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Validação do diagnóstico ultrassonográfico de anomalias fetais em centro de referência

Resumos

OBJETIVO: Validar o diagnóstico ultrassonográfico de anomalias fetais em um centro de referência em Medicina Fetal de Pernambuco. MÉTODOS: Realizou-se um corte transversal para validação de teste diagnóstico com gestantes de risco que realizaram ultrassonografia morfológica no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), de março de 2002 a março de 2006. O diagnóstico intraútero foi validado após o parto. Características sócio-demográficas e as frequências pré e pós-natais das anomalias congênitas foram as variáveis estudadas. A concordância entre os diagnósticos das anomalias congênitas e os achados pós-natais foi avaliada pelo indicador Kappa (K). O teste de Youden (Y) foi aplicado para validar o diagnóstico ultrassonográfico pré-natal. RESULTADOS: Identificaram-se 989 pacientes candidatas a inclusão no estudo, sendo que 457 gestantes foram incluídas no estudo. A média da idade materna foi de 24,8 +/- 6,51 anos. A ultrassonografia pré-natal demonstrou o diagnóstico de anomalias congênitas em 289 (63,2%) pacientes, as quais foram confirmadas após o parto em 257 (56,2%). Encontrou-se uma sensibilidade de 96%, especificidade de 79%, boa concordância (K=0,76) para os diagnósticos das anomalias congênitas pré-natais quando comparados aos resultados pós-natais e boa validade diagnóstica (Y=0,75). CONCLUSÃO: O diagnóstico pré-natal de anomalias fetais pela ultrassonografia morfológica em um centro de referência em medicina fetal de Pernambuco apresenta boa sensibilidade, especificidade, concordância pré e pós-natal e validade diagnóstica.

Ultrassonografia; Sensibilidade e especificidade; Doenças congênitas, hereditárias e neonatais e anormalidades; Diagnóstico pré-natal


OBJECTIVE: To validate ultrasound diagnoses of fetal anomalies made in a Fetal Medicine Center in Pernambuco. METHODS: A cross sectional study was performed to validate the diagnosis test, including all high risk pregnant women submitted to obstetrical morphological ultrasound at the "Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (I.M.I.P.)", from March 2002 to March 2006. Prenatal diagnosis was confirmed after birth. Socio demographic characteristics and pre and postnatal frequencies of fetal anomalies were the variables studied. Agreement between pre and postnatal diagnoses from congenital anomalies were evaluated with the Kappa indicator. Youden's test was applied to validate prenatal ultrasound diagnoses. RESULTS: Nine hundred and eighty nine patients were eligible. After evaluation of inclusion and exclusion criteria 457 patients were included in study. The average maternal age was 24.8 + 6.5 years. Fetal anomaly diagnoses postnatal were confirmed in 257 (56.2%) pregnant women. Prenatal ultrasound diagnosis of fetal anomalies disclosed 96% of sensibility and 79% of specificity, good agreement (K=0.76) between pre and postnatal diagnoses when compared to postnatal results and good diagnostic validity (Y=0.75). CONCLUSION: Prenatal diagnoses of fetal anomalies at a Fetal Medicine center in Pernambuco demonstrate good sensibility, specificity, agreement pre and postnatal and good diagnostic validity.

Ultrasonography; Sensitivity and specificity; Congenital; Hereditary and neonatal diseases and anomalies prenatal diagnosis


ARTIGO ORIGINAL

Validação do diagnóstico ultrassonográfico de anomalias fetais em centro de referência

Carlos Noronha NetoI, * * Correspondência: Rua da Angustura, nº 195 - Apto. 204 - Aflitos - Recife - PE, 52050-340. Telefone: (81) 32415876. ca.no.ne@hotmail.com ; Alex Sandro Rolland de SouzaII; Olímpio Barbosa de Moraes FilhoIII; Adriana Mota Bione NoronhaIV

IMestrado em Tocoginecologia e Médico do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP, Recife, PE

IIMestre em Saúde Materno Infantil e Médico pelo do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP, Recife, PE

IIIDoutor em Tocoginecologia e médico da Maternidade Monteiro de Moraes do Centro Integrado à Saúde Amaury de Medeiros - UPE, Recife, PE

IVEspecialização em UTI obstétrica e Enfermeira do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP, Recife, PE

RESUMO

OBJETIVO: Validar o diagnóstico ultrassonográfico de anomalias fetais em um centro de referência em Medicina Fetal de Pernambuco.

MÉTODOS: Realizou-se um corte transversal para validação de teste diagnóstico com gestantes de risco que realizaram ultrassonografia morfológica no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), de março de 2002 a março de 2006. O diagnóstico intraútero foi validado após o parto. Características sócio-demográficas e as frequências pré e pós-natais das anomalias congênitas foram as variáveis estudadas. A concordância entre os diagnósticos das anomalias congênitas e os achados pós-natais foi avaliada pelo indicador Kappa (K). O teste de Youden (Y) foi aplicado para validar o diagnóstico ultrassonográfico pré-natal.

RESULTADOS: Identificaram-se 989 pacientes candidatas a inclusão no estudo, sendo que 457 gestantes foram incluídas no estudo. A média da idade materna foi de 24,8 +/- 6,51 anos. A ultrassonografia pré-natal demonstrou o diagnóstico de anomalias congênitas em 289 (63,2%) pacientes, as quais foram confirmadas após o parto em 257 (56,2%). Encontrou-se uma sensibilidade de 96%, especificidade de 79%, boa concordância (K=0,76) para os diagnósticos das anomalias congênitas pré-natais quando comparados aos resultados pós-natais e boa validade diagnóstica (Y=0,75).

CONCLUSÃO: O diagnóstico pré-natal de anomalias fetais pela ultrassonografia morfológica em um centro de referência em medicina fetal de Pernambuco apresenta boa sensibilidade, especificidade, concordância pré e pós-natal e validade diagnóstica.

Unitermos: Ultrassonografia. Sensibilidade e especificidade. Doenças congênitas, hereditárias e neonatais e anormalidades. Diagnóstico pré-natal.

INTRODUÇÃO

Os progressos da ultrassonografia no campo da obstetrícia têm contribuído para o aumento da detecção de fetos com anomalias estruturais em populações de baixo1 e alto riscos.2-4 Com o grande potencial de rastreio das alterações morfológicas em todos os trimestres da gravidez,1 a utilização da ultrassonografia na paciente obstétrica vem fazendo parte da rotina dos cuidados pré-natais.5

Pesquisas atuais de base hospitalar, realizadas em um curto período de tempo, observaram uma prevalência de anomalias congênitas de 2,6% na população estudada.4 Embora a acurácia do exame ultrassonográfico no diagnóstico das malformações congênitas tenha se tornado objeto de muitos estudos, verificou-se que a baixa sensibilidade, associada às reduzidas taxas de falso-positivos ocorrem no rastreio das gestações de baixo risco, levando a crer que a ultrassonografia é mais bem aplicada em gestantes com alterações fetais e/ou de alto risco.4

A maioria dos estudos encontrados é realizada com as pacientes internadas apresentando altas taxas de detecção e elevada incidência de malformações maiores.6-8 Entretanto, estudo de base populacional, realizado por um longo período, encontrou uma sensibilidade baixa (28,4%) embora a detecção de algumas anomalias estruturais fosse relativamente boa.4

A ultrassonografia morfológica, realizada no segundo trimestre da gravidez e a especialização contínua dos ultrassonografistas, favorecem a detecção das malformações congênitas, aumentando a sensibilidade diagnóstica.9 Em alguns estudos, a sensibilidade para detecção de anomalias fetais, abaixo da 24ª semana de gestação, foi de 93% para o sistema nervoso central, 45,2% para o sistema cardiovascular, 85,2% para o sistema gastrintestinal, 85,7% para o sistema urinário, 84,6% para o sistema músculo-esquelético e 95,2% para as outras anomalias encontradas. Assim, sugere-se que a ultrassonografia entre a 20ª e 22ª semanas de gestação pode detectar a maioria das anomalias congênitas.10

Os estudos RADIUS e Eurofetus evidenciaram melhor abordagem diagnóstica das anomalias fetais antes da 24ª semana de gestação em centros especializados em medicina fetal quando comparados a unidades básicas de saúde. No entanto, fazem-se necessários estudos colaborativos com a finalidade de estabelecer níveis de sensibilidade e especificidade reais para o diagnóstico ultrassonográfico em muitos centros hospitalares.11

Diante disso, sugere-se que a validação do diagnóstico pré-natal de anomalias congênitas depende do órgão estudado, do equipamento e principalmente do ultrassonografista. Dessa forma, houve a necessidade de realizar um estudo que determinasse a validade do diagnóstico ultrassonográfico pré-natal de anomalias fetais em um centro de referência em medicina fetal do Estado de Pernambuco.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo observacional, do tipo corte transversal, para validação de teste diagnóstico em gestantes internadas na enfermaria de alto risco do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), no período de março de 2002 a março de 2006.

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado pelo o programa STATCALC do Epi-Info 2007, versão 3.4.1, prevendo-se uma freqüência de malformações congênitas, em gestações de alto risco diagnosticadas no pré-natal, de 27%12 e uma precisão relativa de 20%. Obteve-se uma amostra de 445 gestantes para um nível de confiança de 99%.

Incluíram-se, na pesquisa, todas as gestantes que realizaram pelo menos um exame ultrassonográfico morfológico no setor de Medicina Fetal do IMIP com idade gestacional maior ou igual a 22 semanas e/ou peso ao nascer maior ou igual a 500g. Excluíram-se gestações gemelares, parto não realizado no IMIP e ausência de registros médicos do recém-nascido.

A ultrassonografia morfológica fetal foi realizada com um aparelho da marca Toshiba, modelo SSA-350A (Corevision) e transdutor setorial de 5MHz. A paciente permaneceu durante o exame em decúbito dorsal com a bexiga esvaziada.

No período do estudo, foram identificados 989 pacientes candidatas à inclusão a partir da realização da ultrassonografia morfológica fetal. Destas, foram selecionadas 457 pacientes após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Utilizando-se os registros hospitalares, acompanharam-se todas gestantes até o parto e os recém-nascidos até a confirmação ou não do diagnóstico intraútero de anomalia congênita. As anomalias congênitas foram definidas de acordo com a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças.13

Os dados foram coletados pelo pesquisador, utilizando o prontuário médico do setor de Medicina Fetal, além dos prontuários obstétricos e da pediatria. Os prontuários dos recém-nascidos foram utilizados para averiguar o diagnóstico pós-natal. Para a confirmação das anomalias internas diagnosticadas no pré-natal foram consideradas as descrições dos exames complementares e/ou avaliação clínico-cirúrgica. Enquanto que, para as anomalias externas, o exame clínico pelo neonatologista foi utilizado. Todas as pacientes incluídas no estudo tiveram seus diagnósticos confirmados ou ratificados retrospectivamente.

A análise dos dados foi realizada pelos programas Epi-Info 2007, versão 3.4.1. e OpenEpi, versão 2.2. Utilizou-se o indicador Kappa14 (K) para demonstrar se houve concordância entre o diagnóstico ultrassonográfico pré-natal e o resultado pós-natal. O teste de Youden (Y)15 foi aplicado para validar o diagnóstico ultrassonográfico pré-natal. A Organização Pan-Americana de Saúde junto à Fundação Nacional de Saúde16 formulou uma escala de concordância para esses indicadores. Quando igual a 0,00, considera-se concordância ruim; de 0,01 a 0,20, a concordância é fraca; de 0,21 a 0,40, a concordância é sofrível; de 0,41 a 0,60, a concordância é regular; de 0,61 a 0,80, a concordância é boa; de 0,81 a 0,99, a concordância é ótima e 1,00 significa concordância perfeita. Estabelecidas as frequências pré e pós-natais de alterações fetais de acordo com órgãos e sistemas foram calculadas a sensibilidade e especificidade do diagnóstico ultrassonográfico intraútero.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP n. 901/2006. Brasília, 13 de setembro de 2006).

RESULTADOS

No período do estudo foram incluídas 457 gestantes de alto risco. A ultrassonografia pré-natal demonstrou o diagnóstico de anomalias congênitas em 289 (63,2%) pacientes, as quais foram confirmadas após o parto em 257 (56,2%).

A idade materna variou de 13 a 47 anos, apresentando uma média de 24,8+/- 6,51 anos. Negaram exercer alguma atividade de trabalho 257 (56,2%) gestantes, enquanto 203 (44,4%) relataram uma renda familiar de um a três salários mínimos por mês trabalhado. No momento do parto, a média da idade gestacional foi de 35,9 3,67 semanas.

Os exames morfológicos foram realizados de acordo com a rotina do serviço, entre a 22ª e 24ª, 26ª e 28ª e 32ª e 34ª semana de gravidez, sendo que o número de exames realizados, por paciente, variou de um a três. A maioria das gestantes realizou o primeiro exame ultrassonográfico entre a 26ª e 28ª semana.

Observou-se que 289 fetos apresentaram diagnóstico pré-natal anatômico presente e destes 247 foram confirmados no exame após o nascimento. Assim, a anormalidade fetal foi confirmada em 85,5% dos casos com ultrassonografia alterada. Enquanto que, dentre os casos com ultrassonografia normal, 94% dos recém-nascidos não apresentavam anormalidades. De acordo com os indicadores Kappa14 e Youden15, o diagnóstico ultrassonográfico de anomalias congênitas apresentou boa concordância quando comparado aos resultados pós-natais (K=0,76) e boa validade diagnóstica (Y=0,75). Evidenciou-se também uma sensibilidade de 96% e especificidade de 79% (Tabela 1).

Segundo o diagnóstico pré-natal das anomalias congênitas de acordo com os sistemas orgânicos, dos 139 achados pós-natais de alterações do sistema nervoso central, 129 (92,8%) tiveram seu diagnóstico prévio pela ultrassonografia intraútero. As avaliações pós-parto de anomalias dos anexos confirmaram alterações relatadas pela ultrassonografia em 127 (90%) gestantes. Os sistemas geniturinário (n=70), ósteoarticular (n=46), gastrintestinal (n=45) e cardiovascular (n=42) obtiveram comprovação pós-natal variando de 73% a 87% aproximadamente.

Quando se avaliou a concordância e validade do exame ultrassonográfico no pré-natal com o resultado do diagnóstico definitivo do recém-nascido, de acordo com os sistemas orgânicos, observaram-se concordância e validade ótimas para os anexos (K=0,88 e Y=0,94), defeitos da parede abdominal (K=0,97 e Y=0,95), partes moles (K=0,89 e Y=0,91), sistema cardiovascular (K=0,84 e Y=0,97), gastrintestinal (K=0,83 e Y=0,97), geniturinário (K=0,89 e Y=0,92), sistema nervoso central (K=0,94 e Y=0,95) e osteoarticular (K=0,84 e Y=0,83) (Tabela 1). O diagnóstico pré-natal de tumores apresentou boa concordância segundo o Kappa (K=0,66) e validade ótima segundo Youden (Y=0,98), enquanto que para as anomalias da face, evidenciou-se concordância ótima segundo Kappa (K=0,86) e validade boa segundo Youden (Y=0,76) (Tabela 2).

A sensibilidade da ultrassonografia foi de 100% para as anomalias dos sistemas gastrintestinal e cardiovascular, 99% para anomalias do sistema nervoso central, 96% para anexos, 95% para o sistema geniturinário e defeitos de parede abdominal, 92% para partes moles, 85% para o sistema ósteoarticular e 76% para alterações da face. A especificidade foi de 100% para defeitos de parede abdominal e alterações da face, 99% para as anomalias em partes moles, 98% para anexos e sistema ósteoarticular, 97% para os sistemas geniturinário, gastrintestinal e cardiovascular e 96% para o sistema nervoso central (Tabela 2).

As alterações congênitas mais frequentemente encontradas no pós-parto foram a dilatação ventricular (n=90) seguida dos defeitos do tubo neural (n=50) e da hidronefrose (n=35). As anomalias dos membros inferiores como o pé torto demonstraram evidência pós-parto em 91,6% dos casos previamente diagnosticados pela ultrassonografia. Todos os casos de hérnia diafragmática congênita, ascite, gastrosquises, hidropsia e fenda lábio-palatina foram confirmados após o nascimento. A anomalia com menor comprovação pós-parto foi a atresia de esôfago (58,3%) (Tabela 3).

Observou-se boa concordância com os resultados pós-natais para atresia de esôfago (K=0,73) e boa validade para o diagnóstico de fenda lábio-palatina (Y=0,75) e uma ótima a perfeita concordância para as demais anomalias quando se utilizou o indicador Kappa (Tabela 3).

As anomalias congênitas mais frequentes de cada sistema orgânico foram estudadas. Encontrou-se uma sensibilidade do diagnóstico ultrassonográfico pré-natal de 100% para a artéria umbilical única, agenesia renal, atresia de esôfago, cardiomegalia, ascite e hidropsia, 97% para a dilatação ventricular/hidrocefalia, 96% para os defeitos abertos do tudo neural, 94% para hidronefrose, 93% para hérnia diafragmática, 90% para onfalocele, 88% para cardiopatia complexa, 81% para o pé torto e gastrosquises e 75% para a fenda lábio-palatina. A especificidade foi de 100% para a hérnia diafragmática, gastrosquises, fenda lábio-palatina, ascite e hidropsia, de 99% para os defeitos abertos do tubo neural, artéria umbilical única, hidronefrose, agenesia renal, pé torto, cardiomegalia, cardiopatia complexa e onfalocele e de 98% para a dilatação ventricular/hidrocefalia e atresia de esôfago (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Na literatura, há grande variação de frequências de anomalias congênitas diagnosticadas nos períodos pré e pós-natais.6,21,22 Pesquisas atuais evidenciaram uma prevalência de anomalias fetais em população de gestantes de alto risco em torno de 27%.12 Em nosso estudo, a alta frequência de malformações observadas (56,2%) se deve ao fato de que para o setor de Medicina Fetal do IMIP são triados casos de todo Estado de Pernambuco, e não raras vezes de outros estados vizinhos. Também os critérios de exclusão empregados, como o parto não realizado no IMIP e ausência de registros médicos do recém-nascido podem ter influenciado estes resultados.

Estudo retrospectivo americano evidenciou, em uma população de gestantes que realizaram a ultrassonografia morfológica, no período de 15 a 26 semanas, uma sensibilidade e especificidade de 71% e 99%, respectivamente.23 Segundo outro estudo retrospectivo, que avaliou a efetividade da ultrassonografia pré-natal na detecção de anomalias congênitas a especificidade encontrada foi de 99,9%.24 Apesar de nosso estudo delimitar a idade gestacional para a realização da ultrassonografia morfológica acima da 22ª semana, diferindo de alguns dados da literatura, o diagnóstico pré-natal de anomalias fetais evidenciou uma sensibilidade de 96% e especificidade de 79%. Outro ponto a ser esclarecido é o número reduzido de pacientes em nosso estudo (n=457) quando comparado a outras pesquisas recentes o que pode explicar as diferenças observadas entre os valores da validação diagnóstica.

Os resultados adversos encontrados nos estudos acima mencionados se devem, principalmente, a população estudada e a especialização dos profissionais ultrassonografistas envolvidos. Enquanto, alguns estudos são de base populacional, ou seja, envolvendo todas as gestantes naquele determinado período, outros são realizados em nível hospitalar, incluindo gestantes de alto risco para anomalias congênitas. Uma questão que merece destaque é a realização de alguns estudos em maternidades com níveis de complexidade primários, cuja referência das pacientes de risco não é feita de maneira satisfatória.

A ultrassonografia morfológica evidenciou boa concordância com os resultados pós-natais nas gestantes de alto-risco. Verificou-se que entre as 287 pacientes com diagnósticos pré-natais de anomalias congênitas, 42 não confirmaram seus achados após o nascimento. Segundo estudo europeu RADIUS, faz-se necessária a realização da ultrassonografia em centros terciários de saúde para melhor investigação diagnóstica das alterações fetais, visto que especialistas em Medicina Fetal dispõem de melhor preparo no estudo morfológico fetal quando comparados a radiologistas.11 Vale a pena ressaltar que esse estudo foi realizado em um centro de referência em medicina fetal por profissionais especializados.

A literatura descreve maior freqüência de anomalias congênitas, diagnosticadas no pré-natal, nos sistemas nervoso central, geniturinário e osteoarticular5,7,23 ao passo que o sistema cardiovascular representa a maior parcela de achados no período pós-parto.7,25 Observou-se, em nosso estudo, que os diagnósticos intraútero de anomalias do sistema nervoso central demonstraram ótima concordância com os resultados pós-natais, particularmente as dilatações ventriculares e defeitos abertos do tudo neural. De acordo com a literatura, as anomalias do sistema nervoso são mais facilmente diagnosticadas no período pré-natal.25,26 Tais fatos são decorrentes da maior facilidade técnica na obtenção do diagnóstico, visto que, mesmo em ultra-sonografias realizadas por profissionais não especializados, as medidas do diâmetro biparietal e circunferência cefálica são tempos obrigatórios do exame. Ressalta-se que independente da habilidade do operador, a avaliação do crescimento fetal favorece maior observância das estruturas intracranianas dispensadas em exames de rotina.1,5

Poucos são os relatos da literatura que disponibilizam dados referentes à sensibilidade e especificidade por alterações anatômicas fetais específicas em gestações de alto risco. Em grande parte dos estudos, os cálculos são aplicados na divisão em sistemas orgânicos. Para anomalias do sistema nervoso, os valores de sensibilidade variaram de 70% a 95%. Em estudo prospectivo com 3.685 fetos apresentando anomalias congênitas, a sensibilidade para o sistema nervoso foi de 88%.26 Outro estudo encontrou, em gestantes de alto risco, sensibilidade de 76%,23 sendo também já relatado sensibilidade de 93%.10 Nosso estudo evidenciou sensibilidade para as anomalias neste sistema acima dos valores encontrados na literatura.

Segundo relatos da literatura, anomalias do trato geniturinário mais propriamente a hidronefrose, diagnosticada pela ultrassonografia antenatal, ocorre de 1% a 5% de todas as gestações. A confirmação diagnóstica pós-parto varia de acordo com a gravidade do defeito. Para as hidronefroses leves ou dilatação pielocalicial, 11,9% dos resultados são compatíveis com os diagnósticos ultra-sonográficos intraútero, o que também se observa para as hidronefroses moderadas (45,1%) e graves (88,3%).24 De acordo com o indicador Kappa,14 a hidronefrose apresentou ótima concordância com achados pós-natais. Entretanto, essa concordância não foi estudada de acordo com a gravidade da dilatação. Vale a pena ressaltar que, para fins de aconselhamento genético, a dilatação pielocalicial poderia ter enfoque menos traumático para os pais, pois em muitos casos não há evidencia pós-parto desta anomalia o que pode ser explicado ou por uma regressão espontânea do defeito ou por uma medida superestimada da pelve renal pelo ultrassonografista que realizou o exame.24

As anomalias do trato geniturinário fetal demonstraram uma sensibilidade semelhante aos dados disponíveis em outros estudos vigentes, cuja variação foi de 69% a 94%.10,23 Ressalta-se que, em nosso estudo, os exames ultra-sonográficos foram realizados em um centro terciário de saúde o qual disponibiliza técnicos em medicina fetal, especializados no diagnóstico das anomalias fetais, ao contrário da maioria das pesquisas atuais que executam seus exames de imagem em unidades básicas de saúde com profissionais não especializados em medicina fetal.11

O sistema osteoarticular evidenciou um maior número de discordâncias nas avaliações pré e pós-natais (1,5%), o que pode estar relacionado ao diagnóstico ultrassonográfico equivocado de alguns defeitos confundidos com vícios posturais ou prejudicados por alterações do volume de líquido amniótico (oligo-hidrâmnio), como é o caso do pé torto congênito e deformidades da coluna vertebral.

Observam-se nos dados da literatura, para as malformações do sistema cardiovascular e ósteoarticular, os menores valores de sensibilidade quando comparados com outros sistemas e órgãos.10 Segundo relatos, anomalias cardíacas fetais evidenciam uma variação de sensibilidade de 16% a 45% em estudos de base populacional.10,23 Em nosso estudo, a sensibilidade de 100% contraria os valores colhidos na literatura, o que pode ser explicado pelo número reduzido de gestantes estudadas que procuram o serviço já com suspeita de cardiopatia congênita e principalmente por esse estudo ter sido realizado em um centro de referência, cujos profissionais possuem um treinamento no rastreio das anomalias cardíacas. Ressalta-se que as mulheres com algum antecedente familiar ou obstétrico de cardiopatia congênita devem ser melhor investigadas, também pela ultrassonografia morfológica do primeiro trimestre da gestação que, apresenta sensibilidade e especificidade de 85% e 99%, respectivamente.27 Outros estudos sugerem para as anomalias do sistema ósteoarticular sensibilidade de 18% a 85%.10,23 Em nosso serviço, esta sensibilidade foi semelhante aos dados da literatura.

Quanto às alterações cardiovasculares, identifica-se certa dificuldade no seu diagnóstico intra-útero o que pode ser explicado pela baixa qualificação dos médicos ultrassonografistas na detecção de malformações anatômicas e funcionais do coração fetal, como também a não pesquisa sistemática destas anomalias durante a ultrassonografia obstétrica de rotina.8 Verifica-se que cerca de 25% dos recém-nascidos saem da maternidade sem o diagnóstico de cardiopatia visto que grande parte destes são assintomáticos ao nascimento só desenvolvendo algum sintoma nos primeiros seis anos de vida.28 Após o advento da ecocardiografia fetal, muitos dos diagnósticos que passavam despercebidos pela ultrassonografia pré-natal foram evidenciados. Admite-se que este exame tenha excelente acurácia diagnóstica na descrição da anatomia intracardíaca auxiliando na prevenção e tratamento pós-parto.28

As anomalias do trato gastrintestinal não apresentaram valores compatíveis com pesquisas de bases hospitalares no que se refere à sensibilidade diagnóstica (100% vs 50% a 85%).10,23 Acredita-se que a diferença possa estar relacionada com o critério de inclusão das gestantes de alto ou baixo risco, e com a época e número dos exames ultrassonográficos nos vários estudos encontrados na literatura.

De uma forma geral, ressalta-se uma limitação metodológica, visto que o estudo tem natureza retrospectiva com 532 casos excluídos. De acordo com estudo de mesma metodologia anteriormente realizado em nossa instituição, aproximadamente 40% dos sujeitos não foram incluídos por falta de registros hospitalares.29 Destaca-se a importância dessas exclusões pois o cálculo da sensibilidade e especificidade, apesar de semelhante com a literatura pesquisada, pode se encontrar sub ou superestimada. Se esses casos forem compostos principalmente por exames "normais" e nasceram com anormalidade, a taxa de falso-negativo do método aumentaria. Caso existisse uma proporção importante de exames ultrassonográficos anormais no grupo excluído, seria importante confirmar a presença de anomalias congênitas. De outra forma, a taxa de confirmação relatada no estudo poderá estar sendo sub ou superestimada.

CONCLUSÃO

O diagnóstico ultrassonográfico pré-natal das anomalias congênitas apresentou boa concordância (K=0,76), validade (Y=0,75) e sensibilidade quando comparado aos resultados pós-natais, em gestantes de alto risco, em um centro de referência em medicina fetal. A detecção ultrassonográfica pré-natal da dilatação ventricular, defeito do tubo neural, anencefalia, artéria umbilical única, hidronefrose, agenesia renal, pé torto, cardiomegalia, cardiopatia complexa, hérnia diafragmática, onfalocele, gastrosquises, fenda lábio-palatina, ascite e hidropsia fetal demonstraram concordância com os achados pós-parto.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 27/06/08

Aceito para publicação: 22/04/09

Trabalho realizado no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP, Recife, PE

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      27 Jun 2008
    • Aceito
      22 Abr 2009
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