng A, Marano M, Petrone S, Lee R, et al. Pediatric burns: a single institution retrospective review of incidence, etiology, and outcomes in 2273 burn patients (1995-2013). J Burn Care Res. 2016;37(6):e579-85.) Tais achados demostram a relevância dos acidentes domésticos em uma fase de desenvolvimento relacionada à curiosidade, à descoordenação e ao fácil acesso à cozinha sem supervisão adequada. Neste sentido, o controle adequado do ambiente com uma política de prevenção de acidentes tem impacto significativo nesta prevalência.(1212 Barrow RE, Spies M, Barrow LN, Herndon DN. Influence of demographics and inhalation injury on burn mortality in children. Burns. 2004;30(1):72-7.,1515 Brooks NC, Song J, Boehning D, Kraft R, Finnerty CC, Herndon DN, et al. Propranolol improves impaired hepatic phosphatidylinositol 3-kinase/akt signaling after burn injury. Mol Med. 2012;18:707-11.)

Há evidente associação entre a extensão de SCQ e mortalidade. Acima de 30% de superfície queimada em pacientes de zero a 18 anos é esperado aumento da resposta inflamatória e, consequentemente, maior mortalidade.(11 Palmieri TL. Pediatric burn resuscitation. Crit Care Clin. 2016;32(4):547-59.,44 Jeschke MG, Herndon DN. Burns in children: standard and new treatments. Lancet. 2014;383(9923):1168-78.,77 Shah AR, Liao LF. Pediatric burn care: unique considerations in management. Clin Plast Surg. 2017;44(3):603-10.) A mortalidade em queimados tem reduzido nas últimas décadas, e estudos recentes demonstram maior correlação de mortalidade com SCQ > 60%.(44 Jeschke MG, Herndon DN. Burns in children: standard and new treatments. Lancet. 2014;383(9923):1168-78.,77 Shah AR, Liao LF. Pediatric burn care: unique considerations in management. Clin Plast Surg. 2017;44(3):603-10.,1616 Krishnamoorthy V, Ramaiah R, Bhananker SM. Pediatric burn injuries. Int J Crit Illn Inj Sci. 2012;2(3):128-34.,1717 Hodgman EI, Saeman MR, Subramanian M, Wolf SE. The Effect of Burn Center Volume on Mortality in a Pediatric Population: An Analysis of the National Burn Repository. J Burn Care Res. 2016;37(1):32-7.) Esta mesma associação foi verificada em nosso estudo, quando observamos mortalidade mais significativa em pacientes com SCQ > 50%.

Uma porção significativa das mortes causadas por fogo ou explosão está relacionada à lesão inalatória e aos efeitos tóxicos da combustão.(1818 Endorf FW, Gamelli RL. Inhalation injury, pulmonary perturbations, and fluid resuscitation. J Burn Care Res. 2007;28(1):80-3.,1919 Latenser BA. Critical care of the burn patient: the first 48 hours. Crit Care Med. 2009;37(10):2819-26.) Estudos recentes sugerem que entre 20 - 30% dos queimados graves têm lesão inalatória associada e que, destes, 20 - 50% necessitam suporte ventilatório na primeira semana.(44 Jeschke MG, Herndon DN. Burns in children: standard and new treatments. Lancet. 2014;383(9923):1168-78.,55 Sheridan RL. Fire-related inhalation injury. N Engl J Med. 2016;375(5):464-9) A lesão inalatória aumenta substancialmente a mortalidade e, geralmente, a intubação endotraqueal se faz necessária, o que aumenta a incidência de pneumonia. A detecção precoce da lesão pulmonar por meio de broncoscopia melhora a sobrevida.(77 Shah AR, Liao LF. Pediatric burn care: unique considerations in management. Clin Plast Surg. 2017;44(3):603-10.,1616 Krishnamoorthy V, Ramaiah R, Bhananker SM. Pediatric burn injuries. Int J Crit Illn Inj Sci. 2012;2(3):128-34.,1818 Endorf FW, Gamelli RL. Inhalation injury, pulmonary perturbations, and fluid resuscitation. J Burn Care Res. 2007;28(1):80-3.,1919 Latenser BA. Critical care of the burn patient: the first 48 hours. Crit Care Med. 2009;37(10):2819-26.) No presente estudo, a mortalidade esteve fortemente relacionada à queimadura por fogo e à presença de lesão inalatória.

Não existe preditor de mortalidade específico para paciente pediátrico queimado. O ABSI é o escore mais comumente utilizado em pacientes acima de 15 anos. Em nosso estudo, houve risco de mortalidade de 53,8% nos pacientes com escore acima de 7, o que nos auxilia na avaliação da gravidade, mas não determina a terapêutica e não é superior à avaliação clínica do paciente.

O tempo de internação na nossa unidade foi relativamente curto (mediana 8 dias), e isto, provavelmente, está relacionado à internação de pacientes de menor gravidade, uma vez que o HPS é o único serviço de referência no Estado do Rio Grande do Sul para atendimento de queimados pediátricos. Esta amostra corresponde à epidemiologia de um centro de tratamento de queimados pediátricos, mas reproduz os achados mais prevalentes na literatura, apesar das limitações encontradas em nosso serviço.

A exposição à corrente elétrica, conforme observado em nosso estudo, não é uma causa frequente, mas está relacionada à maior gravidade com maior tempo de internação e mortalidade.

Consideramos este estudo de extrema importância, por identificar fatores e comportamentos de risco associados a piores desfechos em pacientes pediátricos que sofrem queimaduras. A partir deste conhecimento, é possível intervir por meio políticas de prevenção, nas quais, por exemplo, até 70% das mortes associadas a queimaduras poderiam ser evitadas.(2020 Cancio LC, Barillo DJ, Kearns RD, Holmes JH 4th, Conlon KM, Matherly AF, et al. Guidelines for Burn Care Under Austere Conditions: Surgical and Nonsurgical Wound Management. J Burn Care Res. 2017;38(4):203-14.)

CONCLUSÃO

As queimaduras por escaldamento são bastante frequentes e estão associadas também à alta morbidade. Entretanto, uma ênfase especial deve ser dada aos acidentes por fogo, devido à elevada mortalidade envolvida. Nestes pacientes, é fundamental reforçar o diagnóstico e a terapêutica, visando ao adequado manejo da lesão inalatória.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Palmieri TL. Pediatric burn resuscitation. Crit Care Clin. 2016;32(4):547-59.
  • 2
    Sengoelge M, El-Khatib Z, Laflamme L. The global burden of child burn injuries in light of country level economic development and income inequality. Prev Med Rep. 2017;6:115-20.
  • 3
    Andrade C, Cordovil R, Barreiros J. Injuries in preschool children: the hypothetical protector effect of minor injuries and risk factors for minor and medically attended injuries. Int J Inj Contr Saf Promot. 2013;20(3):239-44.
  • 4
    Jeschke MG, Herndon DN. Burns in children: standard and new treatments. Lancet. 2014;383(9923):1168-78.
  • 5
    Sheridan RL. Fire-related inhalation injury. N Engl J Med. 2016;375(5):464-9
  • 6
    Tan A, Smailes S, Friebel T, Magdum A, Frew Q, El-Muttardi N, et al. Smoke inhalation increases intensive care requirements and morbidity in paediatric burns. Burns. 2016;42(5):1111-5.
  • 7
    Shah AR, Liao LF. Pediatric burn care: unique considerations in management. Clin Plast Surg. 2017;44(3):603-10.
  • 8
    Kraft R, Herndon DN, Al-Mousawi AM, Williams FN, Finnerty CC, Jeschke MG. Burn size and survival probability in paediatric patients in modern burn care: a prospective observational cohort study. Lancet. 2012;379(9820):1013-21.
  • 9
    Tahir S, Memon AR, Kumar M, Ali SA. Prediction of mortality after major burn: physiological versus biochemical measures. Wounds. 2009;21(7):177-82.
  • 10
    Woods JF, Quinlan CS, Shelley OP. Predicting mortality in severe burns - what is the score? Evaluation and comparison of 4 mortality prediction scores in an Irish population. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2016;4(1):e606.
  • 11
    Cruz BF, Cordovil PB, Batista KN. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: revisão de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.
  • 12
    Barrow RE, Spies M, Barrow LN, Herndon DN. Influence of demographics and inhalation injury on burn mortality in children. Burns. 2004;30(1):72-7.
  • 13
    Saeman MR, Hodgman EI, Burris A, Wolf SE, Arnoldo BD, Kowalske KJ, et al. Epidemiology and outcomes of pediatric burns over 35 years at Parkland Hospital. Burns. 2016;42(1):202-8.
  • 14
    Lee CJ, Mahendraraj K, Houng A, Marano M, Petrone S, Lee R, et al. Pediatric burns: a single institution retrospective review of incidence, etiology, and outcomes in 2273 burn patients (1995-2013). J Burn Care Res. 2016;37(6):e579-85.
  • 15
    Brooks NC, Song J, Boehning D, Kraft R, Finnerty CC, Herndon DN, et al. Propranolol improves impaired hepatic phosphatidylinositol 3-kinase/akt signaling after burn injury. Mol Med. 2012;18:707-11.
  • 16
    Krishnamoorthy V, Ramaiah R, Bhananker SM. Pediatric burn injuries. Int J Crit Illn Inj Sci. 2012;2(3):128-34.
  • 17
    Hodgman EI, Saeman MR, Subramanian M, Wolf SE. The Effect of Burn Center Volume on Mortality in a Pediatric Population: An Analysis of the National Burn Repository. J Burn Care Res. 2016;37(1):32-7.
  • 18
    Endorf FW, Gamelli RL. Inhalation injury, pulmonary perturbations, and fluid resuscitation. J Burn Care Res. 2007;28(1):80-3.
  • 19
    Latenser BA. Critical care of the burn patient: the first 48 hours. Crit Care Med. 2009;37(10):2819-26.
  • 20
    Cancio LC, Barillo DJ, Kearns RD, Holmes JH 4th, Conlon KM, Matherly AF, et al. Guidelines for Burn Care Under Austere Conditions: Surgical and Nonsurgical Wound Management. J Burn Care Res. 2017;38(4):203-14.

Editado por

Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2018
  • Data do Fascículo
    Jul-Sept 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2017
  • Aceito
    10 Maio 2018
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br