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O abuso de esteróides anabólico-androgênicos em atletismo

Steroids; Doping; Testosterone; Androgens; Drug abuse

Doping; Esteróides; Testosterona; Androgênios; Abuso de drogas

Artigo de Revisão

O abuso de esteróides anabólico-androgênicos em atletismo

M.L.Z. Lise; T.S. da Gama e Silva; M. Ferigolo; H.M.T. Barros

Trabalho realizado na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, RS.

UNITERMOS: Doping. Esteróides. Testosterona. Androgênios. Abuso de drogas.

KEY WORDS: Steroids. Doping. Testosterone. Androgens. Drug abuse.

INTRODUÇÃO

Os esteróides anabólico-androgênicos (EAA) são um grupo de compostos naturais e sintéticos formados pela testosterona e seus derivados1. A testosterona é sintetizada desde 1935 e durante a 2ª Grande Guerra foi utilizada pelas tropas alemãs para aumentar a agressividade dos soldados. Seu uso terapêutico até esta época, restringia-se ao tratamento de pacientes queimados, deprimidos ou em recuperação de grandes cirurgias2. Nos anos 50, foi utilizada sob forma oral e injetável no tratamento de alguns tipos de anemia, em doenças com perda muscular, bem como em pacientes pós-cirúrgicos para diminuir a atrofia muscular secundária2.

Em 1939 foi sugerido que sua administração poderia melhorar a performance de atletas2, mas a primeira referência ao uso de hormônios sexuais para melhorar o desempenho de atletas ocorreu em 19541,3, em um campeonato de levantamento de peso em Viena, e seu uso tornou-se difundido com este fim a partir de 19641,4. No Brasil, os EAA são considerados "doping", segundo os critérios da Portaria 531, de 10 de julho de 1985 do MEC1,6, seguindo a legislação internacional. O termo "doping" deriva de um dialeto africano e refere-se a uma bebida estimulante usada em cerimônias religiosas1. O Comitê Olímpico Internacional define como "doping" o uso de qualquer substância exógena ou endógena em quantidades ou vias anormais com a intenção de aumentar o desempenho do atleta em uma competição5.

O uso ilícito dos EAA dá-se por atletas na crença de que essas drogas aumentam a massa muscular, a força física e a agressividade em competições, e diminuem o tempo de recuperação entre exercícios intensos1,7. Também é descrito o uso pela expectativa de tratar ou prevenir lesões decorrentes da prática de esportes3. Os EAA têm sido abusados, também, por não atletas com fins estéticos, pelo desejo de ganhar peso e melhorar a aparência3,4,8,9, sendo muitas vezes associados ao uso de álcool, cocaína e outras drogas ilícitas para promover agressividade3,4. É particularmente perturbador o aumento da freqüência do seu uso entre os adolescentes10, conforme detectado em estudos internacionais.

Os EAA chegam ao Brasil provenientes dos Estados Unidos, Alemanha, Espanha, França, Argentina, Uruguai ou Paraguai com muita facilidade e sem qualquer tipo de fiscalização. De acordo com a Secretaria de Vigilância Sanitária, até hoje não há qualquer disposição legal ou regulamentar que imponha controle de comercialização e uso de tais substâncias, ou seja, o Brasil não tem legislação específica no controle sobre anabolizantes11. Em reunião realizada dia 6 de novembro de 1997, o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) propôs que os EAA sejam avaliados pelo Ministério da Saúde para posterior medidas por parte das autoridades quanto ao controle mais rígido da comercialização e importação dos produtos farmacêuticos que os contém. Também foi proposto que o Ministério Extraordinário dos Esportes promova campanha nacional de esclarecimento das conseqüências do uso e abuso dos EAA e a realização de exames anti-doping nas competições nacionais11.

Em nosso meio, no Serviço de Informação de Substâncias Psicoativas (SISP), o número de solicitação de informações sobre os EAA vêm crescendo gradativamente, pois o uso indevido tem sido encontrado entre frequentadores de academias de musculação, atletas de halterofilismo, pessoas de baixa estatura, na tentativa de melhorar a aparência, ou com o fim de melhorar a performance sexual ou para a diversão. No entanto, o uso abusivo e indiscriminado pode ocasionar efeitos colaterais graves, os quais são desconhecidos por muitos usuários. Este trabalho tem como objetivo contribuir para divulgar informações sobre tais substâncias.

Epidemiologia

A incidência de uso dos EAA parece ter aumentado consideravelmente nos últimos anos nos Estados Unidos da América3,10. No entanto, a obtenção de estatísticas fidedignas sobre o abuso de drogas por adolescentes é difícil, especialmente pelo temor destes de serem afastados do esporte3. A freqüência de uso destes agentes é variável entre 3% a 37% por populações de estudantes de primeiro (elementar), segundo (secundário) ou terceiro graus (universitários) e atletas,2,3,8,9. Maior consumo ocorre entre indivíduos do sexo masculino, e há relação com a progressão da escolaridade, o que pode ser devido à mudança do nível de competição3. Os atletas semi-profissionais, de nível universitário, fazem uso mais intenso de EAA, podendo haver, entre eles, diferenças da intensidade do consumo de drogas relacionado ao tipo de esporte praticado, havendo índices mais elevados entre o jogadores de futebol americano.

No Brasil, ocorre uso indevido de especialidades médicas vendidas livremente nas farmácias ou de fórmulas obtidas em farmácias de manipulação, que utilizam sais legalmente importados, como oxandrolona, estanozolal e testosterona. Também se encontra abuso de substâncias destinadas a uso veterinário, principalmente para eqüinos de competição. É preocupante a compra de produtos importados ilegalmente ou compra ilegal de produtos fabricados em outros países, alguns com bula em língua estrangeira ou sem bula. Alguns destes produtos são falsificados e vendidos em ampolas não esterelizadas11. Não existem publicações por órgãos oficiais ou na literatura médica recente que explicitem a real situação do uso indevido dos EAA no Brasil e suas conseqüências físicas e psíquicas.

Bases farmacológicas para o uso correto

As gonadotrofinas hipofisárias luteinizantes (LH) e folículo estimulante (FSH) regulam o crescimento testicular, a espermatogênese e a esteroidogênese. O LH aumenta a síntese de AMPcíclico nas células intersticiais do testículo, o que aumenta a conversão de colesterol para estrógenos. O FSH promove a espermatogênese e aumenta a atividade da LH, aumentando a síntese de testosterona. Os andrógenos secretados pelas células intersticiais atingem os túbulos seminíferos e a circulação, virilizando o indivíduo12.

Nos mamíferos, a secreção de testosterona é pulsátil e regulada por retroalimentação negativa. Quando há deficiência de testosterona, ocorre estímulo do hipotálamo que, através da secreção de hormônio liberador de gonadotrofinas, estimula a glândula pituitária a liberar LH e FSH, aumentando a síntese de testosterona12. O excesso de testosterona suprime a secreção de ambas gonadotrofinas, diminuindo a produção endógena do hormônio e da espermatogênese e levando a atrofia testicular12. Outros estímulos também podem interferir neste ciclo. Há aumento significativo da testosterona plasmática após períodos de estresse agudo como em competições, no entanto, este aumento não traz implicações para os testes de urina antidoping13.

A testosterona não é sustância ativa; na circulação age como pró-hormônio na formação de duas classes de esteróides: andrógenos 5-a- reduzidos (dihidrotestosterona), que são mediadores intracelulares da maioria das ações androgênicas, e estrógenos (estradiol), que potencializam alguns efeitos androgênicos, enquanto bloqueiam outros12. A testosterona é convertida em vários outros metabólitos ativos como estradiol, androsterona, 3-a-hidroxi-5-b-androsta-17-ona e androstenediona.

As substâncias ativas, inclusive metabólitos reduzidos (5-a-redutase) atravessam a membrana celular e ligam-se com alta especificidade e baixa afinidade a receptores citoplasmáticos para esteróides. O complexo droga-receptor é translocado para o núcleo e liga-se à cromatina, induzindo a transcrição do RNA e a produção de proteínas específicas e ocasionando seus efeitos12.

Todos os esteróides anabolizantes sintéticos e semi-sintéticos comercializados são derivados da testosterona2,12,14. Estas substâncias são produzidas por indústrias farmacêuticas no hemisfério norte. Também existem laboratórios ilegais e que suprem o "mercado negro"3. Para fins de doping, os EAA são geralmente usados por via oral ou parenteral. No entanto, estão descritas diversas tentativas de uso clínico e de abuso com as mais variadas formas de administração destas drogas: via retal, implante de cápsulas, nasal, transdérmica12 para suplantar o metabolismo de primeira passagem no fígado.

Para minimizar ou excluir o metabolismo hepático, a própria indústria farmacêutica também estudou modificações na estrutura molecular dos compostos, originando três grupos de derivados: A) ésteres do grupo 17- b- hidroxil; B) a alquilados na posição 17-a; C) com o anel esteróide alterado1. A alquilação e a alteração do anel esteróide são usadas preferencialmente nas preparações via oral (etinilestradiol, fluoximeterona, metandrostenolona, oximetolona, metiltestosterona, stanozolol). A alquilação na posição 17-a retarda marcadamente a metabolização hepática, aumentando a efetividade oral14. Estes derivados têm boa absorção gástrica, sendo excretados rapidamente devido a sua meia-vida curta, sendo altamente potentes, porém mais tóxicos ao fígado do que os injetáveis. A esterificação é útil nas preparações parenterais (ciprionato ou propionato de testosterona, nandrolona)1,15. A esterificação do grupo 17-b-hidroxil com ácidos carboxílicos diminui a polaridade da molécula tornando-a mais solúvel nos veículos lipídicos para preparações injetáveis de liberação lenta do esteróide na circulação e, ocasionam menor toxicidade hepática que os orais, além de terem menor potência. Mas, quanto maior a cadeia carbônica do éster, mais lipossolúvel se torna o esteróide e mais prolongada sua ação4. Os ésteres 17-b-hidroxilados da testosterona que têm mais longa duração de ação, como o enantato e o cipionato de testosterona, são as preparações mais efetivas, seguras e práticas disponíveis para o tratamento da deficiência de testosterona8.

Nem todos produtos citados estão sendo comercializados legalmente no Brasil, podendo-se encontrar preparações contendo ciprionato, decanoato, undecanoato ou propionato de testosterona, nandrolona, metiltestosterona e oximetolona, por exemplo15.

As diferenças farmacocinéticas também são de importância em relação aos testes antidoping. Um terço de todas as substâncias banidas detectadas nos testes antidoping de instituições credenciadas junto ao Comitê Olímpico Internacional no início dos anos 90 era constituído de EAA. A testosterona, nandrolona metandienona, stanozolol e a metenolona foram as subtâncias mais frequentemente detectadas deste grupo, em ordem decrescente16. Os grupos de atletas olímpicos onde o abuso de EAA foi mais detectado foram os que fazem musculação e em levantadores de peso ou arremessadores de peso. Por outro lado, é clamado que em outras situações com menos controle legal, há maior uso com fins recreacionais ou em musculação17. Estes testes são feitos em urina. Os EAA injetáveis, mais lentamente absorvidos e excretados, são mais facilmente detectáveis e por período de tempo mais longo após o uso em testes antidoping. Estas preparações podem ser identificadas até um mês após a descontinuação, enquanto que a dose oral permanece identificável por quatorze dias.

Indicações de uso e formas de abuso

A FDA (Federal Drug Association) lista as seguintes indicações médicas aprovadas para o uso de EAA: ganho de peso por portadores de SIDA; diminuição da dor óssea na osteoporose; catabolismo induzido por corticosteróide; anemia grave; angioedema hereditário; câncer de mama metastático ou deficiência hormonal masculina2,14.

Os EAA são utilizados primariamente em indivíduos do sexo masculino com deficiência androgênica para o desenvolvimento e manutenção das características secundárias masculinas8, em crianças com retardo de puberdade e adultos com insuficiência testicular1,4,8. Quando há necessidade de reposição androgênica, as preparações parenterais (IM) são as mais efetivas. Também podem ser utilizados sob forma de filmes de testosterona aplicados sobre a pele do escroto, permitindo a manutenção da concentração plasmática em níveis normais12. Devido a seu maior risco, menor eficácia clínica e maior preço, os EAA orais (derivados 17-a-alquilados) não devem ser usados para tratamento da deficiência de androgênios8, devendo-se preferir os derivados de ésteres de testosterona exceto no tratamento do angioedema hereditário em que os andrógenos orais são indicados.

Os EAA aumentam a eritropoiese, podendo ser utilizados no tratamento de anemias refratárias8. Esse efeito é compartilhado por todos os androgênios ativos12. São utilizados no tratamento da anemia por falência de medula óssea, mielofibrose, insuficiência renal e anemia aplástica6,8,12. Os EAA também são úteis no tratamento de certos cânceres como o de mama, em mulheres, e em outras condições ginecológicas como a endometriose e no tratamento da osteoporose8. Os EAA podem ser úteis no tratamento da insuficiência renal aguda, por causarem diminuição da produção de uréia, com a conseqüente diminuição das diálises necessárias em alguns pacientes8. Contudo, seu uso a longo prazo não demonstrou benefícios em estados catabólicos quanto a promoção de anabolismo em trauma grave e depleção protéica associada à doenças crônicas1. Por outro lado, são contra-indicações ao uso de EAA: homens portadores de cânceres sensíveis (dependentes) a andrógenos, como o câncer prostático e o câncer de mama e em mulheres gestantes, uma vez que estes fármacos cruzam a placenta e podem causar masculinização em fetos femininos12.

Vários são os métodos de administração utilizados para aumentar o efeito dessas drogas e evitar a detecção durante os testes antidoping5. A eficácia das diversas técnicas é controversa. Dentre as técnicas de uso indevido dos EAA salientam-se1,2,5,14: a) "Empilhamento" (Stacking), quando há uso de duas ou mais substâncias concomitantemente e/ou combinação do uso oral e injetável; b) "Pirâmide", o EAA é iniciado em baixa dosagem aumentando até 10-100 vezes o valor inicial atingindo um pico, com retorno gradual às doses iniciais; c) "Ciclos" (cycling), em que há uso por 6 a 12 semanas, interrupção por 3-4 semanas e repetição do ciclo com suspensão do uso com algumas semanas antes da competição; e d) "Mista", uma combinação destes esquemas.

As diferentes formas de uso dos EAA com outros medicamentos também são problemáticas. Os EAA são freqüentemente utilizados por atletas concomitantemente com outras substâncias como hormônio do crescimento ou gonadotrofina coriônica humana e tamoxifen para mascarar os efeitos colaterais ou potencializar os efeitos anabólicos13. Por outro lado, existem várias combinações de EAA com vitaminas, estrógenos e outros medicamentos12. As altas doses que costumam ser utilizadas, 10-100 vezes maiores que a dose terapêutica, justificam os efeitos tóxicos adicionais, uma vez que os receptores farmacológicos específicos são saturados com doses bem inferiores a estas1.

Efeitos desejados e indesejados dos EAA

Os andrógenos desempenham diferentes funções conforme o período da vida. No período embrionário viriliza o trato genital, desenvolvendo o fenótipo masculino. No período neonatal, provavelmente está envolvido no desenvolvimento de funções cérebrais, determinando os comportamentos masculinos. Na puberdade leva ao desenvolvimento físico, promovendo a virilização externa12.

Apesar de não existirem esteróides anabolizantes puros, como salientamos, já que todos EAA agem em um único receptor que modula de forma indissociável os efeitos androgênico e anabolizante1,2,4, a separação destes dois efeitos pode ser feita com objetivos didáticos. Dentre os efeitos anabólicos, destacam-se o aumento da massa muscular, da concentração da hemoglobina, do hematócrito, da retenção de nitrogênio, da deposição de cálcio nos ossos e diminuição das reservas de gordura do corpo. Dentre os mecanismos anabólicos desencadeados para aumento da massa muscular, incluem-se: aumento da síntese protéica via RNA mensageiro, balanço nitrogenado positivo, inibição dos efeitos catabólicos na massa muscular esquelética, estimulação da formação de osso, inibição do catabolismo protéico e estímulo da eritropoiese. Os efeitos anabólicos ocasionam retenção de nitrogênio, um constituinte básico da proteína, promovendo assim crescimento e desenvolvimento de massa muscular através da uma melhor utilização da proteína ingerida. Esse é um fenômeno temporário devido aos mecanismos homeostáticos do organismo. Os EAA têm efeito anticatabólico sobre os tecidos corporais por competirem pelos receptores dos glicocorticóides que são liberados durante os episódios de estresse dos exercícios intensos. Este efeito contribui para aumentar a massa muscular através da inibição da degradação protéica1.

Os atletas que fazem uso de anabolizantes esteróides deveriam, portanto, saber da importância de manter uma dieta rica em calorias e proteínas a fim de obter o maior benefício possível do efeito anabolizante1,5. Também é importante ressaltar que há discussões quanto a eficácia destes hormônios em aumentar a força física. Nem aumento de peso, nem aumento de força podem ser consistentemente observados quando atletas usam andrógenos em doses farmacológicas em estudos duplo-cego, conforme revisado por outro autor. No entanto, ainda faltam estudos em que a administração dos EAA é feita com um dos padrões habitualmente utilizado pelos atletas, o que poderia comprovar esta eficácia dos agentes em questão19. É reconhecido que os EAA podem aumentar a força muscular através de efeitos psicológicos1, mas existe dúvida se os EAA melhoram a força muscular na ausência de exercícios concomitantes. O aumento da força e da massa muscular deveria, portanto, ser estimulado com exercícios específicos, o atleta deveria ser treinado intensivamente antes do regime com esteróides e deveria continuar o treinamento durante o uso, sempre mantendo uma dieta hipercalórica e hiperproteica1,5.

Os efeitos adversos físicos e psicológicos dos EAA permanecem incompletamente documentados, havendo mais comumente envolvimento hepático, endócrino, músculo-esquelético, cardiovascular, imunológico, reprodutivo e psicológico1, que podem ser divididos em três tipos, conforme detalhamos no quadro 1: efeitos virilizantes; efeitos feminilizantes, mediados pelos metabólitos estrogênicos do esteróide; e efeitos tóxicos, geralmente mediados por mecanismos incertos12.


Dentre os efeitos virilizantes, salientam-se o aumento da libido, aumento do pênis, tom de voz mais grave, distribuição masculina dos pêlos pubianos, aumento de secreção das glândulas sebáceas e aumento dos pêlos faciais. A acne, comum em usuários, está relacionada ao aumento das glândulas sebáceas e a maior secreção por estas12. Dentre os efeitos virilizantes em mulheres, salienta-se a irreversibilidade do aumento do clitóris e da alteração da voz para um tom mais grave4.

A administração de hormônio exógeno, a partir de 15 a 150 mg/dia, já causa significativa diminuição da testosterona plasmática, intensificando os efeitos feminilizantes. Há atrofia testicular que pode ser irreversível (castração química) e azoospermia por inibição da secreção de gonadotrofina, bem como pela conversão dos andrógenos em estrógenos12. A ginecomastia é freqüentemente irreversível enquanto que o tamanho testicular tende a normalizar após a descontinuação do uso23. A ginecomastia subareolar, que pode ser uni ou bilateral, deve-se a conversão dos estrógenos em estradiol e estrona no tecido extra-glandular. O tratamento médico com agentes anti-estrogênicos como tamoxifen, pode ser tentado para a redução do tamanho e da dor causada pela ginecomastia, mas quando o aumento da mama torna-se um problema psicológico ou estético para o paciente, a mastectomia subcutânea é o tratamento recomendado1,20.

O extenso metabolismo dos EAA orais leva a hepatotoxicidade importante1. A icterícia deve-se a estase e acúmulo de bile em porções centrais dos lóbulos hepáticos, sem obstrução dos ductos maiores e, se ocorre, é geralmente após 2 a 5 meses de uso. Os testes de função hepática como a bilirrubina e fosfatase alcalina mostram-se elevados. A severidade das alterações é dose dependente. As anormalidades na função hepática são geralmente reversíveis com a descontinuação da droga1. A colestase está quase sempre associada ao uso de derivados 17-a-alquilados, mas o mecanismo de ação não está claro. A colestase induzida por esteróides é, usualmente, rapidamente reversível após a parada do uso, raramente perdurando por vários meses21.

Verificou-se também um aumento nas lesões músculo-tendinosas em usuários, explicada pelo aumento da força muscular com concomitante diminuição da elasticidade dos tendões, gerando maior risco de ruptura e distensões1. Os efeitos dos EAA na indução de patologia de tendões, em combinação com exercícios, está bem documentada em experimentos com animais, relacionada com alterações ultraestruturais nas fibras colágenas e acompanhada de alterações nas propriedades mecânicas22.

Os esteróides, particularmente quando utilizados em grandes doses por atletas, podem causar sérios distúrbios do humor, com substancial morbidade para estes e, possivelmente, para as vítimas de sua irritabilidade ou agressão23, havendo uma maior associação entre uso de EAA e personalidade anti-social e narcisismo patológico24. Estudos entre atletas usuários e não-usuários de EAA, demonstraram que os primeiros apresentam maior agressividade, impulsividade e menor cooperatividade do que os demais10. A agressividade, um sintoma muito freqüente, foi implicada em mais de um caso em que usuários cometeram crimes, inclusive assassinatos1,3,23. Não se sabe, entretanto, se há maior agressividade nos indivíduos que usam EAA ou se indivíduos mais agressivos fazem mais uso de EAA, bem como não se sabe se é o uso dos EAA, especificamente ou de outras drogas associadas, que geram tais comportamentos, uma vez que estudantes que usam álcool, tabaco e outras drogas, incluindo EAA, são mais facilmente envolvidos em atitudes imprudentes e comportamento socialmente inapropriado3. Alguns estudos sugerem que os EAA podem causar hipomania23 e, talvez, sintomas psicóticos enquanto estão sendo usados4,12. Por outro lado, a sua interrupção determina uma síndrome de abstinência caracterizada por sintomas adrenérgicos e craving ("fissura")4,25, podendo, além disso, causar depressão maior4,12.

CONCLUSÃO

Os potenciais riscos de uso de altas doses de EAA ultrapassam os possíveis benefícios para a performance atlética e seu uso deve ser desencorajado firmemente.

Dados sugerem que os atletas usuários de EAA participam de atividades esportivas menos por prazer e mais por fatores "extrínsecos"- melhorar o currículo ou para agradar às expectativas de pais, treinadores e amigos. A pressão intensa a que esses indivíduos estão submetidos pode, consciente ou inconscientemente, encorajar atletas adolescentes a assumirem um comportamento de superioridade competitiva. Portanto, tentativas de parar ou prevenir o uso de EAA devem incluir não só atletas, mas também contatos significativos, como colegas, familiares, supervisores e treinadores.

Parece claro que, atualmente, informações erradas ainda prevalecem sobre as informações farmacológicas corretas nos círculos esportivos. É necessária informação, educação e divulgação das implicações do uso insdicriminado e não-terapêutico destas drogas para melhorar a habilidade de a lidar com os problemas técnicos e de saúde associados ao uso destas por atletas e não-atletas.

Apesar do CONFEN ter solicitado providências a Secretaria de Vigilância Sanitária (29.6.95) para que se estabeleça possível controle na comercialização de tais produtos - esteróides, anabolizantes e "hormônios" - através de receituário e adequação dos locais de venda, ainda hoje discute-se se os EAA devem ou não ser considerados substâncias semelhantes aos psicotrópicos, e devem ser tão intensamente regulados e fiscalizados. Não resta dúvida, no entanto, que os malefícios do abuso durante a adolescência podem ser graves o suficiente do ponto de vista físico e psicológico para que seja feita a regulamentação da distribuição do medicamento para esta faixa etária.

Adendo: "Conforme a Portaria 344, de 12 de maio de 1998, publicada no Diário Oficial da União, emitida no dia 1 de fevereiro de 1999, o controle e fiscalização da produção, comércio, manipulação ou uso das substâncias anabolizantes serão executadas em conjunto com as autoridades Sanitárias do Ministério da Saúde, Ministério da Fazenda, Ministério da Justiça e seus congêneres nos estados, municípios e Distrito Federal.

Para serem dispensadas em farmácias as drogas anabolizantes necessitam de receituário branco em duas vias. As substâncias anabolizantes pertencentes a lista C5, são: Diidroepiandrosterona, Estanozolol, Fluoximesterona ou Fluoximetiltestosterona, Mesterolona, Metandriol, Metiltestosterona, Nandrolona, Oximetolona".

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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