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Morte por aborto clandestino na imprensa: Jandira, Elizângela e Operação Herodes

Death from Clandestine Abortion in the Great Press: Jandira, Elizângela and Herod Operation

Resumo:

No período pré-eleitoral de 2014, as mortes de duas mulheres do Grande Rio de Janeiro que se submeteram a procedimentos de aborto clandestino, Jandira e Elizângela, alcançaram grande repercussão na imprensa. A resposta do Estado foi o desencadeamento da Operação Herodes contra clínicas de aborto clandestino no Rio de Janeiro. O artigo analisa a cobertura na imprensa durante os meses de setembro, outubro e novembro por meio de clipagem sistemática no jornal O Globo. Fez-se busca no período de discursos proferidos no Congresso Nacional (Câmara de Deputados e o Senado), e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. O artigo analisa as representações na cobertura jornalística sobre principais atores envolvidos (as mulheres, suas famílias, profissionais das clínicas de aborto clandestino, o aparato repressivo) e as referências a direitos humanos que surgem nas matérias.

Palavras-chave:
aborto; direitos humanos; Operação Herodes; imprensa

Abstract:

In the period before 2014 elections, the deaths of Jandira e Elizângela, two women from Rio de Janeiro metropolitan area, who suffered clandestine abortion, had great repercussion on media press. The response of the State was the deployment of Herod Operation against clandestine abortion clinics in Rio de Janeiro. The article analyses press coverage in September, October and November through systematic clipping of newspaper O Globo. There was search of speeches in the same period in National Congress (Deputy Chamber and Senate), and also in Legislative Assembly of Rio de Janeiro State. The article analyses representations in press coverage about main actors involved (the two women, her families, professional from clandestine abortion clinics, repressive apparatus) and the mentions to human rights present in the news.

Keywords:
Abortion; Human Rights; Herod Operation; Press

Introdução

No período pré-eleitoral de 2014 tornaram-se notórios os casos de duas mulheres do Grande Rio de Janeiro que morreram quando se submeteram a procedimentos de aborto clandestino: Jandira e Elizângela

Esses fatos alcançaram grande repercussão na imprensa escrita e eletrônica. A resposta em termos de política pública foi o desencadeamento da Operação Herodes contra clínicas de aborto clandestino na cidade do Rio de Janeiro.

O presente artigo descreve e analisa a cobertura na imprensa durante os meses de setembro, outubro e novembro, quando surgiram as últimas referências aos casos, por meio de clipagem sistemática da versão impressa do jornal O Globo, representando a grande imprensa brasileira e um periódico da cidade. Uma diversidade de materiais faz parte desse levantamento: reportagens, artigos de colunistas do jornal, artigos de opinião, cartas dos leitores, notas, entre outros. Também se fez o levantamento no período de discursos proferidos no Congresso Nacional, considerando a Câmara de Deputados e o Senado, e na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

No Brasil, são excluídos de punibilidade apenas os casos de aborto em que não há outro meio de salvar a vida da mãe e por gravidez decorrente de estupro, além da decisão do Supremo Tribunal Federal de autorizar a antecipação de parto quando o feto é anencéfalo. A ilegalidade do aborto está relacionada à sua prática clandestina e à mortalidade materna. O país é signatário de acordos internacionais de direitos humanos que preveem a revisão da legislação punitiva sobre aborto e tratamento humanitário às mulheres que recorreram ao aborto: Conferência do Cairo de 1994 e Conferência de Pequim de 1995.

O artigo analisa as representações na cobertura jornalística sobre principais atores envolvidos (as mulheres, suas famílias, profissionais das clínicas de aborto clandestino, o aparato repressivo) e as referências a direitos humanos que surgem nas matérias de jornal. A abordagem do material jornalístico será qualitativa. Fez-se levantamento sistemático na versão impressa do jornal O Globo desde o final de agosto até 30 de novembro de 2014. Os artigos, matérias, notas e cartas foram localizadas de forma visual quando faziam referência aos casos de Jandira, Elizângela, à Operação Herodes ou mencionavam aborto clandestino. Esse levantamento manual chegou a 65 resultados dentre essas matérias identificadas, aqui classificadas como reportagens policiais ou sobre a sociedade, artigos dos colunistas fixos, artigos de opinião, artigos de análise, notas em colunas, reportagens e entrevistas sobre as eleições. Trabalhou-se com as categorias relacionadas aos casos Jandira e Elizângela, à Operação Herodes e ao aborto clandestino a fim de descrever e classificar os conteúdos das matérias e depois relacioná-las aos artigos analíticos de Ciências Sociais abordados na parte seguinte do artigo. O método de trabalho com categorias e análise de conteúdos foi inspirado em Romeu GOMES (2004GOMES, Romeu. “A análise de dados em pesquisa qualitativa”. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 67-80.).

O cenário, as personagens e a grande imprensa

Jandira Magdalena dos Santos Cruz faleceu aos 27 anos em decorrência de um aborto clandestino e Elizângela Barbosa faleceu aos 32 anos. Os dois casos repercutiram na grande imprensa do país. Em rápida busca na Internet, encontram-se menções às duas mortes nas versões on-line dos periódicos O Dia e O Globo, do Rio de Janeiro; Folha de S. Paulo; Zero Hora, de Porto Alegre, além de El País (na versão brasileira) e do portal R7, pertencente à Rede Record. O site AVAAZAVAAZ: O mundo em ação. Quem somos. Disponível em: Disponível em: https://secure.avaaz.org/page/po/about/ . Acesso em: 31/05/2016.
https://secure.avaaz.org/page/po/about/...
: O mundo em ação (uma ONG de caráter transnacional, autodenominada “comunidade de mobilização online que leva a voz da sociedade civil para a política global”) veiculou o abaixo-assinado “Membros do Congresso Nacional; STF; Ministro da Saúde; Ministro da Justiça: Encaminhem e aprovem legislação de descriminalização do aborto______. Membros do Congresso Nacional; STF; Ministro da Saúde; Ministro da Justiça: encaminhem e aprovem legislação de descriminalização do aborto,14/09/2014. Disponível em:https://secure.avaaz.org/po/petition/Membros_do_Congresso_Nacional_STF_Ministro_da_Saude_Ministro_da_Justica_Encaminhem_e_aprovem_legislacao_de_descriminaliz/?pv=4. Acesso em: 31/05/2016.
https://secure.avaaz.org/po/petition/Mem...
”. O texto começava apresentando o desaparecimento de Jandira e a morte de Elizângela em consequência de terem recorrido a clínicas clandestinas onde fizeram o aborto em condições inseguras. A jornalista Flávia OLIVEIRA (13/09/2014OLIVEIRA, Flávia. “Hora da lei Jandira”, Coluna Sociedade, O Globo , 17/09/2014.), em sua coluna no jornal O Globo, escreveu o artigo “Hora da Lei Jandira”. A circulação desse abaixo-assinado virtual mostra a mobilização gerada pelos casos no intuito de legalizar o aborto no Brasil.

Jandira, moradora do bairro de Campo Grande, desapareceu no dia 26 de agosto de 2014, enquanto Elizângela, moradora de São Gonçalo, foi deixada agonizando em um hospital em Niterói, no dia 21 de setembro, quase um mês depois. O corpo de Jandira foi encontrado carbonizado e mutilado dentro de um carro incendiado, com amputação dos membros superiores e inferiores e a arcada dentária retirada. A identificação ocorreu por meio de exame de DNA comparado ao da família.

Quanto ao contexto de decisão dessas mulheres, ambas mães, sendo Elizângela casada com três filhos enquanto Jandira, mãe de dois filhos, tentava reatar a relação com o ex-marido. A mãe de Jandira, evangélica como a família, era contrária ao aborto e insistiu para a filha não fazê-lo. O marido de Elizângela disse ter pedido para que ela não fosse, mas, segundo ele, ela queria voltar a trabalhar, o que seria impedido pela chegada de mais uma criança. Jandira estaria grávida de três meses e meio, enquanto Elizângela estaria no quinto mês de gestação. Ambas foram conduzidas por transporte das próprias clínicas. Jandira deixou a última mensagem para o ex-marido: “Amor, mandaram desligar o telefone, tô em pânico, ore por mim” (Breno BOECHAT, O Globo, 9/09/2014).

O caso no legislativo: Congresso Nacional e ALERJ

Diante dessa comoção, qual foi a reação no Congresso Nacional e no Senado, instâncias onde o aborto é debatido (da legislatura de então foram cem discursos com a palavra-chave “aborto” entre o início da legislatura em 2011 e julho de 2014)? Foi realizado um levantamento dos discursos referentes apenas ao tema por meio dos mecanismos de busca nos portais da Câmara dos Deputados, do Senado e da ALERJ, usando como palavras-chave: “aborto”, “Jandira”, “Elizângela” e Operação Herodes. Em pleno período eleitoral, os casos de Jandira e de Elizângela não foram tema de nenhum discurso no plenário da Câmara dos Deputados nem no Senado Federal, considerando os meses de agosto até o final de outubro. Apenas um discurso após o período eleitoral, no dia 5 de novembro, proferido pela deputada Rosane Ferreira (PV/PR), mencionava, na sequência de discursos de outros deputados nos dias anteriores divulgando a VII Marcha Nacional da Cidadania pela Vida e contra o Aborto, que “Nas últimas semanas, a imprensa tem noticiado casos de mulheres que morreram em decorrência da prática de abortos ilegais em clínicas clandestinas”. O discurso da deputada falava das causas de aborto clandestino, mas não defendia a legalização do aborto, e, sim, o planejamento familiar.

Sendo Jandira e Elizângela residentes no Grande Rio, é de se esperar que o tema fosse levantado na Assembleia Legislativa. Dois deputados discursaram sobre o tema: Márcio Pacheco (PSC), no dia 23 de setembro, e Jânio Mendes (PDT), no dia 30 de setembro. Ambos os deputados condenaram a situação que levava ao aborto clandestino e defenderam um projeto de lei do qual eram autores: PL 416: Projeto de Prevenção ao Aborto e Abandono de Incapaz, que pretende criar as “casas da vida” nas quais as gestantes receberiam apoio para levar adiante a gravidez. No dia 21 de outubro, Jânio Mendes discursou sobre a Operação Herodes efetivada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público que, após um ano e meio de investigação, “prendeu parte da máfia do aborto no Estado do Rio de Janeiro”. As únicas vozes que se levantaram acerca do caso na ALERJ foram as de deputados antiaborto. Parlamentares com posição pró-escolha não se pronunciaram sobre o caso no período. Em 19 de novembro, Janio Mendes volta a discursar sobre os casos, dizendo que o marido de Jandira estava sendo indiciado pelo ministério público por havê-la conduzido “até o ponto para entregá-la aos açougueiros”. Afirma que o feto, desde a concepção, “é revestido de todos os direitos da pessoa humana”. Sempre defende o PL 416 nos discursos.

A cobertura no jornal O Globo

Fez-se a clipagem sistemática do jornal O Globo, que representa tanto a grande imprensa brasileira, como o periódico sediado no Rio de Janeiro que noticia questões da cidade.

É possível dividir essa cobertura em vários tipos de materiais: as reportagens sobre a morte de Jandira, às quais, depois, se associaram as notícias sobre Elizângela; reportagens sobre os desdobramentos: combate policial às organizações que oferecem o aborto clandestino; cartas dos leitores; artigos de opinião do próprio jornal e de outros autores; artigos de colunistas do jornal que comentaram o caso; aborto na campanha eleitoral; citações em colunas de notas. Também houve uma reportagem sobre protesto pela legalização do aborto e uma reportagem extensa sobre a situação do aborto no Brasil que foi enquadrada pelo jornal na editoria “Eleições”. As matérias serão analisadas a partir do tipo de material e do conteúdo. Essa divisão pretende criar estranhamento da perspectiva jornalística da cobertura dos casos Jandira e Elizângela e da Operação Herodes, fazendo um contraste com os artigos de opinião e de colunistas, bem como do tema aborto citado em outros contextos, como na cobertura da campanha eleitoral.

Reportagem policial 1 - Jandira e Elizângela

As reportagens foram publicadas na editoria Rio e são elencadas aqui em ordem cronológica para evidenciar como evoluiu a cobertura, procedimento esse que se repetirá nas seções seguintes. A primeira reportagem encontrada data de 4 de setembro de 2014: “Investigado sumiço de jovem que faria aborto______. “Investigado sumiço de jovem que faria aborto”, Geral, 4/09/2014.” (p. 18), cerca de 9 dias depois de seu desaparecimento. A reportagem traz o relato do ex-marido que a levou ao ponto de encontro para ser buscada por um carro da clínica. A clínica foi indicada por uma amiga. Também aparece o depoimento da mãe desesperada e contrária à decisão da filha, bem como o valor pago à clínica: “R$ 4,5 mil”. O ex-marido faz referência ao celular onde haveria o registro das negociações com uma intermediadora da clínica chamada de “Dra. Rose”. A justificativa para o aborto foi o medo de perder o emprego. A partir daí as reportagens seriam praticamente diárias por certo período: “Acusada de ter clínica de aborto é procurada” (Breno BOECHAT, O Globo, 5/09/2014BOECHAT, Breno. “Acusada de ter clínica de aborto é procurada”, O Globo , 5/09/2014, p. 20., p. 20) é notícia que destaca a busca, com base em foto de um cartão no celular de Jandira, por Rosemere Aparecida Ferreira, presa quatro vezes por fazer parte de quadrilha que montava centros cirúrgicos ilegais para aborto. No dia seguinte, outra notícia traz o desdobramento: “Polícia ouve suspeita de levar jovem a clínica de aborto” (O Globo, 6/09/2014______. “Polícia ouve suspeita de levar jovem a clínica de aborto”, 06/09/2014, p. 20., p. 20). A notícia “Exame indicará se corpo é de desaparecida” (O Globo, 7/09/2014______. “Exame indicará se corpo é de desaparecida”, 7/09/2014, p. 21., p. 21) relata a localização de um corpo mutilado e incinerado, a tentativa da irmã para reconhecer o corpo e o intuito de obter material genético da família para exame de DNA. Em “Policial suspeito de ser miliciano é investigado por envolvimento com clínicas de aborto” (O Globo, 7/09/2014______. “Policial suspeito de ser miliciano é investigado por envolvimento com clínicas de aborto”, 07/09/2014, p. 8., p. 8), informa-se que o policial seria casado com a enfermeira Rosemere e estaria foragido como ela. Segue uma nota com apelo emocional: “Grávida enviou mensagem antes de desaparecer” (Ana Cláudia COSTA e BOECHAT, O Globo, 8/09/2014COSTA, Ana Cláudia; BOECHAT, Breno. “Grávida enviou mensagem antes de desaparecer”, O Globo , 8/09/2014, p. 18., p. 18), que reporta a última mensagem de Jandira para o ex-marido: “Amor, mandaram desligar o telefone, tô em pânico, ore por mim”. Relações de família estão sob enfoque em: “Polícia apura queixa de agressão feita por grávida contra ex-marido” (O Globo, 10/09/2014______. “Polícia apura queixa de agressão feita por grávida contra ex-marido”, 10/09/2014, p. 18., p. 18). Relativo ao processo de identificação do corpo é noticiado: “Polícia coleta material genético da mãe de grávida desaparecida quando ia fazer aborto” (Alessandro LO-BIANCO e BOECHAT, O Globo, 11/09/2014LO-BIANCO, Alessandro; BOECHAT, Bruno. “Polícia coleta material genético da mãe de grávida desaparecida quando ia fazer aborto”, O Globo, 11/09/2014, p. 17., p. 17). “Acusados de aborto são presos” (Fábio TEIXEIRA e Gustavo GOULART, O Globo, 12/09/2014______; GOULART, Gustavo. “Acusados de aborto são presos”, O Globo, 12/09/2014, p. 23., p. 23) é uma matéria mais longa, que acrescenta o nome de um médico que faria os abortamentos, preso em flagrante anteriormente pela prática e menciona sindicância do CREMERJ sobre ele. No mesmo artigo, Rosemere diz ter recebido uma ligação de funcionária da clínica informando “complicação” com Jandira. Essa matéria é acompanhada de um curto artigo de análise sobre o contexto: “Falta debate, afirmam especialistas” (TEIXEIRA, O Globo, 12/09/2014______. “Falta debate, afirmam especialistas”, O Globo, 12/09/2014, p. 23., p. 23), que será descrito em item adiante. Seguem, ainda, as matérias: “Grávida desaparecida: polícia prende mais 2 acusados e caça falso médico. Suspeito de fazer aborto pode ter participado de ocultação de cadáver” (Bruno AMORIM e GOULART, O Globo, 13/09/2014______; GOULART, Gustavo. “Grávida desaparecida: polícia prende mais 2 acusados e caça falso médico. Suspeito de fazer aborto pode ter participado de ocultação de cadáver”, O Globo, 13/09/2014, p. 26., p. 26), que informa que o acusado responde por exercício ilegal da medicina; “Vídeo mostra clínica de onde jovem sumiu” (O Globo, 15/09/2014______. “Vídeo mostra clínica de onde jovem sumiu”, 15/09/2014, p. 9., p. 9) com ênfase na falta de higiene do local e, finalmente, “Suspeita de levar grávida à clínica se entrega” (O Globo, 17/09/2014______. “Suspeita de levar grávida à clínica se entrega”, 17/09/2014, p. 18., p. 18), descrevendo uma das acusadas de participar do ato.

A partir do dia 23 de setembro, começam as notícias sobre Elizângela e várias reportagens associam os dois casos: “Grávida morre depois de ir à clínica de aborto” (O Globo, 23/09/2014______. “Grávida morre depois de ir à clínica de aborto”, O Globo, 23/09/2014, p. 15., p. 15): o primeiro relato informando ser ela mãe de três crianças, a posição do marido contrária ao aborto, o depoimento de um irmão dela que fez o reconhecimento do corpo deixado em uma estrada e depois levado para um hospital. A justificativa para o aborto foi a intenção de Elizângela de trabalhar, e a impossibilidade de ser contratada grávida. A notícia “Corpo queimado é de gestante desaparecida” (BOECHAT, Carolina HERINGER e Rafael SOARES, O Globo, 24/09/2014______; HERINGER, Carolina; SOARES, Rafael. “Corpo queimado é de gestante desaparecida”, O Globo, 24/09/2014, p. 13., p. 13) trata da comprovação da identidade do corpo de Jandira, matéria que apresenta o grupo como uma quadrilha. O artigo “Estado teve mais de 67 mil abortos no ano passado” (TEIXEIRA, O Globo, 24/09/2014______. “Estado teve mais de 67 mil abortos no ano passado”, O Globo, 24/09/2014, p. 12., p. 12) relata o número obtido do pesquisador Mário Giani Monteiro (Instituto de Medicina Social/UERJ) a partir do DATASUS. “Polícia vai à casa onde seriam feitas as cirurgias” (Giselle OUCHANA, O Globo, 24/09/2014OUCHANA, Giselle. “Polícia vai à casa onde seriam feitas as cirurgias”, O Globo , 24/09/2014, p. 12., p. 12) aborda a clínica que atendeu Elizângela. “CREMERJ: só 12 casos de aborto em 4 anos” (TEIXEIRA, O Globo, 24/09/2014______. “CREMERJ: só 12 casos de aborto em 4 anos”, O Globo, 24/09/2014, p. 17., p. 17) relata sobre as sindicâncias feitas pelo órgão a profissionais acusados da prática. Sobre as dificuldades da família, há a matéria “Parentes não conseguem fazer o enterro de gestante que teve o corpo carbonizado” (COSTA, O Globo, 24/09/2014______. “Parentes não conseguem fazer o enterro de gestante que teve o corpo carbonizado”, O Globo, 24/09/2014, p. 17., p. 17). “Aborto: mil reais para quem informar sobre falso médico” (O Globo, 28/09/2014O GLOBO. “Aborto: mil reais para quem informar sobre falso médico”, 28/09/2014, p. 28., p. 28) relata cartaz anunciando recompensa pelo Disque-Denúncia. Em matéria que cobre o enterro de Jandira, “Pai diz que levaria Jandira para fazer aborto” (Lucas ALTINO, O Globo, 29/09/2014ALTINO, Lucas. “Pai diz que levaria Jandira para fazer aborto”, O Globo , 29/09/2014, p. 12., p. 12), o pai dela disse ter se oferecido a levá-la para a clínica de aborto, enquanto a irmã, que é evangélica como toda a família, se disse contrária ao aborto e defendeu a fiscalização para fechar clínicas clandestinas. Já o texto “Presos dois que atuariam em uma clínica de aborto” (Bernardo COSTA, O Globo, 1/10/2014______. “Presos dois que atuariam em uma clínica de aborto”, O Globo, 1/10/2014, p. 16., p. 16) traz informações sobre o caso Elizângela. “Lei eleitoral livra da prisão suspeito de crime de aborto” (O Globo, 2/10/2014______. “Lei eleitoral livra da prisão suspeito de crime de aborto”, 2/10/2014, p. 18., p. 18) trata do o falso médico acusado de ter feito a cirurgia em Jandira que se entregou e foi liberado por conta da lei eleitoral. A matéria seguinte, “Caso Jandira: falso médico se entrega, mas não fica preso por lei eleitoral” (AMORIM, O Globo, 9/10/2014AMORIM, Bruno. “Caso Jandira: falso médico se entrega, mas não fica preso por lei eleitoral”, O Globo , 9/10/2014, p. 20., p. 20) relata sua prisão. Essa é a última reportagem desse ciclo neste levantamento cujo enfoque é os casos de Jandira e de Elizângela. A partir daí, a construção do fato jornalístico se dará em outras bases, com a Operação Herodes. O tema é retomado, contudo, em duas matérias publicadas em novembro: “Aborto: ex-marido de Jandira está entre indiciados pela polícia” (Gabriela LAPAGESSE, O Globo, 18/11/2014LAPAGESSE, Gabriela. “Aborto: ex-marido de Jandira está entre indiciados pela polícia”, O Globo, 18/11/2014, p. 18., p. 18) e “Jandira: MP exclui amiga e ex-marido de denúncia” (O Globo, 19/11/2014______. “Jandira: MP exclui amiga e ex-marido de denúncia”, 19/11/2014, p. 15., p. 15) informando que, a despeito do indiciamento pela Polícia Civil por dar “apoio moral” à Jandira, o Ministério Público não entendeu que deveriam responder pelo crime de aborto. O marido a levou para o ponto de encontro e a amiga teria entregado o cartão da clínica de aborto.

O enfoque dessa sequência de reportagens sobre o caso Jandira e depois sobre o caso Elizângela está no drama familiar. Em ambos os casos, membros próximos da família tinham ciência da decisão e se envolveram na apuração dos fatos. Cada família identificou um corpo. No caso da família de Jandira, cujo enterro teve cobertura, afirma-se em algumas matérias que todos eram evangélicos. O fato de ambas serem mães também é salientado, bem como a cooperação com uma pessoa para chegar à clínica. A descrição da família de Jandira é mais extensa. Sua mãe e irmã se dizem totalmente contrárias ao aborto, mas é revelada uma divisão quanto aos parentes masculinos: o ex-marido com quem pretendia reatar a levou ao ponto de encontro onde seria buscada, enquanto o pai dela disse que se ofereceu para ajudá-la. Já o marido de Elizângela teria ponderado com ela para não interromper a gravidez, pois arrumariam condições de manter mais uma criança, embora não tenha se posicionado contra o aborto de modo geral, como as parentes de Jandira. As matérias mencionam reiteradamente o fato de ambas serem mães. No caso de Elizângela, pelo menos um dos filhos sabia que ela iria sair para a cirurgia quando se despediu. Nessas reportagens, não há condenação moral da decisão pelo aborto, em ambos os casos contextualizada pela dificuldade de ter mais um filho e se manter no mercado de trabalho, no desespero da decisão e nas qualidades pessoais das duas, consideradas boas mães. Ressalta-se que a gravidez de Jandira teria sido fruto de uma relação eventual e que ela buscava retomar a relação com o marido. Não aparece condenação moral por essa relação fortuita. Além do núcleo familiar, uma pessoa externa é mencionada, mas nunca entrevistada, a amiga que teria passado o cartão da clínica clandestina. A ênfase jornalística como drama familiar se explicita na repetição das fotos de Jandira em várias reportagens, aparentando juventude e beleza. A única imagem de Elizângela é uma foto de sua carteira de identidade. O relevo dado à condição materna se evidencia nos títulos da maioria das reportagens que se referem a cada uma como “grávida” ou “gestante”.

Outra tônica da cobertura é a identificação e prisão dos envolvidos. Esse ponto aparece mais vezes nas reportagens que mencionam o caso de Jandira. Neste, além da morte da jovem em decorrência da intervenção cirúrgica, houve a tentativa de ocultação do cadáver, que foi descaracterizado pela mutilação dos membros e remoção da arcada dentária antes de ser carbonizado. O destaque dado aos responsáveis pelo funcionamento do esquema clandestino vai introduzir a construção jornalística seguinte de reportagem policial sobre a Operação Herodes.

Reportagem policial 2 - Clínicas clandestinas e Operação Herodes

Essas reportagens também são publicadas na editoria Rio. “Clínicas clandestinas. Punido mas nem tanto: Apesar de 5 condenações pela prática de aborto, médico continua com licença para trabalhar” (Antônio WERNECK, O Globo, 8/10/2014WERNECK, Antônio. “Clínicas clandestinas. Punido mas nem tanto: apesar de 5 condenações pela prática de aborto, médico continua com licença para trabalhar”, O Globo , 8/10/2014, p. 16., p. 16) é uma matéria de página inteira sobre o médico Bruno Gomes da Silva, que estaria à frente, desde 1977, de “redes de profissionais” (médicos, anestesistas e enfermeiros) que “atuam no mercado de aborto clandestino no Estado”. A reportagem traz o depoimento de uma mulher que foi atendida por ele em aborto clandestino que critica sua frieza e fala das mãos tortas e pretas. Ela deseja sua prisão, mas também que ninguém tenha que recorrer a clínicas clandestinas para fazer aborto. Ele conseguiu escapar de clínica estourada em Madureira, onde havia registros de corrupção policial, com pagamento de propina a batalhões da PM e a delegacias especializadas. A matéria ironiza o CREMERJ por não ter cassado seu registro profissional, tendo cassado apenas um registro por acusação de aborto.

“Operação Herodes. Os doutores do aborto: polícia prende 57 pessoas, entre elas seis médicos, acusados de praticar o crime” (COSTA, GOULART e Rafael NASCIMENTO, O Globo, 15/10/2014______; GOULART, Gustavo; NASCIMENTO, Rafael. “Operação Herodes. Os doutores do aborto: polícia prende 57 pessoas, entre elas seis médicos, acusados de praticar o crime”, O Globo, 15/10/2014, p. 11.) é uma reportagem que retrata a dita maior ação realizada no país contra clínicas clandestinas de aborto. O corregedor da polícia compara as sete clínicas a “açougues”, dizendo que parte das cirurgias era realizada por falsos médicos, que ele acusa: “eles jogavam fetos no lixo, matavam crianças como se estivessem sacrificando um bezerro” (p. 11). A reportagem cita a prisão de médicos e de PMs que faziam esquema de segurança, mas não fala das mulheres que usavam os serviços dessas clínicas. A matéria “Interpol deve ir atrás de aborteiro” (COSTA e TEIXEIRA, O Globo, 16/10/2014______; TEIXEIRA, Fábio. “Interpol deve ir atrás de aborteiro”, O Globo, 16/10/2014, p. 19., p. 19) acusa o médico Dr. Evangelista, residente em Miami, de participar da organização criminosa, citando também ter o CREMERJ aberto sindicância contra os médicos citados no inquérito da Operação Herodes.

A matéria “Cirurgias eram realizadas em casa do Exército em Guadalupe” (O Globo, 16/10/2014______. “Cirurgias eram realizadas em casa do Exército em Guadalupe”, 16/10/2014, p. 19., p. 19) cita a técnica de enfermagem Rosemere (acusada no caso Jandira) e a prisão de uma médica acusada de participar da morte de Jandira. A matéria “Médico bebia cerveja enquanto fazia aborto” (COSTA, O Globo, 17/10/2014COSTA, Ana Cláudia. “Médico bebia cerveja enquanto fazia aborto”, O Globo, 17/10/2014, p. 34., p. 34) reporta inquérito policial que originou a Operação Herodes com depoimentos de pacientes que colaboraram com as investigações. As mulheres se queixam de tratamento desrespeitoso pela equipe das clínicas, enquanto o chefe da Corregedoria da Polícia Civil compara as clínicas clandestinas a “fábricas” onde se faziam abortos “em série”.

A matéria “Médico ganhava até R$ 300 mil por mês com abortos” (O Globo, 20/10/2014______. “Médico ganhava até R$ 300 mil por mês com abortos”, 20/10/2014, p. 12., p. 12) remete a um programa de televisão: tal informação, veiculada em reportagem do programa “Fantástico”, da Rede Globo, foi obtida por meio de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. O texto ressalta que as investigações da Operação Herodes já duravam 15 meses, além do grande número de agentes públicos entre os detidos: policiais militares e civis, um bombeiro e um sargento do Exército. A dita “máfia” vai responder por “associação criminosa, exercício ilegal da medicina e corrupção ativa e passiva. Também é citada Rosemere (técnica de enfermagem) como “incriminada” pela morte de Jandira Cruz. Faz-se menção às pacientes que serão responsabilizadas. “Possível elo entre bicheiros e aborteiros é investigado” (O Globo, 22/10/2014______. “Possível elo entre bicheiros e aborteiros é investigado”, 22/10/2014, p. 18., p. 18) é reportagem curta, também com base em ligações telefônicas divulgadas pelo jornalístico “RJ-TV”, da Rede Globo, que mostrou conversa entre uma advogada, apontada como chefe do núcleo em Bonsucesso, e o “contraventor” Peruinha. A advogada Fátima de Oliveira trabalharia tanto para o bicheiro como para a “quadrilha de aborteiros”. Escutas telefônicas de policiais presos por fazerem a segurança do bando também revelam a expectativa de que essa operadora do Direito vá defendê-los. “Rede de clínicas de aborto: médico e policial são presos” (O Globo, 30/10/2014______. “Rede de clínicas de aborto: médico e policial são presos”, 30/10/2014, p. 12., p. 12) é a última matéria do jornal sobre a Operação Herodes, já no final do mês de outubro, e relata a prisão de mais pessoas acusadas de integrar “a quadrilha de abortos”, com referência ao número total de detidos chegar a 61, sendo ainda 15 foragidos.

A Operação Herodes vem a público pela cobertura jornalística em outubro, mas as últimas matérias falam de uma investigação em curso havia 15 meses, com menção a escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. O escândalo dos casos Jandira e Elizângela pode ter suscitado a nova etapa da operação que saiu das investigações para as prisões de acusados de envolvimento. As primeiras matérias sobre a operação mostravam a persistência de acusações de participação em rede de aborto clandestino primeiramente contra alguns médicos que foram indiciados em diferentes investigações ao longo dos anos, depois surgindo os agentes públicos ligados à segurança do grupo, principalmente policiais civis e militares. A designação do grupo varia e se torna mais pesada em termos acusatórios na sequência da cobertura jornalística: de “redes de profissionais” que “atuam no mercado de aborto clandestino no Estado”, as referências passam para “máfia” e, por fim, “quadrilha de aborteiros”. A Interpol é citada em duas matérias apenas por conta da residência de um dos médicos investigados em Miami. Outro ponto abordado são os lucros obtidos e preços cobrados. O enfoque jornalístico na operação policial e na identificação dos envolvidos nas organizações que proviam serviços de aborto clandestino retira o foco das mulheres que recorrem a esse tipo de atendimento.

Apenas uma é entrevistada ao longo dessas sete matérias aqui descritas, e uma menção é feita de depoimento de mulher em inquérito judicial (o fato de que o médico tomava cerveja durante a cirurgia). O CREMERJ é criticado por não cassar o registro de médicos investigados várias vezes pela polícia. Além da cobertura por parte de jornalistas das prisões e do estouro de clínicas, a fonte mais citada é o corregedor da polícia civil encarregado de apurar a participação de agentes policiais na segurança dessas clínicas. Contudo, a ênfase do corregedor não está na atuação policial na segurança, mas, sim, no esquema de trabalho da realização das cirurgias para abortamento, comparadas a fábricas que faziam abortos em séries, bem como na morte dos fetos, comparada a “sacrifício” e à matança de “bezerros” em um “açougue”. A representação do açougue nessa cobertura não abrange a experiência das mulheres nas clínicas. As fontes passam da cobertura às ações policiais, em seguida aos inquéritos judiciais e às escutas telefônicas. As entrevistas são feitas a participantes do CREMERJ e basicamente a agentes relacionados à Justiça, sem foco nas mulheres. À medida que a extensão das matérias se reduz (de página inteira até cerca de 1/12 de página), as últimas matérias reproduzem reportagens feitas por outros veículos, no caso, os jornalísticos televisivos “Fantástico” e o “RJ-TV”. A cobertura jornalística traz o relato do combate a organizações criminosas, sem questionar os motivos da existência dessas organizações e por que existe demanda para os serviços que prestam: o aborto ilegal.

Colunistas

Entre os colunistas fixos de O Globo, sete citaram o tema aborto no período analisado. Flávia Oliveira (O Globo, 7/09/2014______. “Incoerência de gênero: agenda feminina está fora do debate em pleito inédito no país, com três candidatas à Presidência e número recorde de eleitoras”. Coluna Sociedade, O Globo, 07/09/2014., p. 37), no artigo “Incoerência de gênero: agenda feminina está fora do debate em pleito inédito no país, com três candidatas à presidência e número recorde de eleitoras” comenta que entre temas omitidos está a descriminalização do aborto, defendida em um debate televisivo apenas por Eduardo Jorge, candidato do PV; Cora RÓNAI (O Globo, 11/09/2014RÓNAI, Cora. “O lado B da democracia”, O Globo , Segundo Caderno, 11/09/2014, p. 10.), em “O lado B da democracia”, critica a posição dos candidatos à presidência em que uma é abertamente contra o aborto, outra não tem coragem de dizer que não é contra e um terceiro está satisfeito com a legislação vigente, que ela chama de obscurantista. Qualifica o ato de fazer aborto de “questão de foro íntimo” (p. 10) e cita o desaparecimento da “pobre moça” - Jandira, deduz-se - que, em consequência da legislação, “foi buscar criminosos para se livrar da gravidez indesejada” (p. 10); Mario Sergio CONTI (O Globo, 11/09/2014CONTI, Mario Sergio. “Pelas barbas do profeta”, Cultura, O Globo, 11/09/2014.), em “Pelas barbas do profeta”, fala sobre crescimento dos evangélicos na política, sua “pauta retrógrada” que “candidatos de renome engolem a seco”, pauta resumida em considerar “coisas do diabo o aborto, o casamento gay e a política de repressão às drogas” (p. 2). William HELAL FILHO (O Globo, 13/09/2014HELAL FILHO, William. “Temos que falar disso”. Coluna Panorama Carioca. O Globo , 13/09/2014, p. 26.), em “Temos que falar disso”, escreve uma coluna inteira sobre as consequências da ilegalidade do aborto tomando como exemplo o desaparecimento de Jandira, com menção às redes clandestinas: “haverá sempre outras pessoas lucrando com a ilegalidade e o desespero das mulheres que não vão deixar de interromper a gravidez porque é contra a lei” (p. 26). Flávia Oliveira, no artigo “Hora da Lei Jandira” (O Globo, 17/09/2014OLIVEIRA, Flávia. “Hora da lei Jandira”, Coluna Sociedade, O Globo , 17/09/2014.), é a única colunista a revisitar o tema aborto no período examinado, descrevendo o desaparecimento de Jandira. Considera aborto tema de “saúde pública”, embora seja tratado como assunto moral, critica a postura dos candidatos nos debates eleitorais, recorda a portaria do SUS que foi engavetada por pressão de bancadas religiosas. A legislação empurraria as mulheres para as “redes subterrâneas”. O debate sobre direitos sexuais e reprodutivos estaria “subordinado a convicções religiosas” e “dissociado da realidade nacional” (p. 32).

Helena CELESTINO (O Globo, 1/10/2014CELESTINO, Helena. “O protesto das mulheres”, Mundo, O Globo , 01/10/2014, p. 32.), em “O protesto das mulheres”, aborda protesto de mulheres contra estupro no campus da Universidade de Columbia, e fala da necessidade das feministas brasileiras de reafirmar a “luta pelo direito ao aborto” (p. 32). Arthur DAPIEVE (O Globo, 3/10/2014DAPIEVE, Arthur. “Pela família!”, Cultura, O Globo, 03/10/2014, p. 8.), no artigo “Pela família!”, aborda a prática dos políticos brasileiros de legislar em favor da própria família e afirma que o discurso “em defesa da família” exercido pelos parlamentares da bancada religiosa contra o casamento de pessoas de mesmo sexo marcha ao lado do bordão “em defesa da vida”, também de inspiração religiosa, contra a legalização do aborto até determinado ponto da gestação. Cita, então, os casos de Jandira e Elizângela, ambas mães, que teriam sido empurradas para clínicas clandestinas pela “hipocrisia da sociedade” (p. 8). Na proibição, haveria a ideia subjacente de que as mulheres se submetem ao aborto por prazer. Tony BELLOTTO (O Globo, 12/10/2014BELLOTTO, Tony. “Onde estão Jandira e Elizângela?”. Cultura, O Globo , 12/10/2014, p. 8., p. 8) escreve uma coluna inteira sobre o tema, de título “Onde estão Jandira e Elizângela?”. Descreve os três permissivos na legislação brasileira, comentando que o fato de ser considerado crime não impede a prática. Denuncia a insensibilidade da sociedade brasileira em relação ao aborto ilegal e suas consequências, citando aí os exemplos de Jandira e Elizângela, ambas “mães de outros filhos”, “vítimas de crimes bárbaros” que estariam vivas se o aborto fosse legalizado no Brasil, ou se tivessem ido a clínicas de classes mais abastadas. Atribui a responsabilidade a grupos políticos e religiosos, o que seria “um descalabro” em um Estado laico no século XXI. Comenta que as pessoas se posicionam favoravelmente aos direitos individuais de homossexuais e de usuários de drogas leves, mas se omitem quanto ao tema do aborto. Aos que se opõem à legalização do aborto, Bellotto pergunta “Onde estão Jandira e Elizângela?”.

Assinala-se que todos os colunistas escreveram a partir de um ponto de vista pró-escolha, com críticas à legislação brasileira. De modo geral, os artigos fazem suas observações com respeito ao contexto eleitoral. Dos oito artigos que abordaram a interrupção da gravidez, cinco mencionam os casos Jandira e Elizângela. Três artigos lembram que elas eram mães. Embora o jargão “problema de saúde pública” não seja citado tantas vezes, as consequências da ilegalidade do aborto aparecem em seis dos oito artigos, com menções também às clínicas clandestinas. Entre os atores mais citados nos artigos, além dos candidatos em campanha presidencial, estão grupos religiosos ou conservadores em combate contra a legalização da interrupção voluntária da gravidez. A referência a grupos religiosos é associada às críticas à influência religiosa em um Estado laico. Outro tema associado à oposição de grupos religiosos é o casamento das pessoas de mesmo sexo e, em menor número, a legalização das drogas.

O tema também foi mencionado em duas colunas de notas de Ancelmo GOIS (O Globo, 2014), e aparece três vezes: uma com referência à omissão do tema do aborto no primeiro turno das eleições, opinião da cientista política Maria Celina D’Araújo; nessa mesma coluna, Jandira e Elizângela são citadas em “Eles não eram candidatos, mas...” (In: GOIS, O Globo, 6/10/2014GOIS, Ancelmo. “A coluna de hoje”, Rio, O Globo, 6/10/2014.). Na segunda coluna (O Globo, 12/10/2014), uma entrevista com Guacira Cesar de Oliveira feita por Márcia VIEIRA (In: GOIS, O Globo, 12/10/2014VIEIRA, Márcia. “No país de Dilma e Marina” [entrevista a Guacira Cesar de Oliveira]. In: GOIS, Ancelmo. O Globo , 12/10/2014, p. 29.) sobre a pequena participação feminina na câmara federal comenta que isso prejudica o debate de temas como o aborto.

Artigos de opinião

O editorial do dia 20 de setembro de 2014, “Aborto precisa ser discutido sem hipocrisias” (O Globo, 20/09/2014______. “Aborto precisa ser discutido sem hipocrisias”, 20/09/2014, p. 22., p. 22), aborda a interrupção voluntária da gravidez como problema de saúde pública, mostra estatísticas de mortalidade materna e critica grupos religiosos que têm agido para evitar o debate do assunto. O artigo menciona também a morte de Jandira.

Ligia BAHIA (prof. UFRJ) (O Globo, 29/09/2014BAHIA, Ligia. “Duas mulheres e um impasse”, Opinião, O Globo , 29/09/2014.), no artigo “Duas mulheres e um impasse”, comenta as mortes de duas jovens, sem nomeá-las, destaca serem ambas mães, estarem em busca de inserção no mercado de trabalho, e comenta o perigo dos métodos mecânicos. Ela critica a omissão das candidatas Dilma Roussef e Marina Silva: “as duas candidatas mais bem situadas nas pesquisas não falam do aborto inseguro ou emitem vagas opiniões pessoais” (p. 14).

Jacqueline PITANGUY (socióloga) (O Globo, 5/10/2014PITANGUY, Jacqueline. “Aborto invisível”, Opinião, O Globo , 05/10/2014, p. 19.), em “Aborto invisível”, cita os casos de Jandira e de Elizângela, menciona que eram mães, e compara a legislação brasileira com a de outros países “civilizados” (sic) em que as mulheres têm acesso à interrupção voluntária da gravidez de forma segura com profissionais qualificados. Denuncia a “saga persecutória” de “setores político-religiosos” que se esforçam para o retrocesso da legislação em vigor, para impedir o abortamento em qualquer circunstância. Destaca, também, o direito de escolha, o que significa que nenhuma mulher poderá ser obrigada a abortar (p. 19).

Em outra seção, o jornal propôs como tema em discussão: aborto, contrapondo o tema da editoria (chamado de “nossa opinião”) e a opinião de outro especialista. “Nossa opinião: debate realista” (O Globo, 6/10/2014______. “Nossa opinião: debate realista”,6/10/2014, p. 16., p. 16) menciona a morte de duas mulheres, enquadra o aborto clandestino como problema de saúde pública e cita as taxas de mortalidade materna. A esse artigo é contraposta outra opinião de Maria Clara BINGEMER (prof. Teologia PUC-Rio) (O Globo, 6/10/2014BINGEMER, Maria Clara. “A sociedade em xeque”, Opinião, O Globo , 6/10/2014, p. 16.) no artigo “A sociedade em xeque”. Após questionar os argumentos favoráveis à legalização do aborto, opõe o direito do feto à vida contra o direito de escolha por parte da mulher. Com respeito à letalidade do aborto para a mulher e para o feto, ela pergunta: “a quem pertence a vida?” (p. 16) e conclui que a vida pertence a Deus.

Lena LAVINAS (prof. Instituto de Economia da UFRJ) e Debora THOMÉ (jornalista) (O Globo, 23/10/2014LAVINAS, Lena; THOMÉ, Debora. “Aborto, o alto preço da ilegalidade”, Opinião, O Globo , 23/10/2014, p. 17.) escreveram o texto “Aborto, o alto preço da ilegalidade”, no qual afirmam que a criminalização do aborto está relacionada à morte de mulheres em condições “monstruosas” (p. 17), citam os nomes de Jandira e Elizângela, mencionam, também, o Estado laico. Já Eduardo CUNHA (deputado federal PMDB-RJ) (O Globo, 23/10/2014CUNHA, Eduardo. “O cúmulo da covardia”, Opinião, O Globo , 23/10/2014, p. 17.), no artigo “O cúmulo da covardia”, fala das “atrocidades” cometidas pelas clínicas de aborto, chamando “médicos abortistas” de “açougueiros”. Ele afirma que a vida começa na concepção conforme “atestam cientistas abalizados” (p. 17). Retrata o feto como indefeso e compara o aborto à morte de “uma pessoa na rua” durante um assalto, afirmando o direito à vida como princípio. Por fim, relata pesquisas segundo as quais a mulher sofreria com o aborto.

As posições antiaborto foram proferidas pela teóloga Maria Clara Bingemer e por Eduardo Cunha, um deputado militante da Frente Parlamentar Evangélica. A grande maioria das matérias citou as mortes, e muitos textos caracterizaram Jandira e Elizângela como mães. O aspecto de saúde pública foi a característica mais salientada quanto ao aborto clandestino, além da ineficácia da legislação para impedir que “mulheres desesperadas” recorram ao aborto em lugares inseguros. Muito repetido é o argumento quanto aos setores contrários à legalização, quase sempre identificado com os grupos religiosos. Um grupo de artigos fala da liberdade de escolha da mulher ou sua autonomia, o que contrasta com o argumento antiaborto do direito à vida, em especial do feto. Eduardo Cunha diz que o direito é de todos, mas não reflete sobre a situação das mulheres. Sua crônica é representante típica do vocabulário de denúncias antiaborto, mas aciona apenas argumentos laicos; já a teóloga Maria Clara Bingemer invoca o argumento da vida como dom de Deus.

Artigos de análise

O primeiro deles acompanha uma notícia sobre a rede clandestina como “contexto”: “Falta debate, afirmam especialistas” (In: TEIXEIRA, O Globo, 12/09/2014______; GOULART, Gustavo. “Acusados de aborto são presos”, O Globo, 12/09/2014, p. 23., p. 23). Nesse artigo, falam sobre aborto inseguro, o “realizado fora de uma unidade médica credenciada”, a médica Ligia Bahia, do Laboratório de Economia da Saúde da UFRJ; o presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro; a titular da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres do Município do Rio e a subsecretária de Políticas Públicas para as Mulheres do Governo Estadual. Os dois primeiros enfatizam os riscos do aborto inseguro. A última informa serviços de contracepção de emergência e de planejamento familiar.

Destaca-se o artigo (três artigos conjuntos desdobrados) publicado na editoria “País”, no tema das eleições 2014: “Tabu nas campanhas, aborto é feito por 850 mil a cada ano. Interrupção de gravidez é a quinta maior causa de morte materna” (Carolina Oliveira CASTRO, Dandara TINOCO e Vera ARAÚJO, O Globo, 19/09/2014CASTRO, Carolina Oliveira; TINOCO, Dandara; ARAÚJO, Vera. “Tabu nas campanhas, aborto é feito por 850 mil a cada ano. Interrupção de gravidez é a quinta maior causa de morte materna”, O Globo, 19/09/2014, p. 8., p. 8), “Lei que pune gestante com prisão não é cumprida” (O Globo, 19/09/2014______. “Lei que pune gestante com prisão não é cumprida”, 19/09/2014, p. 8., p. 8), “Mulheres negras têm risco maior do que brancas” (O Globo, 19/09/2014MULHERES negras têm risco maior do que brancas. [Entrevista a Mario Giani Monteiro]. “Corpo a corpo”. O Globo, 19/09/2014, p. 8., p. 8). O primeiro dos três artigos conjuntos, “Tabu nas campanhas, aborto é feito por 850 mil a cada ano. Interrupção de gravidez é a quinta maior causa de morte materna” (19/09/2014, p. 8) cita os resultados preliminares do estudo “Magnitude do abortamento induzido por faixa etária e grandes regiões”, feito por Mario Giani MONTEIRO (UERJ) e Leila ADESSE, da ONG Ações Afirmativas em Direitos e Saúde. O estudo faz uma estimativa do número de abortos induzidos de quatro ou cinco vezes o número das internações, o que chegaria a 850 mil por ano. O artigo levanta os custos para o SUS do atendimento das mulheres que chegam ao serviço público de saúde após o aborto clandestino. Cita, também, o estudo feito na Universidade de Brasília por Debora DINIZ e Marcelo MEDEIROS (2010______; MEDEIROS, Marcelo. “Pesquisa da UNB revela que ao completar 40 anos uma em cada cinco Brasileiras adultas já terá feito aborto”, Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 959-966, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext_pr&pid=S1413-) que estima que uma em cada cinco mulheres no Brasil já fez a cirurgia, chegando hoje a 7,4 milhões. O aborto é definido como problema de saúde pública por Sidnei Ferreira (In: JUSTIÇA EM FOCO e AGÊNCIA BRASIL, 2014JUSTIÇA EM FOCO e AGÊNCIA BRASIL. Sidnei Ferreira, presidente do CREMERJ defende descriminalização do aborto, 25/09/2014. Disponível em: http://www.justicaemfoco.com.br/desc-noticia.php?id=95121&nome=.
http://www.justicaemfoco.com.br/desc-not...
), presidente do CREMERJ (Conselho Regional de Medicina do RJ). Uma tese repetida é a de que a proibição de interromper a gravidez não evita o recurso ao abortamento clandestino.

Como exemplo das complicações é relatado o caso de Jandira, com entrevista à sua irmã. Também é narrada a experiência de duas mulheres anônimas, uma que fez aborto usando “Cytotec” em casa e outra que descobriu um problema genético “na filha” durante a gravidez que causou a morte espontânea, de modo que a mulher foi a uma maternidade onde usou “Cytotec” para expulsar o feto.

O artigo “Lei que pune gestante com prisão não é cumprida” (O Globo, 19/09/2014, p. 8) salienta o número muito reduzido de mulheres detidas pelo crime de aborto, quatro em vinte estados. São fontes três entrevistados: o “ginecologista e obstetra” Thomaz Gollop (In: Diogo MESQUITA, 2009MESQUITA, Diogo. “Entrevista com Thomaz Gollop, Breno Melaragno e Elizabeth Louro”, Revista Brasileiros, 18/05/2009. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2009/05/entrevista-com-thomazgollop/.
http://brasileiros.com.br/2009/05/entrev...
), que comenta que a proibição afeta principalmente a mulher de baixa renda que faz o procedimento em condições péssimas. O professor de Direito Penal e conselheiro da OAB-RJ Breno Melaragno, que diz que a criminalização da conduta “fica no papel” e apenas marginaliza a prática e a juíza Elizabeth Louro, a única dos entrevistados a concordar com a legislação e considerar que, com o avanço dos contraceptivos, não se justifica o aborto fora dos casos previstos em lei. Ela pede mais rigor na repressão ao crime de aborto. Relata que a família só entra no processo quando a mulher morre, e o namorado quando discorda da decisão da mulher de interromper a gravidez.

“Mulheres negras têm risco maior do que brancas” (O Globo, 19/09/2014, p. 8) é uma entrevista com o médico Mário Giani Monteiro, já citado acima, em que ele critica a criminalização das mulheres por abortamento: “lei cruel, baseada em preconceitos éticos e religiosos que não respeita o direito humano de escolha das mulheres”, além de demonstrar que as condições socioeconômicas influem na mortalidade materna.

Outro exemplo foi “Em 10 anos, mais de 7,5 milhões de abortos” (O Globo, 23/09/2014, p. 15), publicado junto com matéria sobre Operação Herodes na editoria Rio, intitulada “Grávida de cinco meses é encontrada morta depois de ir à clínica de aborto em Niterói” (COSTA, O Globo, 23/09/2014COSTA, Bernardo. “Grávida de cinco meses é encontrada morta depois de ir à clínica de aborto em Niterói”, O Globo , 22/09/2014.). O artigo também cita a pesquisa de Monteiro e Adesse sobre a magnitude do abortamento induzido, informando que se trata do “quinto maior causador de mortes no Brasil”, o número de internações por aborto no ano anterior e calcula o custo para o SUS dos abortos clandestinos. Deve-se salientar o número reduzido de artigos de análise publicados no período que proporcionem um diagnóstico mais amplo sobre a situação do aborto no país.

Movimento feminista

Embora feministas sejam autoras de artigos de opinião, caso da socióloga Jacqueline Pitanguy, integrantes do movimento feminista são pouco citadas nas reportagens como fontes, o que contrasta com a onipresença de médicos e de operadores de Direito em posições distintas como juízes, juristas e delegados, e revela a hierarquia de fontes do jornal. O movimento feminista como ator quase não aparece na cobertura, exceto pela reportagem “Ativistas defendem direito a aborto em Copacabana” (Leonardo VIEIRA, O Globo, 29/09/2014VIEIRA, Leonardo. “Ativistas defendem direito a aborto em Copacabana”. O Globo , 29/09/2014, p. 22., p. 22).

No mesmo dia do enterro de Jandira foi organizado um ato que celebrou o “Dia Latino-Americano e Caribenho pela Legalização do Aborto”. A manifestação foi convocada por rede social e aconteceu também em São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. Os manifestantes reivindicaram que a prática seja legalizada e oferecida pelo SUS, evitando mortes como as de Jandira e de Elizângela. A matéria destaca o pequeno número presente na manifestação, cerca de cem pessoas, e destaca que houve uma maioria do sexo feminino, embora homens estivessem presentes. O texto cita os permissivos atuais segundo a lei e a decisão do STF sobre a anencefalia. Manifestantes foram entrevistados, entre os quais a professora de Economia da UFRJ, Lena Levinas, que considera que os métodos anticoncepcionais não bastam, pois o “acaso acontece mesmo com precaução” e que não houve mortes por aborto no Uruguai depois da legalização. A reportagem cita uma pastora que passava e viu a manifestação. Entrevistada, ela declarou: “já abortei muito, mas eu era do mundo. Foi antes de eu entrar para a igreja. Hoje vejo que isso foi um crime”.

Aborto citado na cobertura das eleições

A palavra aborto foi citada em várias reportagens referentes às eleições, inclusive como um dos temas que mobilizarou as redes sociais. A primeira menção aparece em matéria sobre a campanha de Aécio Neves: “Durante culto evangélico, tucano afirma ser contra drogas e aborto” (Marco GRILLO, O Globo, 8/09/2014GRILLO, Marco. “Durante culto evangélico, tucano afirma ser contra drogas e aborto”. O Globo , 08/09/2014, p. 4., p. 4). O tema apareceu nas entrevistas com os candidatos Eduardo Jorge (PV), intitulada “Descriminalizar o aborto é acabar com uma lei medieval” (Alexandre RODRIGUES, O Globo, 27/09/2014RODRIGUES, Alexandre. “‘Descriminalizar o aborto é acabar com lei medieval’, diz Eduardo Jorge”, Brasil , O Globo , 27/09/2014., p. 10) e do candidato Pastor Everaldo (PSC), em “Sou contra a educação sexual nas escolas” (O Globo, 10/09/2014______. “Sou contra a educação sexual nas escolas”. [Entrevista com Pastor Everaldo], 10/09/2014, p. 10-11. (Série Eleições 2014/ Candidatos no Globo. Sabatina), p. 10-11), sendo o primeiro favorável à legalização e o segundo contrário, e o assunto foi indagado a Aécio Neves, que considera a legislação brasileira suficiente (“Nova política é governar com 3º time do PT e do PSDB?”, 11/09/2014______. “Nova política é governar com 3º time do PT e do PSDB?”. [Entrevista com Aécio Neves], 11/09/2014, p. 8-9. (Série Eleições 2014/ Candidatos no Globo. Sabatina), p. 8-9). Também foi mencionado em reportagens sobre os debates presidenciais, salientando a importância dos candidatos de partidos chamados de “nanicos” que levantaram esse tópico, no caso, o próprio Eduardo Jorge.

Na reportagem sobre o debate presidencial da Rede Globo, de título “Homofobia volta à tona em embates envolvendo Levy Fidélix” (O Globo, 3/10/2014______. “Homofobia volta à tona em embates envolvendo Levy Fidélix”, Brasil, 3/10/2014, p. 6B., p. 6B), o candidato Levy Fidélix acusou Eduardo Jorge de fazer apologia ao aborto. Eduardo Jorge cobrou da presidente Dilma que revogasse “essa lei machista e cruel que mata mulheres em seu governo”, mas Dilma respondeu com ênfase na prevenção à gravidez precoce.

Artigo de análise feito pelo cientista político Ricardo ISMAEL (O Globo, 3/10/2014ISMAEL, Ricardo. “Dobradinha e disputa pela 2ª vaga”. O Globo, 3/10/2014, p. 6B., p. 6B) com respeito a esse debate afirma que os três candidatos mais competitivos fogem dos temas homofobia e aborto, trazidos por Eduardo Jorge e Luciana Genro (“Dobradinha e disputa pela 2ª vaga”). Um artigo de análise de título “Questões morais e minorias têm peso crescente no debate público” (O Globo, 28/09/2014______. Questões morais e minorias têm peso crescente no debate público”, 28/09/2014, p. 18., p. 18) sobre os temas discutidos nas redes sociais durante o período da campanha mostra o aumento de referências a questões morais como o direito ao aborto, legalização de drogas e direitos de minorias como o casamento gay, criminalização da homofobia e o racismo. No dia do primeiro turno, um artigo de análise com o título “Corrupção, aborto e homofobia tiveram destaque on-line” (Raphael KAPA, 5/10/2014KAPA, Raphael. “Corrupção, aborto e homofobia tiveram destaque on-line”, Brasil, O Globo , 5/10/2014, p. 37., p. 37) descreve o levantamento da FGV sobre os principais assuntos mencionados nas redes durante a campanha.

Cartas dos leitores

Houve um número reduzido de cartas dos leitores, apenas oito, portando os seguintes títulos: “Tema espinhoso” (29/09/2014TEMA espinhoso. “Dos Leitores”, O Globo , 29/09/2014, p. 14., p. 14); “Aborto” (3/10/2014GOMES, Wilton Ribeiro. “Aborto”, Dos Leitores, O Globo , 3/10/2014, p. 17.); “Aborto: três cartas”, em 19/10/2014BOTTINO, Luiz Antonio. “Aborto”, Dos leitores, O Globo, 25/10/2014, p. 15.; “Aborto” (24/10/2014AGUIAR, Pedro Beja. “Aborto”, Dos Leitores, O Globo, 24/10/2014, p. 15.); “Aborto” (25/10/2014NARCISO, Jorge. “Aborto”. Dos Leitores, O Globo , 25/10/2014, p. 15.). Das oito cartas, há três antiaborto: uma elogia a Operação Herodes, outra ironiza com o tempo de espera no SUS para as demandas de aborto e não considera a criminalização do aborto uma questão religiosa; a terceira considera o ato covarde e nega a opinião sobre a autonomia da mulher. Outra carta enfatiza a necessidade de acesso a métodos contraceptivos. As quatro outras questionam a ilegalidade do aborto e citam, também, a necessidade de acesso à esterilização e métodos contraceptivos, falam da situação da mulher pobre e criticam o discurso religioso a respeito.

As Ciências Sociais analisam o aborto

A cobertura pelo jornal O Globo dos casos Jandira e Elizângela, bem como da Operação Herodes, revela alguns aspectos cruciais da situação do aborto clandestino como um drama. A rigidez da legislação brasileira é o mote principal para tantos artigos de opinião e colunistas se manifestarem acerca da situação brasileira. Vários elementos do drama que cercou os últimos passos de Jandira e de Elizângela são objeto de análise em artigos recentes na área de Ciências Sociais. Entre eles estão a alta mortalidade e as consequências do aborto clandestino em termos de danos à saúde, o modo como a proibição do aborto atinge mulheres mais pobres ou em situação mais precária (caso de Jandira e Elizângela que alegaram ser impossível ter outro filho por conta da necessidade de trabalhar). A cobertura também retrata principalmente o envolvimento da família, mas também de amigos na decisão de fazer o aborto ou na sua execução. Esses pontos e outros são abordados nas pesquisas de Ciências Sociais sobre o aborto clandestino. Já informações dos artigos de análise em que especialistas médicos se manifestaram no jornal correspondem a descobertas relatadas nos artigos da área de Ciências Sociais.

Diversos estudos feitos sobre o aborto no Brasil desde a década de 90 abordam aspectos distintos do abortamento inseguro ou feito na ilegalidade. Uma das primeiras dificuldades é a mensuração da magnitude desse tipo de aborto justamente por conta de sua realização na clandestinidade. É possível inferir, através de internações hospitalares nos casos em que há complicações, ponto citado mesmo na cobertura analisada com os depoimentos sobre o estudo feito por Mario Giani Monteiro e Leila Adesse. Um artigo apresenta um panorama dos estudos sobre aborto no Brasil e revela que a maioria das pesquisas se situa nos hospitais públicos e enfoca o tratamento de mulheres que apresentaram aborto incompleto e suas consequências para a saúde (Greice MENEZES; Estela M. L. AQUINO, 2009MENEZES, Greice; AQUINO, Estela M. L. “Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avanços e desafios para o campo da saúde coletiva”. Cadernos de Saúde Pública , v. 25, supl. 2, p. s193-s204, 2009.). Faltariam estudos de mensuração da incidência do aborto; investigação das especificidades dos óbitos por aborto e casos de morbidade grave; análise da relação do aborto com anticoncepção; investigação das repercussões do aborto na saúde mental das mulheres e incorporação da perspectiva masculina. Um levantamento nas bases de dados de bibliografia médica PUBMED verifica a abordagem da literatura internacional (Ivani BURSZTYN; Luiz Fernando Rangel TURA; Jéssica da Silva CORREA, 2009BURSZTYN, Ivani; TURA, Luiz Fernando Rangel; CORREA, Jéssica da Silva. “Acesso ao aborto seguro: um fator para a promoção da equidade em saúde”. Physis, v. 19, n. 2, p. 475-487, 2009.). Com respeito à magnitude do aborto, estimativas globais apontam que entre 20% a 50% das mulheres submetidas a aborto clandestino são hospitalizadas em vista de complicações como hemorragia, infecção no trato reprodutivo, envenenamento, o que pode levar à esterilidade. Essas consequências oneram os serviços públicos de saúde, podendo alcançar até 50% do valor das internações obstétricas. Estudo na Romênia, país em que o aborto tornou-se ilegal em 1965 e voltou a ser permitido em 1989, mostra um aumento de dez vezes a taxa de mortalidade materna relacionada ao aborto durante o período da ilegalidade e redução em dois terços após a descriminalização. Por outro lado, nos países onde o aborto é legal e sua prática é segura, a mortalidade é baixa. Não se constata aumento da prática com a legalização. A proibição do aborto afeta mulheres pobres de países pobres. Rebeca de Souza e SILVA (1997SILVA, Rebeca de Souza e. “O impacto do aborto ilegal na saúde reprodutiva: sugestões para melhorar a qualidade do dado básico e viabilizar essa análise”. Saúde e Sociedade, v. 6, n. 1, p. 53-75, 1997.), para contornar a dificuldade principal, o sub-registro da recorrência ao aborto, sugere a adoção de uma técnica estatística. A frequência do aborto pode ser situada relacionando-a com o total da população feminina em idade fértil (entre 15 e 49 anos) e eventos gestacionais (total de nascimentos, de partos ou de gestações). O mais eficaz seria calcular a relação abortos/mulheres em idade fértil para avaliar alterações na taxa de abortos provocados. A proporção de abortos por gestações é adequada na avaliação de comportamentos diferenciais de aborto provocado. Assim como retratado nas pesquisas, Jandira e Elizângela foram a óbito após complicações em decorrência de tentar o aborto em condições inseguras, correlacionando ilegalidade do aborto e sua mortalidade, situação que atinge principalmente mulheres pobres de países pobres.

Pesquisas qualitativas com as mulheres que abortaram revelam o medo da internação com receio de denúncia às autoridades. Pesquisa recente feita por Giani e Adesse sobre mortalidade materna citada nas reportagens e estudos qualitativos com enfermeiras no Brasil (Carmen Luiza Hoffmann MORTARI, Jussara Gue MARTINI e Myriam Aldana VARGAS, 2012MORTARI, Carmen Luiza Hoffmann; MARTINI, Jussara Gue e VARGAS, Myriam Aldana. “Representações de enfermeiras sobre o cuidado com mulheres em situação de aborto inseguro”, Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 46, n. 4, p. 914-921, ago. 2012.), ou com profissionais de saúde (médicos e enfermeiras) acerca da objeção de consciência em Portugal (Rozeli Maria PORTO, 2008PORTO, Rozeli Maria. “Objeção de consciência, aborto e religiosidade: práticas e comportamentos dos profissionais de saúde em Lisboa”, Revista Estudos Feministas, v. 16, n. 2, p. 661-666, ago. 2008.) mostram que muitos julgam negativamente as pacientes por seus atos, o que pode afetar o atendimento. Relatos de adolescentes de Teresina internadas por aborto provocado confirmam a percepção de atitudes discriminatórias por parte da equipe médica (Maria das Dores NUNES, Alberto MADEIRO e DINIZ, 2013NUNES, Maria das Dores; MADEIRO, Alberto; DINIZ, Debora. “Histórias de aborto provocado entre adolescentes em Teresina, Piauí, Brasil”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 18, n. 8, p. 2311-2318, ago. 2013.), o que inclui um caso em que a adolescente sofreu três curetagens sem anestesia, porque o caso não “merecia” (sic) o procedimento. O documentário O fim do silêncio: um filme sobre o aborto inseguro, de Thereza JESSOUROUN (2008FIM do silêncio: um filme sobre o aborto inseguro, O. Direção: Thereza Jessouroun. Documentário, Brasil, 52 min.), é especialmente tocante nesse sentido, narrando o retardo proposital do atendimento e comentários dos técnicos de enfermagem. Mulheres em situação de aborto espontâneo são acusadas de o terem provocado, como relata uma gestante que descobriu a anencefalia fetal no momento do aborto no mesmo filme de Jessouroun (Naara LUNA, 2014LUNA, Naara. “Aborto e corporalidade: sofrimento e violência nas disputas morais através de imagens”. Horizontes Antropológicos, v. 20, n. 42, p. 293-327, dez. 2014.). O documentário Habeas Corpus, de Debora Diniz e Ramon NAVARRO (2005HABEAS Corpus. Direção: Debora Diniz e Ramon Navarro. Roteiro: Debora Diniz eRamon Navarro . Documentário, Brasil.), mostra a disputa em uma situação em que houve autorização judicial para interromper a gravidez em função de diagnóstico de anencefalia ou de anomalia fetal incompatível com a vida, autorização esta depois questionada por militância antiaborto, o que revela a dificuldade do serviço público em terminar os procedimentos iniciados para interromper a gestação, com agravo no sofrimento da gestante e de sua família (LUNA, 2014).

No contexto internacional, principalmente latino-americano, dada a ilegalidade do abortamento voluntário na maior parte dos países, registrando-se poucos permissivos, estudos comparativos revelam os impasses da criminalização. Estudo feito na Colômbia é especialmente revelador sobre o contexto de ilegalidade total do aborto, mencionando outros países latino-americanos como a própria Colômbia, Chile e El Salvador (Ana Cristina GONZÁLEZ VELEZ, 2005GONZÁLEZ VELEZ, Ana Cristina. “La situación del aborto en Colombia: entre la ilegalidad y la realidad”. Cadernos de Saúde Pública, v. 21, n. 2, p. 624-628, abr. 2005.). Na Colômbia, o aborto permanece como a segunda ou terceira causa de mortalidade materna nos dez anos anteriores, o que caracteriza sua incidência como problema de saúde pública. As contradições entre a ilegalidade e a realidade da prática permitem um discurso público de rejeição à prática (posição da hierarquia da Igreja Católica), enquanto é possível para as mulheres de estratos socioeconômicos mais altos recorrerem à interrupção voluntária da gestação em condições de segurança. Nesse contexto, a ilegalidade se torna um instrumento de desigualdade social, pois as mulheres dos estratos mais baixos e as mais jovens são as mais penalizadas pelo aborto clandestino, tendo acesso a serviços inseguros e sem qualidade. As estatísticas da Colômbia mostram um enfraquecimento da lei e de sua função de controle. A desigualdade de acesso ao aborto em condições seguras por parte de mulheres ricas e por parte das pobres em contexto de ilegalidade é um dos pontos levantados pelos colunistas e por vários artigos de opinião, além dos artigos de análise publicados no jornal.

Questionando a ilegalidade total do aborto em alguns países da América Latina como Chile, El Salvador, Nicarágua, Honduras e República Dominicana, Alejandra ZÚÑIGA-FAJURI (2014ZÚÑIGA-FAJURI, Alejandra. “Human rights and the right to abortion in Latin America”. Ciência & Saúde Coletiva , v. 19, n. 3, p. 841-846, mar. 2014.) levanta a bandeira dos direitos humanos e afirma a reivindicação feminista do aborto voluntário nos três primeiros meses como um direito das mulheres. Segundo a autora, poucas vezes a teoria dos direitos humanos é mobilizada em favor da legalização do aborto, o que estaria associado a uma crença velada e generalizada de que as mulheres na condição de grávidas perdem seus direitos humanos, devendo renunciar em favor da vida do nascituro. Essa denúncia é espelhada de forma contundente na abordagem jornalística sobre a Operação Herodes, quando os operadores de Direito se importam apenas com os fetos e não com as mulheres que abortam.

Esses estudos ajudam a contextualizar as mortes de Jandira e Elizângela, que procuraram fazer o abortamento na clandestinidade, bem como a cobertura da imprensa. Artigo analisando como a imprensa brasileira noticia o comércio de misoprostol revela, além do sistema de compra e venda, a participação não apenas da mulher que deseja interromper a gravidez: mas amigas, médicos e intermediários são retratados nessas notícias (Debora DINIZ e Rosana CASTRO, 2011DINIZ, Debora; CASTRO, Rosana. “O comércio de medicamentos de gênero na mídia impressa brasileira: misoprostol e mulheres”. Cadernos de Saúde Pública, v. 27, n. 1, p. 94-102, jan. 2011.). Essa abordagem leva este artigo a enfocar os estudos qualitativos sobre aborto, especialmente sobre a tomada de decisões e as pessoas envolvidas. A participação da família na decisão sobre o aborto foi clara na cobertura dos casos de Jandira e de Elizângela, que mostrou familiares as auxiliando ou tentando demovê-las da decisão. Pesquisa feita com adolescentes em Teresina internadas por aborto provocado mostra que a maioria obteve informações sobre o método com amiga, amigo ou o namorado/marido (Rosely G. COSTA, Ellen HARDY, Maria José D. OSIS, Aníbal FAUNDES, 1995COSTA, Rosely G.; HARDY, Ellen; OSIS, Maria José D.; FAUNDES, Aníbal. “A decisão de abortar: processo e sentimentos envolvidos”. Cadernos de Saúde Pública, v. 11, n. 1, p. 97-105, mar. 1995.). A grande maioria chegou acompanhada ao serviço de saúde primeiramente da mãe e, em segundo lugar, de uma amiga, ou outra parente, embora uma proporção significativa (23%) tenha ido só ao serviço de saúde.

Artigo baseado em pesquisa quantitativa feita por meio de questionário com funcionárias e alunas de uma universidade paulista sobre a decisão de abortar revela que dentre as que interromperam a gravidez, a maioria conversou com amiga ou amigo, e o namorado/companheiro/marido. A razão mais citada para a decisão foi “não estar preparada para criar/educar uma criança”. Lembrando o caso de Jandira, foi uma amiga que deu o cartão com a referência da clínica de aborto e seu ex-marido a levou para encontrar o pessoal da clínica clandestina.

Artigo relatando resultados da pesquisa “Heterossexualidades, Contracepção e Aborto (HEXCA)”, com o recorte de entrevistados jovens (18 a 27 anos) de ambos os sexos, mostra a diferença do aborto praticado na clandestinidade se ocorrido em clínicas situadas “na área nobre da cidade” e em áreas menos privilegiadas (Maria Luiza HEILBORN; Cristiane da Silva CABRAL; Elaine Reis BRANDÃO; Livi FARO; Fabíola CORDEIRO; Rogério Lopes AZIZE, 2012HEILBORN, Maria Luiza; CABRAL, Cristiane da Silva; BRANDÃO, Elaine Reis; FARO, Livi; CORDEIRO, Fabíola; AZIZE, Rogério Lopes. “Itinerários abortivos em contextos de clandestinidade na cidade do Rio de Janeiro - Brasil”. Ciência & Saúde Coletiva , v. 17, n. 7, p. 1699-1708, jul. 2012a.a). No primeiro caso, as cirurgias foram mais caras e as mulheres saíram das clínicas munidas de um telefone de contato para o caso de complicações. As jovens de classes populares que fizeram o aborto relatam tentativas frustradas de resolução caseira com chás e medicamentos como o misoprostol que as levaram a fazer o procedimento com “curiosas”, desta vez com injeção de líquido ou uso de sonda para depois expulsar o feto. As de camada média ou popular que procuraram clínicas nas regiões privilegiadas da cidade não relatam complicações, ao contrário das que recorreram às curiosas. Nesse caso, a interrupção ocorre no início da gestação, antes do término do primeiro trimestre. Já entre mulheres de classes populares, a cirurgia ocorre no segundo trimestre da gestação, por dificuldades financeiras, por indecisão e por problemas na negociação com o parceiro ou com suas famílias. As jovens tanto de camadas médias como das classes populares tomaram a decisão em diálogo com sua família, parceiro, amigas e com a família do parceiro. Em alguns casos, registrou-se posição distinta entre a mãe da moça e a sogra quanto à realização do aborto. As famílias estavam presentes no custeio da operação e também em acompanhar às clínicas. Alguns jovens de camadas médias acompanharam sua parceira à clínica. Já entre os das classes populares, nenhum acompanhou sua parceira na ida à curiosa. Tanto Jandira quanto Elizângela buscaram a cirurgia no segundo trimestre de gestação, conforme o perfil das mulheres de classes populares retratadas na pesquisa HEXCA, citada acima, e discutiram com pessoas conhecidas.

Em outro artigo resultante da pesquisa HEXCA, incluindo a análise não apenas dos jovens (18 a 27 anos), mas também de informantes adultos homens e mulheres (40 a 49 anos), a comparação de entrevistados das duas faixas etárias mostra diferenças relevantes (HEILBORN; CABRAL; BRANDÃO; FARO; CORDEIRO; AZIZE, 2012b). Entre os mais jovens, a decisão de abortar se dá em função da relação com o parceiro e com o vínculo existente com ele. Um tipo de circunstância em que o parceiro é excluído da decisão está relacionado ao sexo casual. Quando o casal discorda quanto a manter a gravidez, em geral a decisão da mulher predomina. O parceiro é mais ouvido quando não quer a gestação, do que quando quer e a mulher discorda. Já entre a geração mais velha, quando relata abortos na juventude, constata-se o protagonismo da mulher na decisão; enquanto os homens delegaram as decisões a elas, se abstiveram ou nem foram informados. Há também relatos de decisão consensual. Tanto na geração mais jovem quanto na mais velha, a decisão do grupo (família) e do parceiro se sobressai à vontade da mulher de prosseguir com a gravidez quando a mulher tem menos autonomia no núcleo familiar de origem. Os homens de camadas médias, sobretudo os jovens, valorizam a autonomia feminina de decisão, enquanto os mais velhos reivindicam sua participação na decisão sobre a gravidez imprevista, embora tenham sido deixados de lado na decisão. Já nas camadas populares, a maioria dos homens, jovens ou adultos, se disse contrária ao aborto, mesmo quando pagou pelo procedimento. Nos casos de Jandira e de Elizângela, seus companheiros participaram da decisão acerca do aborto, ponto retratado na pesquisa HEXCA, mas de modo distinto: o ex-marido de Jandira a apoiou e o marido de Elizângela era contrário e tentou convencê-la a desistir. Assim como retratou o artigo científico, quando o companheiro é contrário ao aborto, ele é menos ouvido, caso do marido de Elizângela.

A cobertura jornalística mostra ênfases que se afastam do diagnóstico existente nos artigos das Ciências Sociais e outras que os aproximam. As reportagens da primeira fase da cobertura no formato de drama familiar retratam Jandira e Elizângela no papel de vítimas das clínicas clandestinas e da cirurgia praticada sem condições de segurança. Contudo, percebe-se, a partir dos relatos das famílias, que elas foram sujeitos conscientes que tentaram as medidas possíveis diante de uma situação de gravidez indesejada, ambas com a mesma alegação: a de precisar voltar a trabalhar, e, por isso, não poder ter mais filhos. Esse quadro espelha o diagnóstico mostrado em tantas pesquisas: a ilegalidade do aborto, associada a condições precárias de planejamento familiar, o que facilita a gravidez indesejada, experiência dos países mais pobres com sua legislação punitiva.

A segunda parte das reportagens, com sua ênfase na repressão e reforço da legislação punitiva, mais se afasta do diagnóstico presente nos artigos de Ciências Sociais: ali agentes da lei gritam contra os “médicos aborteiros” e os “açougues” que sacrificam crianças. Nessa cobertura, as mulheres saem de cena. No máximo, aparecem como críticas dos médicos que as operaram em condições inseguras. A cobertura da imprensa não considera essas mulheres como agentes, por isso, nas reportagens produzidas pelo jornal, as feministas aparecem tão pouco. Em uma hierarquia de fontes consultadas na cobertura jornalística, elas estão atrás em número de depoimentos tanto de médicos como de operadores de direito (agentes do Estado como delegados e policiais, ou juristas). A cobertura da Operação Herodes quer mostrar a organização criminosa, cujos personagens são médicos e outros profissionais de saúde associados aos responsáveis pela “segurança da atividade”, muitas vezes agentes do Estado como policiais que participam da organização. Nessa fase, a totalidade dos especialistas médicos citada nas matérias enfatiza as consequências negativas para a saúde da ilegalidade do aborto e sua prática em condições inseguras. Enquanto os agentes do Estado retratados nessas matérias se concentram em fazer cumprir a lei e destruir as clínicas, desbaratar quadrilhas, a maior parte dos juristas consultados critica a legislação punitiva relativa ao aborto e uma minoria considera suficientes os casos previstos por lei.

A perspectiva pró-escolha vai aparecer concentrada nos artigos de colunistas, nos editoriais do jornal e nos artigos de opinião, com as críticas à legislação brasileira, aos setores conservadores, em particular os religiosos, que impedem a livre escolha das mulheres por opções legais e seguras da prática do aborto. A defesa provida de posições vai aparecer em dois artigos de opinião de autores religiosos, sendo uma teóloga que usa o argumento religioso da vida como dom de Deus e um político evangélico que aciona argumentos laicos acerca da defesa do feto como pessoa. Tal é a visão dos políticos que se pronunciaram no parlamento, no caso, apenas na ALERJ, enquanto a única menção no Senado enfatizava o planejamento familiar. Na ALERJ, os deputados que se manifestaram defendem um projeto de casas da vida para acolher as mulheres que passam por gravidez indesejada, a fim de que elas não incorram na prática de aborto. O objetivo maior de tal projeto é impedir qualquer prática de aborto legal, e tentar obstruir o que é um direito ou permissivo por lei. Na perspectiva antiaborto, autodesignada de pró-vida, interessa a vida do feto. Este é o sujeito e não as mulheres que são reduzidas a suporte para o desenvolvimento de embriões. Nos termos da teoria da hierarquia de Louis DUMONT (1997DUMONT, Louis. Homo hierarchicus: o sistema de castas e usas implicações. São Paulo: EDUSP, 1997.), a mulher que fisiologicamente é a portadora do feto é englobada por ele, pois o feto é o centro das considerações sobre direitos. A perspectiva dos principais candidatos à presidência é a de ignorar o tema, dizendo que a legislação é suficiente, enquanto entre os partidos pequenos, os candidatos se dividem entre antiaborto e os que defenderam posições pró-escolha.

Considerações finais

Retornando aos casos de Jandira e de Elizângela, o relato da imprensa mostra situações típicas de aborto clandestino, conforme retratado nas pesquisas, tendo levado ao dano maior, o óbito, como consequência das condições de insegurança da realização dessa prática. Considerando os relatos da imprensa com base nos testemunhos das famílias, Jandira e Elizângela, ambas mães, decidiram pelo aborto em função de não terem condições de manter mais uma criança. No caso de Jandira, havia a circunstância de gravidez resultante de sexo casual, quando suas ações posteriores, em particular a de pedir para o ex-marido a levar ao ponto de encontro, sugeriam a reaproximação do casal. Levando em conta as pessoas citadas nas reportagens, houve conhecimento pelo círculo familiar de ambas. Na família de Jandira, o ex-marido e o pai disseram apoiar sua decisão, enquanto a mãe e a irmã foram contra. O marido de Elizângela disse ter tentado demovê-la de fazer o aborto. A decisão final da mulher imperou nas duas situações. Quanto aos personagens citados nas matérias jornalísticas, foi uma amiga que indicou a clínica à Jandira. Assim como nos casos analisados nos artigos científicos, há participação de amigas no processo de decisão e de cuidado. Uma primeira denúncia tentou incluir por cumplicidade como réus da morte de Jandira os que auxiliaram diretamente na obtenção do serviço: a amiga, por ter indicado a clínica, e o ex-marido de Jandira, que a levou para ser buscada pelo pessoal da clínica.

Em direção contrária às manifestações nas redes sociais, à totalidade dos artigos dos colunistas do jornal O Globo e da ampla maioria dos que escreveram os artigos de opinião que questionaram a ilegalidade do aborto em função de suas consequências perversas para as mulheres, a reação do Estado foi reprimir as clínicas clandestinas e reforçar a situação criada pela ilegalidade. Os relatos da Operação Herodes mais enfatizavam a situação dos “fetos sacrificados” do que consideravam as mulheres que recorriam às clínicas clandestinas. Os agentes da lei entrevistados eram todos contrários à legalização do aborto, em contraste com a maior parte dos especialistas médicos e juristas consultados nos mesmos artigos. As únicas manifestações de políticos na ALERJ acerca dos casos foram contrárias ao aborto em qualquer circunstância e culpabilizaram a mulher, enquanto a repercussão nas casas legislativas federais foi praticamente nula. Os direitos humanos do feto prevaleceram sobre os direitos humanos das mulheres. As tragédias ocorridas com Jandira e Elizângela espelham a situação que tantas anônimas passam na sociedade e as medidas do Estado se assemelham ao discurso dos principais candidatos na disputa eleitoral: omissão e indiferença. Verificou-se que a totalidade dos colunistas e a grande maioria dos autores dos artigos de opinião enfatizaram o drama e a necessidade de rever a lei, afirmando a autonomia das mulheres na tomada de decisão, o que acontece na prática, mesmo contra a legislação, com efeitos perversos que atingem principalmente as mulheres das classes populares. A despeito disso, essas manifestações não sensibilizaram a sociedade quanto a rever o apoio à legislação tal como existe hoje e demandar mudança, pelo contrário, houve um reforço do caráter punitivo na perseguição das clínicas e suas usuárias materializado na Operação Herodes.

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Filmes

  • FIM do silêncio: um filme sobre o aborto inseguro, O. Direção: Thereza Jessouroun. Documentário, Brasil, 52 min.
  • HABEAS Corpus. Direção: Debora Diniz e Ramon Navarro. Roteiro: Debora Diniz eRamon Navarro . Documentário, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2015
  • Revisado
    04 Jun 2016
  • Aceito
    02 Mar 2017
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