Acessibilidade / Reportar erro

Programa de intervenção para pais de crianças com dificuldades de aprendizagem: um estudo preliminar

Programa de asistencia para los padres de los niños con discapacidades de aprendizaje: un estudio preliminar

Intervention program for parents of children with learning disabilities: an preliminary study

Resumos

O ingresso no ensino fundamental constitui um momento importante no processo de escolarização. A literatura aponta que orientar a família nesse processo, a partir de recursos de seu ambiente, pode ser fundamental na prevenção de dificuldades escolares. Nesse contexto, o presente estudo implementou e avaliou uma proposta de intervenção na modalidade de um Programa Psicopedagógico de Orientação a Pais (PPOP), dirigido a pais e familiares responsáveis por crianças com dificuldades de aprendizagem incluídas nas primeiras séries do ensino fundamental de escola pública regular, com objetivo de investigar as condições de implementação do PPOP. Participaram da pesquisa oito pais de alunos e seus filhos. As análises demonstraram que o Programa está apto a ser implementado em maior escala e mostrou-se satisfatório quanto à forma e conteúdo, a partir do relato dos participantes.

Inclusão escolar; Rendimento escolar; Relações pais-escola


La entrada en la escuela primaria es un momento importante en el proceso de escolarización. La literatura apunta que orientar la familia en cuesto proceso, partir de recursos de su ambiente puede ser fundamental en la prevención de dificultades escolares. En ese contexto, el presente estudio aplico y evalúo una propuesta de intervención en la modalidad de un Programa Psicopedagógico de orientación a los padres (PPOP), dirigida a los padres y las familias responsables de los niños con dificultades de aprendizaje, inclusos en la primera serie de escuelas primarias regulares en la escuela pública, con el fin de investigar las condiciones de ejecución de PPOP. Participaran de la investigación ocho estudiantes y sus padres. Las análisis demuestran que el programa puede ser aplicado en una escala más amplia y mostró satisfactoria cuanto a la forma y el contenido, partir del relato de los participantes.

Inclusión escolar; Rendimiento escolar; Relaciones padre-escuela


The entrance to the elementary school is an important moment in the schooling process. The literature indicates that guiding the family in this process, using resources from the family environment, can be crucial in the prevention of school difficulties. In this context, this study implemented and evaluated a proposal of intervention in the form of a psychopedagogical program -"Psychopedagogical Program Parents Orientation" (PPOP in Portuguese), addressed to parents and families responsible for children with learning difficulties, included in the first grades of elementary school in regular public schools, in order to investigate the conditions of implementation of PPOP. Eight students and their respective parents participated in this study. The analysis show that this program can be implemented in large scale and was satisfactory in terms of form and content, according to the participants' reports.

School inclusion; Academic Achievement; Parent school relationship


PESQUISAS EMPÍRICAS

Programa de intervenção para pais de crianças com dificuldades de aprendizagem: um estudo preliminar

Intervention program for parents of children with learning disabilities: an preliminary study

Programa de asistencia para los padres de los niños con discapacidades de aprendizaje: un estudio preliminar

Andréia Bevilacqua Rolfsen; Cláudia Maria Simões Martinez

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Av. Cristóvão Colombo, 777, apto.21 CEP 14801-200. Araraquara-SP, Brasil E-mail: deiarolfsen@yahoo.com.br

RESUMO

O ingresso no ensino fundamental constitui um momento importante no processo de escolarização. A literatura aponta que orientar a família nesse processo, a partir de recursos de seu ambiente, pode ser fundamental na prevenção de dificuldades escolares. Nesse contexto, o presente estudo implementou e avaliou uma proposta de intervenção na modalidade de um Programa Psicopedagógico de Orientação a Pais (PPOP), dirigido a pais e familiares responsáveis por crianças com dificuldades de aprendizagem incluídas nas primeiras séries do ensino fundamental de escola pública regular, com objetivo de investigar as condições de implementação do PPOP. Participaram da pesquisa oito pais de alunos e seus filhos. As análises demonstraram que o Programa está apto a ser implementado em maior escala e mostrou-se satisfatório quanto à forma e conteúdo, a partir do relato dos participantes.

Palavras-chave: Inclusão escolar. Rendimento escolar. Relações pais-escola.

ABSTRACT

The entrance to the elementary school is an important moment in the schooling process. The literature indicates that guiding the family in this process, using resources from the family environment, can be crucial in the prevention of school difficulties. In this context, this study implemented and evaluated a proposal of intervention in the form of a psychopedagogical program -"Psychopedagogical Program Parents Orientation" (PPOP in Portuguese), addressed to parents and families responsible for children with learning difficulties, included in the first grades of elementary school in regular public schools, in order to investigate the conditions of implementation of PPOP. Eight students and their respective parents participated in this study. The analysis show that this program can be implemented in large scale and was satisfactory in terms of form and content, according to the participants' reports.

Keywords: School inclusion. Academic Achievement. Parent school relationship.

RESUMEN

La entrada en la escuela primaria es un momento importante en el proceso de escolarización. La literatura apunta que orientar la familia en cuesto proceso, partir de recursos de su ambiente puede ser fundamental en la prevención de dificultades escolares. En ese contexto, el presente estudio aplico y evalúo una propuesta de intervención en la modalidad de un Programa Psicopedagógico de orientación a los padres (PPOP), dirigida a los padres y las familias responsables de los niños con dificultades de aprendizaje, inclusos en la primera serie de escuelas primarias regulares en la escuela pública, con el fin de investigar las condiciones de ejecución de PPOP. Participaran de la investigación ocho estudiantes y sus padres. Las análisis demuestran que el programa puede ser aplicado en una escala más amplia y mostró satisfactoria cuanto a la forma y el contenido, partir del relato de los participantes.

Palabras clave: Inclusión escolar. Rendimiento escolar. Relaciones padre-escuela.

Introdução

Documentos oficiais e dificuldades de aprendizagem

A construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamental importância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado democrático. Entende-se por inclusão, segundo o Parecer CNE/CEB nº 17/2001 (Brasil, 2001), a garantia a todos do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida.

Algumas proclamações da Declaração de Salamanca (Brasil, 1994) merecem destaque, como, o direito e acesso das pessoas com necessidades educativas especiais às escolas regulares, que devem adequar-se para atender as necessidades dos alunos. A Declaração é clara sobre o reconhecimento da importância da participação da família e sua inserção no processo de inclusão. Sobre o papel das famílias e dos pais, o documento acrescenta que esse deveria ser aprimorado por meio da provisão de informações necessárias, uma tarefa importante em culturas onde a tradição de escolarização seja pouca. Além disso, pais "deveriam ser encorajados a participar de atividades educacionais em casa e na escola (onde eles poderiam observar técnicas efetivas e aprender como organizar atividades extra-curriculares), bem como na supervisão e apoio à aprendizagem de suas crianças" (Brasil, 1994, p. 5). Entretanto, Aiello (2002) elucida que o fato das necessidades de parceria entre famílias e escola constar na Declaração, não significa que isso ocorra na realidade.

Segundo Hardman, Drew e Egan (2006) a educação inclusiva é uma importante peça no panorama educacional para alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem e uma variedade de estratégias específicas são empregadas para alcançar o sucesso escolar a aprendizagem de fato. A educação inclusiva efetiva, de acordo com os autores, requer muito mais do que colocar alunos com dificuldades de aprendizagem na mesma sala de aula, com colegas que não as apresentam. Estes estudantes precisam de suporte e adaptações, ou seja, a educação inclusiva deve ser empreendida apenas após o planejamento das estruturas de ensino e serviços.

O termo dificuldades de aprendizagem enfatiza a discrepância, decorrente do processo de aprendizagem, entre o que se presume que a criança seja capaz de aprender potencialmente, sob uma dada situação em sala de aula, e o que ela efetivamente realiza (Hübner & Marinotti, 2002; Dockrell & Mcshane, 2000; Weiss, 1992). A aprendizagem é um processo de construção do conhecimento que ocorre na interação do indivíduo com seu meio, ou seja, a família, a escola e a sociedade (Weiss, 1992). As dificuldades neste processo, que levam ao fracasso escolar, podem ser decorrentes de uma combinação possível de fatores de ordem pessoal, familiar, pedagógica e social, envolvendo a interação do indivíduo com seu meio, inclusive com seus pais (Marturano & Loureiro, 2003; Romero, 1995).

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial no Brasil considera, em seu artigo 5º da Resolução 02/2001, o aluno com necessidades educacionais especiais aquele que durante o processo educacional apresentar dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, tanto não vinculadas a uma causa orgânica específica ou ainda, relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências (Brasil, 2002).

Há um panorama que demonstra a necessidade de enfrentar as demandas que envolvem inclusão de crianças com dificuldades de aprendizagem. O paradigma sistêmico é uma abordagem que pode ser útil neste enfrentamento, visto que considera as variáveis e dimensões provenientes tanto do âmbito da escola quanto da família.

Participação familiar no processo de escolarização e o paradigma da inclusão

A família e a escola, segundo Dessen e Polônia (2007, p. 29):

constituem os dois principais ambientes de desenvolvimento humano nas sociedades ocidentais contemporâneas. Assim, é fundamental que sejam implementadas políticas que assegurem a aproximação entre os dois contextos, de maneira a reconhecer suas peculiaridades e também similaridades, sobretudo no tocante aos processos de desenvolvimento e aprendizagem, não só em relação ao aluno, mas também a todas as pessoas envolvidas.

Guralnick (1997a) enfatiza a importância das intervenções enquanto necessidade da família e da escola, não somente da criança, a fim de orientar e preparar esses ambientes e reduzir o impacto das dificuldades das crianças. Williams e Aiello (2004) também afirmam que a família deve adquirir "papel central nos programas de intervenção precoce e não apenas o papel de coadjuvante" (p. 200). Ao abordar sobre a segunda geração de pesquisa no campo da intervenção precoce, Guralnick (1997b) salientou que a pesquisa deve conduzir questões que possam guiar direções para programas específicos em um nível que valorize atividades diárias de clínicos, educadores, intervencionistas em geral e famílias. A maior tarefa para a segunda geração de pesquisa é identificar fatores em programas específicos que se associam com ótimos resultados ou ganhos positivos para crianças e famílias.

A prevenção de fatores que interferem no desenvolvimento infantil pode ser entendida em três níveis: prevenção primária, cujo objetivo é identificar, remover ou reduzir a incidência de fatores de risco que produzem condições de excepcionalidade; prevenção secundária, na qual se enquadra este projeto, que objetiva reduzir a duração ou severidade quando já se constatou uma manifestação de excepcionalidade; e prevenção terciária, que busca a redução de efeitos associados à condição de risco plenamente estabelecida. (Nunes, 1996).

Os estudos de Parreira e Marturano (1999) e Martins (2001) trazem contribuições importantes ao sistematizar e apontar respectivamente uma estratégia efetiva de intervenção que visa desenvolver atitudes familiares de envolvimento com crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem ou baixo rendimento escolar. Parreira e Marturano (1999) desenvolveram e passaram a ministrar um curso de orientação a pais, denominado "Como facilitar o aprendizado da criança na escola" desde 1997, no Serviço de Psicopedagogia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, oferecido a pais de crianças com problemas de aprendizagem, com objetivo de identificar condutas adequadas que promovessem comportamentos mais adaptativos e progressos escolares em seus filhos. Segundo as autoras, os resultados são bastante satisfatórios, inclusive, independentes do nível de escolaridade dos pais. De acordo com Marturano e Ferreira (2004) o programa foi desenvolvido com o intuito de informar pais a respeito de como podem facilitar o aprendizado e adaptação escolar de seus filhos, a partir de temas discutidos com os pais, por meio de estratégias que promovem o empenho desses em atividades propostas e no compartilhamento de experiências na família. Os temas focalizados no programa abordam a organização, rotina e comunicação na família em relação às experiências do dia-a-dia e o relacionamento entre a família e a escola (Parreira & Marturano, 1999). De acordo com Marturano e Ferreira (2004) o programa foi avaliado por Martins (2001) em situação clínica e mostrou-se efetivo na melhoria do nível de informação dos pais, além de influenciá-los positivamente, em relação ao desenvolvimento de atitudes e condutas que facilitam o aprendizado da criança na escola.

Ferreira (2005) aponta a escassez de estudos brasileiros que exploram os aspectos envolvidos na transição para o ensino fundamental e enfatiza a importância da "utilização de programas de suporte às famílias que forneçam apoio, informação quanto ao suporte acadêmico e desenvolvimental à criança, a partir do arranjo e da otimização de recursos já presentes no ambiente familiar" (p. 21). Sugere que programas nesse sentido sejam implementados enquanto medida preventiva, a fim de preparar a criança e a família na transição para o ensino fundamental, área de estudo que suscita muitas questões que merecem investigação. A autora ainda destaca que o ingresso no ensino fundamental "constitui um momento muito especial na vida da criança, e aponta que inúmeras mudanças então ocorrem simultaneamente, requerendo adaptações elaboradas" (p. 21).

Acredita-se que ao considerar a multiplicidade de fatores que recaem sobre a inclusão escolar de crianças com dificuldades de aprendizagem, e, portanto, com necessidades educacionais especiais (NEEs), em sua trajetória nas primeiras séries do ensino fundamental, a perspectiva bioecológica poderá contribuir para elucidação de processos importantes relativos ao desenvolvimento, que interagem entre si.

Contribuições da Teoria Bioecológica para o processo de inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais no ensino fundamental

O desenvolvimento humano é definido por Bronfenbrenner (1996) como um "processo por meio do qual a pessoa desenvolvente adquire uma concepção mais ampliada, diferenciada e válida do meio ambiente ecológico", tornando-se "mais motivada e mais capaz de se envolver em atividades que revelam suas propriedades, sustentam ou reestruturam aquele ambiente em níveis de complexidade semelhante ou maior de forma e conteúdo" (p. 23). Segundo o autor, para compreender o desenvolvimento humano é necessário não só a observação direta do comportamento por parte de uma ou duas pessoas no mesmo local, como também é imprescindível a análise de sistemas de interação de múltiplas pessoas, o que significa não se limitar apenas a um ambiente, mas considerar aspectos do meio ambiente além da situação imediata que o indivíduo está inserido.

Nessa perspectiva, para um ambiente funcionar como um contexto efetivo de desenvolvimento, dependerá da existência e natureza das relações entre os ambientes, inclusive a participação, a comunicação e existência de informações em cada um dos ambientes sobre o outro. A teoria considera que os eventos desenvolvimentais que são mais imediatos e potentes como influência no desenvolvimento de uma pessoa são as atividades que outras pessoas realizam com ela ou em sua presença.

Na Teoria Bioecológica, Bronfenbrenner e Morris (1998) salientam que o indivíduo em desenvolvimento é um sujeito ativo em seu próprio desenvolvimento. Nesse modelo é proposto que o desenvolvimento humano seja abordado a partir de quatro núcleos que interagem de modo dinâmico entre si, que são denominados: Processo, Pessoa, Contexto e Tempo (PPCT).

São diversos os autores que concordam com a relevância da teoria Bioecológica em estudos que consideram o ambiente no qual a pessoa está inserida. Cecconello e Koller (2000) acreditam na importância da interação entre fatores como características individuais e as estratégias utilizadas para adaptação ao ambiente, e, os recursos nele disponíveis, como o apoio familiar e social, tendo em vista que contribuem para que a pessoa possa obter um resultado satisfatório na luta contra as adversidades. Dessen e Silva (2004) afirmam que é cada vez mais comum que famílias participem no planejamento de programas de intervenção. As autoras acreditam que os pressupostos teóricos da Teoria Bioecológica são essenciais para elaborar programas, pois, estes poderão proporcionar entendimento sobre como os ambientes nos quais a criança está inserida influenciam e são influenciados, e, como contribuem ou não para seu desenvolvimento, portanto, programas baseados na visão sistêmica devem ser estimulados no Brasil, incluindo a família e não somente a criança.

Ainda dentro da perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano, Sigolo (2004) afirma que nas interações sociais diárias as crianças compreendem "o mundo de significados que as cercam", a extensão de sua participação vai depender dos valores partilhados por sua família, escola e outros agentes educacionais, inclusive programas de educação de pais (p. 189). Para Marturano (2005) o envolvimento dos pais com a escola, além de favorecer o desempenho de seus filhos, "comunicam à criança o quanto se importam com ela e o quanto valorizam seu aprendizado escolar" (p. 87). Pamplin (2005) ressalta a importância da estruturação de programas que "auxiliem e subsidiem o envolvimento dos pais (responsáveis) no cotidiano escolar" (p. 107), além disso, a autora defende que ao estabelecer propostas de intervenção faz-se necessário conhecer as características das famílias e considerar a proposta de escolarização.

Diante literatura apresentada a qual destaca a importância e necessidade de intervenções nas qual o papel da família seja central, o presente estudo se propôs verificar se um programa psicopedagógico dirigido aos pais de crianças com dificuldades de aprendizagem incluídas no ensino regular pode ser implementado no âmbito da escola.

Objetivo

Investigar as condições de implementação do Programa Psicopedagógico de Orientação à Pais (PPOP) dirigido a responsáveis e pais de crianças com dificuldades de aprendizagem, estudantes de 1ª e 2 ª séries do ensino fundamental de escola pública regular.

Método

Participantes

Participaram da pesquisa oito pais de crianças com dificuldades de aprendizagem que freqüentam as primeiras e segundas séries do ensino regular fundamental em escola pública de uma cidade de médio porte, localizada no interior do estado de São Paulo, com cerca de duzentos mil habitantes. Como critério de inclusão na amostra, foram considerados os pais de crianças que cursavam a 1ª e 2ª séries do ensino fundamental regular, que, segundo as professoras, apresentavam dificuldades de aprendizagem. Foram indicados 25 pais, os quais foram convidados para participar do curso por meio de convite impresso. Destes, nove participaram até o final do Programa, dos quais oito foram considerados enquanto amostra do estudo por apresentarem freqüência de presença nas sessões superior a 66,6%. Os critérios de exclusão da amostra foram: pais de crianças que cursavam a 1ª e 2ª séries que apresentavam dificuldades de aprendizagem segundo as professoras, mas já recebiam algum tipo de acompanhamento por profissionais da saúde/educação.

Procedimento

O projeto foi submetido ao comitê de ética da Universidade Federal de São Carlos e por ele aprovado, sendo efetivado sob as diretrizes e normas que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos, de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Etapa I - Preparo do trabalho de campo

Foi realizado o contato com a instituição e a apresentação da pesquisa, seguido dos trâmites administrativos e éticos para a implementação da proposta. A diretora da instituição, após aprovar o projeto, solicitou que os professores indicassem os pais de alunos de primeiras e segundas séries que apresentavam dificuldades de aprendizagem. Desta forma, foi realizado contato inicial (por meio de convite impresso) com os pais (ou responsáveis) de crianças incluídas no ensino regular público que freqüentam o primeiro ciclo do ensino fundamental e apresentam dificuldades de aprendizagens.

Etapa II - Implementação do programa de intervenção com aplicação e testagem dos instrumentos

Foram realizadas seis sessões a partir dos temas: "A organização e a rotina na família"; "Apoio à criança nas atividades escolares"; "Relacionamento entre a família e a escola"; "Compartilhamento de experiências enriquecedoras no dia-a-dia"; "Comunicação e relacionamento familiar" e "Práticas educativas". A primeira sessão consistiu na apresentação do Programa e na solicitação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Autorização de Filmagem, na integração dos participantes com a pesquisadora, na aplicação do Inventário de Recursos do Ambiente Familiar-RAF (Marturano, 2006) e do Roteiro de entrevista com os pais (Rolfsen, 2007). Na segunda sessão, foi aplicado o Critério de Classificação Econômica Brasil-CCEB (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas [ABEP], 2003), além do conteúdo respectivo à sessão.

Todas as sessões de intervenção tiveram como objetivo oferecer aos pais informações sobre condutas assertivas que favorecessem comportamentos adaptativos e o progresso escolar de seus filhos. Cumpre destacar que durante a 5ª e 6ª sessões foi aplicado o Teste de Desempenho Escolar-TDE (Stein, 1994) com os filhos dos pais participantes.

Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados: projetor multimídia Sony modelo VPL-ES3 - 2000; notebook ASUS modelo A2500L; televisão Sony Trinitron 29; vídeo-cassete Gradiente modelo GSV 870 e filmadora JVC Videomovie modelo GR-AX404, para gravação das sessões e posterior análise. Também foram utilizados materiais para registro como canetas e papéis para protocolo.

O Programa foi oferecido aos pais e responsáveis de crianças de uma escola pública regular de ensino fundamental e médio de uma cidade do interior do estado de São Paulo, em sala disponibilizada pela mesma. Ocorreu em seis encontros com duração de uma hora e trinta minutos cada, o que totalizou nove horas. Foi oferecido no período de três semanas, sendo dois encontros semanais.

Com objetivo de facilitar a dinâmica do curso, uma equipe foi previamente treinada para auxiliar no seu desenvolvimento, através de atividades lúdicas com os filhos dos pais que participantes, tendo em vista que ao término das aulas, seus pais ainda participavam do curso. As crianças permaneciam com a equipe durante cerca de trinta a quarenta minutos. O TDE-Teste de Desempenho Escolar (Stein, 1994) foi aplicado durante esta situação, seguindo as recomendações contidas no manual.

Foram utilizados os seguintes instrumentos: Inventário de Recursos do Ambiente Familiar-RAF (Marturano, 1999); Roteiro de entrevista com os pais; Dados pessoais e Critério de Classificação Econômica Brasil-CCEB (ABEP, 2003); Teste de Desempenho Escolar-TDE (Stein, 1994) e Questionário de avaliação do curso.

Resultados

Caracterização dos participantes e das crianças

Quanto a classificação econômica dos participantes, pode-se dizer que havia certa homogeneidade quanto à classe econômica dos participantes da pesquisa, tendo em vista que 86% da amostra situava-se entre as classes C e B2 (sendo que B2 contava com renda de R$1.669 e C com renda de R$ 927).

A maioria das crianças apresentou classificação média e inferior quanto ao desempenho escolar no TDE, o que totalizou 87% da amostra. Já 87% das crianças tiveram o desempenho classificado entre inferior e médio inferior no subteste de escrita. No subteste de aritmética, 50% das crianças tiveram desempenho classificado entre inferior e médio inferior. Após análises do TDE, as crianças que obtiveram classificação de desempenho escolar médio ou inferior foram encaminhadas a um serviço de ensino de leitura/escrita gratuito, oferecido por uma universidade pública.

Os dados provenientes do Inventário de Recursos do Ambiente Familiar-RAF (Marturano, 1999) implementado com os pais teve por objetivo investigar os recursos presentes no ambiente domiciliar e verificar quais são possíveis promotores de desenvolvimento que favorecem o desempenho escolar.

O desempenho dos participantes no RAF revelou uma proximidade nas pontuações não havendo discrepâncias consideráveis de escores. A média dos escores finais obtidos pelos participantes no RAF foi de 54,4%. Apenas dois participantes fizeram pontuação superior à média, calculada a partir dos escores obtidos pelos oito participantes. O domínio "recursos que promovem processos proximais" (Marturano, 2006) compreende os sete primeiros tópicos do instrumento. As atividades que as crianças mais realizam quando não estão na escola são: assistir à TV (85,7%) e brincar dentro de casa (85,7%). Atividades como ouvir rádio foram apontadas por 57,1% dos participantes e jogar video-game por 42,9%. As categorias lê livros, revistas, gibis e ?brinca na rua foram apontadas por 28,6% dos participantes.

Destaca-se que todas as crianças realizaram no mínimo, nos últimos doze meses passeios como ida ao shopping center e visitas a parentes / amigos da família. Passeios como ida ao centro da cidade e circo também foram apontados por 85,7% dos participantes. Passeios como ir ao aeroporto, viagem de trem e museu não foram realizados nos últimos 12 meses por nenhuma das crianças.

Dentre as atividades programadas que a criança realiza regularmente apenas 14,3% citaram as atividades: freqüenta núcleo municipal do bairro; pratica esporte em clubes, academias, ginásios; freqüenta aulas para aprender atividade artesanal (por exemplo: tapeçaria, pintura...); tem aulas de piano, violão ou outro instrumento musical; tem aulas de inglês ou outro idioma; faz computação. Atividades como catecismo, estudos bíblicos ou evangelização, freqüenta algum programa de atividades para crianças, como o Kurumim não foram apontadas. Embora quase todas as categorias foram apontadas, destaca-se que cinco crianças não realizam atividades programadas.

Todos os participantes apontaram que conversam com os filhos sobre como foi o dia da criança na escola. Já atividades como brincar, assistir filmes, contar estórias e casos, ouvir as estórias da criança, conversar sobre os assuntos que ela traz foram apontadas por 85,7% dos participantes. Assistir a programas infantis na TV foi uma atividade apontada por 71,4% dos participantes, assim como ler livros, revistas e conversar sobre notícias, filmes e outros programas de TV. As atividades jogar video-game ou outros jogos e realizar juntos atividades domésticas, como: lavar o carro, fazer almoço ou outras foram apontadas por 57,1% dos participantes e apenas um apontou o item outras, citando a atividade "jogar futebol".

Todos os participantes apontaram que a criança tem ou teve: uma cama só para ele; brinquedos de letras (abecedários, quebra-cabeças com letras...), objetos como giz, lousa, cola, tinta, tesoura, lápis de cor e papel, livrinhos de estórias infantis, brinquedos de rodas (carrinhos, trens, carrinho de boneca...). Os itens menos apontados foram: aparelho de som com discos e brinquedos de construção (blocos, lego, pinos mágicos).

Todos os participantes apontaram a presença de jornais e revistas em casa. Os mesmos apontaram a presença de jornais (71,4%), revistas de notícias (28,6%), revistas de TV (42,9%), revistas de esportes (28,6%). Destacou-se a presença de revistas religiosas (71,4%). Todos os participantes apontaram a presença de livros em casa, e, ainda, que têm livros escolares, livrinhos infantis e religiosos. Já 85,7% apontaram a presença de dicionário. 42,9% apontaram romances, contos e literatura e 28,6% técnicos, científicos e enciclopédias.

A mãe é a pessoa que mais acompanha a criança nos afazeres da escola, em todas os tipos de atividades. Além dela, o pai participa com as tarefas de avisar a criança que chegou o momento de ir para a escola, supervisionar o estudo para a prova, além de comparecer às reuniões e acompanhar as notas e freqüências. A tarefa relativa à supervisão da lição de casa também é de exclusividade da mãe.

Dos participantes, 85,7% disseram que a criança sempre tem hora certa para almoçar e 57,1% para ir dormir. Já 42,9% apontaram que às vezes a criança tem hora certa para tomar banho, ir brincar, e fazer a lição. Segundo os participantes, 42,9% apontaram que o filho nunca tem hora certa para levantar-se de manhã e jantar. Ainda, 57,1% nunca tem hora certa para assistir à TV. Todos os participantes apontaram sempre estarem reunidos em casa nos fins de semana e 71,4 % em passeios no fim de semana. No jantar 57,1% declararam estar sempre reunidos.

A percepção dos pais sobre o início da escolarização

Em relação aos dados provenientes da aplicação do Roteiro de entrevista com os pais, com questões abertas e fechadas, efetivado a fim de conhecer suas percepções sobre o curso dos filhos nas primeiras séries do ensino fundamental e suas condutas frente às demandas da escolarização, têm-se as seguintes informações:

A respeito do "Início das atividades da criança na escola", segundo os pais, 37, 5% das crianças freqüentam a escola desde os 5 anos, 50% desde os 4 anos e 12,5% desde os 6 anos.

As experiências de ingresso mais citadas foram a vontade de ir para a escola e de aprender. Observa-se a presença de relatos de experiências positivas. Constata-se que 62% dos participantes considera "ruim" o desempenho escolar de seus filhos. Quando questionados sobre a freqüência que conversam com o filho sobre a escola, todos afirmaram que "sempre" dialogam com os filhos. A respeito da periodicidade de reuniões de pais escolares, 62,5% dos participantes relataram ser bimestral e 37,5% semestral. Os assuntos abordados nas reuniões não foram especificados por 37,5% dos pais, 25% disseram conversar sobre o comportamento, aproveitamento do filho na escola, 25% relataram tratar de todos os assuntos que julgam necessários e 12,5% a respeito de reclamações e elogios. Além disso, para 87,5% dos pais as reuniões são boas e para 12,5% necessitam de modificação (como "reuniões mais periódicas").

Quanto à participação dos pais em eventos da escola, 50% relataram freqüentar festas e comemorações, 37,5% não assinalou nenhuma opção e 12,5% disseram participar de conselhos. Ao avaliar o ensino hoje, 37,5% dos pais o consideraram "bom", 12,5% como "fundamental", 12,5% enquanto "bom, mas pode melhorar", 12,5% como "fraco, sem incentivos", 12,5% denominaram "tudo" e 12,5% como "excelente". Já quando pensam no desempenho do filho, 25% participantes imaginam que ele vá estudar até "a faculdade", 12,5% até "onde for necessário", 12,5% até o "colegial", 12,5% até "se sentir realizado na sua profissão". Tem-se que 12,5% disseram "sempre" e 12,5% "até quando puder". Também 12,5% responderam "não sei". Quando questionados sobre o porquê pensam que é necessário que os filhos continuem a estudar, houve os seguintes relatos: "O estudo é a parte mais fundamental"; "Ser um grande homem na vida"; "Só estudando pode ser alguém na vida"; "É muito importante para o seu futuro"; "Para garantir o seu futuro"; "O estudo hoje é tudo" e "É o que precisa no mundo de hoje".

A partir das seis sessões previstas na obra de Parreira e Marturano (1999) "Como ajudar seu filho na escola" foi elaborado um programa para pais, denominado "Programa Psicopedagógico de Orientação à Pais de crianças com baixo rendimento escolar - PPOP". A seguir destacam-se os pressupostos do PPOP: (1) O membro da família que comparece ao Programa é visto como um agente de proteção; (2) Mesmo com dificuldades de acesso aos recursos físicos, os pais ou responsáveis podem ser agentes promotores do desenvolvimento de seus filhos. Além disso, os pais, a partir de orientações, podem refletir sobre suas práticas educativas e alterá-las, no intuito de aprimorar suas habilidades parentais, especialmente na interação de forma mais positiva com a criança; (3) Receber suporte de informações pode ser útil para fortalecer a parceria entre família-escola.

As estratégias previstas para atingir os objetivos no PPOP são: incentivar a interação e apoio entre pais e crianças; estimular a relação família-escola; estimular a reflexão sobre as práticas educativas. As técnicas utilizadas no PPOP são: apresentação/projeção de cenas/situações do cotidiano; dinâmicas de grupo; proposição de situações problema; tarefas de casa; fornecimento de feedback; fornecimento de suporte informativo; motivação.

Os conteúdos desenvolvidos ao longo do curso (Suporte informativo do PPOP) foram divididos em temas e subtemas abordados nas sessões. Cumpre destacar que o conteúdo foi extraído da obra de Parreira e Marturano (1999). A intervenção consistiu em seis sessões (duas a cada semana) dirigidas aos pais ou responsáveis, realizadas em espaço previamente testado e planejado. As sessões consistiram em aulas expositivas, discussões, além de recursos audiovisuais e dinâmicas, para fins didáticos. A duração foi de noventa minutos cada encontro. Nesta etapa, todas as sessões foram filmadas para posterior análise dos dados. A partir das primeiras leituras do material obtido por meio das sessões transcritas, etapa de caráter exploratório, foi possível identificar categorias, o que possibilitou um refinamento maior da análise executada a partir da identificação dos tópicos que se repetiam ao longo da implementação do programa, ou seja, procurou-se identificar o que Lüdke e André (1986) chamam de tendências ou padrões relevantes.

Foram identificadas quatro categorias Lüdke e André (1986), descritas a seguir: (1) Relatos de experiência: depoimento dos pais (ou avó1 1 A avó participou como responsável, pois era a cuidadora, residindo junto com o neto. A mãe encontrava-se com o filho apenas nos finais de semana. ) sobre uma experiência da vida cotidiana, que, geralmente, envolve a criança, a escola e situações domésticas em geral, fatos relatados sobre o dia-a-dia; (2) Alternativas e soluções: referem-se às escolhas feitas pelos pais diante de um determinado problema ou conflito, as soluções são formas de resolução de dificuldade em resposta à um conflito; (3) Conceitos e crenças: representação de um pensamento apresentado pelos pais, é uma idéia, uma concepção sobre determinado assunto, a crença expressa uma convicção íntima dos pais apresentada durante o relato; (4) Dúvidas e conflitos: referem-se às expressões que sinalizam claramente a presença de conflitos (desinformação, desentendimento) em relação a um determinado tema ou situação, consideram-se dúvidas as incertezas manifestas sobre um assunto/situação entre diversas opiniões e conceitos.

As categorias mais abordadas pelos participantes da pesquisa foram relato de experiência e alternativas e soluções. Foi obtido um índice de 80% de concordância entre juízes previamente treinados. Todas as categorias emergiram ao longo do PPOP e foram trabalhadas a partir das dinâmicas propostas e implementadas. Embora o objetivo desta etapa não fosse identificar mudanças e sim aferir a pertinência das condições, foi possível verificar que esses relataram estarem mais seguros para lidar com as situações.

Ao realizar uma síntese dos dados das sessões a partir das categorias de análise é possível verificar que a implementação do programa permitiu identificar demandas, expectativas e ainda conhecer os valores de pais e responsáveis por crianças com baixo rendimento acadêmico. Ao longo do curso foi possível perceber alteração de comportamento dos pais no sentido de buscar formas de ajudar a criança. Nos relatos era muito freqüente a expressão "saber como lidar" e neste sentido a partir do programa foram empregadas estratégias para favorecer a interação com a criança. Verificaram-se também alterações de sua prática. "Agora estou pondo ela pra ajudar pois mesmo não ajudando muito eu fico com ela por mais tempo...". Práticas também foram alteradas em relação à rotina, especificamente ao momento de se executar as tarefas de casa. Os dados oriundos do RAF informam que tais famílias têm uma certa condição estrutural-física para que aumentem as chances de que tais alterações aconteçam. Os dados provenientes do critério Brasil também confirmam tal inferência.

Avaliação do curso pelos participantes

Sobre os conteúdos abordados nos encontros, 100% dos participantes classificaram-nos como "ótimo". As dinâmicas foram classificadas por 25% dos participantes como "boas" e 75% como "ótimas". O tempo de duração dos encontros foi considerado "bom" por 50% dos participantes e "ótimo" por 50%. Os temas abordados considerados mais importantes pelos participantes foram: "a organização e a rotina na família", "apoio à criança nas atividades escolares" e "incentivos para participar no ambiente". Alguns participantes sugeriram outros temas que poderiam ser abordados no curso, como: "ensinar os pais como não perder a paciência" e "conhecimento sobre a aprendizagem".

Em relação às atividades de cada aula, a maioria dos participantes apontou as "lições para reflexão em casa" e "dinâmicas e vivências". Quando questionados sobre o que não gostaram no curso, um participante apontou: "os momentos de expor opinião dificuldade de falar em público", "poderia ser oferecido no começo do ano". Sobre a opinião em relação ao curso, os participantes demonstraram interesse por "mais cursos, mais palestras", e elogiaram, "foi muito produtivo", "excelente", "gostei de tudo", "gostei do curso todo" e "tudo que se aprende é bom".

Discussão

O presente estudo visou identificar as condições de implementação do Programa PPOP em situação experimental no âmbito da escola ao testar os instrumentos e o próprio Programa de suporte informativo aos pais.

A partir da concepção bioecológica do desenvolvimento humano, os dados advindos do RAF foram analisados a partir de "três domínios de recursos do ambiente familiar que podem contribuir para o progresso acadêmico" (Marturano, 2006). No nível do microssistema familiar, o instrumento afere dois domínios: recursos que promovem processos proximais e atividades previsíveis que sinalizam algum grau de instabilidade na vida familiar. Já no nível do mesossistema, tem-se o domínio de recursos intitulado práticas parentais que promovem a ligação família-escola.

Sobre o primeiro domínio do instrumento, que investiga recursos que promovem processos proximais (Marturano, 2006), foi possível observar que as crianças permanecem grande parte do tempo em que não estão na escola, dentro de casa, tendo em vista que as atividades mais citadas foram assistir TV, ouvir rádio, jogar vídeo game e brincar dentro de casa. No estudo de Pamplin (2005), que identificou recursos e necessidades do contexto familiar de crianças com necessidades educacionais especiais, destacou-se que os participantes também apontaram a permanência da criança em casa, no período em que não estão na aula.

Quanto aos passeios realizados pelas crianças, foi possível constatar que os mais realizados foram as visitas à casa de parentes e amigos e idas ao shopping center. Tais passeios podem propiciar estímulos e interação. Pode-se dizer que todas as crianças têm oportunidades de passeios. Visitas à casa de parentes e amigos também foi um passeio destacado no estudo de Pamplin (2005), entretanto, no estudo dessa autora, os passeios eram restritos àquilo que a escola ofertava, possivelmente por tratar-se de uma população com menos recursos (renda mensal inferior), quando comparada aos participantes do presente estudo.

Em relação às atividades programadas que as crianças realizam regularmente, foi possível observar que apenas duas crianças as realizam, o que indica novamente a permanência da maioria delas no lar, sem atividades externas. As atividades que os pais desenvolvem com as crianças em casa mostraram-se bastante pertinentes, tendo em vista que estimulam a interação entre pais e filhos, como brincar, contar histórias e casos, conversar sobre como foi o dia na escola e ouvir as histórias da criança. Entretanto, cabe ressaltar que tais atividades não garantem a qualidade das interações entre pais e filhos. Durante uma das sessões foram observados relatos como: "Ele é uma catástrofe". Tal exemplo ilustra que nem sempre as relações entre os participantes e as crianças são satisfatórias.

Um ponto a ser destacado são os brinquedos que as crianças têm ou tiveram. Os índices obtidos no RAF demonstram que as crianças possuem grande quantidade de brinquedos, já no estudo de Pamplin (2005), a população estudada possuía menos brinquedos em seus lares, talvez, por se tratar de famílias com baixa renda mensal. A presença de jornais, revistas e livros também merecem destaque, tendo em vista que todos os participantes apontaram a presença desses em seus lares, e 71,4% apontaram a presença de revistas religiosas.

Já o segundo domínio do instrumento, que investiga as práticas parentais que promovem a ligação família-escola (Marturano, 2006), demonstrou que a mãe é a pessoa que mais acompanha a criança nos afazeres da escola esse dado também emergiu a partir do roteiro de entrevista com os pais. Os estudos de Giurlani (2004) e Pamplin (2005) também obtiveram este dado, ao verificar os recursos presentes no ambiente familiar. Um estudo realizado em Portugal (Fontaine, 2006) verificou que ambos os membros do casal compartilham a opinião de que as mulheres realizam mais tarefas domésticas e de cuidados com os filhos, e menos trabalhos de reparação e conserto. Na realidade portuguesa, as mulheres consideram que os cuidados dos filhos é mais eqüitativamente distribuídos ao casal. Os autores acreditam que tal fato possa ser explicado pela participação crescente dos homens na esfera particular do trabalho familiar. Contudo, as autoras também acreditam que as mulheres se sentem responsáveis pela facilidade da relação pai-filho(s) e, por isso, valorizam mais o investimento que seus companheiros fazem no papel de pai. No caso do Brasil (Martinez, Biasole-Alves & Fontaine, 2007), em pesquisa que investigou a conciliação das demandas do trabalho dos pais com as da vida familiar, para os pais entrevistados, a divisão de trabalhou mostrou-se não ser realizada de modo eqüitativo, sendo a mulher a principal responsável pelo trabalho doméstico e o relativo ao cuidado dos filhos, as demandas da vida profissional dos pais parecem limitar oportunidades de contatos com os filhos.

O último domínio do instrumento, que investigou as atividades previsíveis que sinalizam algum grau de estabilidade na vida familiar, evidenciou que aos finais de semana as famílias costumam sempre estar reunidas. As crianças sempre têm hora certa para almoçar, já assistir televisão é uma atividade que nunca tem horário, o que pode contribuir para que assistam a programas inadequados à sua idade, por exemplo.

Os escores finais obtidos por todos os participantes no RAF estão próximos à média de pontuação do instrumento, e demonstram que as famílias possuem recursos semelhantes entre si. Pode-se assim dizer que o curso foi oferecido à população homogênea quanto ao nível sócio econômico. Esses dados também foram confirmados pelo Critério de Classificação Econômica Brasil, no qual três classes foram detectadas: B1, B2 e C, sendo que B2 e C totalizam 86% da amostra.

Os dados obtidos na entrevista com os pais mostram a busca por informações/orientações sobre como lidar com os filhos. A dificuldade de aprendizagem foi destacada a partir das queixas apontadas. A classificação das famílias entre classes B1 e C, conforme o Critério de Classificação Econômica Brasil, demonstra que essas têm condições financeiras/recursos que podem ter permitido e favorecido sua participação no curso. Somado a isso, o grau de escolaridade dos pais (12 anos em média) pode ser um fator que contribui para a assiduidade e interesse no curso.

Os dados provenientes da aplicação do Roteiro de entrevista com os pais permitiram conhecer algumas percepções de pais sobre o curso de seus filhos nas primeiras séries do ensino fundamental e suas condutas frente às demandas da escolarização. Metade das crianças freqüentam a escola desde os quatro anos, e, segundo os pais, a experiência de ingresso mais citada foi a vontade de ir para a escola, de aprender. A maioria dos pais percebem como "ruim" o desempenho escolar de seus filhos. A dificuldade na leitura foi a mais citada. Cabe aqui destacar que, após a análise dos dados do TDE, as crianças que obtiveram desempenho entre médio e inferior, foram encaminhadas a um serviço gratuito de leitura/escrita, oferecido por uma universidade pública.

A respeito do tema tarefas escolares, destaca-se que 100% dos participantes relataram sempre ajudar os filhos na execução das tarefas de casa. O envolvimento dos pais no processo de escolarização de seus filhos não garante o sucesso escolar, segundo Domina (2005), e, ainda, a efetividade do envolvimento parental pode ter relação com a classe econômica e etnia dos pais. Vale ressaltar que 60% dos pais relataram que raramente conversam com a professora de seus filhos. Já com as crianças, todos afirmaram que "sempre" dialogam, assim como no RAF, no qual todos os participantes apontaram conversar com a criança sobre como foi o dia na escola onde o programa foi implementado.

A partir dos relatos que emergiram ao longo das sessões, pode-se dizer que relatos de experiências e alternativas/soluções foram as categorias que apresentaram maior freqüência. Os temas abordados suscitaram reflexões e discussões entre os participantes. Os relatos enriqueceram o curso e permitiram à pesquisadora conhecer as alternativas, experiências e problemas presentes no dia-a-dia dessas famílias, que auxiliarão na etapa subseqüente deste estudo, com intuito de apreender informações mais abrangentes no contexto da bioecologia do desenvolvimento.

De posse da versão preliminar do PPOP, realizou-se sua implementação em uma primeira situação experimental para verificação de possíveis ajustes. Além disso, buscou-se realizar a testagem de outros instrumentos previstos: Inventário de Recursos do Ambiente Familiar-RAF (Marturano, 2006), Roteiro de entrevista com os pais (Rolfsen, 2007), Critério de Classificação Econômica Brasil-CCEB (ABEP, 2003), Teste de Desempenho Escolar- TDE (Stein, 1994) e Questionário de avaliação do Programa (Rolfsen, 2007).

As análises consistiram em testar o Programa (dinâmicas e suporte informativo) e os instrumentos utilizados, os quais se mostraram sensíveis à demanda de coleta de dados. O Programa atendeu às necessidades de pais, podendo-se perceber interesse pelo conteúdo abordado e expectativas de poder ajudar seus filhos, em uma perspectiva de parceria entre família-escola. Os relatos escritos e verbais apontaram para a pertinência das atividades propostas no programa, bem como das dinâmicas. Especial interesse foi demonstrado pelos pais em relação às temáticas que abordaram a organização familiar e a rotina, apoio à criança nas atividades escolares e participação no ambiente. Com base no desempenho das crianças no TDE (abaixo do esperado para idade e série) foram realizados encaminhamentos para serviços especializados, tendo em vista que os filhos dos participantes não eram atendidos por profissionais da educação/saúde. Os resultados demonstraram que o Programa estava apto a ser implementado em maior escala e mostrou-se satisfatório quanto à forma e conteúdo, a partir do relato dos participantes.

Foram apontados alguns ajustes necessários para sua implementação de fato, como a importância de apreender o nível de informação dos pais antes (pré-teste) e depois (pós-teste) da intervenção, para que houvesse uma medida dos resultados do programa. Outro ponto observado foi a classificação da criança no Teste de Desempenho Escolar-TDE, que, além de caracterizar o desempenho escolar dos alunos, poderia ser utilizada como critério de inclusão/exclusão da amostra de participantes da pesquisa (pais dos alunos). As sessões deveriam ser ofertadas com intervalos semanais, ao invés de duas vezes por semana, para ampliar a possibilidade de comparecimento dos participantes ao Programa relatado neste artigo.

Artigo recebido em 09/03/2007.

Aceito para publicação em 15/03/2008.

Andréia Bevilacqua Rolfsen é mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos.

Cláudia Maria Simões Martinez é Professor Associado do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de São Carlos.

O presente estudo foi desenvolvido como parte do exame de qualificação de mestrado da primeira autora. Apoio financeiro: CAPES.

  • Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas. (2003). Critério de classificação econômica Brasil Retirado em 29 novembro 2006, de http://www.abep.org
  • Aiello, A. L. R. (2002). Família inclusiva. In M. S. Palhares & S. C. F. Marins (Eds.), Escola inclusiva (pp.87-98). São Carlos, SP: EDUFSCar.
  • Brasil. Ministério da Educação. (1994). Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais Brasília, DF: Corde.
  • Brasil. Ministério da Educação. (2001). Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica Brasília, DF: Secretaria de Educação Especial.
  • Brasil. Ministério da Educação. (2002). Classe Especial: Ressignificando sua prática Brasília, DF: Secretaria de Educação Especial.
  • Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados (M. A. V. Veronense, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
  • Bronfenbrenner, U., & Morris, P. (1998). The ecology of developmental processes. In Damon, W. (Org.), Handbook of child psychology (pp. 993-1027). New York: John Wiley & Sons.
  • Cecconello, A. M., & Koller, S. H. (2000). Competência social e empatia: Um estudo sobre resiliência com crianças em situação de pobreza. Estudos de Psicologia, 5, 71-93.
  • Dessen, M. A., & Polônia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia (Ribeirão Preto), 17, 21-32.
  • Dessen, M. A., & Silva, N. L. P. (2004). A família e os programas de intervenção: Tendências atuais. In E. G. Mendes, M. A. Almeida & L C. A. Williams (Orgs.), Temas em educação especial: Avanços recentes (pp. 179-187). São Carlos, SP: EDUFSCar.
  • Dockrell, J., & Mcshane, J. (2000). Crianças com dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas.
  • Domina, T. (2005). Leveling the home advantage: Assessing the effectiveness of parental involvement in elementary school. Sociology of Education, 78, 233-249.
  • Ferreira, M. C. T. (2005). As tarefas de desenvolvimento da meninice e a transição para o ensino fundamental. Tese de Doutorado não-publicada, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
  • Fontaine, A. M. (2006). Relatório do projeto FAMWORK Porto, PO: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.
  • Giurlani, A. G. (2004). Ambiente familiar e os efeitos do programa EPRP destinado a atenuar problemas de comportamento e aprendizagem Dissertação de Mestrado não-publicada, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
  • Guralnick, M. J. (1997a). Effectiveness of early intervention for vulnerable children: Developmental perspective. American Journal of Mental Retardation, 102, 319-334.
  • Guralnick, M. J. (1997b). Second-generation research in the field of early intervention. In M. J. Guralnick, Effectiveness of early intervention (pp. 3-20). Seattle, WA: Paul Brookes.
  • Hardman, M. L., Drew, C. J., & Egan, M. W. (2006). Learning disabilities. In Human Exceptionality: School community, and family (pp. 164-205). Boston, MA: Allyn and Bacon.
  • Hübner, M. M., & Marinotti, M. (2002). Crianças com dificuldades escolares. In E. F. M. Silvares (Org.), Estudos de caso em clínica comportamental infantil (vol. 2, pp. 259-304). Campinas, SP: Papirus.
  • Lüdke, M., & André, M. E. D. A. (1986). Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas São Paulo: EPU.
  • Martinez, C. M. S., Biasoli-Alves, Z. M. M., & Fontaine, A. M. (2007). Conciliação de demandas do trabalho profissional e vida familiar de pais trabalhadores com filhos pequenos no interior do estado de São Paulo [Resumo]. Congresso de Educação Familiar: Família plural, Educação singular , 11, 124-125.
  • Martins, N. A. R. (2001). Análise de um trabalho de orientação a famílias de crianças com queixa de dificuldade escolar. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.
  • Marturano, E. M. (1999). Recursos no ambiente familiar e dificuldades de aprendizagem na escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa,15, 135-142.
  • Marturano, E. M. A. (2005). A criança, a família e a aprendizagem escolar. In C. A. Funayama (Org.), Problemas de aprendizagem: Enfoque multi-disciplinar (pp. 77-94). Campinas, SP: Alínea.
  • Marturano, E. M. (2006). O inventário de recursos do ambiente familiar. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19, 498-506.
  • Marturano. E. M., & Ferreira, M. C. T. (2004). A criança com queixas escolares e sua família. In E. M. Marturano, M. B. M. Linhares & S. R. Loureiro (Orgs.), Vulnerabilidade e proteção: Indicadores na trajetória de desenvolvimento do escolar (pp. 217-249). São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Marturano, E. M., & Loureiro, S. R. (2003). O desenvolvimento sócio-emocional e as queixas escolares. In A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette (Orgs.), Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem (pp. 259-291). Campinas, SP: Alínea.
  • Nunes, L. R. O. P. (1996). Atendimento a criança de risco e/ou portadora de deficiência em creches: Análise do relato verbal de recreadores e coordenadores. In L. R. O. P. Nunes (Org.), Prevenção e intervenção em Educação Especial (pp. 56-79). Rio de Janeiro: ANPEPP.
  • Pamplin, R. C. O. (2005). A interface família-escola na inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais: Uma perspectiva ecológica Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP.
  • Parreira, V. L. C., & Marturano, E. M. (1999). Como ajudar seu filho na escola São Paulo: Ed. Ave Maria.
  • Rolfsen, A. B. (2007). Programa de intervenção para pais de crianças com dificuldades de aprendizagem: Acompanhamento a estimulação no ensino fundamental Texto de exame de Qualificação de mestrado não-publicado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP.
  • Romero, J. F. (1995). Os atrasos maturativos e as dificuldades de aprendizagem. In C. Coll, J. Palacios & A. Marchesi (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação: Necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas.
  • Sigolo, S. R. R. L. (2004). Favorecendo o desenvolvimento infantil: Ênfase nas trocas interativas no contexto familiar. In E. G. Mendes, M. A. Almeida & L C. A. Williams (Orgs.), Temas em educação especial: Avanços recentes (pp. 189-195). São Carlos, SP: EDUFSCar.
  • Stein, L. M. (1994). TDE - Teste de Desempenho Escolar São Paulo: Casa do Psicólogo. (Teste Psicopedagógico).
  • Weiss, M. L. L. (1992). Psicopedagogia clínica: Uma visão diagnóstica. Porto Alegre: Artes Médicas.
  • Williams, L. C. A., & Aiello, A. L. R. (2004). O empoderamento de famílias: O que é e como medí-lo. In E. G. Mendes, M. A. Almeida & L C. A. Williams (Orgs.), Temas em educação especial: Avanços recentes (pp.197-202). São Carlos, SP: EDUFSCar.
  • Endereço para correspondência:

    Av. Cristóvão Colombo, 777, apto.21
    CEP 14801-200. Araraquara-SP, Brasil
    E-mail:
  • 1
    A avó participou como responsável, pois era a cuidadora, residindo junto com o neto. A mãe encontrava-se com o filho apenas nos finais de semana.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Mar 2008
    • Recebido
      09 Mar 2007
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: paideia@usp.br