Acessibilidade / Reportar erro

Sexualidade juvenil de classes populares em Cabo Verde: os caminhos para a prostituição de jovens urbanas pobres

The sexual culture of marginalized youth in Cape Verde: pathways to the prostitution of poor young women

Resumos

O artigo apresenta apontamentos sobre comportamento de jovens marginalizados em Cabo Verde e busca integrar essas notas etnográficas a teorias da masculinidade. Explorando os caminhos que levam à prostituição entre meninas pobres, o artigo focaliza como mudanças nas experiências da sexualidade conduziram a uma reversão de arranjos sociais prévios nos quais os homens eram 'caçadores de saia' e provedores, para este novo regime em que as mulheres buscam seus parceiros com base no desejo e buscam, inclusive na prostituição, os meios econômicos para sustentar tais relações. O artigo usa dados de entrevistas detalhadas, algumas discussões de grupo focais e observação participante para examinar percepções masculinas de caminhos femininos para a prostituição.

prostituição; masculinidades; cultura sexual e reprodutiva


The paper provides insights into the behavior of marginalized youth in Cape Verde and integrates these insights into theories of masculinities. Exploring the pathways to prostitution among young poor urban women and their relationship to their peers, the poor young men they interact with, the paper focuses on how a change in sexual norms has led to a reversal of previous social arrangements, in which men were the 'skirt chasers' and the providers, to ones in which women seek partners based on desire and have the economic means to sustain such relationships. The paper uses data from some in-depth interviews, some focus group discussions, and participant observation to examine male perceptions of pathways to female prostitution.

prostitution; masculinities; sexual and reproductive culture


SEÇÃO TEMÁTICA

Sexualidade juvenil de classes populares em Cabo Verde: os caminhos para a prostituição de jovens urbanas pobres

The sexual culture of marginalized youth in Cape Verde: pathways to the prostitution of poor young women

José Carlos Gomes dos Anjos

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

O artigo apresenta apontamentos sobre comportamento de jovens marginalizados em Cabo Verde e busca integrar essas notas etnográficas a teorias da masculinidade. Explorando os caminhos que levam à prostituição entre meninas pobres, o artigo focaliza como mudanças nas experiências da sexualidade conduziram a uma reversão de arranjos sociais prévios nos quais os homens eram 'caçadores de saia' e provedores, para este novo regime em que as mulheres buscam seus parceiros com base no desejo e buscam, inclusive na prostituição, os meios econômicos para sustentar tais relações. O artigo usa dados de entrevistas detalhadas, algumas discussões de grupo focais e observação participante para examinar percepções masculinas de caminhos femininos para a prostituição.

Palavras-chave: prostituição, masculinidades, cultura sexual e reprodutiva.

ABSTRACT

The paper provides insights into the behavior of marginalized youth in Cape Verde and integrates these insights into theories of masculinities. Exploring the pathways to prostitution among young poor urban women and their relationship to their peers, the poor young men they interact with, the paper focuses on how a change in sexual norms has led to a reversal of previous social arrangements, in which men were the 'skirt chasers' and the providers, to ones in which women seek partners based on desire and have the economic means to sustain such relationships. The paper uses data from some in-depth interviews, some focus group discussions, and participant observation to examine male perceptions of pathways to female prostitution.

Key words: prostitution, masculinities, sexual and reproductive culture.

Em uma nação cujo perfil populacional é marcadamente jovem, como é o caso de Cabo Verde, em que 65 pessoas em cada 100 têm menos de 24 anos, problemas de saúde reprodutiva juvenil tendem a ganhar espaços na arena pública mesmo que o debate tenda a se dar nos quadros de processos de importação de problemáticas.1 1 Em outro trabalho (ANJOS, 2002), a partir do referencial desenvolvido por Bertrand BADIE e Guy HERMET, 1993, discuto a forma como em Cabo Verde o Estado se constitui como uma agência de importação de modelos externos de legitimação da ordem de relações sociais internas de dominação de uma pequena elite. Para BADIE e HERMET, 1993, p. 182, Estados desse tipo devem ser chamados de híbridos na medida em que se inscrevem na ordem do traduzido e do ilegítimo: "A construção dos sistemas políticos novos remete a um processo que [...] conduz mais ao empréstimo de modelos já testados que à invenção de fórmulas novas" ou à aceitação das tradicionais. Confirma-se, no caso cabo-verdiano, a tese de BADIE e HERMET, 1993, de que todos os atores que têm um mínimo de poder nas sociedades dominadas são importadores. A classe política cabo-verdiana, inclusive nos momentos de contestação, recorre a paradigmas e modelos estrangeiros para criar sua ação mobilizadora. A negação dos modelos estrangeiros é sempre parcial e dada pela importação de outros modelos também estrangeiros. É o caso da importação da idéia de "crise da família" e do problema social "saúde reprodutiva" que mobilizam recursos e agências externas. Esse pequeno país de 4.033 km2 e cerca de 417.000 habitantes em 1998, desde a independência nacional em 1975, tem conhecido um processo acelerado de transformações sociais e crescimento econômico basicamente vinculado a processos de importação de modelos e recursos ligados à criação e constituição do Estado-nação. Da independência à primeira metade da década de 1980, com a importação de um modelo monopartidário de Estado-nação, o país cresceu aceleradamente, para vir a estagnar na segunda metade dessa década. Com a renovação das estruturas institucionais no início da década de 1990, a economia retoma o ciclo de crescimento. Essa segunda onda de crescimento está estritamente vinculada às importações dos modelos de uma economia de mercado e a toda uma série de reformas do setor empresarial do Estado, do sistema fiscal, do sistema financeiro e da administração financeira do Estado, que estimulou pela segunda vez o investimento estrangeiro.

No atual contexto pós-colonial, vários temas reordenadores de políticas públicas têm sido importados através da mediação de instituições internacionais, visando precariamente a sustentar a legitimidade e o financiamento de um aparato estatal simultaneamente rudimentar e pletórico.2 2 A pletora burocrática, intensificada em Cabo Verde pela necessidade de agradar a todos os parceiros internacionais, leva a uma sobreposição de instituições e funções importadas, o que é tanto mais naturalizado por quanto se cultiva em Cabo Verde a noção de nação mestiça particularmente apta à incorporação de valores "modernos" (ANJOS, 2002). Dentre esses temas, o da crise das famílias carrega a narrativa pressuposta de épocas anteriores em que a estrutura familiar em Cabo Verde tivesse uma estabilidade contrastante com o modelo predominante atualmente, ou seja, o de famílias chefiadas por mulheres e prostituição infanto-juvenil em graus alarmantes. Não é objetivo deste artigo analisar como o sistema escravista e o patrimonialista colonialista pós-escravidão implicavam um sistema de violentação sistemática das mulheres dos estamentos sociais dominados, já que dificilmente poderíamos tomar o momento atual como pior do que qualquer outro em termos de conformação da 'estrutura familiar cabo-verdiana'. Buscando situar-me distante dos pressupostos do discurso da crise familiar, menos do que tomar a prostituição juvenil como signo de crise, analiso aqui as peculiaridades das transformações dos processos de subjetivação da sexualidade3 3 O conceito de subjetivação toma aqui o sentido que lhe é atribuído por Gilles Deleuze e Félix Guattari: processo fabricado e modelado sob o registro social: "Por um lado, trata-se de um agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões misturadas, de corpos reagindo uns sobre outros; por outro lado, de agenciamentos coletivos de enunciação, de atos e de enunciados, transformações incorporais que se atribuem aos corpos" (DELEUZE e GUATTARI, 1980, p. 112). em Cabo Verde.

Uma das motivações para este estudo deve-se à constatação de que o patriarcado é, no atual processo de desagregação das estruturas familiares extensivas no meio urbano cabo-verdiano, não apenas um modelo cultural que tende a eximir os jovens do sexo masculino quanto à responsabilidade com relação à saúde sexual e reprodutiva, mas sobretudo tende a canalizar o foco das investigações para o comportamento feminino, isolando essa dimensão de suas relações estruturais com as atitudes masculinas. Neste artigo busco sobretudo entender as transformações nas percepções masculinas sobre a sexualidade e sobre os problemas femininos correlacionados à saúde reprodutiva. O fenômeno cabo-verdiano que melhor permite explicitar essas percepções e transformações é o da pixingaria.

Tomo o fenômeno da pixingaria, sintomático da prostituição juvenil em Cabo Verde, como expressão eloqüente de transformações nos regimes de subjetivação da sexualidade. Sob um olhar etnocêntrico rapidamente traduziríamos a pixinguinha como a figura clássica da prostituta, e no rapaz que se diz caranganhada veríamos um típico cafetão. Porém, uma atenção mais incisiva nos mostraria que, no interior do sistema cabo-verdiano de recomposição da dominação patriarcal, em que a prostituição em sua modalidade clássica foi deslocada pela pixingaria, o que está em jogo é uma reorganização mais geral do sistema de classificação do processo de desmoronamento da 'virtude' feminina.

Tendo em vista a explicitação dessas transformações no agenciamento de subjetivação e suas correlações com as mudanças estratégicas nas modalidades de dominação masculina, busco reconstruir as trajetórias típicas de uma pixinguinha e de um jovem caranganhada. Antes teço considerações que podem ajudar a contextualizar a grade de classificação moral das mulheres 'decaídas' em Cabo Verde.

Este estudo se situa como uma contribuição à nova vaga de pesquisas que buscam documentar os modos de socialização e os tipos de comportamento, segundo o sexo e a saúde reprodutiva de adolescentes na África. Em um quadro de análise holística, que toma como foco os fatores culturais de exacerbação dos riscos, decidimos por uma pesquisa de perfil qualitativo centrado nas representações de adolescentes do sexo masculino em situação de maior vulnerabilidade.4 4 Nos termos de Scott LASH, 1997, penso aqui a vulnerabilização sob o prisma de uma situação nova para amplos contingentes de jovens de nações periféricas em que "o monitoramento heterônomo da modernidade simples não foi substituído pelo automonitoramento da modernidade reflexiva. Em vez disso, na ausência do deslocamento das estruturas sociais pelas estruturas de informação e comunicação, o resultado não é o monitoramento heterônomo nem o autônomo, mas um monitoramento mínimo" (LASH, 1997, p. 160).

Pixingaria e patriarcado: foco da análise

Apesar do significativo crescimento após a independência, a fragilidade do tecido econômico cabo-verdiano e a dependência da ajuda internacional continuam grandes. O declínio do setor agrícola provocado pelo processo de desertificação, o forte crescimento demográfico e o êxodo rural igualmente intenso criaram na capital do país um enorme segmento jovem exposto ao desemprego. Cerca de 27% da população têm entre 25 e 60 anos, e o desemprego é o principal problema social do país, atingindo em cheio esse segmento. A análise seguinte está concentrada nos efeitos dessa situação sobre a sexualidade dos jovens da cidade da Praia, a capital do país.

Pixingaria é, em Cabo Verde, a expressão local para designar um tipo de comportamento sexual juvenil que não é necessariamente percebido como prostituição, embora se pressuponha que na maior parte das vezes envolva a troca de algo material por sexo. Desde o comportamento de meninas de classe média, que ficam com vários namorados em troca de jantares e freqüência a boates caras, até as mães precoces de classe popular que se prostituem para alimentar filhos, são chamadas de pixinguinhas5 5 Pixinguinha, caranganhada ou rabentola são termos sinônimos imputados a mulheres que se supõe terem estilos de vida desregrados do ponto de vista sexual. O termo caranganhada também é auto-aplicado por jovens do sexo masculino para designar um estilo de vida desregrado. Neste artigo uso pixinguinha para as meninas e caranganhada para os rapazes que se auto-imputam ou são rotulados como tais. as meninas que, estigmatizadas para o mercado matrimonial, se supõe estarem expostas a um mercado sexual extraconjugal e, portanto, imoral.

É em torno desse mercado sexual marginalizado que se pode encontrar as situações de maior vulnerabilidade às DSTs, às drogas e ao risco de exclusão social sob efeitos do estigma associado à prostituição. As três categorias de jovens mais estigmatizados (e portanto menos valorados) do mercado matrimonial e sexual cabo-verdiano são os mandjacos (jovens estrangeiros de países vizinhos), as pixinguinhas (meninas entre 15 e 20 anos em início de carreira de prostituição) e os caranganhadas (namorados informais dessas meninas). Aproximados pelos efeitos de marginalização provocados pelo estigma, esses jovens tendem a consolidar redes recorrentes de sociabilidade em torno de um mercado sexual marginal. Esse espaço de interação que se pode caracterizar por uma grande exposição ao estigma, vulnerabilidade às DSTs e à exclusão social é o nosso objeto neste estudo.

Determinados espaços físicos de interação entre esses jovens estigmatizados são particularmente interessantes para uma etnografia das tensões que envolvem o mercado sexual cabo-verdiano. As principais boates da capital, o maior mercado popular (o Sucupira), assim como as vizinhanças dos principais hotéis da capital, revelam-se particularmente fecundos para uma análise das transformações na cultura sexual cabo-verdiana.

A observação participante, um conjunto de 40 entrevistas em profundidade e a constituição de grupos focais de discussão foram as técnicas de pesquisa que nos permitiram coletar dados complementares entre si para a análise das estruturas dessas interações estigmatizadas, correlatas às transformações em toda uma cultura sexual juvenil cabo-verdiana.

A observação participante foi realizada nos locais de trabalho e em espaços de dramáticos encontros desses jovens sexualmente estigmatizados em Cabo Verde. Complementamos os dados da observação participante com os de entrevistas em profundidade também realizadas em locais de trabalho e/ou diversão. As condições de realização tanto das entrevistas como da constituição dos grupos focais fugiram em alguma medida aos padrões formais normalmente preconizados pelos manuais de pesquisa. A metodologia de pesquisa e as exigências de rigor na coleta dos dados tiveram que se adequar ao estilo de vida de jovens que trabalham e/ou se divertem a noite toda e dormem e/ou trabalham todo o dia como ambulantes.

As declarações feitas em meio ao ambiente de encontros semiprofissionais foram tomadas como formulações sobre práticas e como extratos de vida quotidiana, portanto, não podendo dar origem a enunciados que possam ser tratados como se fossem textos de reflexão. São na verdade expressões de uma consciência prática, imediatamente engajada nas urgências de um cotidiano tecido de correlações de força entre classes, gêneros e identidades regionais.

Pixinguinha e prostituta

Na grade de classificação mais importante para os jovens do sexo masculino em Cabo Verde, em geral as mulheres se dividem em sérias e pixinguinhas. As primeiras devem ser seduzidas. As segundas, dominadas ou compradas. É sob essa "perspectiva de cisma das mulheres, que contrasta 'virtude' com a mulher corrupta ou decaída",6 6 Anthony GIDDENS, 1996, p. 269. que a dominação patriarcal continua se reproduzindo nessas ilhas. O modo como a categoria pixinguinha funciona na sociedade cabo-verdiana explicita a sua dimensão profundamente patriarcal, que Giddens supõe ser típica das sociedades pré-modernas:

A mulher decaída nos sistemas pré-modernos de patriarcado referia-se não apenas a uma categoria de pessoas prostitutas, concubinas, cortesãs que ficavam fora do âmbito da vida familiar normal. Tornar-se decaída era uma desgraça que poderia acontecer a qualquer mulher que não se sujeitasse aos códigos da virtude e do comportamento adequados.7 7 GIDDENS, 1996, p. 269.

O sistema de classificação estruturador do mercado sexual cabo-verdiano distingue prostitutas das pixinguinhas. Pixinguinha é fundamentalmente uma categoria moral que se reconstitui inclusive em um distanciamento em relação à prostituta, que tende a aparecer agora sob uma surpreendente neutralidade moral, que é condição do reforço da responsabilização e culpabilização das jovens que ingressam muito precocemente no mercado sexual:

Para mim prostituição é quando uma mulher dá o seu movimento a fim de conseguir o dinheiro para sustentar o seu filho para que mais tarde ele não se dedique a esse tipo de vida. Caranganhada é quando ela dá um movimento, consegue dinheiro e fuma droga, bebe e paga ao seu rapaz. É que a caranganhada tem que ter um moço que lhe fode, um de quem ela gosta. Ela tem sempre aquele de quem ela gosta. Só que com esse ela não pode curtir assim sempre que quer, tem de influenciá-lo, pagar (bebida) aos seus amigos e fazer outras coisas como fumar drogas com ele para que esse rapaz continue a fim de curtir a caranganhada (Caranganhada, 20 anos).

Sob essa percepção masculina, a contaminação moral aparece como o resultado de um deslize passional: não é o ato em si mesmo de troca de sexo por dinheiro, mas o fato de se prostituir para agradar a um namorado. Em uma sociedade em que cresce de forma preocupante o segmento de jovens desalojados do mercado de trabalho, aceita-se, em princípio, com mais naturalidade que se prostitua para alimentar o filho. Na verdade, a indistinção entre pixinguinhas e prostitutas revela uma reação moral masculina à quebra de alguns princípios da tradicional assimetria de gênero. Um conjunto de papéis que reduz a mulher à condição de objeto (nomeadamente de conquista) começa a ser subvertido por mulheres que têm mais acesso à escolarização e estão sob efeitos de uma mídia de fabricação de necessidades que só podem ser atingidas por meio de uma exploração mais instrumental da sexualidade.

Quando uma menina arranja mais do que um namorado, logo os rapazes começam a chamá-la de pixinguinha. Eu acho que ela ainda não é de fato uma pixinguinha, pois são diferentes daquelas que normalmente estão nas boates. Essas vão com a intenção de procurar um jantar ou um pão. Estas vão com um objetivo determinado (Estudante, 17 anos).

Na medida em que entre as jovens 'decaídas' os cabo-verdianos tendem a não distinguir entre as pixinguinhas e as prostitutas, o que se alarga é o número de meninas excluídas do mercado matrimonial, porque estigmatizadas pelo comportamento sexual socialmente construído como desviante. São classificadas de pixinguinhas todas as meninas nas quais se percebe um início de carreira desviante quanto ao comportamento sexual. E o agente de rotulação estigmatizante é o rapaz da mesma faixa de idade que exclui essas meninas do rol daquelas com as quais ele poderia ter um compromisso efetivo.

Entre os cabo-verdianos, buscam interações sexuais com as pixinguinhas os jovens da mesma faixa etária, motivados a explorá-las sexual e/ou financeiramente e adultos com freqüência já casados que geralmente pagam para se relacionar com elas. É a partir de posições no interior do mercado legítimo de relações sexuais que as práticas de pixingaria aparecem como prostituição e, portanto, como práticas estigmatizáveis, para as mulheres, mas como recurso legítimo para os homens.

Muitos rapazes que se envolvem com as pixinguinhas o fazem mais para satisfazer os seus prazeres do que viver com elas como se fosse uma pequena na realidade (Estudante, 18 anos).

A contraposição entre viver com e satisfazer prazeres emerge em um registro moral de codificação conservadora das relações com a pixinguinha, que é a do ponto de vista do 'homem honesto', aquele cuja "existência é, de forma fundamental, honesta e regular: o trabalho, a preocupação com os filhos, [d]a benevolência e [d]a lealdade".8 8 Georges BATTAILLE, 1987, p. 175. A mesma estrutura de contraposição que Bataille estabelece com relação ao excesso do erotismo pode ser relida aqui. A desvalorização do casamento aparece como o correlato de um excesso de sexualidade.

Subjacente a essa ordem discursiva, fundamentalmente machista, eu gostaria de perceber a emergência de um novo sistema de resistência feminina, com a utilização mais eficiente da sedução como arma, e um desnorteamento masculino atingido no imaginário que o coloca na posição de provedor. O modo como, sob a emergência da pixingaria, a prostituição clássica passa a ser percebida como condição quase moralmente saudável tem muito desse desnorteamento. A subjetividade masculina se constitui assim jogada em uma hermenêutica da suspeita, em que o cotidiano passa a ser a obsessiva leitura do quanto a suposta fiel companheira pode não passar de uma pixinguinha. Nos extratos dessa manifestação da consciência prática masculina, que contribui decisivamente para a constituição da pixingaria como acusação que se faz destino, encontramos com freqüência essa obsessão:

Eu acho que pixinguinha e prostituta têm o mesmo sentido. A diferença de fundo é que uma prostituta é aquela que se encontra já desvalorizada na sociedade, enquanto que a pixinguinha é aquela mulher que 'come cabeça', mas escondida. É essa a diferença. No fundo, uma prostituta é aquela que sabe que a vida dela é essa de deitar-se aqui e acolá. Essas dependem totalmente do dinheiro que elas fazem em troca do sexo. Já a pixinguinha é aquela mulher que faz sexo à toa, mas de modo mais discreto dizendo que não é puta [...] A outra diferença é que a prostituta não tem um homem fixo que tome conta dela (Vendedor ambulante, 20 anos).

Subjaz a essa grade nativa de classificação do desvio sexual feminino a imputação de um excesso de vontade sexual que constitui uma economia do desejo que vai além da economia das necessidades materiais. Pixinguinha é aquela mulher que, além de 'comer cabeça' às escondidas, faz à toa, não tanto pelo dinheiro, mas pelo 'vício'.

Sim, a pixinguinha tem um namorado que é certo. Porém curte com outros homens. Mas ela tem aquele que é o homem próprio dela. Por vezes esse namorado (que digo que é um pouco burro) dá a essa mulher tudo e fica convencido que ela é dele somente. Na verdade ela curte com vários outros homens. Acho que esse homem que vive com essa mulher é um babacão. Ele gosta dessa mulher, mas essa mulher vê um outro homem e não resiste. Logo se envolve com esse outro apesar de ter o dela. Ela vai, mas não por dinheiro, mas sim por vício. Ela tem vício demais em homem. Hoje em dia a maior parte das mulheres cabo-verdianas são viciadas em homens. Como essas que andam circulando por aqui. Essas não vão por dinheiro mas por vício de se deitar com qualquer homem (Jovem de origem rural, 23 anos).

O que se tem aqui, nesse tipo de declaração, é menos do que a objetivação de um conjunto de práticas que caracterizariam 'a maior parte das mulheres cabo-verdianas', a exposição de um modo de ver tipicamente masculino.

Erótica tradicional: o lugar em que a pixingaria é ultraje

É importante localizar os lugares de onde emerge a multiplicidade de versões sobre a pixingaria. É nas cidades da Praia e do Mindelo, as mais importantes e que juntas somam mais da metade da população do país, que a pixingaria emerge como fenômeno marcante de uma reordenação moral das relações de gênero. Falando do ponto de vista masculino exterior a essa economia de excesso e ultraje, a pixingaria é uma potencialidade inscrita na maior parte das mulheres. Atribuição do vício como essência da pixingaria, um vício que teria se propagado sob o novo regime moral de 'hoje em dia' faz da mulher séria uma raridade em Cabo Verde. A imagem de imoralidade alastrada serve a uma economia do desejo que é própria desse lugar do homem honrado, sujeito a se perder nesse turbilhão que o apavora.

Por isso é que eu acho que um homem tem de ser fiel em relação a sua mulher. Hoje em dia a maioria já não tem esse pensamento. Eu também no princípio não pensava que um dia ficaria com uma única mulher [...] Mas as pessoas mais velhas deram-me conselhos: que eu não usasse muitas mulheres e que me conservasse somente para a minha própria mulher. Antes dela eu tinha três 'pequenas'. Mas depois de 'arranjar-me com ela' deixei-as e fiquei somente com ela. É que não dá para dar dinheiro a todas e depois dar dinheiro em casa. Quando se tem compromisso é compromisso. Ainda mais se te lembras das doenças e de como estarás quando chegares à velhice [...] Se tu te esgotas demais na juventude não poderás mais transar nem com a tua própria mulher (Jovem de origem rural, 23 anos).

Esse meu entrevistado é um jovem oriundo do meio rural que fora traído há poucos anos pela primeira esposa, que é para ele o paradigma da pixinguinha. Para se precisar o ponto de honra masculino de onde se constrói a imagem da pixinguinha como ultraje por excelência, é preciso considerar que existe ainda nas áreas rurais uma erótica diversa da semantização sexual da cidade, uma erótica tradicional cujo símbolo máximo é a ruptura da virgindade no momento do casamento. É sob essa erótica que a economia do prazer restrita ao casamento é correlacionada à saúde física e para o qual a pixingaria é tanto mais ameaçadora. Na medida em que as pixinguinhas não são prostitutas e não se concentram em um lugar de prostituição, distinguir entre uma pixinguinha e uma mulher séria é uma arte, requer uma hermenêutica que se concentra nas roupas, no modo de falar, nos assuntos, na iniciativa.

Sim, se vê logo se elas são ou não ao se aproximarem de um homem [...] elas fazem umas coisas que dá para desconfiar logo. Por exemplo, chegam perto de qualquer homem dizendo: "tu estás bem, tudo bem contigo?". Percebe-se logo que ela está querendo chamar a atenção, está interessada, está a fim de conseguir, está a fim de alguém com quem se deitar. Eu as conheço muito bem. Uma média de 15 a 20 está sempre por aqui. Digo-te porque eu conheço toda essa maneira delas. Se por exemplo você vende um artigo, ela se aproxima da tua mercadoria, pergunta qual é o preço de um determinado produto com um jeito de falar. Ela mostra que está a fim de entrar em você, dizendo por vezes que o marido dela não serve, não lhe dá dinheiro para comprar isso ou aquilo. Se te encontras com a cabeça embalada vocês falam e falam até que entras na dela. Mesmo que nada ofereças ela vai deitar-se contigo. Ela vai por vício porque a coisa pediu de tal maneira que ela está obrigada a se envolver (Jovem de origem rural, 23 anos).

Na verdade a iniciativa parece ser um elemento central dessa hermenêutica. Em uma cultura profundamente machista, a iniciativa feminina é o signo primeiro da distinção entre a pixinguinha e as outras. Depois, a manifestação sutil de um interesse material, mas sobretudo o modo como o corpo se expõe, se desnuda em uma exposição que produz o desejo como cerne da interação negociada.

Sob a erótica tradicional, a nova economia do desejo parece refletida como em um espelho invertido. No reconhecimento de que os homens de outrora com freqüência eram mulherengos e as mulheres recatadas, é como se a pixingaria invertesse esse quadro. A erótica tradicional é a da persistência de uma experiência moral tradicional que, com relação à sexualidade, formula uma economia biológica do sexo: sexo que se desgasta, se mescla, ou pode ser bem gerido, em uma relação fiel à esposa.

Davam-me esses conselhos os meus tios, minha mãe e um vizinho que agora se ressente disso: não consegue satisfazer a própria mulher. Então cheguei à conclusão de que eles tinham razão no que me diziam. Esse velho saía com muitas mulheres durante a juventude. Agora, na velhice ele fala tremendo muito. E é devido às mulheres com quem ele [se] envolvia. Eram demais, ele não dormia em casa. Só andava atrás das saias das mulheres. Chegou a ponto de levar amantes para casa, contando para a esposa que eram primas. Fez todas essas brincadeiras durante a juventude e agora na velhice já não pode nada. O pênis já nem sequer se levanta de tanto que se desgastou no sexo (Jovem de origem rural, 23 anos).

Associação entre males da velhice e a conduta moral na juventude procede a uma biologização de uma moral sexual que inverte duplamente a nova biologização da sexualidade sob o signo da Aids. É das mulheres pixinguinhas que se propaga a Aids e na juventude em lugar da velhice.

A erótica tradicional não é apenas um conjunto de imagens atuais construídas para o contraste. Na economia libidinal tradicional, os homens cabo-verdianos com freqüência tinham um grande número de mulheres e filhos. Poucos se mantinham em uma relação conjugal estrita. O cuidado de si aparecia como recusa a esse excesso, e a correlação entre o excesso e o cuidado é o que é definidor da própria erótica tradicional.

O sexo gasta-se com a tua mulher, mas não dessa forma tão exagerada. Se te envolves com toda a mulher que encontras na rua porque estás com a força da juventude, deitas com uma, misturas teu sangue com o dela e depois com outra e outra [...] Isso não é bom! Quando 'disparas' tu dás para essa mulher o teu sangue e também o dela sai e se ficarem juntos por algum tempo tu sentes. Sentes que o corpo fica debilitado. Isso é devido à saída do teu sangue. Se um homem dorme com uma mulher e dispara nela o esperma é a mesma coisa que se derramasses seu sangue (Jovem de origem rural, 23 anos).

É desse lugar de enunciação de quem encarna a moral tradicional que a pixingaria intensifica seu caráter de excesso, sobretudo quando ligado à mulher que trai. É o caso da ex-esposa de um de meus entrevistados que depois de alguns anos de casamento passou a traí-lo sistematicamente. Ele a expulsou de casa, e ela tentou um novo casamento com o amante e fracassou:

Ela ficou com esse rapaz um certo tempo, depois se separam. Arranjou um outro moço e agora está 'na vida'. Arrumou uma casa no bairro Pensamento e virou pixinguinha. Todo o mundo diz que foi ela quem errou. Enquanto estávamos juntos, eu ia ao trabalho e ela ia deitar-se com outro homem. Eu nem sequer encontrava comida em casa. Eu tinha de ir comer em casa da minha mãe. Isso era uma pouca vergonha da minha parte. Se escolhes uma mulher e a colocas dentro de casa ela tem de conhecer os seus deveres, o que tem de fazer dentro da casa. Ela não pode deixar a casa como vinha fazendo e ir deitar-se com outro homem, que foi o que ela acabou fazendo comigo (Jovem de origem rural, 23 anos).

Como em todo ato de culpabilização, a categoria moral pixinguinha se faz eficaz ao atribuir uma essência desviante, nesse particular, a um 'certo tipo' de mulheres: as que são incapazes de conhecer os deveres correlativos ao ato masculino generoso de providenciar uma morada conjugal. A pixingaria ganha na moral dominante o caráter de desvio moral essencialmente erótico, porque emergente da incapacidade de superar a degradação que o excesso da sexualidade transformada em vício impõe. Esse é o exato oposto do imaginário em torno do desvio da figura do homem como provedor que controla os excessos de seu próprio desejo para 'manter a casa'.

Trajetórias típicas

Corro aqui o risco de passar das categorias caranganhada e pixinguinha como categorias de acusação para tomá-las como objeto efetivamente existente. Para dar a devida mediação a essa passagem, devo explicitar aqui a posição construtivista que busca entender como as representações dominantes contribuem para fortalecer as condições objetivas para a eficácia da realização de uma identidade imputada, que de injúria se transforma em destino. A trajetória típica de um rapaz caranganhada começa também com uma família relativamente desestruturada, uma série de insucessos escolares, substituição do espaço escolar de socialização (entre os 12 e 15 anos) pelos círculos juvenis de socialização sexual, trabalhos informais extremamente precários e por tempo muito reduzido (uma semana pintando uma casa a cada três meses, por exemplo), a conformação de gangues e a freqüência às boates. É aí que a relação de simbiose com a pixinguinha pode se tornar interessante. Menos do que proteção, o caranganhada oferece à pixinguinha desvalorizada pelo estigma a simulação de um relacionamento. Em troca recebe dela sexo e dinheiro.

Os carangahada têm em geral abaixo da minha idade: 19, 20, 21 até 22 anos. A maioria dos rapazes que fica por aí, à volta da boate, tem uma puta que ele 'come'. Elas dão-nos algum dinheiro porque têm medo de nós. Nós já sabemos quem elas são. Elas sabem que se não nos dão algum dinheiro nós vamos procurar outra 'pequena' que possa dar. Não temos nada para oferecer a elas, por isso aceitamos isso. Eu tenho um amigo que queria que a sua pequena saísse da caranganhada. Ele esforçou-se e arranjou um quarto. Colocou-a no quarto e ficou roubando para manter o aluguel. A vida dele era essa: roubar. De repente meteram-no na cadeia. Apanhou quatro anos. A pequena visitou-o por uns tempos. Agora ela nem vai mais e entrou de novo na caranganhada. O meu amigo está na cadeia fazendo chapéus e balaios para ver se consegue algum dinheiro (Caranganhada, 20 anos).

Até quando se pode permanecer na caranganhada? Enquanto se estiver suficientemente jovem para despertar o interesse em meninas entre 15 e 18 anos que valorizam um certo padrão associado a uma série de desempenhos públicos de virilidade: das brigas às discussões de futebol e performances de dançarino nas boates. A prostituição é uma prática estratégica cujo retorno para a menina é fundamentalmente a garantia da permanência do vínculo com um rapaz 'interessante', com o qual ela não poderia continuar senão satisfazendo-lhe alguns caprichos relativamente caros. Ele é um bem raro, para quem já está demasiadamente estigmatizada no mercado de namoros mais sérios, e isso instala o desequilíbrio.

Ali no Tropicana, nós somos mais do que 50 rapazes caranganhadas. Mulheres na caranganhada nessa zona são mais de 100. Elas estão em maior número do que os homens. Cada um de nós tem duas a três caranganhadas. Alguns chegam a ter quatro mulheres na caranganhada (Caranganhada, 20 anos).

Na reconstrução nativa dos traços da biografia caranganhada, a opção por sair desse estilo de vida aparece como uma opção pessoal de um estágio de amadurecimento. Na maior parte das vezes o poder atrativo do rapaz se esgota aos 20 anos, quando o alcoolismo e o consumo de drogas fragilizam sua performance pública da virilidade rara. Mas não é essa a projeção nativa para o quando se deve deixar de ser caranganhada:

Quando chegar o momento certo de deixar de fazê-lo estarei digno só para uma pessoa. Mas em princípio é difícil na medida em que podes gostar de uma menina, e, se a menina não tiver um emprego, e tu também não, isso já fica sem nenhuma piada! As coisas não vão muito longe. É isso que leva-nos, nós jovens, a atacar alguém a fim de conseguir algum dinheiro. Esforças-te, arrumas um emprego, consegues um colchão e um quarto alugado e depois esse trabalho termina, como podes fazer para não ser jogado à rua? Necessitas desse dinheiro para pagares o aluguel. Se vires uma pessoa com muito [...] Alguém que pode sair com tua pequena para uma boate, um restaurante, qualquer lugar onde não podes levá-la. Você sabe que ela não recusará esse tipo de convite. Antes que ela te 'saia pelas costas' você dá um jeito de arrebatar esse dinheiro do outro, que é para pagares o aluguel (Caranganhada, 20 anos).

Se de todo modo ela irá se prostituir pelo estilo de consumo que o cliente lhe pode proporcionar, partilhar os espólios com ela é uma estratégia sutil em que ele finge que não sabe que ela se prostitui. Ele apenas aceita (e cobra dela) recursos e presentes como condição para que se mantenham na relação. Quando a relação amadurece e torna-se mais cínica, ele explicitamente conduz as incursões dela, ajuda-a a avaliar os clientes potenciais. A relação amadurece em meio a tensões, violências físicas, até se estabilizar em uma postura típica de alcoviteiro. Para isso os sentimentos da menina devem ser disciplinados através da violência física:

Nessas mais de 50 pequenas que já tive, a maioria das pequenas que arranjo são caranganhadas! Se arranjas uma dessas e encontram-te em um lugar a dançar, elas vão lá e puxam-te pelo cabelo, para te dar um sinal que já te viram [...] se a outra pequena está te 'dando fala', elas percebem que essa pequena está a fim de ti, já ficam [...] Tu sabes que o compromisso com uma caranganhada não é rígido. Ela tem que entender que somos apenas caranganhados [...] Então se ela tenta te pegar no peito da camisa, aí tens de dar-lhe um 'corubate'. Se não deres são elas que te aplicam. Por isso tens de antecipar essa porrada. De início eu fazia isso escandalosamente, no lugar. Agora eu amacio a minha caranganhada, levo-a em um canto e dou duas abaixo da asa e ela fique quieta. Depois falo com ela e ficamos 'fixe' (Caranganhada, 20 anos).

Faz parte desse regime de agenciamento do desejo sujeitar o corpo feminino à degradação típica do espaço de quem está na caranganhada. Sob esse regime o que está em jogo é amaciar a mulher a ponto de se fazer dela a pura extensão das demandas e desejos masculinos. Menos do que um sujeito de interação, ela é reduzida a um objeto, instrumento de desejo. Como quase se realiza esse devir pixinguinha?

A carreira típica que leva de menina estigmatizada como pixinguinha à prostituição inicia-se com uma intensa freqüência às boates a partir dos 13 a 15 anos. A fragilização dos laços familiares, impostos geralmente pela pobreza, e a saída da escola facilitam a adesão tanto mais intensa a um grupo geracional de identidade: constituem-se grupos de cinco a sete meninas que freqüentam boates da capital quase diariamente. Relativamente fechados, esses grupos de trocas de experiência, segredos e pequenas intrigas são também cada vez mais um círculo de iniciação no consumo de drogas. Seguem-se como etapas intercambiáveis a gravidez precoce, a intensificação do consumo de drogas e a prostituição assumida.

Quando uma menina de 15 anos começa a freqüentar as boates, recrutada por vizinhas um pouco mais velhas, ela se torna alvo privilegiado dos caranganhadas. A iniciação é seguida rapidamente pela frustração do fim da ilusão da possibilidade de um relacionamento sério e estável nesse meio:

Elas são assim: quando entra uma pequena nova na nossa onda, por exemplo, eu pego, largo e volto para aquela a quem eu pegava antes. Então essa pequena vai se envolver com outro amigo meu e assim sucessivamente (Caranganhada, 20 anos).

Apresentei já o modo como as estratégias masculinas de rotulação associam esses elementos da trajetória que conduzem à prostituição: boate, maconha e sexo em troca de dinheiro:

Vês claramente no físico da mulher que são pixinguinhas. Muitas delas são vistas em muitos outros locais onde você as reconhece logo: nas ruas e boates onde mais circulam pixinguinhas. Você também pode reconhecê-las pela maneira de vestir, maneira de estar na sociedade, pela maneira de andar. Elas andam saltitando de modo que se vê logo que ela está fumada. Muitas dessas prostitutas fumam 'palhinha'. Já vi muitas a fumarem e é por isso que precisam tanto de dinheiro, a fim de irem fumar e fazer outras coisas (Caranganhada, 18 anos).

Outras vezes a pixingaria aparece como estilo de vida (dependente da imputação machista) em mulheres já em idade adulta como um desvio em uma carreira de dona de casa que fracassa, e ela se encaminha para a prostituição. Permanecer como pixinguinha, podendo fazer o jogo simulado de quem tem um relacionamento, ou tornar-se definitivamente uma prostituta depende das características físicas da menina, do grau em que ela se deixa levar pelo vício (bebidas e drogas) e da capacidade de evitar a gravidez.

Preferimos aquelas que têm mais apresentação. Essa terá mais 'base'. A mais apresentável 'alinha' mais facilmente um homem de dinheiro. Essas conseguem mais dinheiro. Aquelas que são mais 'fixe' tornam a caranganhada mais fácil (Caranganhada, 18 anos).

Enquanto ela puder se apresentar como mercadoria relativamente rara e disputável, pode também ser sujeito do jogo, impondo ao 'namorado' a aceitação de uma diversidade de relacionamentos tão grande quanto a que este experimenta. Quando o valor dela decresce sob a degradação física que lhe impõem a droga ou as sucessivas gravidezes, ela se torna incapaz de sustentar até a simulação de relacionamento.

O lugar do desejo na dominação masculina

Um esboço de uma descrição etnográfica das negociações sexuais nas noites cabo-verdianas talvez ajude na análise dos deslocamentos que o agenciamento do desejo vem sofrendo em Cabo Verde. Nas noites vagas humanas movem-se pelas ruas periféricas, pelos becos mergulhados nas sombras. Vagas de desejo. A subjetividade masculina se apresenta descontrolada, atordoada. Bandos de 20 a 30 rapazes se distribuem em pequenos grupos em volta das boates. Locomovem-se de uma a outra boate, cercam, seguem as meninas. Empurram, paqueram, provocam e, no limite, batem. Partem para a violência física quando se sentem legitimados por um compromisso. Chamam-nas de putas. Mas não aceitam ser trocados. Para elas, dizem-se traídos. Entre eles, gabam-se de que só estão interessados no que podem tirar delas. Elas são disputadas. Com freqüência eles estão enfurecidos. Dispostos a extorquir tudo delas, eles têm no mercado de corpos e dinheiro o leito de vazão do desejo. O dinheiro é quase apenas um pretexto. Eles pousam, mas não são senhores nesse jogo.

Elas passam por eles em pequenos grupos de três a no máximo cinco. Elas são exuberantes. Parecem intocáveis. Eles se sentem provocados. Detalhes da roupa, a insinuação do corpo, coxas malcontidas em saias diminutas. Eles atiram torpedos à distância, avançam sobre elas na maior parte das vezes em uma paquera inútil. Outras vezes estão completamente descontrolados, beirando à violência. Quando conhecem o rapaz, elas param. Geralmente se afastam em um gesto de desprezo. Por vezes, trocam-se provocações. E o desejo cresce a um ritmo alucinante. E só a violência física rompe o domínio que essa modalidade de sedução feminina exerce.

Os pequenos bandos de rapazes são pequenas máquinas de guerra. E estão derrotados. Falam de futebol, de filmes e delas. O barulho é demasiado para a vizinhança pacata. Alguns chefes de família xingam de cima, da varanda, mas geralmente não aguardam a resposta. Dentro das boates o clímax ao ritmo do funaná. Os corpos se colam sem que as pessoas precisem se conhecer. A dança é quase parada. Apenas os quadris marcam o ritmo quase frenético. Nas boates mais periféricas, as meninas mais marcadas pelo estigma arriscam-se. Provocadas pelos donos, começam a tirar roupa, e no fim da música só têm a calcinha. Não ganham nada por isso. Puro jogo do desejo, exposto nu. Colocam de volta as poucas peças e passam por eles, entre alucinados e chateados. Elas detêm o controle da interação na noite. Eles estão obrigados a paquerar, a oferecer dinheiro, a ouvir recusas, até o ponto em que elas estão dispostas. Então contorna-se a boate e em um beco mais escuro o sexo acontece demasiadamente urgente, demasiadamente prensado, sob a lógica da necessidade intensa. Não há tempo para se contornar riscos. Por vezes elas impõem a camisinha. Mas eles não têm nem tempo, nem espaço. Elas são o espaço a ser profanado. E é parte da profanação engravidá-las. Grávidas, elas dependem deles. Aí elas passam a ser desprezadas por eles. Sobretudo por quem as engravidou.

A gravidez e a violência física são as duas estratégias de reversão do controle feminino das lógicas de interação nas noites de pixingaria. Perder ou manter o controle essa é a ilusio desse espaço de lutas. Por vezes elas se apegam a um desses rapazes da noite. Então esse detém o controle. Ela precisa mantê-lo para que ele, do alto de sua masculinidade, aceite namorar uma pixinguinha. O jogo se reverte. A dominante dama da noite está refém no jogo. Nessa corrida ela paga com o corpo para mantê-lo na relação. Ela paga com o corpo o que ela não pode mais pagar com a honra. Ele dissimula: para os colegas faz questão de dizer que não tem qualquer compromisso com ela. Quando chega a assumi-la, ele finge que não a vê saindo com estrangeiros (pagam mais os chineses e portugueses). Se for um cabo-verdiano ele precisa se certificar de que não está sendo trocado, de que é alguém que vai pagar. Esse é um dos contextos da violência física. Ameaçado de perder o controle do jogo, ele recorre ao último recurso, ainda legitimado pela honra ferida. Mas aí é quando ele já está derrotado na disputa pelo controle. Um outro no jogo significa que ele já é só mais qualquer um que tem de consumi-la, pagar e correr o risco de se ver rejeitado. Ele jamais paga por uma que ele já teve. Na concorrência intensa, em que o número de pixinguinhas é muito menor do que o dos caranganhadas, a perda de uma pode significar um longo período de recesso. Sem poder pagar, ele precisa se impor pela força de persuasão. Consumir é o longo processo de paquera em que ele a leva da boate à casa, em uma tentativa frenética de convencê-la a uma relação sexual que deve significar o início do controle sobre ela. "Pára de me consumir" é o modo de explicitar na esquiva a regra de um jogo que ela ainda domina.

Quando ele consegue o que está em jogo enquanto modo de ser do desejo é ainda a ratificação da masculinidade como corpo do poder. Do sexo em pé encostado na parede de um pequeno beco à 'mão no chão', iconografia do pertencimento dela a ele. Daí em diante ela precisa sustentá-lo, para se manter tendo a intensidade de prazer que em princípio ela só pode ter com ele. A menos que ele não seja suficientemente viril. "Você não me agüenta!" ela só fica com quem a agüenta. Agüentar é para ele fazê-la sentir, fazê-la cansar, fazê-la desejar mais, não terminar antes que ela tenha atingido o orgasmo. Signo que se faz confirmar quando ela deseja e que se esgota em um exercício atlético infecundo quando ela não quer mais, o que está em jogo está além do ato o controle da estrutura outrem.

O erotismo em Cabo Verde sempre esteve associado à transgressão da condição de mulher séria, esta associada à virgindade da menina ou à fidelidade da mulher casada. É a ruptura com essas condições de moralidade herméticas que produz o auge do erotismo. Trata-se aí de um erotismo intensivo. A transformação que estamos acompanhando sugere uma outra modalidade de agenciamento de subjetivação que passa pela extensão. Não é mais a menina virgem que atrai o máximo de intensidade sexual. É a jovem que coloca rapazes em fila. Venderam-me várias narrativas masculinas de relações sexuais na forma de fila em que a pixinguinha ia recebendo um a um de quase uma dezena de caranganhadas.

A única individualidade que aí se sustenta é a da mulher simultaneamente reduzida a objeto de desejo, sendo único sujeito. É do interior de sua condição de sujeito que se coleta o néctar do desejo.

As antigas narrativas centradas no tamanho do falo e nos 'estragos' que fazia na mulher vêm sendo substituídas por narrativas centradas na performance do caranganhada, que é capaz de fazê-la gozar várias vezes.

Conclusão

Sob o esquema classificatório que estigmatiza um grande número das jovens cabo-verdianas se encurta o caminho dos efeitos práticos da imputação arbitrária que transforma a injúria pixinguinha em destino de grande parte das adolescentes cabo-verdianas. As jovens que ousam ter um comportamento similar aos dos rapazes, freqüentando os mesmos espaços de socialização sexual, estão sujeitas à acusação de pixingaria e não tardam a ficarem expostas a um sistema informal de recrutamento para a prostituição fundamentalmente controlado por eles.

Da acusação de pixingaria à prostituição efetiva, a profecia se realiza sob a pressão de carências materiais, sedução para o consumo de drogas e uma relação de trocas com parceiros do sexo masculino desequilibrada em favor deles. Só uma estrutura familiar mais regrada poderia conter a espiral de desagregação do cuidado de si. Nas famílias de classe popular urbanizadas, desprovidas das redes tradicionais de solidariedade e controle mútuo das estruturas familiares extensivas do meio rural, os agenciamentos de subjetivação voltados para o cuidado estão frágeis. Excluídas do mercado matrimonial pelo efeito do estigma, resta às jovens iniciadas mais cedo em um círculo de socialização sexual um mercado sexual extraconjugal extremamente perverso. Oriundas de famílias em processo de desagregação, as meninas rapidamente aderem a um estilo de vida tanto mais consumista quanto liberto das pressões e regramentos paternos. Sob pressão da necessidade crescente de consumo de bens marcadores do ingresso e permanência no interior das fronteiras do estado juvenil, instigada pelos seus jovens amantes, ao ritmo da avalanche consumista incitada pela mídia, a pixinguinha está sob um agenciamento que a sexualiza permanentemente. Em corpos cada vez mais intensamente transformados em alvos sexuais, a pixingaria é, além de uma categoria de acusação, um conjunto de práticas e relações sociais em um mercado sexual em que posições econômicas e a condição masculina subjugam e utilizam as disposições femininas mais sedutoras.

Sob tal regime a sexualidade torna-se um modo de ser, desempenho, performance e exaustão. Esse corpo marcado para a exaustão sexual talvez só possa ser decifrado se levarmos em conta as formulações como a de Bataille, da relação entre o erotismo e a morte:

Há na passagem da atitude normal ao desejo uma fascinação fundamental da morte. O que está em jogo no erotismo é sempre uma dissolução dessas formas de vida social, regular, que fundam a ordem descontínua das individualidades que nós somos.9 9 BATTAILLE, 1987, p. 175.

A caranganhada é um desses regimes eróticos em que a dissolução da vida regular está sempre em jogo. Sob esse regime de subjetivação, a sexualidade torna-se um espaço de interação pouco reflexivo para os tempos da Aids. No limite a Aids se transforma; é apenas mais um índice de um intenso processo de degradação física que completa o enfraquecimento imposto pela conjunção de sexo desregulado, violência física e drogas.

Para o jovem do sexo masculino, a primazia do corpo e dos prazeres imediatos substitui o modo como a honra codificava a construção da virilidade no sistema moral tradicional. Particularmente presentes nas induções ao consumo ostentatório de marcas de griffe, na assimilação de modelos de usos do corpo propostos pelos filmes pornográficos e filmes de violência física, toda uma retórica da masculinidade vem colonizando o imaginário juvenil de poderosas imagens de realização pessoal imediata, desprovida de projetos.

No centro de um agenciamento de sexualização da subjetividade juvenil que tem seus ícones na violência física (exercida sem pudores contra as meninas), nos exercícios físicos, nas técnicas de conquista e controle da dimensão feminina das relações sociais, nos rituais sexuais construídos sob uma modalidade de subjetivação mais próxima da performance física do que da comunhão sentimental, está uma construção do prazer sexual fundamentalmente altrucida. Trata-se de fazer outrem (o parceiro da relação) desmoronar. O resultado final é o definhamento das relações humanas que, desprovidas de intimidade, transformam-se em mero exercício físico e demonstração de poder viril.

A desagregação das estruturas familiares joga os jovens das classes populares nas ruas livres das regras e autoridades parentais, mas destituídos de projetos pós-juvenis. Para esses jovens, a incapacidade de cuidar de si se exacerba com o tempo. As práticas de cuidado de si, que a construção de um corpo viril exige, entram em choque com as carências de recursos impostas pelo desemprego e tendem a ceder sob pressão da injunção ao consumo de drogas.

É imperativo que haja políticas estrategicamente dirigidas contra as formas de representação e as retóricas do biopoder que atingem esse segmento social particularmente colonizado pelo consumo. Os adolescentes do sexo masculino são partes fundamentais da gênese dos problemas de saúde reprodutiva, por isso é necessário levá-los em conta quando se trata de buscar soluções. Novos modelos de agenciamento da sexualidade se estabelecem sob práticas há muito enraizadas e ligadas à dominação masculina. Mas essas novas práticas se estabelecem desterritorializadas das redes tradicionais de relações de parentesco que impunham modalidades de contrato entre as famílias e entre os sexos que minimamente responsabilizava a parte masculina. No novo agenciamento a construção da virilidade está livre da injunção ao cuidado da procriação e ao projeto de construção de uma família.

[Recebido em fevereiro de 2004 e aceito para publicação em julho de 2004]

Copyright ã 2004 by Revista Estudos Feministas

  • ANJOS, José Carlos Gomes dos. Intelectuais, literatura e poder em Cabo Verde: lutas de definição da identidade nacional Porto Alegre (Brasil): UFRGS/IFCH; Praia (Cabo Verde): INIPC, 2002.
  • BADIE, Bertrand; HERMET, Guy. Política comparada México: Fundo de Cultura Económica, 1993.
  • BATAILLE, Georges. O erotismo Porto Alegre: L&PM, 1987.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mille plateaux: capitalisme et schizophrénie Paris: Les Editions de Minuit, 1980.
  • GIDDENS, Anthony As transformações na intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas São Paulo: Ed. da USP, 1996.
  • LASH, Scott. "A reflexividade e seus duplos: estrutura, estética, comunidade". In: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony. Modernização reflexiva: política, tradição, estética na ordem social moderna São Paulo: Ed. da Unesp, 1997. p. 135-206.
  • 1
    Em outro trabalho (ANJOS, 2002), a partir do referencial desenvolvido por Bertrand BADIE e Guy HERMET, 1993, discuto a forma como em Cabo Verde o Estado se constitui como uma agência de importação de modelos externos de legitimação da ordem de relações sociais internas de dominação de uma pequena elite. Para BADIE e HERMET, 1993, p. 182, Estados desse tipo devem ser chamados de híbridos na medida em que se inscrevem na ordem do traduzido e do ilegítimo: "A construção dos sistemas políticos novos remete a um processo que [...] conduz mais ao empréstimo de modelos já testados que à invenção de fórmulas novas" ou à aceitação das tradicionais. Confirma-se, no caso cabo-verdiano, a tese de BADIE e HERMET, 1993, de que todos os atores que têm um mínimo de poder nas sociedades dominadas são importadores. A classe política cabo-verdiana, inclusive nos momentos de contestação, recorre a paradigmas e modelos estrangeiros para criar sua ação mobilizadora. A negação dos modelos estrangeiros é sempre parcial e dada pela importação de outros modelos também estrangeiros. É o caso da importação da idéia de "crise da família" e do problema social "saúde reprodutiva" que mobilizam recursos e agências externas.
  • 2
    A
    pletora burocrática, intensificada em Cabo Verde pela necessidade de agradar a todos os parceiros internacionais, leva a uma sobreposição de instituições e funções importadas, o que é tanto mais naturalizado por quanto se cultiva em Cabo Verde a noção de nação mestiça particularmente apta à incorporação de valores "modernos" (ANJOS, 2002).
  • 3
    O conceito de subjetivação toma aqui o sentido que lhe é atribuído por Gilles Deleuze e Félix Guattari: processo fabricado e modelado sob o registro social: "Por um lado, trata-se de um agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões misturadas, de corpos reagindo uns sobre outros; por outro lado, de agenciamentos coletivos de enunciação, de atos e de enunciados, transformações incorporais que se atribuem aos corpos" (DELEUZE e GUATTARI, 1980, p. 112).
  • 4
    Nos termos de Scott LASH, 1997, penso aqui a vulnerabilização sob o prisma de uma situação nova para amplos contingentes de jovens de nações periféricas em que "o monitoramento heterônomo da modernidade simples não foi substituído pelo automonitoramento da modernidade reflexiva. Em vez disso, na ausência do deslocamento das estruturas sociais pelas estruturas de informação e comunicação, o resultado não é o monitoramento heterônomo nem o autônomo, mas um monitoramento mínimo" (LASH, 1997, p. 160).
  • 5
    Pixinguinha,
    caranganhada ou
    rabentola são termos sinônimos imputados a mulheres que se supõe terem estilos de vida desregrados do ponto de vista sexual. O termo
    caranganhada também é auto-aplicado por jovens do sexo masculino para designar um estilo de vida desregrado. Neste artigo uso
    pixinguinha para as meninas e
    caranganhada para os rapazes que se auto-imputam ou são rotulados como tais.
  • 6
    Anthony GIDDENS, 1996, p. 269.
  • 7
    GIDDENS, 1996, p. 269.
  • 8
    Georges BATTAILLE, 1987, p. 175.
  • 9
    BATTAILLE, 1987, p. 175.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2004
    • Recebido
      Fev 2004
    Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: ref@cfh.ufsc.br