INTRODUÇÃO
No Brasil, em 2010, registrava-se maior incidência de todos os tipos de deficiência na população de 65 anos ou mais, demonstrando estreita relação entre o processo de envelhecimento e a consequente perda de funcionalidade. Essa situação requer implementação e subsequente ampliação da rede de serviços de reabilitação para atender a crescente demanda da população brasileira, tanto de idosos quanto de pessoas com algum tipo de deficiência.1
Diante desse panorama, 23,9% possuem pelo menos uma das deficiências: visual, auditiva, motora, mental ou intelectual, sendo em primeiro lugar a deficiência visual afetando 18,6%; em segundo lugar está a deficiência motora, ocorrendo em 7,0%, seguida da deficiência auditiva, em 5,10% e da deficiência mental ou intelectual, em 1,40%.2
A reabilitação é a área responsável por possibilitar o treino de novas habilidades às pessoas que delas se utilizam, tornando possível o enfrentamento dos obstáculos cotidianos. É reabilitar e habilitar alguém novamente de algo que foi perdido e, para tanto, é fundamental o trabalho de uma equipe multidisciplinar, envolvendo profissões das mais diversas áreas -humanas, biológicas e exatas.3
Na realidade brasileira, os serviços públicos de saúde de reabilitação ainda se caracterizam pela fragmentação e descontinuidade assistencial. Em decorrência de fragilidades na articulação entre as instâncias gestoras do sistema, a gerência dos serviços e as equipes profissionais que atuam na ponta,4 faz mister considerar a premência na organização, planejamento e execução de intervenções pautadas nas diretrizes da rede de cuidados.
Realidade adversa ao apregoado nas políticas públicas brasileiras de saúde, considerando o papel da Atenção Básica à Saúde (ABS) como porta de entrada do sistema em rede, coordenando intervenções do primeiro nível de atenção e procedendo respectivos encaminhamentos para demais pontos de atenção da rede de cuidados da pessoa com deficiência. Integração que favorecerá a gestão coordenada do cuidado, promovendo a integralidade aos seus usuários, a articulação de ações de promoção da saúde e prevenção, tratamento e reabilitação de doenças e agravos.5
Buscando reverter esse quadro de fragmentação e descontinuidade do cuidado e assistência da população, a reorientação do modelo de atenção à saúde no Brasil tem como principal estratégia a estruturação de uma rede primária de atenção baseada na Estratégia da Saúde da Família (ESF) e que dê cobertura às necessidades de saúde da população.6
De acordo com a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, a assistência a essas pessoas deve se pautar no pressuposto de que, além da necessidade de atenção à saúde específica da sua própria condição, esses indivíduos também podem ser acometidos por doenças e agravos comuns aos demais, necessitando, portanto, de outros tipos de serviços além daqueles estritamente ligados à sua deficiência. Nesse sentido, a assistência à saúde da pessoa com deficiência não poderá ocorrer somente nas instituições específicas de reabilitação, devendo ser a ela assegurado o atendimento em toda a rede de serviços no âmbito do (SUS).7
Estudo realizado nos Estados Unidos8 apontou orientações prestadas por enfermeiros, aos pacientes com lesão medular e seus familiares, sobre cuidados domiciliares, com enfoque na gradativa autonomia funcional para o autocuidado e superação dos desafios para vida independente.
A busca de conhecimento sobre a complexidade que envolve o cuidado e assistência integral da pessoa com deficiência tem sido registrada em diversos países. Na Alemanha,9 foi realizado estudo para o aprimoramento dos instrumentos de avaliação do tempo de permanência dos pacientes com lesão neurológica incapacitante, internados em hospitais especializados, com vistas no encaminhamento para serviços especializados de reabilitação. Da mesma forma, estudo voltado para identificação de melhores ações interprofissionais das equipes de reabilitação, realizado no Canadá,10 ou estudo objetivando avaliação da qualidade dos serviços de saúde e cuidados primários, realizado em cinco regiões da Itália,11 corroboram com a necessidade de ampliar conhecimentos sobre a demanda de cuidados e reabilitação de pessoas com lesão neurológica incapacitante. São exemplos de estudos que confirmam investigações de temas similares na comunidade acadêmica internacional, focados no cuidado, assistência, reabilitação e inclusão social de pessoas com deficiência, decorrentes de lesões neurológicas incapacitantes.
Este artigo objetiva refletir sobre as implicações da implementação da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde, considerando as mudanças estruturais que alteram o fluxo de atendimentos e as competências dos profissionais que atuam nos pontos de atenção12 que são: Barreiras para implantação da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência; A (des)articulação das equipes da Atenção Básica de Saúde com a Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência; Barreiras no âmbito da gestão da rede hospitalar e reflexos na (des)continuidade do cuidado da pessoa com deficiência. Assim, descreveremos abaixo cada uma delas:
Barreiras para implantação da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência
Entre as diretrizes definidas no Artigo 2º da portaria 793/2012, destaca-se o inciso IV, onde se asseguram garantias de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar. São frequentes os debates entre as equipes da Atenção Básica sobre as competências profissionais necessárias para que as pessoas com deficiência possam ver garantidos seus direitos de acesso a esses serviços com qualidade, sobretudo, no que se refere à interface interdisciplinar.12
Mesmo aprovadas após longas discussões e acordos entre gestores e seus representantes nas Comissões Intergestores Municipais, pouca repercussão pode ser constatada nas equipes profissionais que atuam nos pontos de atenção da rede. Apesar da determinação de assistência integral à pessoa com deficiência, a não delimitação das competências profissionais para isso e a não realização do trabalho multiprofissional implica na sua não realização. Com isso os maiores prejudicados serão, inevitavelmente, as pessoas com deficiência que sequer conseguem agendamento nos processos de triagem e as usuárias dos programas de reabilitação. A integralidade do cuidado e a assistência multiprofissional acabam limitadas à perspectiva teórico-idealista-legal.13
É desafiador o apontado no inciso III, do Artigo 3º da portaria 793/2012, que define os objetivos gerais da rede, dando garantias de articulação e integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento e classificação de risco. Numa simples visita aos pontos de atenção disponíveis, seja na condição de usuário em busca de atendimento ou de observador de associações comunitárias, pode-se perceber que suas equipes atuam (des)articuladas, e sequer tomam conhecimento da existência da rede ou de outros pontos de atenção.13
Nesse ritmo, a articulação integrada dos pontos de atenção das redes de saúde da mesma área, na conjuntura do SUS, definitivamente, não acontece, muito provavelmente devido às mesmas dificuldades antes apontadas. Cada ponto de atenção atua exclusivamente em seu espaço, como limitado e isolado dos demais. Ainda, os profissionais de saúde que compõem suas equipes, por sua vez, não interagem com as demais equipes para atender à população alvo (pessoas com deficiência), no que dependa de aspectos que fujam ao habitualmente condicionado pelas rotinas dos setores/serviços onde atuam.13
A expectativa dos gestores públicos deve estar focada na meta de que se possa estruturar um grupo voltado ao cuidado da pessoa com deficiência, para estudo do território, envolvendo profissionais de saúde, lideranças e moradores locais. O convite deve ser feito pela explicitação da intenção de conhecer o lugar para melhor elaborar as ações de saúde, e sua participação certamente trará mais acuidade, adequação e força às futuras ações.14
A (des)articulação das equipes da Atenção Básica de Saúde com a Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência
Outro ponto que carece maior reflexão é o contido nos incisos I e II, do Art. 11, da Portaria 793/12, dispondo sobre como a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência deve ser organizada no âmbito da Atenção Básica, da Atenção Especializada em Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual, Visual, Ostomia e em Múltiplas Deficiências, e da Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência.12
A Portaria 4.279/2010 estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS) no âmbito do SUS, e reconhece como inegáveis e representativos os avanços alcançados pelo SUS nos últimos anos. Contudo, torna-se cada vez mais evidente a dificuldade em superar a intensa fragmentação das ações e serviços de saúde e qualificar a gestão do cuidado no contexto atual. Nessa Portaria, a RAS é definida como arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado.15
Para tanto, é importante salientar que a organização da RAS exige a definição da região de saúde, o que implica na demarcação dos limites geográficos e de sua população, bem como no estabelecimento do conjunto de ações e serviços que serão ofertados na região de saúde. As competências e responsabilidades dos pontos de atenção no cuidado integral estão correlacionadas com abrangência de base populacional, acessibilidade e escala para conformação de serviços. A definição adequada da abrangência das regiões é essencial para fundamentar as estratégias de organização da RAS, devendo ser observadas as pactuações entre o Estado e o município para o processo de regionalização e parâmetros de escala e acesso.15
Além disso, a Portaria 4.279/2010 discorre sobre a orientação comunitária, recomendando que a Atenção Básica de Saúde utilize habilidades clínicas, epidemiológicas, sociais e avaliativas, de forma complementar para ajustar os programas para que atendam às necessidades específicas de saúde de uma população definida. Para tanto, faz-se necessário definir e caracterizar a comunidade, identificar seus problemas de saúde, modificar programas para abordar esses problemas, e monitorar a efetividade das modificações do programa.15-16
Nesse ponto de vista, é importante destacar que a atenção básica surgiu para responder à visão ampliada das necessidades em saúde. Todos os problemas e desafios éticos emanam dos processos de trabalho e da organização do sistema de resposta a essas necessidades em determinado território e ambiente.17
Na conjuntura da Organização Pan-Americana da Saúde, a ABS é uma estratégia para organizar os Sistemas de Saúde, de maneira a possibilitar o acesso universal aos serviços e a atenção integral, sistemática e articulada ao longo do tempo. Nesse ponto, o acesso universal aos serviços deve ser compreendido como garantia de que as pessoas com deficiências contarão com ampla cobertura, inclusive, de atenção integral em suas necessidades de cuidados e assistência de longo prazo, previsíveis nos programas de reabilitação.16
A premissa da Portaria 4.279/2010 atribuiu ênfase à orientação comunitária, no entanto, ela não contempla detalhamentos para que as ações e serviços da ABS prestem valiosos esclarecimentos sobre acessibilidade, adequações dos ambientes, programas de reabilitação, protetização, entre outras informações relevantes para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida de suas regiões de saúde específicas. Perde-se, portanto, imensa oportunidade de fortalecer a RAS para além da dimensão teórica, ao menos, no que concernem às temáticas da tecnologia assistiva e de grande interesse para esse grupo da população.15-18
Por outro lado, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), de acordo com a Portaria 2.488/2011, foram criados com o objetivo de ampliar a abrangência das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade.19
Sabe-se que o NASF, em tese, tem sido considerado componente fundamental para potencializar a integralidade do cuidado, a resolubilidade da atenção primária à saúde e também do SUS, intervindo na cultura dos encaminhamentos desnecessários, promovendo a discussão da formação dos profissionais de saúde. O NASF também deveria contribuir para evidenciar os gargalos do sistema de saúde. Há contestação, pois, nos pontos de atenção, suas equipes, raramente, se mostram integradas às equipes de saúde da família, além de não se integrar com as demais equipes que compõem as Redes de Cuidados.20
Realidade distorcida, pois que aos profissionais do NASF efetivamente caberiam a discussão de casos, o atendimento conjunto ou não, a interconsulta, a construção conjunta de projetos terapêuticos, a educação permanente, as intervenções no território e na saúde de grupos populacionais e da coletividade. Um conjunto de ações intersetoriais, ações de prevenção e promoção da saúde, discussão do processo de trabalho das equipes, entre outras funções. Todas as atividades podem se desenvolvidas nas unidades básicas de saúde, academias da saúde ou em outros pontos do território.19-21
Sob esta ótica, uma simples supervisão dos gestores para elaboração de relatórios de produção nos pontos de atenção da rede da Atenção Básica, tomando como referência as atividades desenvolvidas pelas equipes do NASF, pode ser suficiente para revelar a pouca objetividade, falta de sistematização, registros, documentação e arquivos dos casos atendidos pelo NASF, bem como do respectivo encaminhamento para outras equipes da rede possam dar continuidade ao cuidado e assistência integral às pessoas na comunidade. Sugere-se que membros dessas equipes, ainda não compreenderam exatamente o que lhes compete na conjuntura da Atenção Básica, tamanha distância entre as diretrizes oficiais e as demandas apresentadas pelas pessoas nas comunidades, por mais evidente que se apresente a necessidade de inclusão dessas pessoas na sua área de abrangência.
Há quem recomende a necessidade de mais estudos sobre essa realidade para o aperfeiçoamento da formação acadêmica e da atuação profissional na área, contribuindo para a implementação dos NASF. Da mesma forma relevante, há quem defenda a tese de que a fragmentação dos processos de trabalho, a fragmentação das relações entre as diferentes formações e profissionais, e a precária formação das diversas categorias profissionais, geralmente distantes do debate e da formulação da política de saúde, como problemas extensivos às diversas áreas da saúde pública brasileira.14,21-22
Não há como fugir da compreensão da reabilitação como um processo singular, que visa desenvolver as potencialidades das pessoas e conduzi-las a uma vida com saúde, bem-estar e melhor nível de autonomia. Entretanto, essa visão abrangente, que busca unir reabilitação e qualidade de vida, é relativamente recente dentro dos serviços públicos de saúde. Por muito tempo, reabilitação e fisioterapia, para clientes e gestores, foram consideradas sinônimas e isso contribuiu para a não disponibilização de outros recursos e intervenções terapêuticas. Hoje, uma visão mais totalizadora do usuário dos programas de reabilitação, associada a um trabalho interdisciplinar harmonioso, abre caminhos para uma resposta terapêutica mais abrangente e favorável no tratamento dessas pessoas.23
O enfrentamento das sequelas impostas às pessoas com deficiência adquirida requer superações de diversos aspectos, a começar por questões emocionais, sociais, culturais, de autoestima, sexualidade, imagem corporal, entre outras, fazendo com que a pessoa se submeta a reflexão sobre o verdadeiro sentido da própria existência. Momentos decisivos para que equipes de reabilitação implementem ações terapêuticas extramuros institucionais, tendo em vista se tratar de pessoa para cuidados de longo prazo, domiciliar.24
Da mesma forma relevante para a Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, cabe destacar os incisos I e II, do Artigo 1º, da Portaria nº 963, de 27 de maio de 2013, que definem abrangência da Atenção Domiciliar no âmbito do SUS, através dos quais é possível formar ideia sobre essa nova modalidade de atuação profissional. Segundo disposto no inciso I, a atenção domiciliar deve ser concebida como nova modalidade de atenção à saúde, substitutiva ou complementar às já existentes, caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção, tratamento de doenças e reabilitação prestadas em domicílio, com garantia de continuidade de cuidados e integrada às redes de atenção à saúde.25
Ademais, o enunciado do inciso II, da Portaria nº 963/2013,25 esclarece que o Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) figura como serviço substitutivo ou complementar à internação hospitalar ou ao atendimento ambulatorial, responsável pelo gerenciamento e operacionalização das Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (EMAD) e Equipes Multiprofissionais de Apoio (EMAP), sendo o EMAD classificados em dois tipos: tipo 1, que são aquelas que compõem o SAD nos municípios >40 mil habitantes; e a tipo 2, como aquelas que compõem o SAD nos municípios com população entre 20 mil e 40 mil habitantes.23 Vale lembrar ainda que a Atenção Domiciliar não se encontra explicitamente como um componente da Rede de Cuidados a Pessoa com Deficiência na Portaria 793/2012, visto que essa modalidade de serviço complementar ou substitutiva se enquadra como um componente de atenção da Rede de Atenção às Urgências e Emergências definido no Art. 4º da Portaria nº 1.600 de 07 de julho de 2011.24
No entanto, o Art. 3º da Portaria 963/2013 define que a Atenção Domiciliar tem como objetivo reorganizar os trabalhos das equipes responsáveis nos cuidados domiciliares sejam eles da atenção básica, ambulatorial e nos serviços de urgência/emergência e hospitalar. O Art. 5º dessa mesma portaria estabelece ainda que esses serviços devam ser estruturados na perspectiva das redes de atenção à saúde, tendo a atenção básica como ordenadora do cuidado e da ação territorial.25
Ainda sobre as ações da Atenção Básica para as pessoas com deficiência, a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde do SUS aponta que cabe a este nível de atenção, mais especificamente sobre as ações a serem desenvolvidas em nível da Atenção Domiciliar, ações e responsabilidades que se caracterizem em promover a adaptação do paciente ao uso de órteses/próteses, de sondas e ostomias. Além de promover a reabilitação de pessoas com deficiência permanente, transitória ou contínua, até que estas apresentem condições de frequentar serviços de reabilitação.12,26
Barreiras no âmbito da gestão da rede hospitalar e reflexos na (des)continuidade do cuidado da pessoa com deficiência
A propósito, a Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência, como componente da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, precisa se enquadrar e demonstrar aderência a esse programa, considerando a importância do seu papel articulador com demais pontos de atenção dessa Rede, priorizando a intervenção precoce de pessoas com lesão neurológica incapacitante nos Centros Especializados de Reabilitação, conforme demarcado pelo Art. 22, da Portaria 793/2012.12
Nessa sintonia, destaca-se relevante contribuição de estudo realizado com gestores médicos e enfermeiros que atuam em hospital de grande porte da Zona da Mata Mineira, em 2015, que identificou o grau de desconhecimento dos mesmos sobre a Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, dificultando o preparo de alta de clientes com lesão neurológica incapacitante, e seu respectivo encaminhamento para intervenções precoces em Centros Especializados de Reabilitação. 27
Responsabilidades e competências para assumir questões do acolhimento, da classificação de risco e cuidado nas situações de urgência e emergência que envolve pessoas com deficiência. Instituindo equipes de referência em reabilitação em ambientes hospitalares de urgência e emergência vinculadas à ação pré-deficiência, além de ampliar o acesso e qualificar a atenção à saúde para pessoa com deficiência em leitos de reabilitação hospitalar.8 A díade hospitalização/reabilitação concretiza-se na medida em que os profissionais que estruturam e operacionalizam o cuidado ao paciente com lesão neurológica incapacitante transcendem os aspectos biomédicos e sinalizam uma prática orientada para o modelo de atenção à saúde, que tenta sua consolidação. Esse modelo preconiza a implementação da cadeia do cuidado complexo e a visão da clínica ampliada no alcance da cura ou no convívio com algum tipo de limitação.28
Com a implantação da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência e a complexidade que envolve a necessidade de cuidados das pessoas com sequelas neurológicas incapacitantes, por exemplo, a díade hospitalização/reabilitação deve cada vez mais se afinar para a materialização do seu mais nobre objetivo, qual seja, primar pela integralidade do cuidado dessas pessoas, tanto em seus ambientes quanto naqueles extramuros institucionais.27
Muitos são os fatores que podem influenciar a qualidade de vida após o trauma, como a qualidade do atendimento oferecido pelo sistema de saúde, tipo e gravidade das lesões, número de intervenções cirúrgicas, grau de sequelas, dor, acesso à reabilitação e condição socioeconômica, entre outros. Por isso é que o preparo da alta hospitalar de pessoas com lesões neurológicas incapacitantes precisa ser mais elaborado, planejado, de forma que essas pessoas e seus familiares possam ser adequadamente orientados para a continuidade do tratamento de reabilitação, de acordo com a complexidade exigida por cada caso específico, nos diversos pontos de atenção disponíveis na rede.27-28
Por mais elementar que se possa representar, raros são os hospitais que oferecem programas de orientação e treinamento de familiares de pessoas com lesões neurológicas incapacitantes, ainda que se trate de graves limitações funcionais, ou de incidência de lesão por pressão que a pessoa tenha adquirido no período de internação nessas instituições. A maioria sequer institui roteiros com planejamento de alta hospitalar. Assim, muitas pessoas recebem alta hospitalar e são entregues às famílias sem orientações básicas acerca de como lidar com as necessidades de cuidados domiciliares, tampouco que se considere a inalienável continuidade do tratamento de reabilitação a curto, médio ou longo prazos, a ser executado por equipes que compõem as redes de cuidados, extramuros hospitalares.27
A propósito, os processos de transformação no âmbito de recursos humanos são complexos e também conflituosos, e podem necessitar de um longo tempo de construção. Contudo, é fundamental que os profissionais de saúde percebam o quanto suas atividades (des)articuladas comprometem o processo de reabilitação das pessoas e assumam compromissos éticos de exercer suas funções em sintonia com os demais serviços e pontos de atenção da rede, priorizando metas satisfatórias para seus clientes, familiares e a comunidade. Ainda, a incidência de lesão por pressão em pessoas com sequelas neurológicas, internadas na rede hospitalar em geral, aumenta em ritmo acelerado, causando atraso no ingresso desses indivíduos em Programas de Reabilitação Física, além de impor aos núcleos familiares despesas imprevistas para arcar com o tratamento e avaliação domiciliar dessas lesões, dificuldade de acesso ao suporte técnico, materiais e orientações específicas.13
Contudo, a Atenção Básica, mais especificamente, as equipes do SAD e NASF, deveriam desenvolver função importante no acompanhamento dessas pessoas com deficiência física tanto na prevenção de lesão por pressão, como também o tratamento dos agravos23 considerando a necessidade de minimizar as complicações decorrentes desses comprometimentos.
Outro aspecto preocupante, questionável pelo que representa na prática, reporta ao descrito no Art. 20, da Portaria 793/2012, uma vez que o Centro de Especialidade Odontológica (CEO) é compreendido como estabelecimento de saúde que oferta atendimento especializado odontológico. Destaque para o seu Art. 21, que determina que os CEOs deverão ampliar e qualificar o cuidado às especificidades da pessoa com deficiência que necessite de atendimento odontológico.12
É importante frisar que no dia a dia muitas são as dificuldades para que as equipes dos CEOs atendam de forma satisfatória às pessoas com deficiência, em especial àquelas com sequelas neurológicas severas, que precisam de tratamento odontológico sob efeito de anestesia geral. Neste interim, crianças, adolescentes e adultos com lesão decorrente de paralisia cerebral, sofrem em sua maioria de infecção bucal e doenças gengivais, comprometendo a dentição e a saúde bucal de forma grave, haja vista a não disposição de estrutura e acesso adequados para a prestação do serviço a essa população específica.29 Sendo assim, uma vez que a estrutura do CEO não dispõe de equipamentos de alta complexidade para atender tal demanda, o mais indicado é que se proceda ao encaminhamento para equipes da Atenção Hospitalar, visando a resolução em nível intersetorial, como recomendam as portarias do Ministério da Saúde.29
Nesse sentido, a carência de materiais, equipamentos e estrutura para realização de intervenções cirúrgicas, bem como de profissionais de odontologia habilitados para atender a esse tipo de intervenção, faz com que poucas unidades e equipes dos Centros de Especialidade Odontológica ofereçam atendimentos de alta complexidade. Tais carências resultam em frustração para as famílias, equipes das Redes de Cuidados, além de muitos desgastes das pessoas com deficiência, pois impõem exaustivo ir e vir sem conseguir fazer o tratamento odontológico que tanto necessitam.29
Exemplo de outras condições que carece de maior atenção à saúde de pessoas com deficiência, é o estudo realizado em hospitais públicos da Grande Florianópolis, o qual analisa a assistência prestada pelos profissionais de saúde em todo o processo de amputação. Este aponta que o processo de reabilitação é potencializado com a atuação da equipe multidisciplinar, no qual a aquisição da prótese e o respectivo encaminhamento para pontos de atenção, deveriam funcionar articulados em rede, sendo padrão no atendimento e no caminho a ser percorrido.30 Também em estudo realizado em um hospital de ensino público da região Sul do Brasil, o atendimento multiprofissional às pessoas amputadas,30-31 no processo de reabilitação da pessoa ostomizada, destacam-se as contribuições com o objetivo de conhecer o cuidado de enfermagem às pessoas hospitalizadas, submetidas à cirurgia de estomia intestinal, o qual concluiu que a formação profissional de enfermagem para o cuidado às pessoas com estomia intestinal ocorre de forma ampla, restrita à teoria. Sendo assim, recomendam o envolvimento da família nos cuidados de enfermagem, recebendo orientações, apoio e instrumentalização para os cuidados de longo prazo que serão exercidos no domicílio.32
CONCLUSÃO
A Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência constitui política pública instituída no ano de 2012, assim, é compreensível que sua proposta de integração entre as equipes que atuam nos diversos pontos de atenção, ainda não esteja de fato articulada, o que revela uma política ainda carente de atenção e investimentos, tanto da parte estrutural, no sentido de melhor dispor de tecnologias para prover o atendimento adequado a essa população alvo, quanto na instrumentalização dos profissionais de cuidado em dispor de capacitações e conhecimentos acerca dessas incapacidades.
Nesse sentido, sugere-se maior investimento em estratégias de divulgação sistemática envolvendo os gestores públicos de saúde, bem como as esferas de gestão hospitalar, para afinar discurso, buscar cooperação, articulação e consenso, de forma que as ações terapêuticas voltadas para clientes com deficiência possam ser efetivos elementos de transformação da realidade. Realidade que carece de profissionais e equipes envolvidas, capazes de implementar instrumentos que possam assegurar acesso a cuidados e assistência integral, interdisciplinar e intersetorial, essenciais ao processo de reabilitação e inclusão social, para milhões de brasileiros que deles necessitam.