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Dengue no Brasil

Dengue fever in Brazil

D E B A T E

Dengue no Brasil

Dengue fever in Brazil

Mais uma epidemia de dengue no Rio de Janeiro este ano veio confirmar o prognóstico da médica Keyla Marzochi que, em 1987, afirmava que ela poderia se tornar a mais nova endemia "de estimação" dos brasileiros. De 1986 a 1992, foram registrados cerca de 260 mil casos no país, 68% dos quais no Rio de Janeiro.1 1 Ver ‘Dengue, a mais nova endemia “de estimação”’. Cadernos de Saúde Pública (Especial sobre a dengue). Rio de Janeiro, 2 (3), pp. 133-41, abr.-jun., 1987. Ver, ainda, Marzochi, K. ‘Dengue in Brazil — situation, transmission and control — a proposal for ecological control’. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, vol. 89 (2), pp. 235-45, abr.-jun., 1994. Segundo a Isto É de 8 de abril, na reportagem ‘Brasil doente’, até o final do primeiro trimestre de 1998, foram notificados 98 mil 800 casos, a maioria na região Sudeste. Deste total, 66 mil ocorreram em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Outros 27 mil 200 casos foram constatados no Nordeste do país, principalmente em Pernambuco, Sergipe, Paraíba e Piauí. Mas, até o final de março, Belo Horizonte era a campeã, com 40 mil casos notificados. Recentemente, cearenses de Fortaleza e moradores de Belém do Pará também sofreram com a insuportável febre alta e dores nas articulações.

Transmitida pelo Aedes aegypti, o vetor da febre amarela, a doença já era debatida na Academia Imperial de Medicina em 1846, ainda nos marcos das teorias miasmáticas, mal se destacando da confusa sintomatologia que caracterizava as diversas ‘febres’ reinantes nas cidades brasileiras. Os primeiros surtos foram identificados no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e em províncias do Norte. Em 1890, ocorreu um no Paraná. Novos surtos foram identificados em São Paulo, em 1916, no Rio Grande do Sul, em 1917, e na cidade de Niterói, em 1923. A dengue deixou vestígios de sua passagem na Amazônia, captados a posteriori e indiretamente. Aflorou na capital de Roraima em 1981-82, mas só ganhou foros de epidemia relevante, nacionalmente, no começo de 1986, ao eclodir no Rio de Janeiro, onde 35.611 casos foram notificados. Desde então, tornou-se um mal crônico, descrevendo suas ‘revoluções’ periódicas com a mesma regularidade que tinha a febre amarela nas ‘estações calmosas’ do século passado.

Em 1987, a Escola Nacional de Saúde Pública promoveu importante debate sobre o assunto. As mazelas identificadas então continuam basicamente inalteradas. "Muito discurso e pouco recurso" tem sido a prática das autoridades. Os elos biológicos e sociais da doença permanecem solidamente engatados na corrente ininterrupta de transmissão.

História, Ciências, Saúde – Manguinhos julgou oportuna a realização de novo debate sobre a dengue. Keyla Marzochi comparece com os pontos de vista da infectologia e da clínica, com aguda visão do contexto em que surgem as doenças. Paulo Gadelha, médico e historiador que chefia o Espaço Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz, Anna Beatriz de Sá Almeida e Jaime L. Benchimol, pesquisadores da mesma unidade da Fiocruz, figuram no debate como porta-vozes dos leitores, externando sua curiosidade pelos aspectos históricos mal conhecidos da doença e pelos aspectos técnicos, de difícil compreensão para os não-especialistas.

Os ‘atacantes’ do time — perdoem-nos a figura de linguagem; escrevemos durante a Copa do Mundo! — são todos entomologistas. Seu ponto de vista presidiu o desenrolar sinuoso da conversa, entrecruzando mosquitos e doenças, história e atualidade.

Milton Moura Lima tem uma bagagem fantástica de histórias ainda por contar. Em 1939, começou a trabalhar no Serviço de Malária do Nordeste, junto com os inesquecíveis Leônidas e Maria Deane, no combate ao Anopheles gambiae, mosquito africano que imigrara recentemente, ocasionando surtos violentos de malária no Nordeste do Brasil. Terminada a bem-sucedida campanha, transferiu-se para o Serviço Nacional de Malária. Com René Rachou, nosso convidado trabalhou dezessete anos, a maior parte deles já no Rio de Janeiro. No Brasil e nos outros países em que atuou, a serviço da Organização Mundial de Saúde, Moura Lima acumulou enorme experiência no estudo e combate a vetores associados à transmissão da malária, febre amarela, dengue e outras doenças. Hoje, chefia o combate a vetores na Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb).

O médico sanitarista Luís Borges também trabalhou na erradicação da malária no Brasil e, a serviço da Oficina Sanitária Pan-Americana, atuou no Haiti e em outras regiões da América Central.

Jair Rosa Duarte é biólogo, com sólida formação em história natural. Foi o primeiro especialista da área a participar do controle de mosquitos no Rio de Janeiro, à época em que era instituída a Superintendência de Saneamento e Urbanização (Sursan), um divisor de águas na história da saúde pública carioca. Depois, instalou o combate a ratos na Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feema). À frente de ambas as atividades, que funcionam atualmente na Comlurb, manteve relações muito próximas com a Fiocruz. Presidiu a Comissão Permanente de Inseticidas e Raticidas do Conselho Nacional de Saúde. Atualmente, como assessor da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, participa da revisão das leis relativas a produtos químicos visando uma legislação para o Mercosul.

Ricardo Lourenço de Oliveira é formado em medicina veterinária. Fez pós-graduação em biologia parasitária na Fiocruz e, quando buscava um tema para sua tese, os professores José Rodrigues Coura e Leônidas Deane convenceram-no a estudar os mosquitos do Rio de Janeiro. Como Pasteur fez com os camponeses das regiões francesas afetadas pela doença do bicho-da-seda, ensina funcionários da Comlurb a manipular o microscópio na guerra contra o transmissor da dengue.

Estes craques foram escalados por Sebastião de Oliveira, sempre pronto a partilhar conosco sua inteligência, sua cultura e suas histórias fascinantes. Pena não ter participado do debate que, ainda assim, resultou em rica troca de informações, idéias e propostas que nossos leitores, agora vão conhecer.

Jaime Benchimol

Ruth B. Martins

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“O curioso é ficarmos falando repetidamente sobre o risco da reurbanização da febre amarela tendo uma vacina que a gente produz, talvez a melhor que exista atualmente, considerando todas as vacinas.”

“Esta é uma discussão ainda pendente: controle, erradicação, intervenção social, tecnológica, como se combinam?”

“Vi médicos, como vi guardas ou serventes serem postos no olho da rua por desonestidade, por exibir dados falsos. Não tinha apelação. Era chegar e ouvir: ‘Passa no caixa, recebe o seu dinheiro e bye bye.’”

“Ele percebeu que aquele mosquito que estava sendo exibido na televisão como o “Tigre Asiático” era muito parecido com o mosquito que estava criando em casa para os seus peixinhos.”

“Hoje todos se sentam na frente do computador e acham que resolvem o problema ali.”

“Muitas vezes quando se fala da necessidade de fazer ‘promoção à saúde’, trata-se de uma promoção retórica, ainda que seja politicamente interessante, ‘correta’.”

“Às vezes, por paixão, ou por uma ótica de especialistas, deixamos de enxergar os vários enfoques da doença. Existem pessoas que são talhadas para servir como ‘especialistas das interfaces’, esses que costuram melhor a questão geral do contexto.”

“Estamos lidando aqui com a construção de tradições diferentes: entomologistas, clínicos, higienistas. Ao longo do processo histórico, essas tradições encontraram-se, polemizaram e muitas vezes não tiveram a capacidade de trabalhar em função de perspectivas comuns.”

“O Aedes aegypti é o mosquito mais endófilo que existe. A casa é seu abrigo. Se entrarmos numa casa, vamos encontrar machos e fêmeas, fêmeas sem alimentação, já alimentadas com sangue e grávidas, com o ovário já pronto.”

“Os guardas de endemias empregados atualmente não são guardas de endemias, são guardas de dengue. Não entendem de endemias, o que é um absurdo num país como o Brasil. Os mata-mosquitos antigos trabalhavam em qualquer endemia.”

“Tanto em Cuba como particularmente na Ásia e na Tailândia, a epidemia de dengue é antiga. As populações desses países conviviam com a doença há muitas e muitas décadas. Mesmo em Cuba era conhecida desde o século passado, só que não tinha formas graves.”

“No Brasil, a dengue, em geral, incide mais em mulheres do que em homens, porque as mulheres procuram mais o tratamento médico e aí os casos podem ser notificados.”

“O repasse de recursos para o município combater a dengue é irrisório, quatro milhões e pouco, para seis meses de campanha contra a dengue no auge da epidemia, quando, em 1991, foi da ordem de cento e tantos milhões de dólares.”

“Na malária, Adolpho

Lutz foi o primeiro a ver ainda no começo deste século a transmissão silvestre, fazendo um

estudo por ocasião da construção da estrada de ferro São Paulo-Santos, quando houve um surto de malária muito grande.”

Milton Moura Lima

Do meu ponto de vista, a ‘politicagem’ levou a saúde pública brasileira para a UTI, ao estado gravíssimo em que nos encontramos. Ontem, minha irmã que mora no Ceará disse: "Tem febre amarela em Fortaleza." Fiquei apavorado, peguei o telefone e liguei imediatamente para outra irmã que mora lá: "O que está havendo aí?" Ela disse: "Olha, não foi confirmado, não sei se é suspeita, boato, mas o certo é que diversas pessoas se vacinaram, inclusive a família toda." É um desastre. Se a febre amarela chegar ao Rio de Janeiro, vai ser facílima a propagação. Isso aqui fecha para balanço.

Paulo Gadelha

Tive a mesma informação, há uns quatro dias, porque minha família também é de Fortaleza. Estranhei muito porque não houve repercussão aqui, nem na imprensa e, ao mesmo tempo, há pânico na cidade. O relato é o mesmo: a família se mobilizou e, quando eu soube, todos já tinham sido vacinados.

Keyla Marzochi

Na década de 1990 houve alguns surtos no leste do Maranhão.

Milton Moura Lima

São casos de febre amarela silvestre... Mas agora não é silvestre não, a suspeita é da urbana...

Paulo Gadelha

Cria-se o pânico... e, antes mesmo da confirmação, o pessoal já está correndo para a vacina. É importante entender como a sociedade reage.

Milton Moura Llima

Eu soube que São Paulo pediu 15 milhões de doses de vacina. São Paulo, um dos estados vizinhos ao nosso. E hoje, com o movimento de aviões, é facílimo o mosquito chegar a qualquer centro ainda na fase virêmica, com o vírus circulando.

Jair Rosa Duarte

O Ceará, Fortaleza mesmo, apresentou um dos maiores índices de infestação predial por Aedes aegypti em todo o Brasil. Naquela região de Palhoça, um bairro de classe média alta, segundo o levantamento feito pela Fundação Nacional de Saúde, onde até o Ciro Gomes foi contaminado, quase 100% das casas têm Aedes aegypti.

Paulo Gadelha

Fui tirar três semanas de férias lá e uma delas passei com dengue...

Keyla Marzochi

O curioso é ficarmos falando repetidamente sobre o risco da reurbanização da febre amarela tendo uma vacina que a gente produz, talvez a melhor que exista atualmente, considerando todas as vacinas. Só não é a melhor porque é intramuscular, parenteral, mas é uma vacina barata, com um tempo de duração grande, até 37 ou 40 anos com permanência de anticorpos, e a gente não faz um planejamento... Se há dez anos, quando começou a epidemia de dengue, já tivéssemos planejado realmente a prevenção da febre amarela, este país todo já estaria vacinado, por áreas, e estaríamos na fase de aplicar doses de reforço em áreas de maior risco. Já tivemos tempo para fazer um mapeamento do país e produzir de acordo com as áreas prioritárias, e assim ir cobrindo o país inteiro...

Jair Rosa Duarte

Há um outro aspecto. O Brasil é um dos países com a melhor experiência de vacinação em massa; é modelo, em função da poliomielite.

Keyla Marzochi

A gente continua com essa história de alardear o problema e as ameaças, mas não se sai da retórica, não se toma uma atitude objetiva.

Jair Rosa Duarte

Keyla, acho que a epidemiologia no Brasil deixou de lado o vetor. De uma maneira geral, ela trata muito da doença mas deixa de lado o vetor. Em doenças como a dengue e a febre amarela, ele é fundamental... Para esta última ainda existe a vacina, mas para a dengue, não. Sempre faltou apoio aos núcleos de entomologia ao longo da história da saúde pública. No Brasil, foram sendo desmontados. Respira-se um pouco melhor agora... A epidemiologia sempre deixou o vetor, que é básico, em segundo plano. Não se pode entender a epidemiologia sem ele. O próprio Aedes albopictus necessitaria de mais estudos. Nos Estados Unidos, a incidência do Aedes aegypti e do Aedes albopictus é acompanhada de noticiário permanente. No Brasil, não se tem essa informação.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Tenho uma pergunta sobre a vacinação em massa contra a febre amarela. Devido a similaridades antigênicas com o vírus da dengue, em alguns indivíduos ela não poderia provocar dengue grave?

Keyla Marzochi

Trata-se de um pressuposto, mas, ao que parece, não existe fundamento em relação a essa possibilidade. Ela não produz os anticorpos que propiciariam a aquisição de dengue mais grave, como propõe a teoria da infecção seqüencial por sorotipos do vírus da dengue. O único efeito adverso da vacina seria a produção de uma imunossupressão transitória. Acontece que essa questão é mal estudada. Há quem faça uma correlação disso com doenças virais: por um período após a doença você também ficaria relativamente imunossuprimido. Provavelmente isso ocorreria com qualquer virose ou vacina viral.

Jaime Benchimol

Uma pergunta: esta foi uma vacina desenvolvida no começo da década de 1930 pelos médicos da Fundação Rockefeller. Começou a ser produzida aqui, em Manguinhos. Acho que a primeira vacinação em massa ocorreu em 1937, 1938, não é isso? Hoje em dia existem laboratórios com capacidade para produzir as doses requeridas por um ressurgimento da febre amarela?

Por outro lado, dengue e febre amarela têm o mesmo vetor, são doenças viróticas. Houve iniciativa similar de se tentar obter uma vacina para a dengue? Qual é a história deste esforço?

Milton Moura Lima

A Fundação Oswaldo Cruz produz cerca de 80% da vacina de febre amarela mundial. Parece que ela só é fabricada em três países: Brasil, Colômbia e França.

Keyla Marzochi

As vacinas para a dengue continuam em investigação...

Ricardo Lourenço de Oliveira

A própria Fiocruz tem um pesquisador envolvido nisso. É o Ricardo Galler, que chefia, no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, um projeto grande financiado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em colaboração com Biomanguinhos, dentro de Biomanguinhos mesmo, e visa estudar uma vacina para o vírus da dengue. Estão montando um enorme infectório para fazer os testes em macacos rhesus.

Keyla Marzochi

A vacina mais próxima de ser aplicada está sendo produzida na Tailândia, com colaboração dos Estados Unidos. É uma vacina atenuada, não é uma vacina molecular. É a que está mais próxima de ser utilizada. Agora, o problema que eu vejo é que tem de ser uma vacina barata e realmente eficaz para os quatro sorotipos, porque se não, aí sim, pode haver o desencadeamento de anticorpos subneutralizantes que propiciariam a infecção pelo vírus não coberto. Tem que ser eficaz em todas as faixas etárias, para poder ser aplicada em massa. Se isso acontecer, o vetor vai ser esquecido... E se, concomitantemente, não se trabalhar a questão da profilaxia da febre amarela, a probabilidade será muito maior de tê-la, de novo, grassando no meio urbano.

Paulo Gadelha

Retomando a discussão de que a epidemiologia não teria dado conta da questão do vetor, acho que se afigura um pouco mais complexa do ponto de vista do recorte histórico, porque vemos que boa parte da epidemiologia veio trabalhando juntamente com a distribuição de vetores. É o caso do Ronaldo Ross, por exemplo, que matematizou a distribuição de vetores numa população. E grande parte da saúde pública foi sendo constituída pela montagem de serviços, tendo o vetor como alvo de ação. No Brasil, temos diversos exemplos: o Serviço de Malária do Nordeste, o Serviço de Febre Amarela etc. Dependendo da eficácia do arsenal terapêutico, há um privilégio maior ou menor da eficácia dos vários possíveis fatores intervenientes inclusive o vetor, seja na sua forma adulta, seja na forma larvária. O que a Keyla falou em relação à vacina é verdade. Um dos mais importantes fatores responsáveis pela quebra da tradição dos entomologistas, de sua formação, inclusive, foi o uso do DDT, quando se apresentou como arma milagrosa que poderia ser a base da campanha mundial. Imaginou-se, então, que não se precisaria mais de entomologistas. Com relação ao vetor, a situação da dengue assemelha-se um pouco à da febre amarela, mas com uma complicação maior, pela ausência da vacina. Ao mesmo tempo, por esse lado, lembra aspectos da complexidade da malária que também em alguns momentos foi combatida, seja pela quimioterapia, seja pelo combate ao vetor, seja pela possibilidade da vacina. Isso remete à questão maior, a de como esses arsenais tecnológicos muito dirigidos interagem com a prevenção, a organização social, com outras maneiras de trabalhar, mais preventivas, visando assegurar o controle. Esta é uma discussão ainda pendente: controle, erradicação, intervenção social, tecnológica, como se combinam?

Milton Moura Lima

Em 1948, o dr. Sopper visitou o Serviço Nacional de Malária aqui do Rio, com o dr. Mário Pinotti. Ele esteve no nosso departamento de entomologia e declarou: "Este departamento vai ser transformado em algo muito simples. A partir de agora, quando o dr. Pinotti receber um telefonema do Maranhão, por exemplo, dizendo que tem malária, ele pega o telefone, liga para o almoxarifado e diz: ‘Manda para o Maranhão tantos quilos de DDT e tantos comprimidos de Aralem e ponto final’". Quando começaram a aparecer as resistências, ao inseticida e ao quimioterápico, constatou-se que o negócio não era tão simples quanto parecia.

Jaime Benchimol

Eu li recentemente um livro, intitulado A próxima peste, muito interessante, sobre essas viroses que estão atravessando os limites das florestas para habitats urbanos. A autora narra a história do lassa, do ebola e de outras viroses letais. Relata, também, o esforço mundial que a Fundação Rockefeller fez para combater a malária por meio do DDT e da cloroquina. Considera este episódio um dos divisores de águas que separam uma época de otimismo em relação à saúde pública, baseado na convicção de que conseguiria em pouco tempo subjugar as doenças infecciosas mais importantes, e a época atual de ceticismo ou, pelo menos, bem mais realista. O resultado da campanha mundial contra a malária teria sido o agravamento da incidência da doença. Dr. Milton, o senhor testemunhou isso?

Milton Moura Lima

A idéia que a OMS vendeu aos países afetados pela malária baseou-se na campanha feita no Nordeste brasileiro contra o gambiae, que foi um êxito. O mosquito foi erradicado aqui.

Jaime Benchimol

O senhor poderia nos contar esta história?

Milton Moura Lima

Em 1927, o exército francês criou uma linha de barcos ligando Dacar a Natal. O único objetivo era colher dados meteorológicos visando a criação de uma linha aérea, que é a atual Air France. Quando isso aconteceu, Adolpho Lutz — uma das maiores cabeças que já tivemos — chamou a atenção do governo brasileiro para a possibilidade da vinda de insetos de importância médica para o Brasil, inclusive para a possibilidade de sua fácil adaptação à mata do Nordeste brasileiro. Em 1928, 1929, Lutz foi enviado a Natal, fez pesquisas, voltou e disse: "Nada até agora. A fauna é nossa. Não houve nenhuma introdução." Em 1930, na vigência daquele acordo do governo brasileiro com a Rockefeller visando o combate à febre amarela, um entomologista norte-americano, R. C. Shannon, estava em Natal observando o Aedes aegypti. Em um dia de domingo — ele adorava mosquitos; para ser entomologista tem que gostar — encontrou as larvas, levou-as para o laboratório e verificou que eram de gambiae, de Anopheles gambiae. Comprovou, ao encontrar mosquitos adultos. O telegrama dele para a Rockefeller, em 30 de setembro de 1930, foi redigido nos seguintes termos: "Encontrei gambiae em Natal. Pobre Brasil." Ele sabia o significado da presença desse vetor aqui. Bom, em 1938, numa área ocupada por cento e cinqüenta mil habitantes, tivemos cem mil casos de malária e vinte mil mortos. Foi criado um serviço de emergência para combater a epidemia. Em janeiro de 1939, passou a vigorar outro acordo com a Rockefeller para erradicar o gambiae. A preocupação dos norte-americanos era grande em função da possibilidade de o gambiae atingir o canal do Panamá, com a guerra já deflagrada. A cepa que migrou para o Brasil foi especialíssima. Hoje sabemos que existem seis cepas diferentes, uma cepa que nem transmite, outras que desovam em água salobra, cepas que preferem água doce. O gambiae que veio para o Nordeste brasileiro só picava o homem, nenhum outro animal. Quantas experiências fiz com dr. Deane para verificar isso, ele dentro da casa, eu do lado de fora; nós nos revezávamos. Lembro-me de um episódio engraçado. O capturador que usávamos era um tubo com um centímetro de diâmetro, borracha, uma telinha. Eu estava com dr. Deane e, à medida que íamos catando e capturando, íamos contando e catando os mosquitos para botar na gaiola. A certa altura, o dr. Deane começou a sentir uma coceirinha na garganta. Já tinha capturado uns trinta e poucos exemplares de gambiae. Olhou para o tubo e não havia mais nenhum. Eu disse: "O senhor pode publicar o seguinte: ‘Quem engolir um gambiae com esporozoíto, fique tranqüilo porque não vai contrair malária...’" (risos)

Enfim, foi delimitada a área de incidência do mosquito quando já ia adiantada a organização do Serviço de Malária do Nordeste, com setenta médicos. Todos passaram pelo Laboratório Central para treinamento. Era um serviço muito bem-remunerado. Um guarda, que não precisava nem saber ler porque o trabalho dele consistia em jogar Verde Paris, ganhava, na época, mais do que um funcionário do Banco do Brasil. Agora, a disciplina era rigorosa. Vi médicos, como vi guardas ou serventes serem postos no olho da rua por desonestidade, por exibir dados falsos. Não tinha apelação. Era chegar e ouvir: "Passa no caixa, recebe o seu dinheiro e bye bye." O gambiae foi erradicado no final de 1940. A partir de 1941, quem encontrasse o mosquito vivo recebia prêmio equivalente a mil dólares por exemplar! Nunca ninguém ganhou esses mil dólares. O êxito desse trabalho é que levou à criação do Serviço Nacional de Malária e do Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), exatamente no final da campanha contra o gambiae. A maioria dos participantes do grupo que trabalhava nessa campanha foi, através do Sesp para a Amazônia, e lá continuou a trabalhar com malária. Alguns passaram para o Serviço Nacional de Malária, o dr. Bustamante, um grupo não muito grande. O dr. Deane foi para o Sesp; eu quase fui para não perder de vista um grande mestre, um amigo, mas acabei ficando. Havia outra vantagem: quem fosse não era convocado para a guerra. Eu não fui e acabei sendo convocado.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Existia um curso de pós-graduação em Manguinhos que tinha ficado um pouco desativado. No final de 1979, o dr. Coura, que era o diretor do Instituto Oswaldo Cruz, decidiu instalar esse curso de biologia parasitária que existe até hoje. Eu sou da primeira turma. Havia um curso básico, muito bom, que agora não existe mais. Passávamos um mês em cada disciplina básica para a área de biologia parasitária. Muita gente achava besteira perder tempo estudando virologia se nunca mais ia estudar aquilo. Quando terminou o curso de biologia parasitária, eu ia fazer tese sobre helmintos mas o dr. Coura me chamou e disse: "Você não quer trabalhar com transmissão de filariose? Não quer responder à pergunta de por que não há transmissão de filariose no Rio de Janeiro?" Fui me desiludindo com aquele objeto de tese, e o dr. Coura disse: "Converse com o Deane, pode ser que ele tenha uma idéia e a gente faz uma coorientação." Fui conversar com o dr. Deane, mas ele se mostrou muito pessimista: "Ah, isso não vai dar certo, você não vai conseguir. É melhor mudar. Fale com o Coura que você quer mudar porque não vai ter tese. Nem tente!" Então o dr. Coura disse: "Eu não tenho nenhuma idéia.


Aparelho Clayton utilizado para lançar gás sulfuroso nas galerias de águas pluviais e esgotos, no combate aos mosquitos da febre amarela. (revista Kosmos, 1904)
Enxofre e piretro exterminavam mosquitos da febre amarela que infestavam as casas, cujas portas, janelas e frestas eram vedadas e os telhados cobertos por toldos. Foto: J. J. Monteiro de Paiva, em Óbidos, Pará, 1910.

Volte a falar com o dr. Deane e veja se ele tem alguma idéia para você." Aí ele me sugeriu estudar os mosquitos da cidade do Rio de Janeiro, porque não se estudava isso há muito tempo e o departamento mantinha um estudo de biologia de mosquito na área serrana. Então, quem sabe, podia fazer um trabalho aqui, numa área que agora está sendo invadida pela construção, a área da Baixada de Sernambetiba, Baixada de Jacarepaguá e Barra da Tijuca. Foi aí que comecei a estudar mosquitos, com o dr. Deane. Ele dizia assim: "Pois é, no serviço de erradicação do gambiae no final, já não tinha quase mais Anapheles gambiae", como o Milton contou há pouco. Mas tinha mosquito sendo coletado e examinado por um exército de microscopistas durante essa fase de revisão, quando já não havia mais o gambiae. "Eu mesmo", contou o dr. Deane, "muitas vezes tinha de fazer a maldade de colocar num potinho de mosquitos, que vinham do campo, uma larva de gambiae verdadeiro." Então, entre aquelas dezenas de microscopistas que estivessem trabalhando, um ia receber o potinho com gambiae. Se ele cochilasse, na primeira vez era suspenso, na segunda perdia o emprego. Atualmente, com a campanha de erradicação do Aedes aegypti, teoricamente haveria municipalização do controle, e nossa instituição, a Fundação Oswaldo Cruz, está envolvida como vários outros órgãos de saúde do Rio de Janeiro, a Comlurb, Fiocruz, Secretaria Municipal, Fundação Nacional de Saúde, o Distrito Sanitário do Rio de Janeiro. Teoricamente, por orientação do próprio dr. Moura Lima, decidiu-se contratar sessenta e poucos microscopistas para se fazer, em regime de fluxo contínuo, um levantamento de 100% da infestação predial no Rio de Janeiro. A Comlurb convocou um grupo para estudar isso e decidimos treinar os microscopistas. Pediram que eu os treinasse. Criamos a primeira turma e a primeira coisa que eu falei para eles foi: "Vocês vão ficar aqui uma semana treinando identificação de larvas do Aedes no microscópio. Vai haver prova final, e ninguém vai poder errar nenhuma larva." Então contei a artimanha usada na campanha contra o gambiae: ’’Se vocês errarem uma larva", disse para os alunos, "vão pôr a perder toda uma campanha, muito dinheiro. Não podem errar." Então, a prova terá dez larvas de um foco, dez de outro. A nota terá de ser dez ou zero. Dei dois tubos: um simulando a situação de um pneu abandonado num campo, o outro, uma jarra dentro da casa. De vinte funcionários da Comlurb encaminhados para a reciclagem, só onze foram aproveitados. Alguns dos reprovados protestaram: "Mas, professor, não é possível, errei só uma larva." "Vocês não podem errar", eu insisti. "É muito fácil identificar a larva do aegypti, muito fácil". Quis contar esta história para mostrar como fui impregnado por essa noção de extrema responsabilidade que era tão cara ao dr. Deane, ao Milton e aos outros protagonistas da campanha contra o gambiae.

Luís Borges

Tive a sorte de trabalhar com um grupo de entomologistas em Santa Catarina. Com eles aprendi alguma coisa. Depois caí nas mãos do Milton, durante oito anos e meio na América Central. O que fazíamos lá era uma coisa que se chama avaliação entomológica, que eu não sei nem como está hoje no Brasil. De que adianta jogar fumaça, botar o pessoal dentro das casas para ver se encontra larvas se não se está avaliando entomologicamente a intervenção? Algumas coisas relativas ao Aedes fui aprender fora do Brasil. Por exemplo, temos agora na Praça XI esse circo com macacos. Qual é a situação deles do ponto de vista da febre amarela? Aprendi isso com o pessoal do Panamá. Quando passou por lá um circo, o Ministério da Saúde do Panamá disse que os macacos só entravam com a prova de que tinham sido vacinados contra a febre amarela. Não sei se é comum esse tipo de coisa aqui no Brasil. Já conversei com o Milton várias vezes sobre isso. Ainda existe o serviço de porto. O que se fazia era visitar os navios, procurar larvas de Aedes ou de outros vetores, levantar a coberta dos botes salva-vidas para ver se tinha água ali com larvas. Isso era tarefa dos entomologistas. Nós, sanitaristas, temos que trabalhar com eles, para aprender. Milton, alguém examina containers aqui? Especialmente esses que vêm de países com grande incidência de Aedes? Existem provas de que esses containers podem ter ovos esperando para eclodir. Essas rotinas fazem parte da vigilância epidemiológica, em especial no caso da dengue. A gente corre atrás da doença ou atrás da vacina, sem ir atrás daquele que transmite a doença. E somos um país com vetores que têm uma familiaridade com os seres humanos tão grande, tão espantosa, que a gente os encontra sem grande dificuldade. Mas a nossa preocupação é a doença. Talvez eu esteja igualmente deformado em não me preocupar com a doença, só com o mosquito. Para mim, a idéia é basicamente esta: se não fizermos vigilância epidemiológica e avaliação entomológica, não poderemos ter certeza de que temos realmente a situação sob controle.

Jair Rosa Duarte

O Borges apontou uma questão que considero essencial: a avaliação entomológica. Temos um exemplo marcante neste aspecto que é a migração do Aedes albopictus para o Brasil. Sabemos que ele entrou nos Estados Unidos numa carga de pneus que iam ser reciclados. No Brasil, todas as evidências indicam que ingressou pelo porto de Tubarão, no Espírito Santo, ou em decorrência de contato com o Japão. Mas não se tem idéia de quando ele penetrou. Curiosamente, o albopictus foi identificado, no Brasil, pela televisão.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Permitam-me um aparte. Foi um herpetologista chamado Eugênio Izeckson que, além de gostar de répteis, criava peixinhos em casa. A filha dele namorava um rapaz da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) que, para agradar o futuro sogro, levava larvas para os peixinhos comerem. Sempre larvas de mosquitos. Até que um dia ele levou larvas já chegando no quarto estágio. Viraram pupas no final de semana e, quando o herpetologista estava vendo o "Fantástico",...

Jair Rosa Duarte

Exatamente, ele percebeu que aquele mosquito que estava sendo exibido na televisão como o "Tigre Asiático" era muito parecido com o mosquito que estava criando em casa para os seus peixinhos. Detalhe importante: o material foi encaminhado para o dr. Deane, que fez a identificação.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Esse Eugênio era ligado à parasitologia da Universidade Rural, onde trabalhava o Hugo Souza Lopes, já falecido, era um dipterologista fantástico, brilhante, de ótimo convívio. Souza Lopes era uma espécie de catedrático da pós-graduação em parasitologia. Então, Eugênio, que trabalhava no mesmo Instituto de Ciências Biológicas onde ficava a parasitologia, chamou o Hugo e disse : "Olha, eu tenho aqui uns mosquitos que eu acho que vi no "Fantástico"". Isso foi em 1986, não foi? O Hugo acabara de ser reintegrado a Manguinhos com os outros cassados. Então ele trouxe os mosquitos da Rural para o laboratório dele, e, justiça seja feita, já entrou na sala dizendo: "Ô Deane, trouxe aqui uns mosquitos para você ver. Vou lhe contar a história, mas vou logo dizendo, acho que se trata de Stegomyia." Para quem não sabe, Stegomyia é um subgênero de Aedes. Temos muitas espécies de Aedes no Brasil, quase trinta aqui e nos países fronteiriços.

Jair Rosa Duarte

Foi o primeiro nome do Aedes aegypti: Stegomyia fasciata.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Exatamente. Esse subgênero ocorre em outros lugares do mundo mas aqui não. Temos outros subgêneros, mas não o Stegomyia. O Hugo Souza Lopes era do tempo em que o Aedes aegypti era muito espalhado por aqui, então ele conhecia Stegomyia.

Jair Rosa Duarte

A identificação formal foi feita pelo dr. Leônidas Deane, embora tenha sido publicada por outro entomologista. Acho que vale a pena fazer essa ressalva.

Ricardo Lourenço de Oliveira

O fato é que não tínhamos nem na Fiocruz, nem no Museu Nacional, Aedes albopictus guardado em coleção para fazer a comparação.

Jaime Benchimol

Ele é vetor de quê, Ricardo?

Ricardo Lourenço de Oliveira

É vetor de encefalite na Ásia, é vetor de dengue, também, é um vetor potencial de dengue, aqui, e é suscetível a outros vírus, inclusive o da febre amarela. Ficamos identificando através das larvas e do exame da genitália dos machos, os Aedes albopictus que chegaram às mãos do dr. Deane. Só que o Aedes albopictus tem várias espécies muito parecidas. Ele tem uma faixa longitudinal no tórax, de escamas brancas e prateadas. Vários Stegomyias são parecidos. As genitálias também são parecidas. Então, para confirmar a identificação, alguns destes mosquitos foram enviados à dra. Cheng, em Washington, uma especialista no assunto. Foram enviados também para a Faculdade de Saúde Pública de São Paulo, onde se sabia que tinham sido depositados exemplares enviados do Velho Mundo. O dr. Oswaldo Forattini então formalizou a descoberta, publicando um artigo. Nós chegamos a escrever ‘A verdadeira história da descoberta do Aedes albopictus no Brasil’. São duas páginas datilografadas pelo dr. Deane, que estão guardadas na minha mesa. Ele chegou um dia e disse assim: "Mostrei isso para a Maria. Eu não publico nada sem mostrar para a Maria, e ela disse: ‘Escuta, o que você vai ganhar com isso, rapaz? Pense bem. Nada! O material foi para lá e ele confirmou. Está publicado, está certo. O que você vai ganhar com isso?’". Então eu falei com o dr. Deane: "o senhor passa isso para cá que eu vou guardar na minha gaveta..." Está comigo, até hoje, lá na sala .

Paulo Gadelha

Ricardo, eu tenho alguma familiaridade com a complexidade da questão no caso da malária. Do ponto de vista dos hábitos, da forma de reprodução e do combate aos vetores da dengue, há diferenças significativas nestes subgêneros tão grandes quanto no caso do Anopheles gambiae?

Ricardo Lourenço de Oliveira

Há sim, bastante. Nós não temos nenhuma espécie de Aedes aqui tão adaptada a utilizar quase que exclusivamente containers, recipientes artificiais produzidos pelo homem, como o Aedes aegypti e o Aedes albopictus também. Temos algumas espécies que invadem, às vezes, um ambiente peridomiciliar ou semi-urbano, containers, depósitos de água etc. Por exemplo, a espécie chamada Aedes fluviatilis. Aqui no Rio de Janeiro, embora esta espécie ocorra, não invade muito o peridomicílio ou o domicílio, mas em Belo Horizonte é muito comum. Os guardas sanitários de lá estão acostumados a prestar atenção neste Aedes fluviatilis. É um mosquito que gosta de se criar em escavação de rocha, uma grande pedra com uma bacia em cima ou uma rachadura que se parece com uma cisterna de água limpa. Ele invade o ambiente peridomiciliar em algumas áreas.


Oswaldo Cruz em caricatura de H. Frantz, publicada na revista francesa Chanteclair, em outubro de 1911.

Jair Rosa Duarte

Tivemos até infestação em cemitérios durante uma época.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Sei também de outro Aedes, o lepidus, que foi descrito pelo Lobato Paraense e pelo Cerqueira, tenho impressão, numa época em que não se tinha mais Aedes aegypti em laboratório, nem se sabia da existência do ciclo pré-eritrocítico, o ciclo prévio da malária, que acontece no fígado, no caso da malária humana. Imaginava-se que o plasmódio era inoculado diretamente no sangue e, após um período de incubação, durante o qual não se sabia onde estava o plasmódio, aparecia a malária. O dr. Lobato dedicou-se alguns anos ao estudos sobre a possibilidade desse ciclo e o descobriu praticamente à mesma época que os estrangeiros. Trabalhava com um modelo experimental, o Plasmodium gallinaceum, cujo hospedeiro é a galinha. Usava galinhas e pintos para fazer as experiências. Só que não é transmitido por anofelino e sim por Aedes. Então, não podia fazer as experiências em laboratório, pois as colônias tinham sido eliminadas. Várias pessoas que possuíam colônias com aegypti não as tinham mais. Então, o dr. Lobato, que ainda se achava em Belo Horizonte, coletava mosquitos para ver se encontrava um que servisse, já que não podia trabalhar com aegypti. Achou um Aedes, não soube identificar e o Cerqueira confirmou: "É uma espécie nova." Eu que sou malacólogo", comentaria depois o Lobato, "descrevi uma espécie de Aedes porque procurava um vetor para a malária..." O Aedes lepidus ele encontrou em peridomicílio. Voltando então à pergunta, há espécies de Aedes que procriam esporadicamente nas condições em que o aegypti ocorre, mas não é comum. O albopictus e o aegypti são mais especializados nestes ambientes, embora o último possa procriar, excepcionalmente, em bromélias e outros recipientes naturais, em jardins, por exemplo, e o albopictus possa invadir e competir com espécies nativas nossas, invadindo criadouros naturais como internódios de bambus, águas acumuladas em buracos de árvores, bromélias, cascas de frutas caídas no ambiente peridomiciliar e, até, no silvestre. Agora mesmo estamos terminando uma pesquisa sobre a invasão da floresta por essas espécies. Tiramos proveito do fato de termos a maior floresta urbana do mundo cingindo a cidade do Rio de Janeiro. Pusemos armadilhas desde a casa que está perto da floresta, a dez metros de distância dela, onde crescem umas bananeiras, cana-de-açúcar, coisas assim; depois a cem metros da casa, quinhentos metros, mil metros. Bem, o Aedes albopictus ocorre em todos esses segmentos, competindo com todas as espécies nativas. Agora, vamos procurar saber qual a vantagem que leva ao ocupar um nicho, um buraco de árvore, que não são o habitat normal dele. Porque ele conhece as espécies da Tailândia, de onde provém, talvez as da África, mas as daqui não. Mas o Aedes aegypti, para nossa surpresa, foi encontrado até a cem metros de um domicílio. Raras vezes, em um mês só, eu acho que por causa de uma seca, ele invadiu um pouco mais. Em geral, fica na casa, ou a dez metros dela. Mas eu tenho cá minhas dúvidas se o guarda vai se enfiar nas bananeiras a dez metros da casa, ou no meio da mata para procurar o mosquito. Nossa dúvida é se é possível colocar inseticida e diminuir bastante a população no peridomicílio e, ainda, a partir dessa pressão numa cidade que tem uma floresta desse tipo, se ele pode resistir nesse meio silvestre. Ninguém vai entrar nas picadas da floresta da Tijuca para tratar os orquidários, os despachos de candomblé, as cascas de frutas... . E o albopictus pode servir de ponte para uma arbovirose qualquer que exista entre os roedores marsupiais, ou primatas, nesse ambiente silvestre que ele efetivamente invade, pois nós o estamos encontrando com facilidade.

Jair Rosa Duarte

Nos Estados Unidos há uma preocupação muito grande com o albopictus, porque as cidades de pequeno porte têm relação muito estreita com matas, áreas preservadas e freqüentadas por animais silvestres. No Brasil, um fato muito interessante é que durante muito tempo não houve dengue no Espírito Santo porque lá havia predomínio quase absoluto do Aedes albopictus e quase nenhum Aedes aegypti. Posteriormente, uma das maiores epidemias dos últimos tempos ocorreu exatamente lá, primeiro em Porto Seguro, na Bahia, depois no Espírito Santo. E, pelo que sei, o estado continua com altos índices de ocorrência de dengue causadas exclusivamente pelo Aedes aegypti. Essa questão é muito importante e traz de volta o problema levantado antes: o fato de o vetor ficar fora do foco da epidemiologia, de se subestimar a relevância do estudo entomológico para a vigilância entomológica. Quando é que o albopictus entrou no Rio de Janeiro? Não se sabe. Ele ocupou todo o Sudeste brasileiro, e rapidamente. Quando se começou a pesquisá-lo, já estava em São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, estados que, teoricamente, possuem aparato de saúde pública de bom nível. Hoje já se sabe que está presente no Tocantins, em Santa Catarina etc.

Milton Moura Lima

Passamos dois anos observando o comportamento do Aedes albopictus no Espírito Santo. Em 1986, quando foi encontrado, fizemos um programa abarcando dois municípios: Anchieta, no litoral, e Santa Teresa, a seiscentos metros, junto àquela mata dos beija-flores estudados pelo Augusto Ruschi. A preocupação era a mesma que preside a pesquisa de vocês: ver se freqüenta a mata. Ele pode, inclusive, ser o mosquito que vai trazer a febre amarela para as cidades. É muito importante verificar se a cepa do Espírito Santo é a mesma daqui. Por que eu digo isso? Nas matas de Santa Teresa fizemos quase quatrocentas horas de captura e pesquisa larvária, em tudo que fosse oco de árvore, bromélia. Encontramos uma lata, levada pelo homem, mas ele tampouco se estabeleceu nela. Nestas tantas horas de captura, não capturamos o Aedes aegypti. E fizemos mais de mil horas de captura dentro de casas. Capturamos dez exemplares em dois anos. Através da Organização Sanitária Pan-Americana, enviamos ovos da cepa para o CDC, outra parte para a Universidade de Colúmbia. Tive oportunidade de visitar o grupo de estudos que opera no Colorado. Assisti à infecção experimental do Aedes albopictus.helmop. Os dois organismos investigavam a sua capacidade vetorial para a dengue e a febre amarela. Concluíram que pode transmitir a dengue mas é melhor transmissor de febre amarela. Só que em Colorado eu assisti ao método de infecção: "Mas isso é uma covardia", eu dizia para eles. Anestesiavam o mosquito e, com uma agulha japonesa finíssima, injetavam o vírus. "Você vai acabar matando o bicho com essa quantidade." Sugeri que introduzissem o vírus pelo dispositivo de alimentação: uma membrana de plástico no interior da qual se deposita o sangue, colocando-se essa membrana em cima da gaiola e, por cima dela, uma tela elétrica que mantém a temperatura a 27-28 graus. O mosquito se alimenta aí. "Por que não se coloca o vírus no sangue? Seria muito mais natural", eu propus. Não sei se fizeram.

Milton Moura Lima

Eu estou de pleno acordo com o que o Jair falou a respeito do divórcio entre a epidemiologia e a entomologia. Em reuniões nas secretarias estaduais e municipais a preocupação é em relação a quantas vagas vamos ter nos hospitais. Depois de horas de debate, perguntei: "Tem remédio para a dengue?" E eles responderam que não. Aí perguntei: "Tem vacina?" Também não. Então eu lembrei: ainda não ouvi falar do transmissor. A única maneira de se controlar uma epidemia é lidando com o transmissor. Não existe outra. Olha, eu tive a felicidade de conhecer professores que iam ao campo, Samuel Pessoa, Leônidas Deane, Amilcar Martins, Rachou. Eram homens de campo. Hoje todos se sentam na frente do computador e acham que resolvem o problema ali.

Keyla Marzochi

Antes de abordar a questão da infra-estrutura social que, para mim, é a verdadeira causa da dengue, quero lembrar de um desenho interessante do dr. Deane, feito pelo próprio, todo vestido de branco, bem entomologista, ao lado de uma criança com um barrigão, à qual pergunta: "Você foi picado pelo Anopheles ou pelo flebótomo?" Era a anamnese dele.

Milton Moura Lima

Aquilo foi inspirado numa brincadeira feita por um colega dele, que disse: "O Deane é um grande clínico; chega para a criança e diz ‘Você foi picado por um Anopheles ou por um flebótomo?’ porque, conforme a resposta, diz se é calazar ou malária."

Ricardo Lourenço de Oliveira

‘Dr. Dino’, o pessoal do Nordeste não conseguia dizer Deane.

Keyla Marzochi

Considerando a questão do controle, da falta de avaliação epidemiológica, creio que isso, na verdade, reflete uma postura nossa diante da prevenção. É bem possível se chegar ao ponto de pretender fazer promoção à saúde sem passar pela prevenção, nem pelo diagnóstico laboratorial, nem pela clínica. Muitas vezes quando se fala da necessidade de fazer ‘promoção à saúde’, trata-se de uma promoção retórica, ainda que seja politicamente interessante, ‘correta’. Corre o risco de resvalar da promoção à extrema-unção. Pula-se as outras fases, que envolvem a prevenção, o controle da doença, que começa, sem dúvida, pela questão clínica, pelo diagnóstico laboratorial. Isso, embora o conceito maior de promoção à saúde envolva todo um sistema funcionante, da prevenção até a recuperação e o controle.

Luís Borges

Acho que a Keyla não gostou muito do que eu falei.

Keyla Marzochi

Não. Estou completamente de acordo com o senhor. Só que, às vezes, por paixão, ou por uma ótica de especialistas, deixamos de enxergar os vários enfoques da doença. Existem pessoas que são talhadas para servir como ‘especialistas das interfaces’, esses que costuram melhor a questão geral do contexto. Eu acho um espetáculo a vida que vocês tiveram. É uma coisa invejável ter trabalhado no campo tantos anos, ter tido essa convivência tão longa e aprofundada com a problemática dos transmissores, mas mesmo assim é uma visão entomológica, muito mais rica, talvez, do que a visão clínica, porque, no campo, mesmo que ponha uma venda para ver só o mosquito, o entomologista é obrigado a saber a relação dele com o ambiente, em seus criadouros,


Em março de 1993, quando Leônidas Deane completaria 79 anos, Chico Caruso criou esta charge que reflete o cientista reproduzindo seu auto-retrato, de 1936, em que se vê como um desbravador no trabalho de campo.

com a cultura do povo e tudo o mais. O clínico deveria ter uma relação íntima com a história do paciente mas, pela lógica decorrente daquela visão de especialista, e pela força da demanda, termina vendo só a ocorrência da doença sem olhar o entorno do paciente, como este adquiriu a doença. Na verdade, o que falta é o empenho de todos nós por um trabalho de prevenção mais amplo, que capture todas as etapas do processo de transmissão, que não se reduz ao vetor — ele é o elemento específico — mas passa por outras questões. Se se tem uma política de prevenção consistente, mesmo que continuem os vetores da mata, eles vão fazer parte da ecologia natural, existindo numa determinada proporção, sem serem em nada prejudiciais. Agora, isso requer avaliação entomológica permanente. Nós não temos essa cultura. No momento em que entra em cena o DDT, ou a erradicação do Aedes na década de 1970, ou quando o fenômeno doença não está acontecendo, o trabalho de prevenção deixa de interessar politicamente. Mas nós, da Fundação Oswaldo Cruz, temos a responsabilidade de enfatizar isso, de trabalhar por isso. Podíamos propor um seminário para discutir efetivamente em que pé estamos, para onde podemos caminhar, por que chegamos a um caos enorme na prevenção e controle da dengue e de outras doenças. A gente precisa se reunir, inclusive, para forçar o ministro da Saúde a trabalhar por estas questões de uma forma não política, no sentido que o senhor, dr. Milton, deu ao termo — politicagem —, mas por uma política de saúde comprometida com resultados efetivos, envolvendo avaliação, prazos, vacinas. O Benchimol perguntou sobre as doses de vacina contra febre amarela. Eu fiz essa pergunta à diretora de Biomanguinhos, porque tinha ouvido falar que havia 15 milhões de doses em estoque. Perguntei-lhe quantas doses havia e ela respondeu: "Teremos as doses que forem necessárias, se tivermos uma política que determine essa produção."

Paulo Gadelha

A Keyla está tocando num ponto que considero muito importante. Quero enveredar por essa linha também. Estamos lidando aqui com a construção de tradições diferentes: entomologistas, clínicos, higienistas. Ao longo do processo histórico, essas tradições encontraram-se, polemizaram e muitas vezes não tiveram a capacidade de trabalhar em função de perspectivas comuns. Vou dar alguns exemplos. Na década de 1920, depois da fase de otimismo inicial suscitada pelas descobertas pasteurianas, aflorou a crise na saúde pública. Tinha havido a gripe espanhola. A malária na Baixada Fluminense requeria um conhecimento entomológico muito mais preciso. Experiências na Itália e em outros lugares estavam produzindo um verdadeiro caos no seio da velha escola de malariologia, à qual se filiava o pessoal nosso, e a nova escola que dizia que o problema central era de natureza social. Era preciso ter uma abordagem mais ampla, que incluísse o malariólogo tradicional, com formação clínica, o entomologista, voltado só para o vetor, e as questões relacionadas à alimentação, à higiene geral, à engenharia sanitária. Isso dividiu as duas escolas profundamente, e nenhuma dava solução ao problema. Em alguns momentos, na Itália, por exemplo, a abordagem da nova escola era bem-sucedida, em outros momentos, como na campanha chefiada pelo Sopper, o conhecimento entomológico, aliado a uma enorme capacidade de organização, foi fundamental. Essa oscilação perdurou todo esse tempo, no campo da saúde pública. Na época do DDT impera o reducionismo. Depois do fracasso em 1992, a OMS formula nova estratégia que envolve a prevenção. Este é o momento de se recuperar a bagagem acumulada por essas tradições, sem a idéia de divisão, e sem a afirmação de posse exclusiva de conhecimento. Reencontrar experiências diversificadas que possam demonstrar em um momento a vacina é o elemento central, e em outro momento, a intervenção social e educacional mais ampla não é só coadjuvante, mas o elemento central. Está faltando recuperar a imagem do sanitarista ou higienista como aquele profissional que conjuga conhecimento médico básico, com conhecimento entomológico, parasitológico e visão da organização social. Esse perfil se perdeu.

Jair Rosa Duarte

O combate bem-sucedido ao gambiae apoiou-se numa estrutura paramilitar que, curiosamente, foi mantida além do necessário. Uma série de aspectos novos da dinâmica social, a mídia, por exemplo, não foram utilizados porque a estrutura paramilitar permaneceu em vigor. Agora estamos vivendo um período terrível, porque se abandonou aquela estrutura e não se colocou nada no lugar. Por exemplo, abandonou-se a figura do guarda-chefe que, na minha opinião, é fundamental. Todo grupo tem que ter algum tipo de liderança, inclusive para aferir resultados. Os guardas de endemias empregados atualmente não são guardas de endemias, são guardas de dengue. Não entendem de endemias, o que é um absurdo num país como o Brasil. Os mata-mosquitos antigos trabalhavam em qualquer endemia. Essa versatilidade se perdeu ao longo do processo. Além disso, a supervisão hoje em dia é, em minha opinião, o aspecto mais falho do combate à dengue. Não há supervisão. Aspectos sociais, teoricamente louváveis, são, na verdade, empecilhos. Existe um sindicato dos guardas que protege aqueles que cometem erros prejudiciais à população. Um guarda que faz a casa ‘no lápis’, que falsifica dados de inspeção, não está trabalhando só contra a instituição — a Fundação Nacional de Saúde — está trabalhando contra a população. Essas coisas não podem ser misturadas. O direito do trabalhador não pode se sobrepor à proteção da população. Existem também aspectos políticos, com um ‘p’ bem pequenininho, de clientelismo, apadrinhamento. E mais, no Rio de Janeiro, por exemplo, os municípios não têm como absorver um guarda de endemia da Fundação Nacional de Saúde que ganha mais que seu professor, seu médico.

Keyla Marzochi

Por outro lado, o repasse de recursos para o município combater a dengue é irrisório, quatro milhões e pouco, para seis meses de campanha contra a dengue no auge da epidemia, quando, em 1991, foi da ordem de cento e tantos milhões de dólares. Por aí se vê a importância que se dá à prevenção. O município quer coordenar, mas, sem condições administrativas e recursos financeiros, como é possível?

Paulo Gadelha

É outro ponto mal esclarecido esta relação entre verticalização de campanhas e horizontalização. Muitas vezes são encaradas como opções excludentes, antagônicas, quando, na verdade, serviços verticalizados foram com freqüência indutores de serviços horizontalizados. Uma opção bem-concebida nas duas dimensões consegue dar respostas. Quando a gente adota uma perspectiva histórica de longo prazo vê questões recorrentes, temas que voltam continuamente, sem encontrar um desfecho definitivo.

Milton Moura Lima

Gostaria de retomar a conversa sobre a pesquisa entomológica. Ela é necessária inclusive do ponto de vista econômico. O Aedes aegypti é o mosquito mais endófilo que existe. A casa é seu abrigo. Se entrarmos numa casa vamos encontrar machos e fêmeas, fêmeas sem alimentação, já alimentadas com sangue e grávidas, com o ovário já pronto. Com o Culex isso também pode acontecer, mas com o Aedes aegypti, ovo, larva e pupa são encontrados dentro de casa. Em 1985 fizemos um levantamento de seus criadouros preferenciais na cidade do Rio de Janeiro: 65% eram plantas com água dentro de casa. Em Jacarepaguá deu mais de 70%. Isso poderia ser evitado através da educação. Estamos falando nisso desde 1986, para as pessoas não colocarem plantas com água dentro de casa. Em uma reunião na Secretaria Municipal de Saúde no mês passado, eu disse: "Aposto que se formos visitar este edifício, vamos encontrá-las nas salas. Se formos em Manguinhos, também."

Jair Rosa Duarte

Vou dar um exemplo. Fui a um Centro Integrado de Educação Popular (Ciep) em Tomás Coelho para verificar uma reclamação concernente a ratos. Fui para falar com a professora e tomei um susto. Naquela estrutura de meia-parede dos Cieps, quase que de metro em metro, havia garrafas de refrigerante cortadas, com água e gibóias. Quando cheguei, disse à diretora que aquele era o motivo de uma escola com tantos focos de Aedes. Ela retrucou: "Ah, vou lhe pegar. A Fundação Nacional de Saúde manda um guarda aqui toda semana para colocar um pozinho em cada um destes recipientes." Eu concluí: "Então vou lhe pegar também. Vamos sentar e fazer a conta do tempo e do inseticida que ele gasta dentro de uma escola só. Não seria mais lógico...?" "É, você tem razão". — ela admitiu. "Vou tomar providências".

Milton Moura Lima

O guarda tem uma cota a cumprir, de 15 casas/homem-dia. Acontece que ao terminar a décima quinta casa, ele vai embora. Não sabe que, se chover e não trabalhar, no dia seguinte terá de fazer trinta. Bem, quando chega no final do dia, o guarda-chefe recolhe todo o trabalho de sua turma, num ponto de concentração. Recebe todo aquele material e entrega a seu inspetor.

Ricardo Lourenço de Oliveira

O guarda entrega o que recolheu. Ele não tem a obrigação de recolher tudo quanto é larva. Digamos que entre num cortiço com duas mil larvas. Ele se limita a recolher uma amostra, em geral de dez larvas.

Milton Moura Lima

Nós determinamos isso. Se você tem um índice de 8 a 10% de infestação de Aedes aegypti, daí para cima, tanto faz perfazer até 100% de visita e coleta, o índice não se modifica. Visitamos, então, um terço das casas, uma sim, duas não. O guarda tem que visitar vinte casas. Chega na primeira e diz: "Com licença, vou colher material para fazer o índice." E trata o que encontrar. Se encontrar depósitos vazios, coloca inseticidas; se encontrar com larvas, põe inseticida mas, além disso, coleta larvas nesta casa. Ela é usada para informar o índice. Na próxima casa, se estiver positiva, não tem material coletado, só mata as larvas. Como vai fazer 10% então só vai fazer levantamento na décima primeira casa, que é a sorteada para o índice. Quando ele é elevado, isso funciona. Quando chegamos a índices abaixo de 1%, se for realizado levantamento em 1/3 ou 10%, a possibilidade de erro sobe para 70%.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Isso significa que, antes de se configurar uma endemia, a tendência é manter um arsenal de gente e de microscopistas para assegurar a vigilância...

Paulo Gadelha

Vocês estão tocando num ponto muito importante. Como eleger prioridades frente à visibilidade de uma doença? Segundo, por que muitos administradores e políticos preferem a noção de campanha de erradicação? Em vários momentos, isso levou a desastres enormes. Por exemplo, no caso da ancilostomose e da própria malária. Ao falar em erradicar, além de mobilizar esforços, atenção e recursos, você está dizendo que vai dar solução definitiva. A população adquire essa percepção de que vai ser definitivo, mas a gente sabe que é uma grande balela. Qualquer movimento deste tem a fase da manutenção, do controle. Vocês estão falando dos guardas. O Bresser, logo depois de assumir o Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare), quis demitir todos os guardas que tinham sido contratados excepcionalmente com base em um argumento meramente burocrático, sem levar em conta a necessidade social.

Milton Moura Lima

Em relação à malária, tenho uma observação a fazer. No Brasil, quando éramos cinqüenta milhões de habitantes, tínhamos seis milhões de casos de malária por ano. Todos os estados e territórios tinham transmissão de malária. Hoje só ocorre na região amazônica. Exatamente por não existir pesquisa entomológica. Sem saber o que está ocorrendo com o vetor, continuam insistindo com o DDT, um inseticida que provoca alta irritabilidade em alguns insetos. Por exemplo, o Anopheles nimbus, na Índia. O hábito do mosquito era entrar na casa, ficar duas a três horas, depois picar, repousar e ir embora. Com a irritabilidade elevada produzida pelo DDT, entrava, repousava e ia embora; não picava. Então, foi favorável. Eles erradicaram a malária assim, nessa área. Na América Central, o transmissor Anopheles albimanus entra, pousa, irrita-se mas, antes de sair, pica.

Jair Rosa Duarte

Interessante é que na América Central, diferentemente do Brasil, existe superposição da área agrícola, com muita aplicação de inseticidas clorados, e área malarígena. Então, houve resistência altíssima do albimanus. No Brasil, nunca houve superposição de área agrícola e malarígena...


Brigada contra os mosquitos na campanha de erradicação da febre amarela no Rio de Janeiro, no início do século. (Oswaldo Cruz — monumenta histórica, São Paulo, vol. VI, 1972).

Milton Moura Lima

Nós não sabemos por que a malária deixou de existir em grande parte do território brasileiro. Aqui no Rio de Janeiro, em 1940, verificou-se uma epidemia com mais de um milhão de casos. Por que deixou de existir? Não há estudos demonstrando que foi, por exemplo, porque houve diminuição da longevidade do mosquito. Chegava, entrava em contato, podia picar, mas não sobrevivia o tempo necessário para transmitir. Qual foi a irritabilidade que o neutralizou?

Jaime Benchimol

Em sua avaliação, a campanha mundial de combate à malária com base no DDT foi bem-sucedida?

Milton Moura Lima

Em grande número de países, sim. Eu vi uma coisa absurda. As Nações Unidas tinham um programa de empréstimo aos países para combater a malária. Era empréstimo só no nome. O país não precisava pagar. Bem, Honduras teve um pedido aprovado com o aval da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e da Oficina Sanitária Pan-Americana. As Nações Unidas tinham um escritório em El Salvador com jurisdição sobre toda a região. Quem o chefiava era um hindu. Era ele que tinha que entregar o cheque às autoridades hondurenhas. Houve um congresso internacional de malária em El Salvador. Estava lá o dr. Bustamante, que tinha participado da concepção do programa. No coquetel, ao ver o hindu, ele chamou as autoridades hondurenhas: "Vamos lá". Quando se aproximaram, antes que falassem, o hindu disse: "Sr. ministro, o cheque está assinado; amanhã o senhor passa por lá para pegá-lo". Virou-se para o dr. Bustamente e declarou: "Vocês, da Organização Mundial de Saúde, causaram um grande prejuízo a meu país com o programa de erradicação do gambiae." Antes do plano de erradicação da malária, a Índia tinha vinte milhões de casos de malária por ano, morriam dois milhões. "Deixaram de morrer dois milhões!", ele disse. Bom, vou concluir minhas considerações acerca do inseticida. Nós conhecemos o hábito do Aedes aegypti. Existem inseticidas que são colocados na parede. São os usados na malária. Têm ação residual longa, seis meses ou mais, muitos deles. Queremos testar esta metodologia. Porque o mosquito vive dentro de casa. Tivemos uma experiência fantástica aplicando propoxur (Baygon) na América Central. No dia seguinte, a captura consistia em pegar mosquito morto. E a malária despencou. Estamos programando realizar este tipo de trabalho com tratamento na parede, de ação residual. Custa menos, já que se passa uma vez a cada seis meses. Para o tratamento focal — isso se o município realmente fizer o combate ao transmissor —, nós precisamos de quatro mil e duzentos homens, a cada dois meses, só para fazer esse tratamento. O fumacê que a Comlurb aplica é uma medida de complemento, importante num momento de epidemia. Eu não sei se os dados da dra. Mari Baran mostram a queda dos casos de dengue.

Anna Beatriz de Sá Almeida

Mostram sim.

Milton Moura Lima

Nós não podemos confiar no trabalho sendo feito com base no tratamento focal. Seria o ideal, porque sabemos que funciona.

Paulo Gadelha

Estivemos até agora falando em dengue, e a experiência cubana não foi trazida ainda à baila.

Milton Moura Lima

A metodologia deles é brasileira. Em janeiro de 1908, Emílio Ribas utilizou, pela primeira vez no mundo, o combate às larvas de Aedes aegypti em Sorocaba. Os cubanos iniciaram o combate antilarvário meses depois. O que Ribas utilizava? Querosene com alcatrão, em partes iguais. Dentro de casa, combatia-se o adulto queimando enxofre ou pó de piretro, chamado pó da Pérsia. Dois mil anos antes de Cristo, já se usava o combate ao adulto, na peste. Os persas já usavam. Por isso ficou o nome de pó da Pérsia, dado ao piretro. Com relação a Cuba, vejam como procedeu na epidemia de 1977: provocada pelo tipo 1, fizeram um combate muito organizado. A dengue baixou, desapareceu o combate ao Aedes aegypti. Em 1981, entrou o tipo 2. Só que a cepa de tipo 2 que eles têm não é a mesma que nós temos. Essa diferença está relacionada à predominância lá da doença em crianças. Conosco não foi assim. Então, em 1981, eles levaram dois meses treinando, ajeitando, organizando o programa e a dengue se espalhando. Agora, quando entraram em campo, dois meses liquidaram a doença. O último caso foi em outubro de 1981. Em 1990, visitou-nos o dr. Rafael, vice-ministro da Saúde e responsável pela campanha contra o Aedes aegypti. Ele me procurou lá na Comlurb. "Olha, Milton", ele me disse, "só tenho a cidade de Havana positiva; no resto do país está erradicada." No ano passado, em novembro, houve um congresso sobre a dengue, no Hotel Glória, no Rio. Veio o dr. Kouri, virologista, que deu uma palestra na Secretaria Estadual de Saúde. Ele explicou os índices zero, só que disse: "Nós estamos com três locais positivos: Havana, Santiago e Flórida." Terminada a palestra, eu comentei: "Doutor, estou preocupado. Em 1990, só tínhamos Havana. Por que agora já são três?" Ele argumentou: "Não, olhe os índices." Em março, houve nova epidemia de dengue em Santiago de Cuba. Agora, por que isso? Em cada oito quarteirões, eles punham uma armadilha. Os índices que apresentavam eram o resultado da visita a estas armadilhas. Acharam que bastava. Só que esqueceram de dizer ao Aedes aegypti que ele tinha de depositar os ovos lá. Porque não se pode ter epidemia com 0,02% de infestação. Tenho certeza de que se mantivessem a tecnologia brasileira, que teve êxito com Oswaldo Cruz, eliminavam. Por quê? Porque lá a lei funciona. A dra. Cecília assistiu em Cuba à visita de um guarda a uma casa que tinha planta com água. O morador recebeu multa de cinqüenta dólares. O sujeito chorava, dizia que não podia pagar, mas lá dá multa e cadeia.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Funciona também com a Rockefeller. Na rua em que o guarda estava, tinha a bandeira amarela pendurada num bambu para que o guarda-chefe, ao passar pela rua, de longe soubesse que seu subordinado estava lá. O camarada entrava na casa ou qualquer ambiente em que o Aedes aegypti pudesse se criar, se não pudesse limpar bem, jogava álcool, flambava, revirava a casa do indivíduo.

Milton Moura Lima

Eu disse para o dr. Rafael, "Aqui não podemos flambar". "Mas por que não?", indagou ele. E eu expliquei: "Mas doutor, se um barraco pegar fogo, não vai ser só um, serão vários. Além disso, o senhor imagine: o guarda chega, enrola o algodão num pedaço de pau e passa fogo num depósito que foi positivo para matar os ovos, depois ele sai e a criançada resolve brincar de guarda..."

Keyla Marzochi

Eu queria perguntar a vocês três, em especial ao dr. Moura Lima, porque sei que ele passa vinte e quatro horas por dia absorto na entomologia, como é que vêem na situação atual, bem objetivamente, os caminhos para o controle da dengue no Brasil e, sobretudo, no Rio de Janeiro. Pelo menos em termos de controle básico, sem falar nas avaliações de resistência, de infectividade do Aedes, todos esses controles que têm de ser feitos também. A outra dúvida diz respeito à superposição do uso do inseticida residual. Houve superposição no Sul do país em áreas de cultivo de café e soja, em São Paulo e no Paraná, na época em que se tratava concomitantemente das culturas, da malária e de doença de Chagas. E algumas pessoas acham que o controle da doença de Chagas foi assegurado nesses locais, como também o da malária. Ainda uma questão concernente à dengue que, aqui no Rio de Janeiro atacou, predominantemente, adultos. Tanto em Cuba como particularmente na Ásia e na Tailândia, a epidemia de dengue é antiga. As populações desses países conviviam com a doença há muitas e muitas décadas. Mesmo em Cuba era conhecida desde o século passado, só que não tinha formas graves. Por seu próprio insulamento, conseguiram se preservar com o sorotipo 1, que ali não causava maiores problemas, apesar de ondas epidêmicas. Se causasse, seria uma proporção muito pequena de casos graves. Quando, em 1981, entrou o tipo 2, eclodiu uma epidemia nova. Por que teria predominado nas crianças? Talvez porque os adultos possuíssem anticorpos à epidemia anterior, de dengue do tipo 1, que precedeu à de tipo 2. E eles fornecem proteção relativa, para sorotipo cruzado, nos primeiros seis meses, uma proteção bastante forte, quase segura. A partir dos seis meses até três a cinco anos após uma infecção, há a possibilidade de não só adquirir a doença por um segundo sorotipo, mas adquirir a doença grave. E em Cuba ocorreram efetivamente 158 óbitos, 100 em crianças e 58 em adultos. A preocupação em descrever a doença como similar à que grassava na Tailândia levou-os a realçar muito esse predomínio de crianças. É claro que houve casos entre adultos. Um terço em adultos e dois terços em crianças, numa região onde a dengue já tinha uma história bem antiga. Como entre nós a história da dengue é relativamente recente, a infecção pega indiscriminadamente adultos e crianças e, por isso, as formas mais graves, como nas doenças infecciosas de uma maneira geral, tendem a predominar em adultos. Não existem aqui tantos adultos já resistentes e crianças suscetíveis. Na Tailândia, provavelmente é o que acontece: são suscetíveis praticamente só as crianças que estão nascendo, descartando-se aquelas na fase do anticorpo materno, os lactentes.

Jair Rosa Duarte

Mais tarde o Brasil pode ficar na mesma situação.

Keyla Marzochi

... Aí o predomínio em crianças será tão grande quanto lá, e as formas graves, que formam uma proporção pequena das ocorrências, vão recair sobre essa população.

Milton Moura Lima

Segundo o ponto de vista do dr. Kouri, não. Ele afirma que são duas cepas totalmente diferentes. O vírus do Brasil seria da Jamaica, e o que eles tiveram em Cuba teria vindo da Ásia.

Keyla Marzochi

Mas pelo que sabemos, do ponto de vista clínico, não há por que um vírus preferir ocasionar sintomas em determinada faixa etária, poupando outra. Por que o vírus daqui iria poupar as crianças?

Milton Moura Lima

Isso talvez seja uma questão de comportamento. Nossas crianças devem permanecer mais tempo do que as cubanas fora de casa...

Keyla Marzochi

Acho que não. Quando se faz inquérito soro-epidemiológico, não existe diferença significativa na população adulta e nas crianças. No Brasil, a dengue, em geral, incide mais em mulheres do que em homens, porque as mulheres procuram mais o tratamento médico e assim os casos podem ser notificados.

Milton Moura Lima

Parece-me que os dados de Cuba de que estamos falando dizem respeito a mortes, não a enfermos.

Keyla Marzochi

Mas entre enfermos, a dengue grave acomete mais em crianças. Um médico cubano disse-me que as crianças lá são mais suscetíveis a morrer, não a adquirir a doença grave. Como o tratamento da forma grave lida com o choque, a reposição hídrica em crianças é uma coisa muito mais delicada — principalmente no choque por dengue — e termina levando ao pior prognóstico nas formas graves. Para eles, de uma maneira geral essas formas foram mais freqüentes em crianças do que em adultos. Só que evoluía para a morte mais entre as crianças do que entre os adultos. Todos adquiriam a forma grave da dengue hemorrágica, mas na hora de morrer, morriam mais crianças.

Milton Moura Lima

O dr. Kouri garante que são duas cepas completamente diferentes.

Keyla Marzochi

Sim, são duas cepas diferentes, mas isso não implica diferenças clínicas por idade. Não tem como explicar, do ponto de vista físio-patológico-clínico, porque determinada cepa de determinado vírus, bactéria ou protozoário produz reação menor em crianças de um lugar, no caso aqui, e maior em outros, como em Cuba. Isso deve ser realmente uma questão epidemiológica relacionada à imunidade, à exposição antiga. É como a gente atribuir ao fumacê, sem dúvida nenhuma importantíssimo, a responsabilidade exclusiva pela redução da transmissão da dengue no Rio de Janeiro, nessa epidemia do momento. Existem outros fatores. Quais? O estado imunológico da população. Se formos examinar a distribuição geográfica da dengue no Rio de Janeiro, desde 1986, veremos que a tendência é de ela se repetir nas mesmas áreas, portanto de ter um número cada vez menor de pessoas suscetíveis. Daqui a pouco, só as crianças dessas áreas serão suscetíveis. Os adultos vão terminar imunes às cepas circulantes. É claro que se chegarem os tipos 3 e 4, tudo muda, a dengue vai dominar. E, atualmente, no Rio de Janeiro (nas áreas de maior risco), além do estado imunológico da população, tem o fator climático: o tempo esfriou e se tem uma curva cada vez menor de pessoas suscetíveis...

Milton Moura Lima

Lembro de um trabalho seu onde mostra que num ano o pico aconteceu exatamente em junho e julho, já estava bastante frio. Quantas pessoas tiveram dengue agora no Rio de Janeiro? Um milhão, dois milhões?

Keyla Marzochi

Quem sabe? Teríamos de fazer um estudo epidemiológico muito amplo, por várias regiões da cidade...

Milton Moura Lima

Vamos considerar dois milhões: há mais de três milhões que não contraíram a doença.

Keyla Marzochi

É uma questão geográfica. Temos que definir onde estão estas pessoas que não tiveram dengue. Como andam as diferenças de distribuição em termos de resposta imunitária nas diversas regiões do estado do Rio de Janeiro. Este quadro é que vai definir quem serão os próximos suscetíveis a uma epidemia provocada por novos sorotipos, porque, pelo andar da carruagem, a infra-estrutura continuará a mesma. Estas pessoas é que vão ser, de novo, as vítimas da terceira epidemia, de tipos 3 e 4. Os drs. Jair e Luís é que vão me dizer como se pode propor uma forma de controle da dengue, apesar de o crescimento que está havendo da incidência do Aedes e desse quadro de descontrole.

Jaime Benchimol

Posso pegar uma carona na sua pergunta. Em seu artigo, você fala que a primeira epidemia de dengue ocorreu no Rio, em 1986.

Milton Moura Lima

Isso na atualidade. Na década de 1920 houve dengue em Niterói. Olha, tem um dado interessante. Ninguém encontrou dengue em Belém, mas há muitos anos, quando ainda existia Aedes em Jequitibá, o dr. Cosme e parece que o dr. Deane, também, que faziam estudos por lá, encontraram uma boa quantidade de pessoas que tinham tido dengue antigamente.

Jaime Benchimol

A história da dengue é tão bem conhecida quanto a da febre amarela?

Milton Moura Lima

Ah, não. Agora é que a dengue se tornou assunto do dia.

Jaime Benchimol

No período histórico, em que a febre amarela foi quase endêmica, não se poderia ter confundido a dengue com ela?

Keyla Marzochi

Claro que sim.

Milton Moura Lima

Foi o caso de Belém. Passou despercebida. Agora, por que terá desaparecido? Não será por que o Aedes foi erradicado?

Keyla Marzochi

Só no começo deste século, com Finlay, associou-se o vetor à dengue.

Milton Moura Lima

Outras descobertas interessantes aconteceram na época. Na malária, Adolpho Lutz foi o primeiro a ver ainda no começo deste século a transmissão silvestre, fazendo um estudo por ocasião da construção da estrada de ferro São Paulo-Santos, quando houve um surto de malária muito grande. Ele foi mandado, aqui de Manguinhos, para ver o que estava acontecendo. Pela primeira vez apontou as bromélias como criadouros de Kerteszia. Verificou também que só os operários que trabalhavam na construção da estrada, dentro da mata, tinham malária. Aqueles burocratas que ficavam no almoxarifado, sob cobertura de lona, eram poupados, sobretudo porque uma clareira grande os separava da mata. Lutz então aconselhou o desmatamento para controlar a Kerteszia. Esse trabalho, Adolpho Lutz não pôde publicar nem em Manguinhos. Disseram que ele estava biruta, porque ele classificou aquelas manifestações de ‘malária selvagem’. Ele mandou o trabalho para a Alemanha e lá foi publicado. Na década de 1950, o dr. Pinotti prestou uma homenagem a Lutz, em Belo Horizonte, entregando a Berta Lutz, sua filha, o exemplar da Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, com a publicação, em alemão e em português, do artigo original de seu pai, já falecido. A campanha no Sul do Brasil contra a malária foi iniciada na década de 1940, exatamente como propunha Lutz: desmatamento. Só que o comportamento da Kerteszia lá era diferente do apresentado em São Paulo. Neste estado saía da mata, qualquer clareira bastava. A de Santa Catarina, saía da mata e ingressava nas casas. Por quê? Quando os senhores viajam de avião, vêem um tapete permanente de nuvens da floresta, de São Paulo — Paraná para baixo, quando a Serra do Mar encosta no mar. As condições microclimáticas para Kerteszia permitiram que saísse das matas. Mesmo assim, a campanha foi um sucesso. Florianópolis erradicou a malária antes da era do DDT, arrancando manualmente as bromélias, que brotavam nas pedras. Eliminou os criadouros.

Jair Rosa Duarte

Voltando à dengue, acho importante lembrar que ocorria muito nas Américas. O próprio dr. Deane, quando esteve exilado na Venezuela, contraiu a doença que foi tratada como se fosse uma gripe. Na Venezuela, era tão banal quanto uma gripe. Mesmo no Sudeste asiático, se não me engano, foi em 1953 que começou a aparecer com mais freqüência a síndrome hemorrágica, afetando mais crianças. Nas Américas, a gente só tinha dados históricos: 1916, São Paulo, 1923, Belém.

Keyla Marzochi

Até Santa Maria teve dengue; o Pará também. É curioso no Rio Grande do Sul, por causa do clima...

Jair Rosa Duarte

Mais curioso ainda é que em 1977 houve uma epidemia de dengue em todo o Caribe, mas no Brasil, não. Só foi ter dengue em dezembro de 1981, em Roraima, bem perto dos países onde grassava sistematicamente. Parece que quem trouxe a doença de Roraima para cá foi um circo, que se estabeleceu em Nova Iguaçu. Quando se começou a detectar um absenteísmo escolar muito grande, atribuiu-se o fato, primeiro, aos gases emanados da fábrica da Bayer, em Belford Roxo. Começou a se investigar e percebeu-se que havia uma infestação violenta de Aedes aegypti. Violenta mesmo. Em Nova Iguaçu não há prédios, há um corredor de casas ideal para o Aedes. Aí se descobriu que se tratava realmente da dengue. É um episódio curioso, porque a população reagiu, falou da dengue antes de as autoridades sanitárias se pronunciarem. Isso está filmado. A Fiocruz tem o filme que mostra a população de Nova Iguaçu paralisando a Rio-Petrópolis para pedir providências contra a dengue. Se não me engano, pertence ao acervo do Departamento de Informação Científica e Tecnológica (Cict) da Fiocruz. A partir daí, a dengue foi varrendo o Rio de Janeiro, depois Alagoas. As incidências parecem que são irmãs.


‘Os cientistas’, criação coletiva do jornalista João Antônio Rodrigues Garcia e colaboradores (Jão & Cols.), são tirinhas publicados diariamente no Correio Popular de Campinas, São Paulo.

Milton Moura Lima

Como organizar o trabalho? A metodologia não tem segredo. Faltam leis fortes para garantir a visita. Nós não podemos ficar com 30% de casas sem ser visitadas. E honestidade, trabalho. É difícil mas não impossível.

Paulo Gadelha

Eu gostaria que o senhor explorasse um pouco mais estes contextos diferentes, o de hoje e o do início do século. O que significava a autoridade excepcional atuante na cidade daquele momento, o que significa no momento atual. E queria também que comparasse o contexto cubano e o brasileiro, seja pelo nível de consciência e mobilização social, seja pela capacidade de exercer autoridade, pelo autoritarismo. Pensando na situação atual do Rio de Janeiro, na complexidade da cidade, vejo questões ligadas, por exemplo, à segurança. Quando a população vai aceitar a entrada em suas casas se já vivencia problemas tão graves de violência? Como pensar a combinação de alternativas coercitivas, com um programa educativo e democrático que seja eficaz, levando-se em conta, inclusive, a necessidade permanente de pessoal?

Ricardo Lourenço de Oliveira

É verdade que no Rio de Janeiro as campanhas lidaram com muitas dificuldades de segurança e rejeição. Nunca li relatórios da campanha de Oswaldo Cruz ou subseqüentes falando da eventual dificuldade de entrar nos cortiços ou subir os morros. Deve ter havido, tinha muito menos gente mas já existia rejeição. A idéia de que o mosquito transmite a doença era muito mais difícil de explicar do que hoje, quando todos adquirimos essa noção dos pais ou na escola. No início do século, era uma descoberta ainda muito recente. Como eles resolveram estas dificuldades para fazer a eliminação de focos, ou até para impedir a entrada da febre amarela, trazida por alguém que viesse de área infectada, eu não sei. Na campanha de 1929, embora o Rio de Janeiro fosse uma cidade mais complexa, houve também, nós sabemos, rejeição aos mata-mosquitos e focos de violência em certas áreas.


Mais uma prancha de ‘Os cientistas’, de Jão & Cols.

Jaime Benchimol

Os ingredientes destes modelos de combate são mais ou menos os mesmos, segundo o dr. Milton. Muda o veneno contra o mosquito, a tecnologia aplicada, mas os componentes são basicamente os mesmos. Então, eu pergunto se essa estratégia funciona fora de um contexto de uso quase excepcional da autoridade, um contexto autoritário. A época de Oswaldo Cruz é muito singular porque ele e o prefeito da cidade governaram como déspotas, a saúde pública teve tribunal próprio, os contingentes envolvidos na campanha atuaram como um exército nos distritos em que a cidade foi dividida. Quando Oswaldo Cruz deu por encerrado o combate à febre amarela no Rio, propôs que aquela estratégia fosse adotada em pontos do país, prevendo a possibilidade de reinfestação da capital. Isso foi descartado, o federalismo não possibilitou, as oligarquias barraram e, na própria cidade do Rio de Janeiro, a estrutura do Serviço Especial de Combate à Febre Amarela foi desmontada. Em Belém, eles atuaram em 1909 a partir de um contrato quase privado entre o governo do estado e o Instituto Oswaldo Cruz: a equipe do Rio chegou à cidade, remontou aquele sistema para-militar, atuando como um exército, com disciplina férrea, com guardas já adestrados. Em 1928, quando a febre amarela ressurgiu no Rio de Janeiro, chegou pela retaguarda e, pela primeira vez, a sociedade civil participou da campanha. As grandes empresas instaladas na cidade — Light, a General Electric etc. — arregimentaram seus funcionários e criaram alas conexas ao sistema militar centralizado que o Clementino Fraga montou, seguindo o esquema estabelecido por Oswaldo Cruz. Em nível nacional, a operação toda ficou a cargo da Fundação Rockefeller. Eu pergunto se o fato de ser uma instituição desconectada do governo, relativamente livre das injunções políticas a que o governo local estava sujeito, com a autonomia de ação para implantar este esquema disciplinar rígido, se isso não foi fundamental para assegurar os êxitos parciais que conseguiu?

Paulo Gadelha

Partindo da ancilostomose, a Fundação Rockefeller tentou atuar em duas áreas muito próximas, a da febre amarela e, em seguida, a da malária. Na ancilostomose, tinha que lidar com realidades locais, de organização local e mentalidade da população nativa, de educação sanitária, tinha, portanto, que se imiscuir na cultura e na política local. E foi um grande fracasso. Não teve capacidade para manter isso. No caso da febre amarela e da malária, onde obteve sucesso e fracasso, não obstante o êxito da campanha contra o gambiae, atuou como um enclave. A Rockfeller dizia que não queria nenhuma interferência da política local, nem da realidade local na maneira como conduzia o seu trabalho. O recrutamento das pessoas, as regras transcorreram dentro de um enclave organizado no território nacional. Essa autoridade e autonomia foram fundamentais naquele contexto, mas é impossível reproduzi-las na situação moderna de incremento de cidadania, de vida democrática.

Jaime Benchimol

Dr. Milton, essa estratégia — cujos componentes, em sua opinião, são os mesmos — que funcionou com Oswaldo Cruz de forma autoritária, funcionou com a Rockefeller — um enclave desconectado das injunções políticas locais — funciona fora destes contextos? Sua experiência como sanitarista, acumulada desde a campanha contra o gambiae, lhe dá elementos para dizer que, com o Estado brasileiro, tal como ele é, com a interferência dos políticos, com a mentalidade mediana dos guardas que se recrutam, com essa estratégia é capaz de dar certo?

Milton Moura Lima

Não, é impossível! Uma vez recebi um telefonema de uma artista que mora no Alto da Boa Vista. Ela disse: "Eu estou com dengue e exijo que o fumacê passe hoje. Pago imposto e quero retorno." Com relação ao que você disse sobre Oswaldo Cruz, que não teve dificuldade, teve dificuldade, sim. Num palacete em Botafogo morava um senador. Chegou o guarda para visitar a residência e encontrou no jardim aquele chafariz, puro Aedes. Foi então comunicar ao senador que ia colocar petróleo ali. O senador chamou os seus guarda-costas, que pegaram o guarda sanitário pelas pernas para jogá-lo na rua. Só que o pobre mata-mosquitos foi alçado ao ar com o frasco e, devagarzinho, tirou a rolha e quando os guardas passaram com ele em frente ao chafariz, jogou o petróleo lá dentro. O senador exigiu a demissão dele. Quebrou a cara porque o mata-mosquitos foi elogiado. Sabe quem queria a cabeça de Oswaldo Cruz? Rui Barbosa! No Senado este proclamava: "Inofensivo mosquitinho." Chegaram a tal ponto as hostilidades que Oswaldo Cruz foi a Rodrigues Alves entregar o cargo. E o presidente, que já tinha perdido a filha com febre amarela, disse: "Não aceito sua demissão. Não quero que outro pai venha a sofrer o que eu sofri."

Paulo Gadelha

Voltando a explorar as diferenças entre os contrastes históricos, há outro aspecto: hoje, a chamada ‘fé na ciência’ que Oswaldo Cruz tanto pregava é muito mais aceitável no seio da população. Ela acredita que o conhecimento científico é verdadeiro. Isso propicia adesões. Por outro lado, experiências nacionais mostram capacidade de organização para lidar com eficácia com questões de saúde pública. Já se falou aqui da bem-sucedida tecnologia de vacinação em massa, que envolve um território enorme, que exige complexa logística montada. Estamos lidando com uma situação que não é pontual. Exige uma intervenção muito mais sustentada a longo prazo, uma intervenção muito maior no cotidiano das pessoas. Não se trata de uma vacinação, que requer a visita a um posto num dado momento. Se não é possível essa associação entre formação de pessoal, educação, adesão popular, qual é a alternativa?

Keyla Marzochi

Não podemos nos esquecer de que, mesmo que se faça um grande investimento em medidas de controle vetorial, se não se associar esse investimento à questão da educação, com esse crescimento populacional e com o saneamento básico do jeito que é, pode acontecer de o controle vetorial não ter efeito, por não se poder manter os seus resultados imediatos. Acho que toda a população já sabe hoje como é que se transmite a dengue, que vaso de planta com água contribui etc. Isso precisa ser incorporado desde a infância, no entanto não chega a se constituir em prioridade para as famílias onde a dengue predomina. Não tem o chamamento de uma doença meningocócica, que mata, aleja e por isso se impõe às prioridades sociais. Além de a informação influir ou atingir pouco, está em curso um processo de descrença social. Mesmo que creia na ciência, a população está exposta à atuação da mídia contra as ações públicas, às falcatruas dos políticos, e vai se tornando descrente.

Paulo Gadelha

Da eficácia da ação, não é? Você tocou num ponto que considero fundamental. No caso das vacinações e de outras campanhas, houve a credibilidade. Hoje não há.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Essa idéia de que acabando com o depósito, acaba-se com o mosquito... não acaba. Fala-se eternamente de que ele procria naquela água, a criança vê aquilo, entra na adolescência, depois na idade adulta e aquela história se repete sempre, porque ninguém toma uma atitude. A pessoa conclui: "Na minha casa a minha mãe tinha, agora tem e vai continuar tendo. E isso não é nada demais." Não houve um caso de dengue hemorrágico por perto, nunca houve medo suficiente para que a educação, desde a infância, fosse assimilada como questão sanitária.

Keyla Marzochi

Quero falar do desastre que aconteceu neste último governo, o plano de erradicação do Aedes. Esta expressão está equivocada. Tem que ser erradicação da dengue, da doença. Isso sim pode ser feito, só rebaixando o Aedes a níveis mínimos. Como acontece com a poliomielite, a gente não fala em erradicar o vírus da pólio, fala em erradicar a poliomielite. O desastre foi ter havido uma esperança enorme com esse plano da administração Jatene, porque no bojo do plano havia um investimento importantíssimo, ao lado do controle vetorial e da avaliação deste controle, investimento em educação e saneamento básico. Isso traria benefícios enormes para o país porque não controlaria só a dengue, mas muitas outras endemias como leptospirose, doenças diarréicas gerais etc. Mas aí se efetuou a redução de custos sob a forma de um corte absurdo, como falou Gadelha, por medidas burocráticas, de natureza econômica, sem ir ao âmago da questão, sem um compromisso com os resultados almejados. A única diferença desse plano em relação aos outros seria o acréscimo do saneamento básico e a ênfase no processo de educação envolvendo vários setores, secretarias e ministérios. Seria importante para a cidadania tentar mover um processo contra o governo, se possível através de associações, pela falta de controle da dengue. Promover uma ação pública contra o governo que não está cumprindo o seu papel, a parte que lhe toca.

Milton Moura Lima

A meu ver, na situação atual a maior dificuldade reside na violência. No meu tempo, guardas foram assaltados só para entregarem o uniforme e a bolsa, porque os guardas da Sucam podiam entrar nas casas. Atualmente, já está sendo posto em prática o sistema de zoneamento. O guarda vai receber uma área, por exemplo, mil casas que ficam sob sua responsabilidade e que devem ser tratadas no período de dois meses. Qual é a vantagem? Depois de um ou dois ciclos, passa a ser conhecido das famílias, como eu conheço meu carteiro. Para as favelas, seguindo a programação, se o município realmente ficar com a responsabilidade, serão contratadas para trabalhar nas favelas pessoas que morem nela. Bem, a lei já permite o pedido de folha corrida da polícia para evitar que assaltantes ingressem no serviço. Logicamente, a fiscalização nas favelas seria feita por pessoas de fora. Isso talvez melhore consideravelmente a questão de casas não tratadas, casas pendentes. A metodologia não foi modificada. O tratamento é focal. Nós fizemos um estudo aqui, no Rio de Janeiro, em favelas e bairros: Cascadura, Madureira, Jacarepaguá, Benfica e uma favela que, se não me engano, foi a dos Macacos, em Vila Isabel. Fizemos uma área de setecentas casas e deixamos a do xerife. Eles ocupam sempre os lugares mais altos da favela. Não íamos lá. O problema maior para o morador, principalmente o de favela, não é o Aedes aegypti. Ninguém pede o fumacê para combater o Aedes aegypti. Telefonam pedindo para combater o mosquito que não os deixam dormir, o pernilongo, que incomoda. Houve casos de favelas onde capturamos quinhentas fêmeas de Culex. Então, tornou-se nossa preocupação tratar também do Culex, eliminar o criadouro. Chegamos até a receber um pedido do chefão para estender o combate até lá em cima. E foi aceito, imediatamente. Isso é fundamental, pois assim podemos contar com a participação da população.

Jair Rosa Duarte

Esse caso aconteceu também no Vidigal, onde, pela primeira vez, a Fundação Nacional de Saúde trabalhou com a Comlurb. Ela tem a tarefa de combater o Culex, o pernilongo, durante a noite, e a Fundação, o Aedes aegypti que pica de dia. O resultado foi uma aceitação enorme de parte da população. Curiosamente no mês seguinte, recebi uma publicação da Guatemala externando grande preocupação porque o trabalho de combate à malária vinha sendo dificultado. Fizeram uma pesquisa para saber como a população receberia melhor os guardas; 80% das respostas apontavam para a conveniência de se divulgar que o trabalho feito nas casas não era só para matar o mosquito da malária, mas para matar também o pernilongo. A pesquisa científica feita na Guatemala coincidiu exatamente com a filosofia que aflorou aqui. Você tem que atender à população no que ela encara como problemas e para incutir o que você considera como alvo maior: o combate ao Aedes aegypti.

Milton Moura Lima

Recebemos, nessa época, a visita de um pessoal da Organização Mundial da Saúde, de Genebra. Pediram para visitar as favelas. Eu informei que nas favelas, quando começamos, o índice era de 37,5%, e caíra para 0,05%. Aí eles subiram a favela para verificar. Chegou uma senhora e perguntou: "O que este moço está procurando?" "Pernilongo", respondeu o guarda. Então ela disse: "Antes, para assistir televisão, era de calça comprida, com a boca da calça amarrada. Hoje, assisto de short. Mosquito aqui o senhor não encontra nem para mezinha." Mezinha é remédio. (risos)

Ricardo Lourenço de Oliveira

A resposta da população é realmente importante. Na Amazônia, tendo em vista o fato de o mosquito transmissor da malária picar muito mais fora da casa do que dentro dela, sugerimos interromper, numa área experimental, a borrifação da parede para testar outros métodos de controle. Por exemplo, compramos mosquiteiros de rede, mosquiteiros de cama, impregnamos com inseticida, no caso deltametrina. Primeiro, fizemos uma entrevista para saber quem queria participar, quem gostava de dormir embaixo do mosquiteiro. Houve gente que dizia preferir ter malária a ter de dormir debaixo de mosquiteiro. Depois de utilizarmos durante uns oito meses o mosquiteiro, acompanhando a intensidade do Anopheles dentro e fora da casa, fomos chamados pelo pessoal da Fundação Nacional de Saúde (FNS) para ouvir queixas do lugar. Queriam que se fizesse a borrifação.Se quiséssemos deixar


Aedes Aegypti picando a cauda de um camundongo. Foto: Genilton Vieira/Laboratório de Análise e Produção de Imagens do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz.

os mosquiteiros, que deixássemos. Fomos lá e vimos que não tinha havido aumento de transmissão da malária e sim diminuição. Não entendemos. Mas eles tinham baratas nas casas. O teto era feito de palha, a parede de madeira da floresta, e a imundície era muito grande. A borrifação, que era feita, teoricamente, de seis em seis meses, depois de ano em ano, diminuía muito a infestação de baratas. Quando fazíamos as capturas de mosquitos, tínhamos que ficar espantando as baratas que subiam pelas pernas, baratas pequenininhas, ninfas. Tivemos que suplicar à população para deixar, pelo menos, completar um ano de trabalho para a gente poder entender o fluxo da população dos mosquitos, que se modifica com as cheias, e só depois voltar a borrifar tudo, porque eles não agüentavam mais as baratas. É um problema de educação. As pessoas têm de entender até que ponto aquilo é benefício ou não.

Luís Borges

Vou passar para outro assunto. Realmente, não há novidade essencial na técnica do trabalho contra o vetor. Mas eu queria enfatizar duas coisas. A primeira é que o pessoal de nível universitário em estatística tem que trabalhar em tempo integral, com dedicação exclusiva, numa campanha desse tipo, seja ela em nível nacional ou local. A segunda é que esse pessoal tem de receber o melhor treinamento possível para a dengue, em todos os aspectos, porque nossas campanhas são de equipe. Então, não importa só a epidemiologia ou a entomologia, mas a visão global. Tempo integral, dedicação exclusiva, numa época em que ninguém tem aumento de salário é até difícil dizer isso, não é? Mas não vejo outra solução.

Paulo Gadelha

Esses aspectos que vocês ressaltaram de como a população valoriza ou não determinadas questões mostra a necessidade de ter nesta equipe antropólogos, sociólogos, historiadores, também. O antropólogo é treinado para perceber certos tipos de representação que um profissional de outra área não enxerga.

Keyla Marzochi

Essa interação de antropólogos e biólogos na equipe podia ser extensiva às secretarias de educação, visando a formação de professores de todas as escolas, considerando noções essenciais à saúde pública de forma curricular, no âmbito do projeto educacional.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Se uma professora de biologia tiver que ensinar germinação e fertilização no curso de ciências, por que não usar como exemplo o ciclo do mosquito que tem um ovo, daquele ovo sai um bichinho que vive de uma forma, come de um jeito, transforma-se depois num bicho com asa, que chupa furando...? Por que todo professor ensina metamorfose com borboleta, e não com esse modelo para a criança entender? Mostra que a fêmea precisa de sangue porque só com ele vai botar ovo. A criança pode aprender a interromper esse ciclo de várias formas. Seria possível montar programas que juntassem desde redação, até o ensino de matemática e de ciências.

Jaime Benchimol

Já que a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) está implementando um programa de educação à distância, por que não montar um plano-piloto interdisciplinar reunindo historiadores, biólogos etc., montar inclusive um kit experimental visando o adestramento de professores. Os professores adoram isso.

Paulo Gadelha

A Fiocruz tem a vantagem de reunir no mesmo local experiências muito diferentes. Tem muita gente trabalhando já com educação em saúde e em ciência. O Espaço Museu da Vida2 2 Museu interativo dedicado às ciências da vida, cujo projeto é coordenado pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, em processo de implantação e com inauguração prevista para o próximo mês de setembro. vai ter que lidar com isso. Vamos aproveitar um museu, que vai atingir um número enorme de pessoas e tratar dessas questões nas suas exposições e em experimentações científicas realizadas com os visitantes.

Ricardo Lourenço de Oliveira

Todo mundo sabe, eu sabia quando estudava no segundo grau, que existem doenças transmitidas por mosquitos. Minha mãe tinha tido malária, ficou com problemas auditivos de tanto quinino que tomou. Em meu laboratório somos cinco pessoas; as mães de três já tiveram várias malárias. Todas moravam no Rio de Janeiro. Quando vim fazer o cursos básico, vi Aedes aegypti guardados em coleção. Eram amarelos, horrorosos, tudo muito distante de mim. Igual a uma criança que mora aqui em Tomás Coelho ou Manguinhos, que sabe que existe a dengue, que é transmitida pelo mosquito, mas não faz parte de sua realidade. O dr. Deane falou que eu deveria ler a tese do dr. Periassu sobre os mosquitos conhecidos no Brasil, uma das primeiras feitas em Manguinhos. É linda, tem mapas lindos, coloridos, do Rio de Janeiro com todos os bairros onde ele achou Aedes aegypti, várias experiências, aquelas folhas dobradas, de colonização de aegypti, bromélias com aegypti... mas tudo aquilo eu achava pitoresco, histórico. Já tinha Aedes aegypti aqui no início da década de 1980, e eu ainda achava aquilo pitoresco. Agora, imagina uma criança, um adolescente que não lida com isso.

Keyla Marzochi

Depende da maneira de ensinar. Se for assunto de prova e se tiver aulas práticas, em que o aluno tenha que ir capturar o mosquito, identificar e tal, a experiência vai passar a fazer parte do mundo dele, mesmo que seja usada com fins de prevenção, mesmo que não esteja grassando a doença naquela oportunidade. Se for uma coisa viva... A idéia do kit é muito interessante, principalmente se tiver, também, ações políticas capazes de inserir isso na estrutura dos cursos, numa visão mais permanente, e não como episódica contribuição da Fiocruz...

Ricardo Lourenço de Oliveira

Escutei várias vezes o dr. Deane, com quem tive o privilégio de trabalhar treze anos na mesma sala, falar que era muito a favor da ação verticalizada. Dizia assim: "Ah bom, nos Estados Unidos está cheio de Aedes aegypti em lugares que têm condições sanitárias e de educação, e isso não adianta nada. Chegávamos lá e quebrávamos o pote que o sujeito guardava com água, na casa, o obrigávamos a dar o dedo para furar, na época de malária, e o sujeito achava que éramos o demônio." Escutei isso muitas vezes. Eu acho que é possível fazer desta forma, verticalizada, sem ter orientação sanitária, nem resolução de problemas educacionais. Pode acontecer. Assim como pode acontecer com a ação sanitária educacional, mas acho mais ainda difícil. A essa altura do campeonato é burrice separar as duas coisas. O dr. Deane dizia: "A população não tem que estar a favor." Dizia exatamente esta frase. Deve estar escrita em algum lugar. Mas se a população estiver a favor e bem informada, as condições são muito mais favoráveis.

Keyla Marzochi

O dr. Deane dizia também: "Que crime acabar com a FNS. Para onde vai esse conhecimento?" O processo de liquidação da FNS foi terrível porque extinguiu sem repassar, indo do vertical ao horizonal sem conservar no plano vertical as coisas que precisam ficar aí. Quando a gente fala em descentralizar, tem que ter a coragem de propor coisas novas, inclusive a questão da equipe.

Milton Moura Lima

O dr. Deane defendia esse ponto de vista porque tinha exemplos para dar. Num congresso internacional, um participante perguntou: "Dr. Deane, cite um país que tenha tido êxito em campanha vertical." Ele começou pelo Brasil: erradicação do gambiae, erradicação do Aedes aegypti.

Jaime Benchimol

Quando foi declarado erradicado o Aedes aegypti?

Milton Moura Lima

A primeira vez, em 1955. O último foco foi no interior da Bahia, num município chamado Santa Teresinha, na zona rural. No Rio de Janeiro, em 1942; no Espírito Santo, em 1938; no Paraná, em 1939; no Estado do Rio, em 1943. A Bahia foi o último foco. Ficou erradicado até 1967, quando Deane o reencontrou em Belém do Pará. Ele foi a Belém visitar seus familiares e viu o mosquito. Aí foi à sede do DNEru, em Belém, uma casa com quintal enorme, e disse ao dr. Scarfa: "Olha, tem Aedes aegypti aqui na cidade." O dr. Scarfa retrucou: "Não, não é possível!" Resumindo: no quintal da sede encontraram quarenta e tantos focos. Foi organizado o serviço de erradicação, mas a área infestada já alcançara São Luís. Em 1970 foi de novo erradicado. Como se comprova isso? Em 1972 foi feito o trabalho como deve ser feito, com base no tratamento focal, e não tinha mais o mosquito. Uma localidade, um país é considerado livre de Aedes pela Organização Mundial de Saúde quando se passam ciclos de três meses seguidos sem se encontrar o mosquito. Vem, então, uma comissão internacional de técnicos, faz a revisão e, conforme o resultado, fornece o certificado de erradicação.

Milton Moura Lima

Quando nossa metodologia teve êxito, na década de 1950, a Organização Pan-Americana de Saúde incentivou outros países do continente a partirem para a erradicação do Aedes aegypti. Só ficaram positivos três países: Venezuela, Cuba e Estados Unidos. Mas, em 1960, com a posse de Kennedy, houve a pressão dos países latinos para que os Estados Unidos fizessem a erradicação. O dr. Sopper recomendou ao governo norte-americano que contratasse técnicos brasileiros para orientar o programa em seu país. A resposta do governo foi a seguinte: "Os Estados Unidos não são América Latina. Faremos sem essa participação." Sendo conhecida a área de infecção, procuraram erradicar o Aedes aegypti com aviões. Eles aplicavam o inseticida por meio de ultra-leves. Bem, depois de dois anos de campanha, o governo norte-americano pediu à Organização Sanitária Pan-Americana para convidar três médicos brasileiros para avaliar o rendimento do programa: drs. Paulo Antunes, Augusto Severo e Mauro Maltes, todos ex-participantes da campanha contra a febre amarela. Foram e verificaram que eles não tinham erradicado o mosquito em nenhuma localidade, apesar do gasto de cinqüenta milhões de dólares. O principal criadouro que localizaram foi bandeja de ar-condicionado. O relatório foi violento. O diretor da Organização, dr. Abraham, pediu para o dr. Sopper redigir uma carta encaminhando o relatório ao governo norte-americano. A carta foi mais violenta ainda. O dr. Abraham virou-se para o Sopper e disse: "Mas isto aqui está muito violento." E o Sopper respondeu: "Quem vai assinar é você, não eu." Ele modificou um pouco e assinou. Nós poderíamos ter ficado livres nas Américas do Aedes aegypti, não da reintrodução, porque aí depende do serviço de vigilância, que falhou em Belém, depois falhou na Bahia e no Rio de Janeiro.

Jair Rosa Duarte

A reinfestação do Brasil teve origem em...

Milton Moura Lima

Parece que foi na Venezuela. A Bahia reinfestou-se por causa da Petrobrás, que montava alguma instalação petrolífera naquele país.

Jaime Benchimol

É viável erradicar um vetor?

Milton Moura Lima

O Aedes aegypti é. Sabemos que a metodologia funciona. Em Cuba está funcionando. Para se ter o engajamento da população, precisamos controlar também o Culex, pois é ele que molesta a população. Aí você diz: "Mas ele não transmite doença." E eu te digo: "Se tem dentro de casa setecentos mosquitos durante a noite, no dia seguinte esse homem que mora lá vai trabalhar como pedreiro ou em alguma máquina e, por qualquer descuido, sofre um acidente grave em conseqüência do mosquito, que não o deixou dormir direito."

Keyla Marzochi

A pergunta talvez seja outra. Eu sei que politicamente é interessante falar em erradicar, mas isso é realmente necessário? Não se pode apenas controlar?

Fonte: Dados fornecidos pela Fundação Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (FNS/MS)

(1) 1984 – 25 casos confirmados de FHD, com 11 óbitos.

(2) 1990/1 – 452 casos com 8 óbitos de FHD; 1995 – 105 casos com 2 óbitos; 1995 – 83 casos notificados

(3) Casos confirmados

(4) Casos importados e confirmados. Em 97, 63 confirmados

(5) 1996 – 6 casos de FHD, 1 óbito; 1997 – 12 casos de FHD

(6) Casos importados e confirmados

(7) 24 casos de FHD, sendo 5 óbitos

(...) sem informação

Milton Moura Lima

Pensando, por exemplo, no caso da varíola, erradicar é muito mais barato.

Keyla Marzochi

Não é isso que eu estou dizendo. Erradicar a doença é meta obrigatória, mas, erradicar o mosquito, isso tem de ser, obrigatoriamente, uma meta se podemos erradicar a doença controlando o mosquito?

Milton Moura Lima

E quanto vai custar a manutenção desse índice baixo?

Keyla Marzochi

Vai custar tanto quanto a erradicação, porque já erradicamos várias vezes. A vigilância é necessária tanto para manter o estado de erradicação quanto o de controle. Só estou dizendo isso para sermos mais realistas, pois podemos nos desgastar por não alcançarmos a erradicação num país como o nosso.

Milton Moura Lima

Qual seria o problema? De emprego? Da dispensa de um grande número de homens que são necessários? Eles poderiam ser aproveitados em saúde pública para fazer outras coisas. O que se faz com relação às verminoses? Nada. E com relação ao tratamento de tuberculosos? Não poderia ser feito por eles, que já visitam casas, o aproveitamento de seu trabalho após a erradicação?

Jaime Benchimol

Dr. Milton, a varíola é um exemplo de como a medicina científica foi capaz de subjugar e erradicar uma doença. Agora, no de um vetor animado, existe algum caso que possa ser tomado como exemplar? Ou é uma meta de que sempre se chega perto mas que nunca se alcança? Por outro lado, os vírus e os hospedeiros também não mudam ao longo do tempo? Não existem outros mosquitos que podem vir a ser transmissores da dengue, da febre amarela? O vírus também tem história, não é?

Keyla Marzochi

Gostaria de aproveitar sua pergunta para perguntar aos nossos entomologistas até que ponto a presença do Aedes aegypti não impede, ecologicamente, sua substituição pelo Aedes albopictus, que é um potencial transmissor? Até que ponto os estudos ecológicos nos permitem responder perguntas desse gênero?

Milton Moura Lima

Olha, tenho me batido por isso no decurso da programação da erradicação do Aedes aegypti. Aqui no Rio de Janeiro se o município realmente ficar com a responsabilidade por este programa, nós vamos ter que combater também o albopictus. Porque a cepa que se acha nos Estados Unidos não é a mesma daqui. Estudos mostraram que são bem diferentes. A capacidade vetorial da cepa deles, para a dengue, é bem maior. Não se tem evidência de que o albopictus participou da transmissão da dengue entre nós porque não houve nenhum estudo. Onde ele está sozinho parece que não tem dengue. Mas não podemos garantir que, em companhia do Aedes aegypti, no Rio de Janeiro, não tenha participado da transmissão. Na malária, por exemplo, em todos os municípios do Brasil, o Anopheles albimanus estava presente, mas era transmissor secundário. Ele só figurava como transmissor quando aparecia junto com darlingi ou com aquasalis. Sozinho, tornava-se praticamente nulo. O dr. Herman localizou o vírus da dengue em larvas do Aedes albopictus, o que implica transmissão transovariana. E agora?

Jair Rosa Duarte

Os sorotipos podem ter variação genética. A coisa é bastante móvel...

Milton Moura Lima

Até hoje, em febre amarela e dengue, nenhum de nossos outros Aedes participou da transmissão. Estudos foram feitos, muitos aliás. Temos outras espécies de Aedes, e havia suspeita de que viessem a participar da transmissão da febre amarela. Mas estudos realizados à época do desaparecimento do Aedes aegypti mostraram que a febre amarela desapareceu.

Jair Rosa Duarte

O albopictus transmite dengue no Sudeste asiático e não transmite no Brasil. Será que vai continuar para sempre assim?

Milton Moura Lima

Se entrar a cepa dos Estados Unidos...

Jaime Benchimol

Qual é o conceito de cepa?

Dengue - Número de casos notificados por ano e por unidade federada, Brasil - 1982 a 1997

Milton Moura Lima

São variações genéticas que ocorrem em decorrência do ambiente. Do gambiae, por exemplo, existem, seis variedades. Uma pica só o homem, e é o maior transmissor de malária do mundo. Há outra variedade que não transmite.

Jair Rosa Duarte

A propósito do albopictus que entrou no Brasil, lembro que no Sudeste da Ásia, na Tailândia, existem duas cepas, uma de região quente, e outra de região fria. Dizia-se que a cepa que infestou os Estados Unidos foi esta última. Por isso, encaminhou-se para a direção Norte. No Brasil, ela estava só no Sudeste, mas agora já se encaminhou para Santa Catarina. Então, será que o Brasil só tem a cepa de região quente? Ou já tem a da fria também?

Jaime Benchimol

O uso por décadas e décadas de inseticida pode ter produzido cepas novas?

Jair Rosa Duarte

Não. A pressão do inseticida é exercida pelo homem mas funciona como seleção natural. A resistência preexiste nos insetos. Tem-se, então, suscetíveis e resistentes. A população destes últimos é sempre muito menor. A eliminação de suscetíveis pelos inseticidas vai aumentando a probabilidade de cruzamento entre aqueles que têm resistência. Aí, em pouco tempo, inverte-se a proporção. Isso implica sérios problemas para o combate químico ao vetor. As cepas novas de mosquito surgem da dispersão, de populações de outros ambientes, e longos períodos de isolamento reprodutivo das populações originais.

Jaime Benchimol

Então, como vocês podem falar em erradicação?

Jair Rosa Duarte

De uma maneira geral, os técnicos têm uma resistência a essa idéia de erradicação. Ela não deve ser uma meta obrigatória. Devemos até procurar alcançá-la, mas ela não deve ser colocada como meta. O importante é fazer trabalhos consolidados, avançar consolidando resultados, melhorando o saneamento. O Rio de Janeiro, por exemplo, sofre de uma coisa terrível, que é o abastecimento intermitente. Até em favelas que passaram a ter o abastecimento de água, a população continua a manter os tambores dentro de casa, porque a água não entra sistematicamente na caixa. Nos Estados Unidos não têm caixas d’água porque o abastecimento é pleno, as tubulações estão sempre cheias.

Jair Rosa Duarte

No Rio de Janeiro perdeu-se uma oportunidade interessante de resolver um problema importante. Em 1991 fez-se uma lei obrigando a limpeza das caixas d’água, mas não se incluiu nela a necessidade de estarem bem vedadas e de o ladrão ser telado. Porque o mosquito entra pelo ladrão ou pelas frestas de uma tampa avariada, e lá se estabelece. Na Índia, para se evitar o cólera, os recipientes de água das casas são tipo ânfora, de bico fino, têm aquela forma que impede as pessoas de enfiarem a mão. Um aspecto cultural ajuda a resolver o problema...

Keyla Marzochi

Além da falta de manutenção das caixas d’água, não se tem nenhuma fiscalização. Criam-se leis de saneamento mas não se tem nenhuma preocupação com a manutenção delas. Os relógios de luz não são medidos? Por que as caixas d’água não podem ser fiscalizadas?

Ficha técnica

Produção do debate e transcrição de fitas:

Anna Beatriz de Sá Almeida

Revisão técnica:

Keyla Marzochi, Jair Rosa Duarte

Revisão:

Maira Parula

Edição:

Jaime Benchimol, Ruth B. Martins

Digitalização e tratamento de imagens:

Fernando Vasconcelos

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  • 1
    Ver ‘Dengue, a mais nova endemia “de estimação”’.
    Cadernos de Saúde Pública (Especial sobre a dengue). Rio de Janeiro, 2 (3), pp. 133-41, abr.-jun., 1987. Ver, ainda, Marzochi, K. ‘Dengue in Brazil — situation, transmission and control — a proposal for ecological control’.
    Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, vol. 89 (2), pp. 235-45, abr.-jun., 1994.
  • 2
    Museu interativo dedicado às ciências da vida, cujo projeto é coordenado pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, em processo de implantação e com inauguração prevista para o próximo mês de setembro.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 1998
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