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Esclerose tuberosa: avaliação de miofibroblastos em angiofibromas cutâneos - relato de caso

Resumos

Esclerose tuberosa é uma condição rara e autossômica dominante. Miofibroblastos são células que exibem fenótipo híbrido entre fibroblastos e células musculares lisas. O objetivo deste caso clínico é mostrar as características clínicas e histopatológicas da esclerose tuberosa e avaliar miofibroblastos nos angiofibromas cutâneos dessa condição. Lesões removidas foram coradas em HE e tricrômico de Masson. Para determinar a presença de miofibroblastos foi usada imunoistoquímica para α-SMA. Essa reação mostrou-se negativa para miofibroblastos. Como α-SMA é um marcador específico para essas células, esse resultado sugere que miofibroblastos não estejam envolvidos com os angiofibromas da esclerose tuberosa descrita.

Angiofibroma; Esclerose tuberosa; Genética


Tuberous sclerosis is a rare autosomal dominant disorder. Myofibroblasts are cells with a hybrid phenotype between fibroblasts and smooth muscle cells. The objective of this study is to describe clinical and histopathological characteristics of tuberous sclerosis and to conduct an immunohistochemical evaluation of myofibroblasts in cutaneous angiofibromas present in this condition. Lesion sections removed were stained with hematoxylin-eosin and Masson's trichrome. Immunohistochemistry against α-SMA was done to determine the presence of myofibroblasts, and the reaction was negative. Since α-SMA is a specific marker for myofibroblasts, this result suggests that myofibroblasts are not involved in cutaneous angiofibromas present in the tuberous sclerosis case reported.

Angiofibroma; Genetics; Tuberous sclerosis


CASO CLÍNICO

Esclerose tuberosa: avaliação de miofibroblastos em angiofibromas cutâneos - relato de caso

Erick Gomes PerezI; Lívia Ribeiro ParanaíbaII; Paulo Rogério BonanIII; Julian Miranda Orsi JúniorIV; Adriano Macedo de OliveiraV; Hercílio Martelli JúniorVI

IEspecialista em cirurgia bucomaxilofacial pela Universidade de Alfenas (Unifenas) - Alfenas (MG), Brasil

IIDoutoranda em estomatopatologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - Piracicaba (SP), Brasil

IIIProfessor adjunto da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) - Montes Claros (MG), Brasil

IVProfessor da Faculdade de Odontologia da Universidade de Alfenas (Unifenas) - Alfenas (MG), Brasil

VProfessor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Alfenas (Unifenas) - Alfenas (MG), Brasil

VIProfessor titular da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) - Montes Claros (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Hercílio Martelli Júnior Rua Olegário da Silveira, 125/201 - Centro 39400 092 Montes Claros MG Brasil E-mail: hmjunior2000@yahoo.com

RESUMO

Esclerose tuberosa é uma condição rara e autossômica dominante. Miofibroblastos são células que exibem fenótipo híbrido entre fibroblastos e células musculares lisas. O objetivo deste caso clínico é mostrar as características clínicas e histopatológicas da esclerose tuberosa e avaliar miofibroblastos nos angiofibromas cutâneos dessa condição. Lesões removidas foram coradas em HE e tricrômico de Masson. Para determinar a presença de miofibroblastos foi usada imunoistoquímica para α-SMA. Essa reação mostrou-se negativa para miofibroblastos. Como α-SMA é um marcador específico para essas células, esse resultado sugere que miofibroblastos não estejam envolvidos com os angiofibromas da esclerose tuberosa descrita.

Palavras-chave: Angiofibroma; Esclerose tuberosa; Genética

INTRODUÇÃO

Esclerose tuberosa (ET) é uma doença congênita, genética, autossômica dominante, com alta penetrância e expressividade variada. É uma condição de distribuição universal, sem predileção para raça ou gênero.1 A prevalência estimada é de 1:10.000 nativivos;2 contudo em mais de 50% dos casos pode apresentar incidência de 1:50.000 a 1:300.000, devido a elevada frequência de novas mutações.3 Cerca de 50% a 84% das ocorrências não apresentam história familial.3

A ET é uma condição multissistêmica, caracterizada em sua forma complexa por lesões que atingem encéfalo, rins, pulmões, pele e outros órgãos.4 As manifestações cutaneomucosas raramente surgem durante o nascimento e aparecem no período da puberdade.1 As lesões cutâneas clássicas referem-se aos múltiplos angiofibromas na face, que surgem geralmente entre os cinco anos e a puberdade. Normalmente os angiofibromas localizam-se na face, podendo assumir a distribuição em "asa de borboleta" sobre a região nasomalar, apresentando consistência flácida e coloração róseo-pálida.5

Miofibroblastos são células mesenquimais que exibem fenótipo híbrido com características de fibroblastos e de células musculares lisas e se caracterizam pela elevada expressão de isoformas de α-actina (α-SMA).6 Estudos demonstraram a presença de células com características de miofibroblastos em tecidos normais especializados e em uma variedade de condições alteradas, como na doença de Dupuytren, na fibromatose gengival hereditária, na pancreatite fibrosa induzida por ciclosporina A e nas fibroses pulmonar, renal e hepática.7,8

Assim, este estudo objetiva, através do relato de um caso clínico, avaliar a presença de miofibroblastos em angiofibromas cutâneos na esclerose tuberosa.

CASO CLÍNICO

Paciente masculino, leucoderma, de 18 anos, com diagnóstico de esclerose tuberosa, usuário de cadeira de rodas, foi encaminhado com sua mãe ao Hospital Universitário para avaliação e tratamento, apresentando também odontalgia. Na anamnese, relatou-se que o paciente apresentava oligofrenia, constipação intestinal e múltiplas lesões em pele. Também foi relatada história pregressa de epilepsia. O paciente fazia uso de clonazepam (6 mg/dia), fenobarbital (300 mg/dia), lamotrigina (200 mg/dia), clobazam (20 mg/dia) e penicilina benzatina (1 ampola/21 dias). Ao exame físico, observou-se foliculite extensa na região inguinal e um quadro acneico importante na região cervical e dorso do tórax, com cicatrizes extensas e áreas fistulosas. O paciente apresentava múltiplas lesões (compatíveis com angiofibromas), assintomáticas e firmes à palpação, distribuídas, respectivamente, na face e tórax (Figuras 1 e 2). Além das lesões cutâneas, verificava-se a presença de defeitos no esmalte dental, compatíveis com amelogênese imperfeita. A mãe informou que não havia história de consanguinidade na família e que os demais filhos não apresentavam qualquer alteração. Relatou também que as lesões cutâneas do filho aumentaram consideravelmente nos três últimos anos.



Após realização do exame clínico, o paciente foi encaminhado para realização de exames complementares (incluindo exames imaginológicos) para os diversos órgãos internos normalmente acometidos pela ET. A tomografia computadorizada do crânio evidenciou imagens sugestivas de múltiplas calcificações intracranianas, além de sulcos corticais apagados e dilatação do terceiro ventrículo. Seguiu-se o planejamento para remoção cirúrgica das lesões cutâneas, que foi realizada sob anestesia geral. Após a remoção, as lesões foram fixadas em formol a 10% e submetidas a processamento histopatológico. Em parafina, os tecidos foram corados em hematoxilina e eosina (HE) e tricrômico de Masson (TM). Na HE observaram-se tecido conjuntivo denso não modelado com componente colagênico evidente, vasos sanguíneos, infiltrado inflamatório mononuclear, anexos e epitélio de superfície hipermelanótico. Essas características microscópicas foram compatíveis com diagnóstico de angiofibroma (Figura 3). A coloração de TM mostrou tecido conjuntivo com fibras colágenas evidenciadas em azul, vasos sanguíneos e infiltrado inflamatório mononuclear (Figura 4). Para determinar a presença de miofibroblastos nas lesões de pele, os tecidos foram submetidos à reação de imunoistoquímica para proteínas α-SMA.9 Análise imunoistoquímica revelou que as amostras teciduais dos angiofibromas foram negativas para α-SMA no tecido conjuntivo, exceto nas paredes da musculatura lisa (controle interno positivo) (Figura 5).




DISCUSSÃO

Embora represente uma condição genética autossômica dominante, os mecanismos genéticos envolvidos na ET ainda não são completamente conhecidos. As alterações genéticas foram, até o presente, descritas em dois loci distintos: o TSC1 e o TSC2.10 O gene TSC1 é responsável por 80% a 85% das mutações, localiza-se no braço longo do cromossomo 9q34 e codifica a hamartina, que regula eventos bioquímicos de adesão celular.10 O gene TSC2 responde por 15% a 20% das mutações na ET, estando associado a manifestações clínicas mais graves.10 Está localizado no cromossomo 16p13 e codifica a tuberina, proteína implicada na regulação do transporte de vesículas do citoplasma para a membrana e nos mecanismos de regulação das mitoses.11 Ambos genes apresentam efeitos inibitórios sobre o crescimento, proliferação e migração celular pois estimulam a passagem de células, que se encontravam latentes na fase G0, no ciclo celular, na fase S. Sabe-se também que a harmartina altera a adesividade celular e a tuberina ativa o gene Ras, mas a maneira como essas duas proteínas interagem, como supressores tumorais, ainda é desconhecida. Assim, a ausência ou hipofunção desses genes supressores de tumor associa-se ao quadro clínico ET.10,11

No presente caso clínico descrito, o paciente não apresentou histórico familial positivo para ET, e não havia história de casamento consanguíneo entre os pais. O paciente constituiu caso único na família, caracterizando provavelmente uma nova mutação. A mãe relatou que desde a infância o paciente apresentava crises epilépticas, com alterações neurológicas (oligofrenia). Observou-se ainda na TC a presença de imagens sugestivas de múltiplas calcificações intracranianas, além de sulcos corticais apagados e dilatação do terceiro ventrículo. As manifestações neurológicas mais proeminentes na ET incluem deficiência mental, ataques epilépticos e anormalidades do comportamento. Os tubérculos da ET são lesões focais que predominam na estrutura cinzenta e são caracteristicamente pálidos e de consistência mais firme que a do cérebro.11

As alterações cutâneas clássicas em portadores de ET incluem os múltiplos angiofibromas faciais, preferencialmente na área de sulcos nasogenianos, zigomático e mento. Máculas hipomelanóticas em formato de folha, fibromas periungueais e lombossacrais completam o quadro dermatológico.10 As lesões cutâneas surgem geralmente entre os cinco anos e a puberdade. São pequenos tumores localizados no interior da derme. Máculas hipomelanóticas em forma de folha, lesões cutâneas em confete, placas de Shagreen, fibromas periungueais e placas fibróticas na região lombossacral podem estar presentes.11 Outras lesões cutâneas que ocorrem na ET são os harmartomas do tecido conjuntivo, podendo ser vasculares, fibrosos ou dérmicos. Fibromas periungueais múltiplos ou tumores de Koenen são formações pediculadas cor-de-rosa que se originam nos cantos das unhas e histologicamente parecem neurofibromas.11 O paciente avaliado apresentou múltiplas lesões cutâneas com diagnóstico histopatológico de angiofibromas. A mãe relatou que as lesões apareceram na infância com agravamento nos últimos três anos e ampla concentração na face.

Os aspectos histopatológicos encontrados na HE e na coloração de TM foram similares aos descritos na literatura, compatíveis com o diagnóstico microscópico de angiofibroma. Após análise em HE e TM, as lesões foram submetidas a reações imunoistoquímicas para avaliação da presença ou não de miofibroblastos. No presente caso clínico não foi evidenciada a presença de miofibroblastos. Essas células, quando ativadas, sintetizam elevados níveis de proteínas da matriz extracelular, particularmente colágeno, e reduzidos níveis de metaloproteinases da matriz, participando de diversos processos fibróticos. Morfologicamente, os miofibroblastos são caracterizados pela presença de intenso aparato contrátil, contendo um empacotamento de miofibrilas de actina, principalmente α-SMA, associado a proteínas como miosina e fibras do estresse.12 Os mecanismos que desencadeiam a transdiferenciação dos miofibroblastos permanecem desconhecidos, porém tem sido demonstrada a importante participação de TGF-β1 nesse processo.13 Métodos de bloqueio da síntese de TGF-β1 vêm sendo testados como forma de tratamento de doenças causadas por fibroses intersticiais.13

Os critérios para o diagnóstico da ET foram propostos por Gomez (1979),14 que os dividiu em maiores e menores. Esse sistema de classificação baseia-se em aspectos clínicos e imaginológicos. Contudo, a tríade clássica da doença consiste de epilepsia, retardo mental e angiofibromatose facial.11 No presente caso o paciente apresentava características para preenchimento do diagnóstico clínico de ET. Além das características dermatológicas e neurológicas, destacavam-se as alterações dentais, compatíveis com amelogênese imperfeita. O paciente encontra-se em acompanhamento há um ano, sem sinais de recidiva das lesões até o presente momento. Além do tratamento dermatológico, o paciente recebeu tratamento odontológico, e a mãe foi orientada em relação aos cuidados possíveis para uma adequada higiene bucal.

Recebido em 16.03.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 30.06.09.

Suporte financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - Fapemig e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (HMJ).

Conflito de interesse: Nenhum

* Trabalho realizado no Hospital Universitário Alzira Vellano da Universidade de Alfenas (Unifenas) - Alfenas (MG), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Hercílio Martelli Júnior
    Rua Olegário da Silveira, 125/201 - Centro
    39400 092 Montes Claros MG Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      16 Mar 2009
    • Aceito
      30 Jun 2009
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