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A formação e a prática gerencial do enfermeiro: caminhos para a práxis transformadora

Resumos

Pesquisa de abordagem qualitativa na perspectiva dialética, cujo objetivo foi analisar as demandas e as expectativas oriundas do cenário das práticas gerenciais, face ao Projeto Pedagógico e às estratégias que favoreçam ou não a práxis transformadora. Envolveu 11 alunos, 12 docentes e 12 enfermeiros de serviço, partícipes do processo ensino-aprendizagem do saber gerencial, no espaço intercessor, nos campos de prática e dos estágios curriculares, no ambiente hospitalar e nos serviços básicos de saúde e do curso de graduação em enfermagem, de uma Instituição Federal de Ensino Superior, da cidade de Alfenas, MG. Utilizou-se da técnica de coleta por grupo focal e da análise de conteúdo, subsidiada por duas grandes vertentes: formação e atuação. Os resultados apontam que a formação e a práxis do enfermeiro devem transitar entre os processos de trabalho nas dimensões cuidadora, gerencial, educativa e de investigação científica, construindo caminhos para o desenvolvimento de competências, com maior interação ensino e serviço, em atenção às Diretrizes Curriculares Nacionais atuais.

educação em enfermagem; prática profissional; competência profissional; gerência


Qualitative research using a dialectics view; the objective is to analyze the demands and the expectations from the setting of managerial practices in view of the Pedagogical Project and the strategies which may or may not favor the transforming praxis. It involves 11 students, 12 professors, and 12 service nurses who are the participants in the teaching-learning process of managerial knowledge, in the interceding space, in the fields of practice and in the curricular training programs, both in the hospital environment and in the basic health services and of the Nursing graduation course from a Federal University, from the city of Alfenas-MG. It uses the collecting technique by focal group and the analysis of the contents is subsided by two great discussions: background and work. The results point that the nurse's background and praxis must go through the work processes in the caring, managerial and educative dimensions as well as in the scientific investigation, building paths for the development of competences, in the teaching and service interaction, following the current National Curriculum Guidelines.

education, nursing; professional practice; professional competence; management


Se trata de una investigación con enfoque cualitativo dentro de la perspectiva dialéctica; siendo el objetivo analizar las demandas y las expectativas de las prácticas gerenciales frente al Proyecto Pedagógico, así como las estrategias que favorecen la praxis transformadora. Participaron 11 alumnos, 12 docentes y 12 enfermeros del servicio, participantes del proceso enseñanza- aprendizaje en el saber gerencial del curso de Pre-grado en Enfermería de la Institución Federal de Enseñanza Superior de Alfenas-MG, en el lugar de intervención, en los campos prácticos y práctico curriculares del hospital dentro los servicios básicos. La recolección de datos fue a través del grupo focal y el análisis de contenido fue subsidiado por dos grandes vertientes: formación y actuación. Los resultados indican que la formación y la praxis del enfermero deben establecerse a través de procesos de trabajo en las dimensiones de cuidado, gerencial, educativa e investigativa, construyendo caminos para el desarrollo de competencias, enfatizando una mayor interacción entre la enseñanza y el servicio, de acuerdo con las actuales Directrices Nacionales Curriculares.

educación en enfermería; práctica profesional; competencia profesional; gerencia


ARTIGO ORIGINAL

A formação e a prática gerencial do enfermeiro: caminhos para a práxis transformadora1 1 Trabalho extraído da Tese de Doutorado

Zélia Marilda Rodrigues ResckI; Elizabeth Laus Ribas GomesII

IProfessor Adjunto da Universidade Federal de Alfenas, MG, Brasil, Doutorando, e-mail: zeliamarildar@bol.com.br

IIProfessor Associado, e-mail: elaus@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Brasil

RESUMO

Pesquisa de abordagem qualitativa na perspectiva dialética, cujo objetivo foi analisar as demandas e as expectativas oriundas do cenário das práticas gerenciais, face ao Projeto Pedagógico e às estratégias que favoreçam ou não a práxis transformadora. Envolveu 11 alunos, 12 docentes e 12 enfermeiros de serviço, partícipes do processo ensino-aprendizagem do saber gerencial, no espaço intercessor, nos campos de prática e dos estágios curriculares, no ambiente hospitalar e nos serviços básicos de saúde e do curso de graduação em enfermagem, de uma Instituição Federal de Ensino Superior, da cidade de Alfenas, MG. Utilizou-se da técnica de coleta por grupo focal e da análise de conteúdo, subsidiada por duas grandes vertentes: formação e atuação. Os resultados apontam que a formação e a práxis do enfermeiro devem transitar entre os processos de trabalho nas dimensões cuidadora, gerencial, educativa e de investigação científica, construindo caminhos para o desenvolvimento de competências, com maior interação ensino e serviço, em atenção às Diretrizes Curriculares Nacionais atuais.

Descritores: educação em enfermagem; prática profissional; competência profissional; gerência

INTRODUÇÃO

A relação dialética entre Educação, Saúde e o Ensino da Enfermagem, norteada pelas Políticas Sociais, constitui um tripé que molda a formação do enfermeiro, cujo conhecimento é imprescindível, tanto para os profissionais da saúde, quanto para os da educação, compromissados com a formação de novos profissionais enfermeiros. No entanto, no cotidiano do ensinar, pesquisar, cuidar, na teoria e na prática dos enfermeiros, como também dos demais profissionais de saúde, essa contextualização nem sempre é efetiva dada à resistente formação técnico-científica, voltada ao modelo biomédico e à alienação que valoriza o trabalho médico, desvinculada da idéia de trabalho coletivo(1).

A ênfase para o século XXI é para a práxis transformadora que se caracteriza pela indeterminação e imprevisibilidade, o que permite ao homem, como ser consciente e social, enfrentar novas necessidades, situações e produzir algo novo a partir da realidade ou de elementos pré-existentes, mas, para tal, prescinde da intervenção da consciência e da ação humana(2).

Atendendo esse desafio, é fundamental que a enfermagem assuma referencial teórico-pedagógico que sustente aprendizagem significativa, transformadora e adequada às demandas sociais e profissionais que se impõem. Para tanto, há que se trabalhar com pedagogia diferenciada, que considere cada aprendiz com seus potenciais e dificuldades e que esteja voltada à construção de sentidos, abrindo, assim, caminhos para a transformação e não para a reprodução acrítica da realidade social. Na formação desse referencial, busca-se contribuições em todas as instâncias da sociedade, seja no próprio mundo do trabalho, na Pedagogia, na Filosofia, na Economia, nas Ciências Sociais(3).

A referência para a formação é a prática, é o que é ideal para o trabalho, não no sentido de algo distante, mas como algo que se cria em um projeto conjunto entre os parceiros. Dessa forma, a importância de o aluno conhecer a realidade, contextualizá-la, propor diferentes planos de intervenção e desenvolver o processo educativo para intervir, indo ao encontro das demandas sociais do cotidiano, é um conhecimento transversal, recuperado em vários momentos, de idas e vindas(4).

O saber gerencial representa o fio condutor para a busca do desenvolvimento profissional do enfermeiro e para o enfrentamento de desafios, ancorado não em construções idealistas, elaboradas no discurso teórico, mas produto da problematização, das reflexões, dos estudos realizados no cotidiano, na realidade vivenciada pelos atores e parceiros em sua práxis, o que, nesta investigação, estão representados pelos acadêmicos de enfermagem, os docentes e os enfermeiros de serviço das instituições conveniadas(5).

A presente investigação propõe centrar-se na construção do saber gerencial e na conformação de competências ao enfermeiro para assumir e conduzir o processo de trabalho gerencial em saúde e na enfermagem, numa proposta transformadora.

Apresenta como objetivo geral analisar as demandas e as expectativas oriundas do cenário das práticas gerenciais, em face do Projeto Pedagógico, e as estratégias que envolvem o docente, o aluno e o enfermeiro de serviço, favorecendo ou não a práxis transformadora. E, como objetivos específicos, analisar as demandas gerenciais na práxis profissional do enfermeiro inserido no processo de organização do trabalho em saúde e em enfermagem, determinadas pelas Políticas de Saúde; analisar o processo de construção das competências gerenciais do acadêmico de enfermagem durante o Estágio Curricular, apreendendo as limitações e estratégias advindas do processo ensino-aprendizagem, em face das Diretrizes Curriculares Nacionais atuais.

METODOLOGIA

A escolha do caminho investigativo na abordagem da realidade empírica para alcançar os objetivos propostos neste estudo é o da metodologia qualitativa.

A objetividade dos fenômenos sociais, quanto à subjetividade dos significados, atitudes, crenças, valores são consideradas interdependentes, ou seja, a ação e o significado interagem. A pesquisa parte do ponto de vista dos atores sociais, mas não se limita aos mesmos, abrangendo as relações que os perpassam e os determinam. Assim também, o produto da investigação é inacabado e provisório, posto que não há verdade absoluta e, sim, a historicidade dos processos sociais (o objeto é histórico) e o caráter aproximativo da abordagem qualitativa(6).

Para tanto, o caminho da construção do referencial teórico fundamenta-se na perspectiva dialética, na qual o conhecimento é uma construção que se faz a partir de outros conhecimentos sobre os quais se exercita a apreensão, a crítica e a dúvida(6).

A opção pelo campo de desenvolvimento desta pesquisa é o cenário de atuação do enfermeiro, do aluno e do docente de Enfermagem durante o Estágio Curricular, que constitui etapa do processo de formação profissional, conformação e consolidação das competências gerenciais, objeto deste estudo. Esse cenário refere-se a uma instituição de saúde hospitalar e a cinco ambulatórios da rede municipal de saúde que constituem campos para os estágios supervisionados para acadêmicos, como também o Departamento de Enfermagem ao qual pertence ao curso de graduação em Enfermagem da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas - Centro Universitário Federal (Efoa/Ceufe), que passou à Universidade Federal de Alfenas, MG (UNIFAL-MG), a partir de junho de 2005, todos localizados no município de Alfenas, na região sul de Minas Gerais.

Em princípio, no ideário da investigação científica, procurou-se trabalhar com todos os sujeitos envolvidos nesse cenário de estudo, ou seja, os quarenta (40) acadêmicos no desenvolvimento do Estágio Curricular, os nove (9) enfermeiros do hospital e os onze (11) alocados nos ambulatórios da rede municipal, conveniados à Instituição Federal de Ensino Superior, assim como os dezessete (17) docentes, enfermeiros que participam da supervisão do Estágio Curricular.

No processo inicial de sensibilização, os sujeitos foram formalmente convidados, tanto por via telefônica ou pessoalmente, como por carta convite.

Nessa oportunidade, foram apresentados os objetivos da pesquisa, a importância da adesão dos mesmos ao estudo, a garantia do anonimato, buscando diluir a preocupação de qualquer exposição futura, e com sugestões para agendar os encontros, no que diz respeito ao dia, hora e local, atendendo os aspectos éticos e legais determinados pela Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde(7).

É importante ressaltar que o retorno desses sujeitos foi parcial, comparecendo nos dias e horas agendados, por consenso dos convidados, apenas os que aceitaram participar dessa investigação científica, assinando no início do encontro o termo de consentimento.

Constituiu-se, assim, os sujeitos deste estudo: cinco (5) dos nove (9) enfermeiros do campo hospitalar, sete (7) dos onze (11) enfermeiros da rede ambulatorial conveniada, doze (12) dos dezessete (17) docentes, enfermeiros, e onze (11) acadêmicos de enfermagem, dos quarenta (40) matriculados no Estágio Curricular.

Este estudo compôs-se, então, de quatro (4) amostragens intencionais, a dos acadêmicos de enfermagem, a dos docentes, a dos enfermeiros de serviço do campo hospitalar e aquela dos enfermeiros do campo dos serviços básicos de saúde.

A definição da amostragem em pesquisa qualitativa não se baseia no critério numérico para garantir sua representatividade. O que a valida é a maior proximidade dos sujeitos sociais com o problema a ser investigado. Sendo assim, com a amostragem reunida neste estudo, é possível trazer luz ao objeto, delineá-lo e refleti-lo em suas múltiplas dimensões(8).

Opta-se, nesta investigação, pela técnica de grupo focal para a coleta do material empírico, por apresentar a possibilidade de expressar a subjetividade dos sujeitos da pesquisa, manifestando suas vivências e experiências no campo em estudo, nesse caso, por meio de relato verbal e de discussões num grupo, realizados no período de dezembro de 2004 a fevereiro de 2005.

O que se busca no grupo focal é trazer à tona tanto os aspectos cognitivos (opiniões, influências e idéias), quanto os interacionais (conflitos, lideranças e alianças) e as vivências e experiências dos sujeitos sociais e do grupo de referência(6).

Foram realizados quatro (4) encontros, envolvendo em um (1) deles os acadêmicos de enfermagem, em outros dois (2), os enfermeiros de serviço, sendo um com os do hospital e outro com os da saúde coletiva, e um (1) com os docentes.

A análise dos dados fundamenta-se na perspectiva dialética, em consonância com o referencial teórico-metodológico desta investigação, permitindo contemplar os dados empíricos com suas particularidades, sem perder de vista a correlação com o contexto histórico e social em que estão inseridos. Utiliza-se a técnica de análise de conteúdo, modalidade temática que busca os significados manifestos e latentes no material qualitativo, coletado por meio dos discursos dos sujeitos(6), subsidiada por duas grandes vertentes.

Na temática formação, identificam-se as categorias analíticas: construção das dimensões do saber gerencial, englobando a relação teoria e prática, as estratégias de ensino-aprendizagem e as competências dos sujeitos nesse processo. E, também, o Projeto Pedagógico da disciplina em face das Diretrizes Curriculares, abarcando o perfil do profissional: o exigido e o possível e as parcerias ensino e serviço.

Na temática atuação, a categoria empírica compreende a organização do processo de trabalho em saúde e em enfermagem, sendo desmembrada no processo de trabalho gerencial do enfermeiro e nas políticas administrativas institucionais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O fluxo das informações apreendidas convergiu para vislumbrar os cenários das práticas gerenciais em que ocorre a intersecção entre a formação e trabalho, ensino e serviço, ou seja, entre os sujeitos desta investigação, o docente, o aluno e o enfermeiro de serviço, identificando as demandas, buscando a superação dos fatores limitantes próprios de formação e práxis reiterativas, apreendendo as estratégias, e construindo caminhos para uma proposta transformadora, ajustando o que se tem com o que determinam as atuais Políticas de Saúde, da Educação e Ensino, particularmente neste estudo, o ensino da Administração, na conformação e consolidação de competências gerenciais ao enfermeiro, objeto desta investigação.

Com o objetivo geral de analisar as demandas e as expectativas oriundas do cenário das práticas gerenciais face ao Projeto Pedagógico e as estratégias envolvendo o docente, o aluno e o enfermeiro de serviço, que favoreçam ou não a práxis transformadora, apresenta-se algumas limitações, demandas e estratégias, advindas da formação e da práxis do enfermeiro em relação à construção e consolidação de competências do gerenciais ao aluno.

Reitera-se que na temática formação, analisa-se a construção das dimensões do saber gerencial no que se refere à relação teoria e prática, às estratégias de ensino-aprendizagem e aos sujeitos participantes desse processo, cujos saberes devem estar orquestrados com o compromisso social da universidade, perante os problemas do mundo contemporâneo(9). E, ainda nessa temática, considera-se no Projeto Pedagógico o perfil do profissional a ser formado e as parcerias ensino e serviço. No que se refere à temática atuação, são apresentados para análise o processo de trabalho gerencial do enfermeiro e as políticas administrativas das instituições envolvidas.

Na relação teoria e prática, os depoimentos dos acadêmicos e docentes revelam que o ensino está voltado para a assistência com poucas oportunidades para a gerência, as quais são desenvolvidas focalizando as atividades burocráticas, dando visão destorcida da função supervisora para o acadêmico.

Acrescenta-se que, durante as discussões, os depoimentos dados pelos enfermeiros de serviço revelam riqueza de oportunidades para desenvolver a dimensão cuidadora em seu espaço de governabilidade e esses não conseguem alcançar como fazê-lo, na perspectiva da integralidade, talvez pelo fato de o modelo estar focado na função do profissional e não no cliente. Para tanto, a gerência em enfermagem deve ser entendida como atividade meio, ou seja, instrumento que subsidia o cuidar, e não meramente atividades envolvendo questões burocráticas(5,10).

É pontuada, em todos os grupos envolvendo os sujeitos, a formação por especialidades, fragmentada nos saberes, o que se contrapõe à proposta de formação generalista das Diretrizes Curriculares Nacionais(11). E, ainda, tanto os docentes como os enfermeiros revelam a necessidade de implementarem estratégias que estimulem o pensamento crítico e reflexivo do aluno, na problematização da prática, para a qual é imprescindível o papel do docente como facilitador do processo ensino-aprendizagem, articulador no link da teoria com a prática, onde o enfermeiro compartilha com ambos suas necessidades e desafios.

Nessa realidade empírica, na parceria entre as instituições de ensino e as de serviço, é apresentado pelos sujeitos envolvidos que os recursos humanos, no que se refere ao dimensionamento de docentes e de enfermeiros, respectivamente, conferem demanda que traz limitações para caminhar na proposta transformadora.

Se a proposta, no entanto, for a integração ensino e serviço e, ainda, entendendo que na formação de parcerias, partindo da premissa de superar a divisão de forças, conhecimentos e vivências para a interação entre os sujeitos dos serviços de saúde, e da instituição de ensino, é possível construir, no dia-a-dia, estratégias delineando os caminhos, viabilizando mudanças na ordem da reiteração para a transformação.

Assim, nesse foco de análise, é possível fazer um paralelo com os acadêmicos nos campos de estágio, em relação às atividades desenvolvidas para seu processo de ensino-aprendizagem que devem estar integradas às demandas dos serviços, cujo planejamento deve contar com a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos.

O exercício de construir parceria é um desafio, mas, mesmo nos contextos mais desfavoráveis, nas instituições mais rígidas e conservadoras, o fato de ter que estabelecer algum grau de diálogo com os outros segmentos, de construir objetivos comuns, de, em alguma medida, compartilhar decisões, saberes e recursos é suficiente para existir a possibilidade de se constituírem novos sujeitos, tornando-se permeáveis às mudanças, abertos para as transformações(12).

Ainda que as Políticas Públicas mantenham a retórica da transformação, e os sujeitos tenham desvelado dificuldades para atendê-la, tanto na formação quanto na práxis, determinadas pelas demandas do resistente Modelo Hegemônico na Educação e na Saúde, que ainda persiste nas Políticas institucionais da IFES, da Secretaria Municipal de Saúde e do Hospital, em relação às atividades desenvolvidas nos campos de estágio, insere-se como proposta a estratégia da prática docente reflexiva(13), em que a competência do mesmo se desenvolve com a investigação e com a ação-reflexão-ação das situações do cotidiano, juntamente com os alunos e o enfermeiro de serviço. Busca-se, assim, a superação da práxis reiterativa, encontrando caminhos para a transformação, num processo contínuo e gradativo, construído a partir das relações intersubjetivas que acontecem no dia-a-dia, na intersecção ensino-serviço, formação e trabalho, oportunizando a conformação e consolidação de competências para o aluno, além das técnico-científicas, mas, também, a ético-política, a comunicativa, convergindo para o desenvolvimento da cidadania, fundamentais para a atuação profissional do enfermeiro diante dos paradigmas da integralidade na assistência e da flexibilidade na gerência, considerando-a instrumento para a dimensão cuidadora(14).

Os dados evidenciam a importância atribuída pelos sujeitos aos grupos de discussão, envolvendo o aluno, o docente e os enfermeiros dos serviços básicos e os do hospital, os quais estão envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem, assistencial e gerencial, sendo possível dar continuidade à ação-reflexão-ação esperada, para retroalimentar a formação e a práxis numa perspectiva transformadora e articulada entre ensino e serviço, como também na re-orientação do Projeto Pedagógico, em conformidade com o perfil requerido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais.

Os depoimentos dos alunos, dos docentes e dos enfermeiros sugerem que, nas práticas anteriores aos Estágios Curriculares, deve-se escalonar os alunos por tempo maior e em turmas menores. E, ainda, que tanto os docentes como os alunos devem conhecer as demandas do serviço, o que para nosso entendimento já se inicia a motivação para a interação entre aluno-docente-enfermeiro no período em que estão sendo desenvolvidas as práticas e, ao final de cada etapa, como apresentado pelos enfermeiros e docentes, é dado um retorno, fortalecendo a parceria escola-instituição de serviço de saúde. Com isso, confirmam que a construção do saber gerencial e a conformação de competências gerenciais acontecem em movimentos de idas e vindas que transitam das práticas para os estágios, consolidando-se com o cotidiano, em face da imprevisibilidade que permeia a relação ensino e serviço, delineando caminhos para a práxis transformadora.

O desenvolvimento humano e, por conseguinte, o movimento de transformação não depende apenas das vontades dos sujeitos. Ele vai se construindo num processo de interação contínua entre o sujeito e a sociedade, o que confere a necessidade de desenvolver competências na dimensão do saber ser e saber conviver(15). Por sua vez, concomitantemente, ocorre o desenvolvimento da cidadania como qualificação do exercício da própria condição humana, que se concretiza pelo jogo dos direitos civis, políticos, sociais e que exige o compartilhar efetivo de bens materiais, de bens sociais, de subjetividades, o que se pode alcançar por meio de parcerias, constituindo as dimensões do saber voltadas para a vida, como um processo de construção permanente(12).

Os acadêmicos valorizam a participação do enfermeiro de serviço na supervisão das atividades de estágio, sugerindo estar acompanhando-o durante o exercício do processo de trabalho gerencial no cotidiano de trabalho. No entanto, essa estratégia é apontada pelos enfermeiros do hospital como limitante dada à questão da fiscalização do COREN.

Para se avançar nas discussões, requer fundamentar o aspecto legal do enfermeiro de serviço, supervisionar o aluno de graduação em Enfermagem e conferir a ele autonomia para a função supervisora, salvaguardando os aspectos legais de vinculação da instituição formadora com o serviço de saúde, como o cumprimento de convênio, o termo de compromisso entre o acadêmico e a instituição de serviço, a apólice de seguro, a carteira de estagiário registrada no COREN, o Plano de Atividades do aluno no campo de estágio com clareza do sistema de avaliação vinculada à escola, as orientações do docente in locus, a apresentação de relatórios ao término de cada etapa para retroalimentar a relação ensino-serviço, garantindo o compromisso da escola por sua formação. Outro aspecto fundamental é identificar a política administrativa da instituição de saúde, a filosofia, a missão, e sua expectativa quanto à parceria ensino-serviço, buscando a afinidade para as partes envolvidas, verificadas in locus pela comissão de estágio, antes de firmar o convênio.

No entanto, segundo a Resolução nº 299/2005, artigo 5º, parágrafo único, do Conselho Federal de Enfermagem “é vetado ao enfermeiro, estando em serviço na instituição em que se realiza o Estágio Curricular, exercer ao mesmo tempo, as funções para as quais estiver designado no serviço, e a de supervisor de estágio”(16). Abre-se o questionamento, se essa medida avança ou retrocede na caminhada para a formação do enfermeiro, a qual deve estar voltada à maior integração ensino-serviço, às parcerias e à construção do saber gerencial na interação e inserção na realidade, com o cotidiano das situações profissionais, em que se entende que a formação é concomitante ao trabalho.

Busca-se, ainda, operacionalizar o cumprimento do artigo 7º da Resolução CNE/CES nº3/2001 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem, a qual refere sobre a obrigatoriedade do Estágio Curricular Supervisionado em serviços de saúde do nível primário ao terciário, nos dois últimos semestres do curso, explicitando em parágrafo único que “na elaboração do planejamento das atividades e no processo de supervisão do aluno, pelo professor, deve ser assegurada a efetiva participação dos enfermeiros de serviço onde se desenvolve o referido estágio”(11).

Na percepção dos sujeitos é possível construir novos caminhos, tanto para o ensino como para o serviço, numa perspectiva transformadora, se as parcerias forem fortalecidas e os sujeitos, nos espaços e tempos intercessores, resolverem vincular a formação com o trabalho, comprometer-se um com o outro e fazer a diferença, num exercício real e contínuo de cidadania.

Assim, construir caminhos é buscar re-significar a “objetividade” e repensar a “subjetividade” nas ações, conferindo que as relações não são permeadas pelo domínio, mas pela convivência e, com isso, as transformações ocorrem em interações e comunhão entre os sujeitos(17), sendo assim, imprescindível que, para a consolidação do SUS, os profissionais de saúde, neste estudo, os enfermeiros, repensem o exercício do processo de trabalho gerencial, para re-significar a formação e a práxis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse cenário empírico, fica explicitado a necessidade de implementar o planejamento conjunto entre os sujeitos envolvidos na formação e na práxis, o que, para este estudo, são os acadêmicos, os docentes e os enfermeiros dos serviços básicos de saúde e do hospital, integrando ensino e serviço.

Apontam que as estratégias de ensino-aprendizagem devem estar voltadas à problematização das situações vivenciadas no cotidiano do trabalho entre os sujeitos envolvidos, sendo possível ao profissional em formação e ao que se encontra na práxis conformarem e consolidarem competências gerenciais num processo contínuo, em que se entende a educação como permanente, construída ao longo da vida, nas relações em trabalho, sociais, entre as pessoas que compartilham o viver e o conviver em sociedade.

Para tanto, a formação e o trabalho devem caminhar simultaneamente, e não como vem acontecendo, de a formação preceder o trabalho, buscando acompanhar as exigências das atuais Políticas de Saúde, Educação e do próprio Ensino da Enfermagem em que a Administração consolida competências ao enfermeiro para o exercício do processo de trabalho gerencial, em que assume papel de articulador, facilitador na gerência de serviços e na assistência à clientela.

Apreende-se dos sujeitos que o perfil profissional para a práxis transformadora requer competências para a manipulação simbólica, para as subjetividades nas relações, em superação à manipulação tecnológica excessiva, em que o “sujeito” é priorizado e, assim, o aluno é o objeto do processo ensino-aprendizagem, o cliente é o objeto do processo de trabalho em saúde e na enfermagem, e cada trabalhador é objeto no trabalho em equipe. No entanto, o enfermeiro de serviço procura adequar o trabalho aos modelos assistenciais e gerenciais coexistentes, mas ainda não consegue alcançar a práxis transformadora, dado a resistência encontrada na organização dos serviços de saúde ao Modelo Neoliberal Hegemônico que sustenta a práxis reiterativa.

Neste século XXI, a formação e a práxis do enfermeiro devem transitar entre os processos de trabalho nas dimensões cuidadora, gerencial, educadora e de investigação científica, para assumir seu papel de articulador no sistema, nos serviços e na assistência à saúde, na ótica da integralidade, da integração ensino e serviço, atendendo as demandas da população, construindo caminhos para a operacionalização do SUS. E, por conseguinte, neste estudo, a docência deve estar sintonizada a esse contexto histórico e social e se re-unir com seus parceiros, para re-orientar o Projeto Pedagógico do Curso, adequando-o aos modelos pedagógico, assistencial e gerencial preconizados.

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Recebido em: 26.9.2006

Aprovado em: 19.10.2007

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  • 1
    Trabalho extraído da Tese de Doutorado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      19 Out 2007
    • Recebido
      26 Set 2006
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