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GOLIN, Célio; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo; RIOS, Roger Raupp (Org.). Homossexualidade e direitos sexuais: reflexões a partir da decisão do STF. Porto Alegre: Sulina, 2011. 198 p.

GOLIN, Célio; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo; RIOS, Roger Raupp. (Org.). Homossexualidade e direitos sexuais: reflexões a partir da decisão do STF. Porto Alegre: Sulina, 2011. 198 p.

O livro Homossexualidade e direitos sexuais: reflexões a partir da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), organizado por Célio Golin, Paulo Gilberto Cogo Leivas e Roger Raupp Rios, publicado em 2011, surgiu no aniversário de 20 anos de fundação do Nuances - Grupo pela Livre Expressão Sexual, em Porto Alegre. Também foi o ano da decisão do STF (ADI 4277 e a ADPF 132) que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Trata-se de um trabalho conjunto de diversos autores e autoras que analisam a referida decisão, bem como outros temas relacionados aos direitos sexuais.

Os capítulos são independentes entre si e abordam, em linhas gerais e sob a luz da decisão do STF, os seguintes pontos: como a democracia deve ser capaz de assegurar direitos às minorias; o direito ao reconhecimento para gays e lésbicas; educação, direitos sexuais, laicidade e diversidade sexual em âmbito escolar. Também são tecidos comentários e feitas análises acerca dos votos proferidos pelos ministros da corte constitucional, bem como apresentada a história do grupo Nuances.

Inicialmente o caminho percorrido pelo grupo é narrado, sendo que o autor destaca sua importância e as conquistas alcançadas por meio do seu ativismo. Traz uma análise embasada por John Stuart Mill (On liberty, 1974) no sentido de que a democracia é passível de suprimir certos direitos de grupos menores e/ou marginalizados sob a justificativa de representar a vontade da maioria. O autor alerta para a necessidade de não se deixar que a maioria oprima os demais. Chama atenção para o fato de que o direito de uma democracia não é apartado da moral, mas permeado por uma moral dotada de caráter crítico em detrimento daquela autoritária. Nesse sentido, defende que o direito é capaz de promover mudanças e remover injustiças através da mobilização de certas instituições jurídicas, tais como ação coletiva e ação civil pública.

A luta por reconhecimento dos sujeitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) não passa simplesmente por resgatar a dignidade daqueles que a tiveram violada, mas também é imprescindível lutar contra a injustiça, preconceito e violência que envolvem todo o grupo. “Dessa forma, não é uma luta pelo convencimento da maioria quanto ao valor de uma minoria, mas uma luta pelo pluralismo” (p. 46).

Ao comentar a decisão e os votos de alguns dos ministros, o autor reconhece a importância da mesma no que tange ao reconhecimento das uniões familiares entre pessoas do mesmo sexo, no entanto, destaca que a luta ainda não acabou, pelo contrário, deve ser constante em direção dos e pelos direitos sexuais. Ainda comentando sobre isso, outro autor também discorre sobre a afirmação de tais direitos no sentido de que ela ultrapassa uma identidade sexual específica, abrangendo práticas não necessariamente ligadas a uma condição de identidade, tais como a prostituição e o sadomasoquismo. Ainda, baseia sua posição nos direitos fundamentais/humanos, que devem ser contemplados e observados dentro do direito de família para que se abarquem institutos e conteúdos das uniões homossexuais.

Quanto ao reconhecimento dessas uniões pelo Judiciário, ele rebate as críticas baseadas na tese do ativismo judicial ou usurpação do papel do Legislativo com um estudo de determinados votos proferidos pelos ministros no sentido de que foram baseados em argumentação jurídica fundada na própria Constituição e numa interpretação sistemática, e não em meras convicções pessoais. Ademais, também ressalta que usualmente a proteção das minorias inicia-se por aquele poder.

Também é criticada a exaltação ao afeto ao utilizar-se a expressão “homoafetivas”, porque as relações entre pessoas do mesmo sexo não são exclusivamente baseadas no afeto, sendo possível falar-se em relações homoeróticas. Ao relegar a sexualidade ao segundo plano, homoafetividade dá a ideia de submissão e adequação às normas e padrões (heteronormativos) impostos.

Sobre laicidade estatal e ensino religioso, são observados os riscos de comprometer a primeira diante dos parâmetros estabelecidos para essa disciplina curricular nas escolas brasileiras e também como os materiais didáticos religiosos são capazes de se dobrar às interpretações que cada local faz dos mesmos. Por último, quanto aos direitos dos transgêneros, a autora destaca a importância de serem superadas as concepções dos modelos biomédicos de tais sujeitos, apresentado um rol de conceitos diversos e ressaltando a necessidade de fortalecer os direitos sexuais e a construção de suas identidades.

Analisando diversos aspectos referentes ao tema, a obra ora em estudo traz uma análise muito pertinente sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, haja vista que a coexistência em meio à diversidade nem sempre é livre de conflitos, principalmente no que tange à diversidade sexual. Eskridge Jr. e Hunter (2004ESKRIDGE JR., W. N.; HUNTER, N. D. Sexuality, gender and the law. New York: Foundation Press, 2004., p. 407, tradução minha) dispõem que “a razão pela qual nossa sociedade acha tão difícil resolver os problemas relativos à sexualidade é que existem desacordos fundamentais até mesmo sobre o que ela seja”, corroborando a ideia de falta de consenso.

Frente a esses conflitos, destaco a função pacificadora do direito, capaz de e responsável por trazer equilíbrio nas relações sociais, sendo que não pode ficar alheio a esse papel. Desse modo, a obra soma e é pertinente no sentido de que os direitos sexuais devem ser fundamentados e inseridos no âmbito dos direitos humanos, estando em consonância com a observação de Žižek (2011ŽIŽEK, S. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo, 2011. (Coleção Estado de Sítio)., p. 181), para o qual se deve atentar à falsa universalidade dos mesmos, haja vista que nem todos estão dentro da sua área de proteção, fazendo uma analogia à figura de um guarda-chuva, existindo direitos que não são cobertos por ele.

Por fim, também é digno de nota que a obra é inteligível e de fácil leitura, capaz de somar-se ao arcabouço doutrinário que retrata a luta do movimento LGBT, sem deixar de considerar as palavras de Corrêa, Petchesky e Parker (2008CORRÊA, S.; PETCHESKY, R.; PARKER, R. Sexuality, health and human rights. New York: Routledge, 2008., p. 161), para os quais, no final das contas, “human rights by themselves are necessary but insufficient to meet the demands of justice”. Muitas lutas foram vencidas, mas ainda há outras ocorrendo e diversas por vir. O movimento LGBT não pode se contentar com o espaço conquistado, se aquietar diante de flagrantes violações aos seus direitos e se acovardar frente à opressão.

Referências

  • CORRÊA, S.; PETCHESKY, R.; PARKER, R. Sexuality, health and human rights New York: Routledge, 2008.
  • ESKRIDGE JR., W. N.; HUNTER, N. D. Sexuality, gender and the law New York: Foundation Press, 2004.
  • ŽIŽEK, S. Bem-vindo ao deserto do real São Paulo: Boitempo, 2011. (Coleção Estado de Sítio).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018
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