Acessibilidade / Reportar erro

Ablação cirúrgica dos bulbos olfatórios em coelhos: modelo para estudos de patogenia de infecções por vírus neurotrópicos

Surgical ablation of the olfactory bulb in rabbits: a model to study the pathogenesis of neurotropic virus infections

Resumos

Coelhos têm sido utilizados como modelo para o estudo da neuropatogenia da infecção pelo herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5), um importante agente de doença neurológica em bovinos. O sistema olfatório tem sido apontado como a principal via de acesso do vírus ao cérebro após replicação na cavidade nasal. Para investigar a importância da via olfatória na patogenia da infecção neurológica pelo BHV-5, foi elaborada e avaliada uma técnica operatória de craniotomia transfrontal para remoção dos bulbos olfatórios (BOs), definindo-se as órbitas como referência anatômica. Foram utilizados 45 coelhos com 30 dias de idade, sendo 23 submetidos à ablação cirúrgica dos BOs e posteriormente inoculados pela via intranasal (IN) ou no saco conjuntival (IC) com o BHV-5. Após incisões de pele, tecido subcutâneo e periósteo, a craniotomia foi realizada em um ponto eqüidistante entre os cantos mediais dos olhos, com uma broca sulcada de 3mm acoplada a uma perfuratriz elétrica de baixa rotação. A remoção dos BOs foi realizada com uma sonda uretral n°6 acoplada a um aspirador. O estudo macroscópico de três animais após a cirurgia comprovou que o procedimento foi eficiente na remoção total dos BOs. Isso também foi comprovado pela interrupção do acesso do vírus ao córtex cerebral: apenas um animal (1/11 ou 9,1%) no grupo submetido à ablação dos BOs com inoculação IN desenvolveu enfermidade neurológica, contra 100% (10/10) dos coelhos controle. Conclui-se que a técnica de craniotomia transfrontal utilizando a órbita como referência anatômica permite o acesso adequado para localização e remoção dos BOs e pode ser utilizada em estudos de patogenia de infecções por vírus neurotrópicos que exijam a interrupção completa da via olfatória.

herpesvírus bovino tipo 5; BHV-5; bulbo olfatório; cirurgia; modelo experimental; coelhos


Rabbits have been used as animal models to study the pathogenesis of neurological infection by bovine herpesvirus type 5 (BHV-5), an important agent of meningoencephalitis in cattle. The olfactory system has been implicated as the main pathway for the virus to reach the brain after replication in the nasal mucosa. To investigate the role of the olfactory route in the pathogenesis of neurological infection, a technique of transfrontal craniotomy for ablation of the main olfactory bulbs (MOBs), using the eyes as the anatomic reference was developed and evaluated. Using this technique, twenty three 30 days-old rabbits were submitted to surgical ablation of the MOBs and subsequently inoculated with BHV-5. After skin, subcutaneous tissue and periosteum incisions, the craniotomy was performed in a point equidistant to the medial corner of the eyes, with a 3 mm drill coupled to a low intensity elyptic drilling machine. The removal of the MOB's tissue was performed by using a number 6 uretral probe coupled to a surgical vaccum pump. The anatomic references used were appropriate in allowing an adequate and easy access to the MOBs. Necropsy performed in three animals after the surgery demonstrated that the surgical procedure was efficient in completely removing the MOB tissue. This was also demonstrated by the interruption of the access of the virus to the brain after intranasal inoculation: only one animal (1/11) in the bulbectomized group developed neurological infection and disease, against 100% (10/10) of the control group. The transfrontal craniotomy using the eyes as the anatomical reference allowed for an adequate access for localization and removal of the MOBs in rabbits. This techique may be used in studies of viral pathogenesis requiring the complete interruption of the olfactory connection to the brain.

bovine herpesvirus 5; BHV-5; olfactory bulbs; surgery; experimental model; rabbits


ARTIGOS CIENTÍFICOS

CLÍNICA E CIRURGIA

Ablação cirúrgica dos bulbos olfatórios em coelhos: modelo para estudos de patogenia de infecções por vírus neurotrópicos

Surgical ablation of the olfactory bulb in rabbits: a model to study the pathogenesis of neurotropic virus infections

Erika Toledo da FonsecaI; Diego Gustavo DielI; Soraia Figueiredo de SouzaI; Alexandre MazzantiII,1 1 Autor para correspondência. ; Rudi WeiblenIII; Eduardo Furtado FloresIII

IPrograma de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

IIDepartamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, Santa Maria, RS, Brasil. CEP: 97105-900, Santa Maria, RS. E-mail: mazzal@smail.ufsm.br

IIIDepartamento de Medicina Veterinária Preventiva, Centro de Ciências Rurais (DMVP/CCR), UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

Coelhos têm sido utilizados como modelo para o estudo da neuropatogenia da infecção pelo herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5), um importante agente de doença neurológica em bovinos. O sistema olfatório tem sido apontado como a principal via de acesso do vírus ao cérebro após replicação na cavidade nasal. Para investigar a importância da via olfatória na patogenia da infecção neurológica pelo BHV-5, foi elaborada e avaliada uma técnica operatória de craniotomia transfrontal para remoção dos bulbos olfatórios (BOs), definindo-se as órbitas como referência anatômica. Foram utilizados 45 coelhos com 30 dias de idade, sendo 23 submetidos à ablação cirúrgica dos BOs e posteriormente inoculados pela via intranasal (IN) ou no saco conjuntival (IC) com o BHV-5. Após incisões de pele, tecido subcutâneo e periósteo, a craniotomia foi realizada em um ponto eqüidistante entre os cantos mediais dos olhos, com uma broca sulcada de 3mm acoplada a uma perfuratriz elétrica de baixa rotação. A remoção dos BOs foi realizada com uma sonda uretral n°6 acoplada a um aspirador. O estudo macroscópico de três animais após a cirurgia comprovou que o procedimento foi eficiente na remoção total dos BOs. Isso também foi comprovado pela interrupção do acesso do vírus ao córtex cerebral: apenas um animal (1/11 ou 9,1%) no grupo submetido à ablação dos BOs com inoculação IN desenvolveu enfermidade neurológica, contra 100% (10/10) dos coelhos controle. Conclui-se que a técnica de craniotomia transfrontal utilizando a órbita como referência anatômica permite o acesso adequado para localização e remoção dos BOs e pode ser utilizada em estudos de patogenia de infecções por vírus neurotrópicos que exijam a interrupção completa da via olfatória.

Palavras-chave: herpesvírus bovino tipo 5, BHV-5, bulbo olfatório, cirurgia, modelo experimental, coelhos.

ABSTRACT

Rabbits have been used as animal models to study the pathogenesis of neurological infection by bovine herpesvirus type 5 (BHV-5), an important agent of meningoencephalitis in cattle. The olfactory system has been implicated as the main pathway for the virus to reach the brain after replication in the nasal mucosa. To investigate the role of the olfactory route in the pathogenesis of neurological infection, a technique of transfrontal craniotomy for ablation of the main olfactory bulbs (MOBs), using the eyes as the anatomic reference was developed and evaluated. Using this technique, twenty three 30 days-old rabbits were submitted to surgical ablation of the MOBs and subsequently inoculated with BHV-5. After skin, subcutaneous tissue and periosteum incisions, the craniotomy was performed in a point equidistant to the medial corner of the eyes, with a 3 mm drill coupled to a low intensity elyptic drilling machine. The removal of the MOB's tissue was performed by using a number 6 uretral probe coupled to a surgical vaccum pump. The anatomic references used were appropriate in allowing an adequate and easy access to the MOBs. Necropsy performed in three animals after the surgery demonstrated that the surgical procedure was efficient in completely removing the MOB tissue. This was also demonstrated by the interruption of the access of the virus to the brain after intranasal inoculation: only one animal (1/11) in the bulbectomized group developed neurological infection and disease, against 100% (10/10) of the control group. The transfrontal craniotomy using the eyes as the anatomical reference allowed for an adequate access for localization and removal of the MOBs in rabbits. This techique may be used in studies of viral pathogenesis requiring the complete interruption of the olfactory connection to the brain.

Key words: bovine herpesvirus 5, BHV-5, olfactory bulbs, surgery, experimental model, rabbits.

INTRODUÇÃO

O sistema olfatório desempenha funções importantes na fisiologia e comportamento dos mamíferos. Além da importância da sensação de odor, a olfação também exerce influência na regulação do consumo de alimentos e interfere no comportamento social, sexual e materno (GANDELMAN et al., 1972; LEONARD, 1972; SEEGAL & DENENBERG, 1974; MEGUID et al., 1997; GONZALEZ-MARISCAL et al., 2003). Os neurônios receptores do sistema olfatório localizam-se no epitélio olfatório da mucosa nasal, onde seus dentritos estão em contato com o meio externo. Esses neurônios emitem numerosos filamentos que, em conjunto, formam o nervo olfatório, e passam através de perfurações na lâmina cribriforme do osso etmóide convergindo para os bulbos olfatórios (BOs) nos quais fazem sinapse (FRISCH, 1967; LOHMAN & LAMMERS, 1967). Os axônios dos neurônios dos BOs conectam-se ao córtex através do trato olfatório, de onde se projetam para várias regiões do cérebro onde as sensações olfatórias são processadas (JENKINS, 1978; BROADWELL, 1975; FRISCH, 1967). Os BOs de coelhos possuem uma forma elíptica e localizam-se rostralmente ao encéfalo, em recessos do osso etmóide situados em cada lado da linha mediana (BROADWELL, 1975).

Vírus neurotrópicos como o do herpes simplex (HSV), da raiva (RV) e da pseudoraiva (PRV) utilizam fibras nervosas que se distribuem na mucosa nasal para invadir e replicar no sistema nervoso central (SNC) causando doença neurológica (STROOP et al., 1984; LAFAY et al., 1991; BABIC et al., 1994). O herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5) é um alfaherpesvírus associado com meningoencefalite de curso geralmente fatal em bovinos (ROIZMAN, 1992). A exemplo de outros vírus neurotrópicos, o BHV-5 parece utilizar as vias olfatória e/ou trigeminal para invadir o encéfalo a partir da cavidade nasal. Em coelhos utilizados como modelo, o BHV-5 atinge o SNC mais precoce e massivamente através da via olfatória, porém a via trigeminal também parece contribuir para o transporte do vírus (CHOWDHURY et al., 1997; LEE et al., 1999; Beltrão et al., 2000; DIEL et al., 2005). A determinação das vias de invasão viral do SNC é fundamental para o entendimento da patogenia e para a elaboração de estratégias de controle e/ou tratamento de infecções herpéticas humanas e de animais.

A ablação cirúrgica dos BOs (bulbectomia) tem sido utilizada para se estudar vários aspectos fisiológicos e comportamentais de animais, dentre esses a habilidade e comportamento materno em coelhas e camundongas (GANDELMAN et al., 1972; GONZALEZ-MARISCAL et al., 2003), regeneração axonal e sináptica em camundongos (GRAZIADEI et al., 1978), regulação do consumo alimentar em ratos (MEGUID et al., 1997) e canibalismo em hamsters e camundongos (LEONARD, 1972; SEEGAL & DENENBERG, 1974). A cirurgia também já foi utilizada para se estudar o comportamento materno de ovelhas e cabras (BALDWIN & SHILLITO, 1974; ROMEYER et al., 1994).

Apesar das diversas aplicabilidades desta intervenção cirúrgica, não há padronização ou pontos anatômicos de referência para realização da técnica operatória. O presente estudo teve como objetivo desenvolver uma técnica de craniotomia transfrontal para remoção dos BOs de coelhos, utilizando-se as órbitas como referência anatômica, avaliando o modelo no estudo da patogenia de infecção viral quanto ao desenvolvimento de sinais clínicos neurológicos.

MATERIAL E MÉTODOS

Animais e desenho experimental

O estudo foi desenvolvido no laboratório de Cirurgia Experimental e no Setor de Virologia da Universidade Federal de Santa Maria. Foram utilizados coelhos da raça Nova Zelândia, machos e fêmeas, recém-desmamados, com idade de 30 dias, pesando entre 700g e 1,1kg. De um total de 45 coelhos, 23 foram submetidos à bulbectomia; os demais permaneceram como controles (22). Seis dias após a intervenção cirúrgica, os animais bulbectomizados e os controles foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos cada e inoculados com o BHV-5 pela via intranasal (IN) ou conjuntival (IC).

Pré-operatório e procedimento cirúrgico

O pré-operatório constou de jejum alimentar de seis horas. Como medicação pré-anestésica, utilizou-se cloridrato de cetaminaa (25mg/kg) associado ao cloridrato de xilazinab (5mg/kg), administrados pela via intramuscular. A tricotomia foi realizada na região frontal da cabeça, estendendo-se caudalmente desde o focinho até a base das orelhas.

Canulou-se a veia marginal de uma das orelhas com cateter no 24 e, por esta via, administrou-se ampicilina sódicac (20mg kg-1) como terapia antibiótica profilática. A anestesia foi mantida com cloridrato de cetamina (10mg kg-1) associado ao cloridrato de xilazina (3mg kg-1) por esta via. Após o posicionamento em decúbito esternal, procedeu-se a antissepsia da região tricotomizada, observando-se a seqüência álcoo-iodo-álcool. Em seguida, a pele, tecido subcutâneo e periósteo sofreram duas incisões paralelas, iniciadas a aproximadamente 0,5cm dorsal ao canto lateral dos olhos e estendidas ventralmente, terminando a 0,5cm do canto medial. Em seguida, as incisões foram unidas ventralmente por outra transversal, formando-se um “U”. A craniotomia foi realizada na linha mediana, em ponto eqüidistante entre os cantos mediais dos olhos, com a utilização de uma broca sulcada de 3mm, acoplada a uma perfuratriz elétrica de baixa rotação. Posteriormente, procedeu-se a remoção dos BOs por aspiração. Para isso, utilizou-se uma sonda uretral no 6, acoplada a um aspirador, inserida na abertura em ângulo de 90° até atingir o assoalho da cavidade craniana a qual foi movida rostralmente até atingir o limite caudal da cavidade nasal. Após a aspiração completa dos BOs, o periósteo e a pele foram aproximados individualmente com sutura isolada simples, empregando fio mononáilon no 5-0. No período pós-operatório, foi administrada dexametasonad (2mg kg-1), via intravenosa e, em dose única, e procedeu-se a limpeza diária da ferida cirúrgica até a retirada dos pontos de pele, seis dias após a intervenção cirúrgica. Os animais foram transferidos para o Setor de Virologia no dia seguinte, sendo mantidos em alojamentos coletivos (quatro a seis animais) e recebendo ração comercial balanceada e água ad libitum.

Vírus, inoculação e monitoramento clínico

Seis dias após o ato operatório, os animais bulbectomizados (n=23) e os controles (n=22) foram distribuídos em dois grupos cada e inoculados com o BHV-5, de acordo com a tabela 1. Grupo A (n=11): bulbectomizados, inoculados pela via intranasal (IN); grupo B (n=12): bulbectomizados, inoculados pela via conjuntival (IC); grupo C (n=10): controles (não submetidos ao procedimento), inoculados pela via IN; grupo D (n=12): controles, inoculados pela via IC.Os animais foram inoculados com 1ml do sobrenadante de cultivos celulares infectados com uma cepa brasileira do BHV-5 (SV-507; DLHON et al., 2003), contendo 108,3doses infectantes para 50% dos cultivos (DICC50 ml-1). Após a inoculação, os coelhos foram monitorados clinicamente com três observações diárias de uma hora cada, durante 20 dias. As taxas de morbidade, mortalidade e o curso clínico da enfermidade neurológica (depressão, bruxismo, opistótono, andar em círculos e convulsões) nos animais dos diferentes grupos foram registradas e comparadas. Em um experimento piloto, três animais foram submetidos à intervenção cirúrgica e, dois dias após, foram submetidos à eutanásia e à necropsia para verificar se o procedimento fora eficaz na remoção total dos BOs. Todos os procedimentos com os animais foram realizados de acordo com as normas do COBEAe (lei número 6.638 de 8 de maio de 1979). Os experimentos com animais foram aprovados pelo Comitê de Ética E Bem-Estar Animal da UFSM (parecer número 09/2005).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A utilização das órbitas como referência anatômica para a craniotomia transfrontal demonstrou ser adequada para a localização e acesso aos bulbos olfatórios (BOs) (Figura 1). A técnica operatória mostrou-se efetiva e de fácil execução, com um tempo cirúrgico que variou de 15 a 35 minutos por animal. A realização da intervenção cirúrgica preliminarmente em três coelhos, para a padronização da técnica, com necropsias realizadas posteriormente, demonstrou que o tecido dos BOs foi totalmente removido pelo procedimento. A remoção dos BOs resultou em cavidades bilaterais, alongadas, situadas entre a lâmina crivosa do osso etmóide e o encéfalo.


Os BOs de coelhos possuem forma elíptica (definida pela cavidade onde se encontram alojados) e são constituidos de tecido mole, quase gelatinoso, que se fragmenta facilmente ao ser manipulado ou contido por pinças ou outros instrumentais cirúrgicos. Por isso, optou-se pela aspiração do tecido, utilizando-se uma sonda uretral acoplada a um aspirador. Pela utilização da sonda também se evitou de efetuar uma abertura maior na caixa craniana, como relatada anteriormente (Beltrão et al., 2000). Além de resultar em trauma menor, a abertura limitada realizada com a broca sulcada de 3mm de diâmetro, foi suficiente para a introdução da sonda e aspiração dos BOs (Figura 2). Após a remoção/aspiração da massa principal dos BOs, procedeu-se a aspiração cuidadosa do assalho da cavidade, para remover restos teciduais que eventualmente tenham ficado aderidos à lâmina óssea. Procedimento semelhante, porém utilizando pipetas de pasteur foi utilizado para estudar o efeito da remoção dos bulbos olfatórios acessórios no comportamento materno em coelhas primíparas. A técnica utilizada, no entanto, não foi descrita em detalhes (GONZALEZ-MARISCAL et al., 2003).


O período pós-operatório decorreu sem maiores ocorrências. Um coelho removeu a sutura de pele no terceiro dia de pós-operatório, tendo a cicatrização ocorrida por segunda intenção. Nos animais restantes, a sutura de pele foi removida entre o quarto e sexto dia de pós-operatório. Durante o intervalo de seis dias antes da inoculação do vírus, nenhum animal evidenciou sinal de dor ou desconforto como apatia, inapetência ou hipersensibilidade na ferida cirúrgica; o consumo de ração ficou levemente aumentado, o mesmo sendo observado com relação ao consumo de água. Não foram observadas alterações de comportamento (ex:canibalismo) ocasionalmente observadas em outras espécies submetidas à bulbectomia (LEONARD, 1972; SEEGAL & DENENBERG, 1974). No trabalho realizado por BELTRÃO et al. (2000), foi observada alteração de seletividade alimentar, com alguns animais bulbecomizados alimentando-se de pedaços de papel utilizados para forrar as gaiolas. Por essa razão, no presente experimento, evitou-se deixar qualquer material ao acesso dos animais, com exceção do alimento e água.

Pelo número limitado de animais que se dispunha, não foi possível reservar-se um grupo de coelhos bulbectomizados sem inoculação do vírus. Esse grupo serviria para se avaliar possíveis alterações clínicas causadas por complicações (infecções/processo inflamatório) neurológicas derivadas do procedimento cirúrgico e complicações pós-cirúrgicas. Com o decorrer do experimento, esse grupo controle demonstrou ser desnecessário, pois os animais do grupo A (bulbectomizados e inoculados) não apresentaram quaisquer complicações pós-cirúrgicas. O único animal desse grupo que apresentou alterações foi o que desenvolveu enfermidade neurológica característica da infecção pelo BHV-5, confirmada pelo isolamento do vírus do cérebro (DIEL et al., 2005). Portanto, o procedimento cirúrgico e remoção dos BOs em si não resultaram em complicações/alterações clínico-patológicas detectáveis.

A remoção total do tecido dos BOs e a conseqüente interrupção da via olfatória constituem-se em pontos críticos para a utilização desses animais em estudos virológicos dessa natureza. Em trabalho anterior, vários coelhos submetidos à ablação dos BOs e inoculados com o BHV-5 desenvolveram infecção neurológica com período de incubação e curso clínico compatível com a invasão pela via olfatória (Beltrão et al., 2000). Como a técnica utilizada naquele estudo não foi posteriormente avaliada para assegurar-se da remoção total dos BOs, é provável que a remoção tenha sido parcial, sem interrupção da conexão olfatória entre o epitélio olfatório e o encéfalo (BROADWELL, 1975). A integridade, pelo menos parcial dessa conexão, provavelmente tenha servido para o BHV-5 invadir o cérebro e causar doença neurológica nos animais (Beltrão et al., 2000; DIEL et al., 2005). Da mesma forma, tem sido demonstrado que interrupções da via olfatória através de neurectomia podem ser seguidas de regeneração neuronal e reconstituição da via nervosa em camundongos recém-nascidos (GRAZIADEI et al., 1978). Essas observações também justificam a estratégia para a interrupção da via olfatória utilizada no presente experimento, ou seja, a remoção completa dos BOs. A regeneração da via olfatória a partir das extremidades neurais proximal e distal produzidas pelo procedimento utilizado, e, em curto espaço de tempo, seria altamente improvável. No presente estudo, os resultados da inoculação do BHV-5 indicam que a interrupção da via olfatória foi completa, impedindo o vírus de invadir o cérebro por essa via (DIEL et al., 2005).

O único animal bulbectomizado que desenvolveu doença neurológica (1/11) apresentou sinais clínicos tardios (17 dias pós-inoculação), ao contrário dos controles não-bulbectomizados que apresentaram período de incubação médio de 7,5 dias. O longo período de incubação da infecção neurológica nesse animal indica que o vírus invadiu o cérebro por outra via, que não a olfatória. Para assegurar-se disso, realizou-se um experimento adicional, no qual coelhos bulbectomizados (grupo C) ou não (grupo D) foram inoculados com o BHV-5 pela via conjuntival (Tabela 1). A replicação do vírus na mucosa conjuntival é seguida de transporte do BHV-5 pelo ramo oftálmico do nervo trigêmeo ao cérebro, resultando em doença neurológica de curso tardio (CHOWDHURY et al., 1997; Beltrão et al., 2000). Corroborando esse achado, os animais inoculados pela via conjuntival (grupos C e D) apresentaram período de incubação e curso semelhantes ao animal do grupo A (Tabela 1). Em resumo, tanto os achados da necropsia realizada em alguns animais bulbectomizados, como os achados virológicos indicam que a técnica foi efetiva na interrupção completa da via olfatória. Esses resultados permitem a recomendação dessa técnica para estudos que necessitem da interrupção da via olfatória para estudos de patogenia de infecções por vírus neurotrópicos. Estudos em andamento visam à interrupção das duas vias principais de acesso ao cérebro (olfatória e trigeminal), a fim de investigarem-se vias alternativas de acesso (e.g. outras vias nervosas ou via hematógena).

AGRADECIMENTOS

Ao Diretor do Biotério Central da UFSM, Médico Veterinário Silvandro Noal, pela cedência e alojamento dos animais, durante parte do experimento.

Aos bolsistas de iniciação científica, pelo auxílio com a manipulação e monitoramento dos animais.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelos recursos e bolsas (E.F.F. [301666/2004-0] e R.W. [301339/2004-0]) são bolsistas PQ do CNPq.

FONTES DE AQUISIÇÂO

aDopalen. Agribrands Purina do Brasil Ltda. Paulínia – SP.

bAnasedan. Agribrands Purina do Brasil Ltda. Paulínia – SP.

cAmpicilina Sódica. Rambaxy Farmacêutica Ltda. São Paulo – SP.

dAzium solução Injetável. Indústria Química e Farmacêutica Schering-Plough S.A. Rio de Janeiro – RJ.

Recebido para publicação 18.07.05

Aprovado em 26.10.05

  • BABIC, N. et al. Propagation of pseudorabies virus in the central nervous system of the mouse after intranasal inoculation. Virology, v.204, p.616-625, 1994.
  • BALDWIN, B.; SHILLITO, E.G. The effects of ablation of the olfactory bulbs on parturition and maternal behavior in Soay sheep. Animal Behaviour, v.22, p.220-223, 1974.
  • BELTRÃO, N. et al. Infecção e enfermidade neurológica pelo herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5): coelhos como modelo experimental. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.20, n.4, p.144-150, 2000.
  • BROADWELL, R.B. Olfactory relationships of the telencephalon and diencephalons in the rabbit. I. An autoradiographic study of the efferent connections of the main and accessory olfactory bulbs. Journal of Comparative Neurology, v.163, p.329-345,1975.
  • CHOWDHURY, S.I. et al. Neuropathology of bovine herpesvirus type 5 (BHV-5) meningoencephalitis in a rabbit seizure model. Journal of Comparative Pathology, v.117, p.295-310, 1997.
  • DIEL, D.G. et al. O herpesvírus bovino tipo 5 (BHV-5) pode utilizar as rotas olfatória ou trigeminal para invadir o sistema nervoso central de coelhos, dependendo da via de inoculação. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.25, n.3, p.164-170, 2005.
  • DLHON, G. et al. Genome of bovine herpesvirus type 5. Journal of Virology, v.77, p.10339-10347, 2003.
  • FRISCH, D. Ultrastructure of mouse olfactory mucosa. American Journal of Anatomy, v.121, p.87-120, 1967.
  • GANDELMAN, R. et al. Reproductive and maternal performance in the mouse following removal of the olfactory bulbs. Journal of Reproduction and Fertility, v.28, p.453-456, 1972.
  • GONZALEZ-MARISCAL, G. et al. Removal of the accessory olfactory bulbs promotes maternal behavior in virgin rabbits. Behavior Brain Research, v.152, p.89-95, 2003.
  • GRAZIADEI, P.P.C. et al. Regeneration of olfactory axons and synapse formation in the forebrain after bulbectomy in neonatal mice. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v.75, p.5230-5234, 1978.
  • JENKINS, T. Functional mammalian neuroanatomy Philadelphia: Lea & Febiger, 1978. p.225.
  • LAFAY, F. et al., Spread of the CVS strain of rabies virus and of the avirulent mutant Avo1 along the olfactory pathways of the mouse after intranasal inoculation. Virology, v.83, p.320-330, 1991
  • LEE, B.J. et al. Spread of bovine herpesvirus type 5 (BHV-5) in the rabbit brain after intranasal inoculation. Journal of Neurovirology, v.5, p.474-484, 1999.
  • LEONARD, C.M. Effects of neonatal (day 10) olfactory bulb lesions on social behaviour of female golden hamsters (Mesocricetus auratus). Journal of Comparative Physiology, v.80, p.208-215, 1972.
  • LOHMAN, A.H.; LAMMERS, H.J. On the structure and fibre connections of the olfactory centers in mammals. In: ZOTTERMAN, Y. (ed). Sensory mechanisms Amsterdam, London and New York: Elsevier, 1967. p.65-82.
  • Meguid, M.M. et al. Acute adaptive changes in food intake pattern following olfactory ablation in rats. Neuroreport, v.8, n.6, p.1439-1444, 1997.
  • ROIZMAN, B. The family Herpesviridae: an update. Archives of Virology, v.123, p.425-449, 1992.
  • ROMEYER, A. et al. Olfaction mediates the stablishment of selective bonding in goats. Physiological Behaviour, v.56, p.693-700, 1994.
  • SEEGAL, R.F.; DENENBERG, V.H. Maternal experience prevents pup-killing in mice induced by peripheral hyposmia. Physiological Behaviour, v.13, p.339-341, 1974.
  • STROOP, W.G. et al. Localization of herpes simplex virus in the trigeminal and olfactory system of the mouse central nervous system during acute and latent infection by in situ hybridization. Laboratory Investigation, v.51, p.27-38, 1984.
  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      26 Out 2005
    • Recebido
      18 Jul 2005
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br